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domingo, 21 de novembro de 2021

Desânimo

 

Desânimo

de João Maria do Nascimento (em 13-3-61)

por Porto Carreiro Neto

 Reformador (FEB) Outubro 1962

 

Se te assedia a dor, e a alma se aperta

Em liquefeito círculo de lava;

Se tens no peito uma ferida aberta

Por um punhal que fundo se lhe crava;

 

Se tudo em torno de ti é qual deserta

Amplidão ou charneca imunda e brava;

Se dos Céus não te chega a voz de alerta,

Que te livres da peia que te entrava;

 

Se te julgas perdido, sem remédio;

Se preferes a morte, a inércia, o tédio

Ao viver, às labutas, à alegria;

 

Teu coração ainda não conhece

A Paz de Deus, nas asas de uma prece,

Essa luz que transforma a noite em dia!


segunda-feira, 1 de março de 2021

A natureza do indivíduo

                   Emmanuel

A natureza do indivíduo

Emmanuel por Porto Carreiro Neto

Reformador (FEB) Março 1949

 Amigo,

            Não estejamos a ingerir-nos em o que não nos toca, mas empenhemo-nos em o que nos concerne. Muitos problemas há, que não nos cabe resolver. São transcendências para nós, que mal enxergamos no grande oceano de nossas poucas faculdades e muita ignorância. Busquemos estudar o círculo em que nos debatemos, antes de procurar ultrapassá-lo; baste-nos esse círculo, que já é imenso para nossa pequenez. Olhemos em torno, e veremos quanto há que fazer. Sobram-nos problemas de como havemos de vencer a nós mesmos. Lutamos nas canseiras do desespero e da incompreensão, ansiados por libertar-nos desse círculo de ferro em que nos aprisionamos, enclausurados numa cegueira que nos furta a visão de maiores grandiosidades. Reconheçamos nossa mesquinhez dentro dum Universo infinito. Vejamos nossa miséria olhando a nós mesmos, empecidos (dificultados) os passos na áspera via do progresso, enquanto nos é fácil o torvo caminho das paixões. No altar divino, do Senhor Nosso que é longanimidade, sacrifiquemos a jactância (arrogância) e toda sofreguidão de transcender nosso minúsculo âmbito de conhecimentos. Repito-te: pesquisemos esse círculo, que muito já estudaremos e muito alcançaremos. Saibamos compreendê-lo, que ele se dilatará; e então, sem dele sairmos, verificaremos que os horizontes recuam.

            A Natureza é infinita; a cada qual é concedida uma parte, e a parte primeira é o nosso mundo interior. Quem somos? É o indivíduo um complexo tão grande, que pudéramos dizer ser ele uma Obra-prima da Criação de Deus. Nele se enfeixa tudo quanto o Senhor criou de belo. Mas o homem se incorpora as mais negras vilanias (mesquinharias), que empanam (dificultam) a virtude maior - O Amor; tece em torno do raio divino a névoa mais densa e caliginosa (tenebrosa). Onde exuberaria a grandeza, reina a sordícia (sordidez); onde estrugiria (ecoaria) a sublimidade, dorme pesado sono um abismo asqueroso. Como há de, então, embevecê-lo o fulgor das estrelas, se vive na sombra; como enlevá-lo a harmonia, quando é paradoxo e contraste em si mesmo; como extasiá-lo a maviosa linguagem das aves, quando a sufocam os sinistros urros de fera?

            Estudemo-nos a nós mesmos, na maravilha da Criação. As leis universais em nós mesmos se enquadram e a nós próprios se aplicam. O equilíbrio que governa o Universo em nós se faça, para não negarmos que somos realmente obra do Arquiteto insuperável. Então, expungir-se-ão (desaparecerão) de nós o egoísmo e a megalomania: viveremos em nós, mas não para nós; e, não ultrapassando a nós, encerraremos, por isto mesmo, a grandeza da Criação.


