O Sofrimento Moral
"Oh! vós, que recusais valor ao
sacrifício de Jesus, por não se achar ele revestido de um corpo
de carne, perecível como os vossos, abri os vossos próprios corações e
perscrutai, com sinceridade,
o fundo de vossas almas. Que preferiríeis: suportar a tortura do corpo, ou
suportar o desespero de testemunhar a ingratidão, a negrura d'alma, o crime
naqueles a quem mais amor tendes do que a vós mesmos?
"Vós todos, que não vos
encontrais dominados pelo egoísmo, pais, mães, filhos, criaturas humanitárias
que considerais todos os homens como vossos irmãos bem-amados, quais não são os
vossos sofrimentos quando vedes aqueles a quem fizestes objeto do vosso mais
terno amor vos repelirem com desprezo e vos atirarem pedras?
"Jesus não pode ter sofrido
como os outros homens, porque não era da natureza destes!
"Não, a sua natureza não era
idêntica à dos outros homens e por isso ele não sofreu da maneira por que
sofrem os habitantes materiais do vosso planeta inferior. Entretanto, por serem
de outra ordem, seus sofrimentos não terão sido superiores aos da Humanidade
terrena?
"Seu corpo fluídico, de
natureza perispirítica, tangível e visível para os homens, não era suscetível
de experimentar a dor material, porque, efetivamente, as sensações que recebia
nenhuma relação tinham com a impressão dolorosa que causam a amputação de um
membro, a contusão numa parte qualquer do corpo humano. Era, porém, suscetível
de receber impressões exteriores que repercutiam no moral com violência, para
vós, inaudita. Eis porque vos dizemos que Jesus, vítima voluntária do amor que
consagra aos seus protegidos - os homens da Terra, se bem não sofresse do ponto
de vista carnal, sofreu violentamente.
"Para o avaliardes,
esforçai-vos por perceber as sensações que certas naturezas de escol experimentam
quando as punge uma dor moral, a profundeza do golpe que recebem quando lhes
chega uma notícia má, as torturas por que as fazem passar a ingratidão, a
maldade; quando elas se veem, ou veem os que são objeto da sua mais terna
afeição alvo da perseguição ou da calúnia.
"Não prefeririam essas almas
sensíveis uma dor material ao contínuo sofrimento moral que as despedaça? E,
levado a certo ponto, esse sofrimento moral não atinge as proporções materiais
do sofrimento do corpo, não as ultrapassa até? Não lhes altera os órgãos, ao
ponto de causar a sua decomposição? Não vedes muitas vezes a intranquilidade, a
aflição, a consumição lhes acarretarem a morte, no sentido de que produzem nos
seus organismos estragos a que elas não podem resistir? E ainda vos recusareis
a reconhecer que certos sofrimentos morais são verdadeiramente intoleráveis?
"Quais não seriam os
sentimentos de Jesus para convosco? Quais não terão sido a sua mágoa, a sua
tristeza, vendo-vos tão ingratos, tão covardes, tão culpados? Ele sofria e
ainda sofre. O sacrifício a que se votou dura ainda e durará até que haja
reunido todas as suas ovelhas sob as dobras do seu manto protetor.
"Não digais: "Para que
serve um sacrifício imaginário?" Seu sacrifício foi real e tanto mais real
quanto só o Espírito, é capaz de sentir sofrimento.
"Os sofrimentos morais de Jesus
estão em relação com a carência de esforços da vossa parte,
para corresponder aos seus. f, (Tomo[1]
IV, páginas 353/5).
"Jesus, naqueles momentos,
sofria, sofria muito no seu coração pelo endurecimento dos homens. Sofria por
ver que séculos e séculos teriam que passar sobre as vossas cabeças antes que o
batismo do espírito vos purificasse. Sofria, vendo quantos sofrimentos o futuro
reservava a seus irmãos, aos quais votava amor tão ardente que, para lhes
mostrar o caminho que
devem trilhar, consentiu em perlustrá-lo .
"Experimentava as angústias que
dilaceram o coração da mãe extremosa que vê transviados, criminosos, seus
filhos diletos; que vê prestes a caírem sobre eles os rigores da lei; que lhes
brada: "Vinde a mim, vinde a mim e eu vos salvarei; arrependei-vos e
obterei o perdão para vós", e os vê surdos, a lhe voltarem as costas, para
prosseguirem no funesto caminho. Ela não sofre, é certo, na sua carne, a
carinhosa mãe; seus ossos não são despedaçados. Mas, todas as fibras do seu
coração estalam dolorosamente; torturam-na a ansiedade, a aflição pelo futuro
de seus bem-amados!" (Tomo III, pág. 417).