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

A natureza do indivíduo

 


A natureza do indivíduo

Emmanuel por Porto Carreiro Neto      

Reformador (FEB) Março 1949

Amigo,

             Não estejamos a ingerir-nos em o que não nos toca, mas empenhemo-nos em o que nos concerne. Muitos problemas há, que não nos cabe resolver. São transcendências para nós, que mal enxergamos no grande oceano de nossas poucas faculdades e muita ignorância. Busquemos estudar o círculo em que nos debatemos, antes de procurar ultrapassa-lo; baste-nos esse círculo que já é imenso para nossa pequenez. Olhemos em torno, e veremos quanto há que fazer. Sobram-nos problemas de como havemos de vencer a nós mesmos. Lutamos nas canseiras do desespero e da incompreensão, ansiados por libertar-nos desse círculo de ferro em que nos aprisionamos, enclausurados numa cegueira que nos furta a visão de maiores grandiosidades. Reconheçamos nossa mesquinhez dentro dum Universo infinito. Vejamos nossa miséria olhando a nós mesmos, empecidos os passos na áspera via do progresso, enquanto nos é fácil o torvo caminho das paixões. No altar divino do Senhor Nosso que é longanimidade, sacrifiquemos a jactância e toda sofreguidão de transcender nosso minúsculo âmbito de conhecimentos. Repito-te: pesquisemos esse círculo, que muito já estudaremos e muito alcançaremos. Saibamos compreende-lo, que ele se dilatará; e então, sem dele sairmos, verificaremos que os horizontes recuam.

            A Natureza é infinita; a cada qual é concedida uma parte, e a parte primeira é o nosso mundo interior. Quem somos? É o indivíduo um complexo tão grande, que pudéramos dizer ser ele uma Obra-prima da Criação de Deus. Nele se enfeixa tudo quanto o Senhor criou de belo. Mas o homem se incorpora as mais negras vilanias, que empanam a virtude maior – o Amor; tece em torno do raio divino a névoa mais densa e caliginosa (sombria). Onde exuberaria a grandeza, reina a sordícia (sordidez); onde estrugiria (ecoaria) a sublimidade, dorme pesado sono um abismo asqueroso. Como há de, então, embevecê-lo o fulgor das estrelas, se vive na sombra; como enlevá-la a harmonia, quando é paradoxo e contraste em si mesmo; como extasiá-lo a maviosa linguagem das aves, quando a sufocam os sinistros urros de fera?

            Estudemo-nos a nós mesmos, na maravilha da Criação. As leis universais em nós mesmos se enquadram e a nós próprios se aplicam. O equilíbrio que governa o Universo em nós se faça, para não negarmos que somos realmente obra do Arquiteto insuperável. Então, expungir-se-ão (limpar) de nós o egoísmo e a megalomania: viveremos em nós, mas não para nós; e, não ultrapassando a nós, encerraremos, por isto mesmo, a grandeza da Criação.


domingo, 20 de dezembro de 2020

Morreu!

 


Morreu!

Durval de Andrade    por  Porto Carreiro Neto

Reformador (FEB) Novembro 1963

 

            “Morreu!” - foi a resposta de um amigo

            Quando pela saúde perguntei

            De um velho companheiro, que comigo

            Muito tempo vivera... Ouro de lei!

 

            “Morreu!” - repetiu ele – “e não consigo

            Esquece-lo jamais! Oh, não! Não sei!

            Nunca soube sequer de um inimigo

            Daquela alma distinta em sua grei!”

 

            E chorava... Minh’ alma... comovida,

            Pranteava também... Que vale a vida,  

            Se a morte lhe arrebata o muito meu?!

 

            Então ouvimos bem ao nosso lado:

            “Que o nome do Senhor seja louvado!

            Que estais chorando? Eu não morri! Sou eu!”


sábado, 25 de janeiro de 2020

O contínuo vai-vem



O contínuo vaivém
Abel Gomes por Porto Carreiro Neto
Reformador (FEB) Março 1951

            Quem sabe a vida que, depois da morte,
            Há de levar o Espírito de alguém,
            Não lhe choremos, se foi mal, a sorte,
            Que tudo é sempre para o nosso bem.

            Por que oremos, para um novo norte,
            Que lhe traga a instrução que lhe convém.
            Que ele a um porto seguro em breve aporte,
            Quais são as obras desse grande Além!

            Em tudo bendigamos a Divina
            Justiça, que duma alma pequenina,
            Seu grande embaixador faz amanhã!

            No contínuo vaivém entre os dois mundos
            Sentimentos se criam, tão profundos,
            Que uma alma é de outra verdadeira irmã!

domingo, 28 de julho de 2019

Domínio material e domínio espiritual



Domínio material e domínio espiritual
Emmanuel por Porto Carrero Neto
Reformador (FEB) Janeiro 1951

Amigo: a paz do Senhor esteja contigo e com todos. No momento em que debatam forças em ataques violentos, na luta duma sobrevivência difícil, uma vez que poucos entendem o que seja a Vida, precisamos entrar em maior contato com os terrícolas, abrindo-lhes os olhos para que seus corações também se descerrem às Verdades Eternas e recebam o Orvalho que o Senhor lhes envia.

Preparemo-nos para grandes lutas, maiores talvez do que as antigas. Em todos os tempos os homens se combateram pelo predomínio material. Não lhes bastou, no entanto, essa regência material, essa conquista de terras, que haveriam de proporcionar-lhes o necessário e o supérfluo. Esse domínio material sempre o acompanhava esse outro, muito maior, que é o espiritual. E hoje essas forças se levantam, cada vez com maior ousadia, fingindo uma soberania  espiritual, no terreno das ideias, para disfarçar o trono material por trás dos bastidores.

Neste particular, todavia, encontram-se homens ainda nas trevas da matéria, submetidos às mesmas regras do mundo material, que é bem diferente do espiritual. Não se podem transplantar conceitos e leis dum terreno paro outro. Não se constrói uma sociedade como se erguem edifícios; não se governam os espíritos pela mesma soma de dinheiro com que se assalariam servos, que nada mais tenham que fazer senão obedecer; e ainda nessa obediência, fala o interesse material, que visa o imediatismo das situações, tão mutáveis quanto os ventos que sopram, ora do norte, ora do sul.

lnfelizmente o conforto material só chamou o homem ao bem terreno, naquilo que mais escraviza o espírito. Além desse conforto nada ou quase nada veem os próprios dirigentes, incapazes de prometer a seus concidadãos - pelos quais de certo modo respondem - a paz no trabalho frutífero, mas - por ironia - trazendo-lhes o desassossego, a ânsia da ambição, a cegueira do haver passageiro, consumindo-lhes a alma com o fogo da intemperança, em vez de acender lhes no coração a lâmpada da renúncia, do serviço a bem de todos, da conquista de si mesmos.

Não há agora senão relembrar-lhes, com energia mais viva, a maior lição da História no capitulo do serviço que visa ponto mais alto que o planeta da dor. Cada qual há de ter ouvido ou ter sido cientificado das lições do Cristo e de conhecer-lhe o exemplo admirável. Fazem-se, porém, surdos a essa voz que, como a de João,
clama no deserto.

Mudar-se-á a face da Terra ao Orvalho que vai pouco a pouco descendo. Cumpre-nos dar-vos a orientação para a conquista de vossos destinos e, por isto, estamos anunciando o trabalho que já está a caminho e que cada vez mais se desenvolverá para a transmudação do planeta.

Estejamos, pois, em posição de sentido, para obedece à voz do comando, Marcharemos sem temor para a frente, após a estagnação que há muito consome a Humanidade. Descerraremos o véu que empana o brilho do Sol da Vida e sentiremos, então, a pujança dessa Força Infinita que nos aguarda para nossa edificação definitiva.

Alerta, portanto, amigos!

sábado, 12 de janeiro de 2019

Lutar



Lutar
Luiz Delfino
por Porto Carreiro Neto
Reformador (FEB) Fevereiro 1958

            Entra na vida, peito enrijecido,
            Pois dos fortes é digno o bom combate!
            Quem tenha Fé e esteja convencido
            Da vitória final, nunca se abate!

            Do desespero guarda-te! sentido!
            Às nossas portas quantas vezes bate!
            Com ele a Vida perde o colorido
            E tem a morte por cruel remate!

            Se “viver é lutar”, então, lutemos!
            Cheios de vida, alegres, chegaremos
            À da Glória que só Deus conhece!

            Não deixemos falir a Esperança!
            Após a Terra vil, com segurança,
            Teremos lá no Céu mais farta messe!

sexta-feira, 2 de março de 2018

Amor Universal



Amor Universal
Jayme Braga
psicografia de Porto Carreiro
Reformador (FEB) Fevereiro 1947

O Prof. Porto Carreiro estava escrevendo uma carta a um amigo, quando
se apresentou seu Guia, Jayme Braga, e ditou um trecho da carta. O trecho do Guia, destacado da missiva, vai impresso aqui, porque interessa a todos; é um ensino sobre a colaboração universal. - A redação.