"O sofrimento, na essência
espiritual, é mais forte e mais vivo do que o possam ser, para os vossos
corpos, quaisquer sofrimentos humanos." (Tomo II, pág. 427).
Causas Morais
das Dores Físicas
"Remonte ele à origem do mal, sobretudo
procure sempre a causa moral em todas as dores físicas, dores orgânicas - bem
entendido.
"Aquele que quebra um braço não
pode acusar nenhuma dor secreta ou maus pendores; porém, nos inúmeros males que
afligem a Humanidade, pesquisai bem o fundo dos corações e das consciências e
encontrareis a raiz dessa árvore que se estende por todos os membros. O coração
ou a alma quase sempre estão atacados. Daí a perturbação do sistema nervoso,
fonte de todas as enfermidades, de todos os sofrimentos. Perscrutai os
antecedentes do que sofre e muitas vezes descobrireis o pesar oculto de uma
ação, um acontecimento que interessou a saúde, viciando o sangue que devia
circular puro nas veias." (Tomo Il, pág. 31/2).
Quando
foi dada esta mensagem, Segismundo Freud
era um menino de cinco anos de idade; no entanto, estas últimas linhas parecem
copiadas de um tratado de Psicanálise. Não só Freud atribui as doenças a recalques, como, muitos médicos ilustres
hoje compreendem as influências do pensamento e do sentimento sobre a, saúde e
recomendam o cultivo do bom humor, da alegria, para restauração da saúde. A
pouco e pouco a ciência humana vai descobrindo a solidariedade entre o corpo e
o Espírito. Tendemos ao médico-sacerdote que trate simultaneamente do corpo e
da alma, como o fazia Jesus.
Nos
povos primitivos as funções do médico e sacerdote eram exercidas pelo mesmo
individuo. A esse respeito escreveu Stefan Zweig um livro precioso com o título "Heilung durch den Geist"
("A cura através do espírito"). Quando nos libertarmos de todos os
nossos defeitos morais, não formos mais escravos do pecado, ficaremos livres
também das doenças. Compreende-se que isso levará longo tempo, porque trazemos
uma bagagem muito pesada de encarnações pretéritas e teremos que expiar todas
as faltas, antes de chegarmos à perfeição moral que refletirá em benefício de
nosso físico.
Presentemente
a Humanidade da Terra passa por uma onda de materialismo que nos impressiona.
As crenças antigas não satisfazem mais ao homem intelectualmente desenvolvido e
ele as abandona, mesmo quando se conserva profitente de uma igreja. O
Espiritismo ainda se acha pouco desenvolvido na sua missão de substituir as
antigas crenças simplistas. Também ele se perdeu, em muitos países, num
emaranhado de sofismas e experimentação estéril.
Parece
longe o tempo em que em todos os povos do mundo o Espiritismo se divulgue
suficientemente para transformar a nossa
civilização materialista. As mensagens dos nossos Maiores nos advertem de que
essa restauração do Cristianismo terá que partir do nosso país e como o Brasil
ainda exerce pouquíssima influência no sentimento universal, por isso que sua
língua nacional é um túmulo para o pensamento, vemos que essa missão não se
acha num futuro próximo, mas muito afastado; porque, antes disso, terão que ser
abolidas as barreiras linguísticas que insulam intelectualmente os povos.
Compreendendo esse aspecto linguístico do magno problema, a Federação Espírita
Brasileira incorporou a divulgação do Esperanto à sua tarefa, e vai dando os
primeiros passos na preparação desse glorioso porvir. Não ignoramos que será
trabalho longo, mas sabemos igualmente que temos em nossa
frente todos os séculos e milênios vindouros, porque a morte não existe e o Senhor da Seara nos
permitirá voltar ao seu serviço tantas vezes quantas se faça mister para cumprirmos
fielmente nossas tarefas.
Virá
o tempo em que não teremos o sofrimento moral nem o físico, porque estarão
vencidos o pecado e a dor.
‘Reformador’ (FEB) Abril 1950
[1]
Refere-se aos quatros tomos que constituem ‘Os Quatro Evangelhos’ coordenados por J-B
Roustaing.
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