“Não há dúvida de que só a colaboração pode frutificar: as árvores precisam do solo e do sol, da terra e do espaço. Na árvore vemos a expressão requintada da colaboração, silenciosa e eficiente infatigável e desprendida, conhecendo seu destino, que não é para seu proveito, mas para sustento de outrem: desde a sombra que prodigaliza a quem, ensolarado, morre à abundância de calor - que lhe seria a vida; desde a ave, que lhe procura a ramaria, para construir com esses mesmos ramos o abrigo para a vida e para a morte; desde a flor, que delicia, e o fruto, que mitiga a fome e desaltera a sede; até o próprio cerne, as raízes, a casca, elementos de construção, seja da casa em vida, seja do lar na morte. Ereto e impávido, ou humilde e rastejante - cumpre o vegetal seu destino - que é o destino da comunidade. Em si mesmo demonstra a colaboração de forças e de elementos materiais, dando exemplo do amor sem interesse mesquinho, mas do Amor que olha tão somente a outrem - pois serve com seu próprio sacrifício: despetala-se para adorno, frutifica para alimento, tomba para abrigo. Vivo, dá ainda sombra e refrigério, tranquilidade e segurança, repouso e embalo; morto, consome-se ao fogo voraz, que aos homens aquece o sangue enregelado e lhes prepara o alimento; e as cinzas ainda são úteis a esse mesmo homem que o destruiu, para servir-lhe à vida insaciável. Canta as glórias do Senhor, ao lhe perpassarem as brisas na folhagem. E vive para essa glória; altaneiro, olha, em êxtase, para o céu azul da primavera; submisso, suplica, em contrição, ao céu plúmbeo do inverno. Canta, mas não para si mesmo, senão para embalar os corações amargurados. Conta-lhes a majestade do Além, que sonda pelas folhas do tope; conta-lhes as maravilhas da Terra, perscrutando-lhe os segredos através das raízes. Ligado ao solo, procura, entretanto, a luz; não procura fugir à terra, antes a esta se apoia; mas não lhe esquece que a Vida a deve ao Sol - Fonte de sua Vida maior, para a grandeza de si mesmo.

Nós precisamos dos Grandes e dos pequenos; daqueles que nos determinam as tarefas, nos instruem e conduzem, inspiram e animam, confiam e esperam; como dos humildes, por sua vez nossos indispensáveis auxiliares, os nutridores da nossa energia, os colaboradores acidentais - inspirados, eles mesmos, pelos mesmos inspiradores nossos. São a luz, que incide nas folhas, para reforço da energia invisível; são a terra, que traz o alimento maternal, a ser absorvido pela raiz. São, todos, os elos da infinita cadeia, que indissoluvelmente liga a matéria ao Espírito, no conjunto harmônico do Amor Universal!"

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A Doutrina Espírita


A Doutrina Espírita
por Jayme Braga
psicografia de Porto Carreiro Neto
Reformador (FEB) Maio 1947

ADVERTÊNCIAS    Não farás para ti imagem de escultura, forma alguma do que há em cima no céu, ou em baixo na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes dará culto; porque eu, Jeová teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, na terceira e na quarta geração daqueles que me aborrecem. - Deut. V-8 e 9.

A doutrina espírita é a doutrina cristã; é a doutrina da tolerância e do amor: da compreensão das leis divinas e da submissão aos decretos do Eterno Soberano; da fraternidade em Cristo, o que vale dizer da interpenetração dos corações num mesmo coração universal; de entendimento da Natureza em âmbito mais vasto que o pequenino terreno; da extensão do pensamento para além fronteiras; da continuação do afeto no espaço livre, como no cárcere onde se fazem amizades por sorte comum; do prosseguimento desse afeto entre encarnados e desencarnados, num laço contínuo que se não desfaz, antes se estreita cada vez mais que nos afastamos aparentemente.    

Sim! Essa afeição, que nos liga a todos os filhos do Pai Celestial, antes se exalça que míngua, ao se separarem os corpos, que nada têm com o Espírito. A amizade aqui, como a entendemos, é qual o vinho, que, quanto mais antigo, melhor sabe, e não somente o sabor, senão a essência se vai mais e mais refinando. Os simples mortais estão longe de compreender, o que sejam as ligações espirituais. A simples afeição, cultivada na Terra, misto de sentimentos inerentes à matéria, não pode traduzir o que sentimos, do espaço, pelos que ainda se prendem à argila infamante.  

Comparais muitas vezes a ligação entre os seres humanos com a sinfonia de cordas: se estas vibram em sintonia, sentis atração e casamento. Longe imagem essa, que haveríeis de tomar por traduzir vosso sentimento. Aqui, porém, no espaço, temos novos recursos e novos sentimentos, intraduzíveis na linguagem humana e no sentir dos homens.

Quando o Cristo disse: "Amai-vos uns aos outros, e, acima de tudo, ao vosso Pai que está nos Céus", que sublime pensamento exprimiu, mas, na verdade, que mais sublime sentir lhe lá n’alma! Vós traduzis esse amor à vossa maneira; ele, contudo, muito mais quis exprimir, mas não tinha palavras compreensíveis para vós. Inútil é procurar imaginar que quis ele dizer; contentar-vos em sentir esse afeto, que conheceis, e outros modos de sentir vos serão dados, à maneira que vos eleveis na escala do sentimento.

A evolução do homem é a evolução do sentimento. O progresso a que vos concitamos é o de vosso sentimento das coisas e de tudo quanto criado. Precisais sentir para viver; precisais aumentar esse sentir para viver mais perto de Jesus; precisais ter esse sentir real, para viver a vida verdadeira. Viver é sentir.

Viver é sentir: e daí todo cultivo de orgulho e de egoísmo é o do joio no meio do trigal. Por isto, profligaram, no tempo de Kardec, os Espíritos doutrinadores esses dois destruidores da obra do Cristo, da obra do Pai. Ainda por isto, o isolamento, em que se põem certos indivíduos, a pretexto de meditação, é contrário a toda a obra do Universo, não só pela ausência da caridade, isto é, do auxílio que deveriam prestar à comunidade, como porque não sentem, em toda a extensão, esse mesmo Universo, que pretendem perscrutar, sem lhe sentir a vibração; não vivem, portanto, antes morrem pouco a pouco.

Todo exclusivismo é vicioso, como todo excesso; porque exclusivismo é excesso. Tanto peca o materialista quanto o espiritualista, este mesmo que despreze a matéria, criatura também do mesmo Deus. Têm ambos sentimento imperfeito, e longe, pois, se acham de abarcar o Universo. Um se apega à matéria, porque palpável, donde a única coisa que fosse real; outro se alcandora em regiões nebulosas, que de fato não existem, pois existe a luz, tão viva ou mais viva do que a obscura matéria (em seu sentido mais geral).

É esta a dura experiência que têm de sofrer todos, desde o nascer, Hão de sentir todas as vibrações, desde as mais grosseiras até as mais sutis. Hão que enlamear-se no lodo, para resplandecer depois à luz vivida do sol da perfeição. Hão que baixar às misérias humanas e extra-humanas, pura lhes participar da essência, aspirando-lhes o odor nauseabundo, no qual se comprazerão ou que repelirão, pela sua exclusiva vontade. Virão à sua presença e penetrar-lhe-ão no ser os males, que o atormentem ou com os quais se sintam afins; hão de sofrer tentações, como Jesus no alto do penhasco: resistirão ou cederão. Subirão, de vez em quando, ao Céu, para lhe ouvir notas estranhas: a essas serão indiferentes ou mesmo as tomarão como sons bárbaros, ou com elas se deleitarão, num ímpeto de ouvi-las eternamente. Tocar-lhes-ão a pele sensível do Espírito vícios e virtudes, todos coexistentes, em conluio, em entrechoques, para que seu diapasão distinga o bom do mau, para que se amolde a uns ou a outros, deformando-se ou aperfeiçoando-se. Hão de ter senoides, mais violentas que as agitadas ondas de oceano proceloso. Passarão vertigens nos máximos da curva, como se amodorrarão nas baixezas lutulentas. Hão que “nascer” e "renascer", sem cessar, indefinidamente. Ora aqui, ora ali, sentirão a pulsação da Natureza, ouvindo-lhe os anseios, descobrindo-lhe os segredos, imiscuindo-se nos atros abismos da Terra e do homem, conhecendo-a palmo a palmo; instruindo-se em todos os setores, dominando-a, enfim.

Tal o ensino dos vossos irmãos maiores, tais os conselhos de Jesus. Como, porém, poderia este Instruir coisas inatingíveis aos homens, e ainda a homens sem qualquer conhecimento da ciência terrena? Vãos não teriam sido aqueles conselhos, como ainda o são muitos dos que nós, de boa vontade, ministramos? Por isto mesmo, lembrai-vos, proferiu o Mestre hipérboles, que, sem atingir a compreensão humana, de qualquer sorte se aproximava às verdades eternas.

Notai que o Mestre quase sempre buscava imagens e comparações; em certos pontos, entretanto, declarava, com pesar, que a Verdade não poderia ser então revelada. Como, efetivamente, poderia ser traduzida expressão celeste em linguagem humana? E acrescentava que tais pontos haveriam de ser esclarecidos quando o mundo houvesse atingido maior progresso; haveriam de ser "sentidos", pouco a pouco, à proporção que os homens "vivessem" mais tempo. Pouco a pouco, mas seguramente, as almas sentiriam a profundeza de seus ensinamentos, novas palavras surgiriam para traduzir o sentimento, que evoluía com a vida; melhor penetrariam as vibrações extraterrestres, à maneira que encontrassem ambiente mais adequado, corações mais abertos, sentimentos mais afins.

Por isto falou o insuperável Instrutor por figuras, que ainda terão de ser interpretadas em toda a sua significação: os tempos ainda não são chegados plenamente para que a criatura as entenda em toda a plenitude. A dissenção ainda será estado de muitos séculos, por Isto mesmo que ninguém ainda sente que "coisa" seja a Verdade; e ainda há exclusivistas. Se, aí, na Terra, não podeis exprimir certos sentimentos - bons ou maus -, quanto mais certo não será que não possamos do Espaço traduzir o que vos temos a dizer! Certas vezes havemos de dizer coisas que ninguém entenda: argumento este poderoso, para terdes a certeza de que não engendrastes, por vós mesmos, o que afirmais. Não haverá, estai certos, qualquer portento de cérebro humano ou de imaginação a mais exaltada, capaz de conceber algo fora do seu âmbito. O que digam os materialistas a respeito, alegando "exaltações", não passa de fantasia, maior que o que eles supõem seja fantástico. Nenhum selvagem será capaz de imaginar o que ignora da ciência moderna. Assim também vós, homens mortais, sois incapazes de vislumbrar, sequer, o que entre nós se passa, como também nós, mais próximos de vós, não temos poder, por maior vontade, de idealizar o que se passa nas altas regiões mais próximas do Criador. Ainda não "sentimos" em todos os quadrantes do Universo, como vós não vedes além do horizonte.

Ora, é esse "sentir" que cumpre experimentar em todas as partes do Universo, onde seja necessário. Se nos falta alguma experiência, temos que buscar o local adequado. Se não conhecemos o lodo, insta procurar o charco. Se não sabemos que seja luz, devemos olhar o Sol. É bem claro que conforme a região variará o clima; como haveríamos de sentir temperaturas abaixo de zero no centro d'África, e como teríamos noção de calor sufocante se não nos afastássemos do Polo?

Ficar, portanto, em determinado ponto, ainda que tendo experimentado milhares de sensações, não é conhecer tudo quanto existe nesse terreno de sensação, o que equivale a dizer; no campo da vida; a fieira, como disse Kardec, há de ser toda atravessada. Mas insiste: não num mesmo lugar. O próprio Espaço, tão amplo e variado, não basta. Não há remédio senão procurar um "mundo", onde se encontre o que falte, para cada vez mais adquirir de experiência. Por muito aprendamos em liberdade, não seremos completos se não nos jungirmos em encarnação diversa da anterior: eis o que afirmam os vossos irmãos mais conhecedores, e quem diz "conhecedor" refere-se a alguém que viveu, experimentou, sentiu, não avançando hipóteses, mas informando realidades.

A "lição" há que ser sabida, mas absolutamente sabida. Nenhum ponto há de ficar obscuro, ou mal tratado. Ensinam os mestres, aqui ou ali, mas nem tudo o discípulo assimila. Deve-se fazer por suas próprias mãos; tem-se de apalpar, em seu sentido mais lato, não superficial, mas profundamente. Tem-se de adquirir novas faculdades, incompreensíveis no débil estado em que se acha cada um que aprende.

Os mestres assim evoluem, e vão transmitindo seu saber aos dedicados e atenciosos alunos. Usam, por vezes, expressões que hão fatalmente de ser incompreensíveis à primeira audição, mas, como haveriam de proceder doutro modo? A pouco e pouco os discípulos se vão habituando aos novos termos, conquanto não os compreendam bem: criam-se, por outro lado, expressões para designar certos fatos, sem que, entretanto, se conheçam tais fatos em toda a sua profundeza: tal é, por exemplo, por ser agora comum, a "alergia", que, em si mesma, não se explica; e assim dizendo, quero dizer que não se lhe conhece a causa, que a causa, que se revela, não exprime o fundo da questão. Os próprios cientistas, como se vê, Ignoram os fatos mais comuns, e, mormente, suas causas primeiras. Como se abalançam, pois, a negar algo que lhes não esteja debaixo dos olhos?           

Se o Mestre falou em Amor, e classificou-o como a virtude excelsa, deu-vos uma primeira noção de "sentimento" que deve ser vosso guia perene e verdadeiro na vereda do progresso. É uma primeira noção, a fim de que buscásseis um sentimento que fosse, de algum modo, semelhante ao que sentis aí na Terra. Mas aquele sentimento, a que o Mestre assimilou o Amor, ainda está muito e muito longe daquele outro que nos liga a todos e, principalmente, daquele que levou o Supremo Criador a fazer tudo o que há e que e que O leva a manter o Universo debaixo da Lei Universal.

Perdoai-me se me não faço de todo compreendido. Não é somente defeito vosso, senão meu também. Não posso, por um lado, exprimir o que me vai n'alma, nem, tampouco, o que vai pela Natureza, em toda a sua pujança. Ignoro muito e muito; e não sei se entre mim e vós haverá muita diferença. Não pretendo ter muitos conhecimentos, e todo o meu desejo é adquiri-los mais e mais; não com fim egoístico de meu contentamento próprio, mas por aumenta-los distribuindo-os entre todos os que sejam ávidos, como eu, do verdadeiro saber.

Para isto, rogo ao Pai de Bondade me conceda meios, que eu desça, como Dante, aos infernos, onde me ilustre com o sofrimento, como aqui encima estou, banhado de luz que sei não será perene, antes passageiro estado, um dos máximos da senóide, mas desses máximos ainda muito pouco salientes - bem o sei!   
                  
Incompetência, ignorância, cegueira - ó atributos daqueles que ensaiam os primeiros passos, e estes hão de ser por muito tempo, e não sei bem quando se acabem!

Diante duma estrada infinita, que valem léguas e léguas? Ó orgulho, ó vaidade! Como brilhais falsamente aos olhos iludidos das criaturas! Que sois, senão enganos, erros de apreciação, ignorância do Bem e do Belo, do Alto e do Sublime, do Real e do inatingível? Real e Inatingível! Que disse eu? Inatingível, para vós, é fantasia; para nós, entretanto, é que é real! Ilusão é o que vedes, que se desfigura consoante a luz da apreciação; o real não precisa de ser apreciado sob qualquer ângulo, e existe de toda a eternidade, e para essa eternidade viva!

Que vos tenho eu dito, porém, da "doutrina espírita"? Mas - tudo! Tenho-vos falado das coisas do Universo, que devem ser sentidas para serem vividas. Se viver é sentir (e é que vos posso dizer), tendes, como afirmei, de com tudo entrar em contato - bom ou mal - e a vossa escolha decidirá de vosso destino. Tudo haveis de saber, para serdes "perfeitos como o Pai que está nos Céus". Ó sonho belo e tão longínquo.  

Tendes de aprender e de instruir; de ser escravos e senhores; ignorantes, sendo humildes: sábios, sendo prudentes. Compreender para vibrar - e quão diferente é isto do que dizeis vulgarmente: vibrar para entender! Assimilar o que vos toca e despedir vibrações, que sejam úteis a outros, antes que a vós mesmos!

Seja toda a vibração um sentimento de benefício, não se afunde na alma, onde morre inteiramente sem proveito. Se não compreendeis o sentimento que vos nasça no íntimo guardá-lo-eis avaramente; será um tesouro de avarento, que nem a este mesmo satisfaz.

Deveis, pois, compreender toda a significação do adquirido, para que sejais úteis, disseminando tesouros, que a todos enriqueçam, que só assim sereis ricos. Se sois ricos entre pobres, sereis mais pobres do que aqueles que nada possuem de seu. Quem diz riqueza, diz bem comum, e por isto é Deus o mais rico, e o mais rico não tanto porque "possua" todo o Universo, mas justamente porque distribuiu todos os seus bens a quantos Ele mesmo criou e fez herdeiros.

Olhai esta magnificência! Vede essa fortuna, que se esbanja ao léu dos espaços, entre as constelações. Não tem senhor senão aqueles que a desejem; não é do Creso Celeste, que dela abriu mão em favor dos seus descendentes! Vede que generosidade de Quem tudo pudera guardar para SI! E porque assim o fez? Porque sabia que o que mais tem é aquele que mais dá. Quantas vezes isto mesmo ouvis, e trancais os tesouros de Bondade, de Auxílio, de Caridade!


Eis, meus caros, a doutrina espírita, aquela que proclamamos sem cessar, para a compreensão da Natureza. Pena é que não possa eu dizer-vos tudo, tanto por mim, quanto por vós. Se a luz, porém, considerais como criação sublime, aquilo sem o qual sais cego em meio às trevas, seja a Luz Divina vosso fanal e objetivo; seja o amor o sentimento mais nobre que conheceis, impulsionador das vossas obras, na continuação da Obra do Arquiteto Supremo! 

segunda-feira, 3 de março de 2014

Mediunidade






A Mediunidade
por Ismael Gomes Braga
Reformador Novembro 1947


Acontecerá depois que derramarei o meu espírito sobre toda a carne;
vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos sonharão,
terão visões os vossos mancebos; também sobre os servos e sobre as servas
naqueles dias derramarei o meu espírito.
- Joel, II 28 e 29.


            São chegados os tempos preditos pelo profeta. Por toda a parte surgem médiuns: homens e mulheres, jovens e anciães, gente iletrada e professores de Universidade. América Delgado, Zilda Gama, Francisco Cândido Xavier, Porto Carreiro Neto já representam uma longa escala!

            Dos três primeiros não precisamos falar, porque todos os leitores de Reformador os conhecem em livros que circulam há decênios. Vamos tratar somente do quarto, cujo primeiro livro apareceu neste momento.

            Por alguns poemetos em português e Esperanto, recebidos mediunicamente e publicados nestas colunas, já os leitores sabem que Porto Carreiro Neto é médium de sublime inspiração poética, mas ainda ninguém sabia que esse ilustre Professor da Universidade do Brasil receberia igualmente mensagens de impressionante expressão científica, como agora vemos no primoroso livro Ciência Divina, de Jayme Braga.

            É um livro desconcertante para os professores da ciência oficial, entre os quais se acha o médium, cujo lápis escreveu essas páginas que em muitos pontos lhe contestam as convicções científicas. Talvez seja audácia nossa escrever sobre essas lições, mas pareceu-nos necessário que um membro do povo simples, um estudioso da Doutrina, dissesse algo, suas impressões do livro que se destina a todo o público espírita, não somente aos sábios das Universidades.

            Num prefácio de 15 páginas, em excelente português, composição elegante, revisão perfeita, o médium nos esclarece sobre a sua mediunidade, faculdade pela qual revela muito respeito. Diz- -nos: “...as ideias me assaltam aos turbilhões, tendo eu, pois, necessidade de  acompanhá-las com o lápis o mais depressa possível. Não tenho a menor ideia nem do que vou escrever de início, quando sinto a aproximação de algum manifestante, nem, outrossim, do que escreverei ao fazer ponto nalgum período".

            Só trata nesse prefácio da mediunidade psicográfica, mas quem escreve estas linhas o conhece igualmente como médium, de incorporação. Já o temos visto por muitas vezes incorporado, ora com o Guia, dirigindo trabalhos durante mais de uma hora, ora com Espíritos perturbados a serem doutrinados. Convém ficar aqui registado, portanto, que Porto Carreiro não é somente médium psicógrafo, como se deduziria da leitura do livro: sua missão mediúnica é muito mais complexa. Ainda outra forma de mediunidade muito original de Porto Carreiro é a artística, tão diferente da que se nota em Francisco Cândido Xavier. Este último recebe um poema com a mesma desenvoltura com que recebe prosa, ao correr do lápis; Porto Carreira recebe um soneto lentamente, por inspiração, verso e verso, sem ação mecânica do braço. Por vezes o poeta invisível o visita em momento inesperado, durante uma viagem, ou o interrompe quando escrevendo ou lendo. Num ônibus, por exemplo, sente a presença de um Espírito e toma de um cartão e lápis e vai escrevendo, em letra muito miúda, os versos que lhe são inspirados. Ao fim da viagem tem o trabalho pronto ou quase pronto. Assim tem recebido lindos sonetos de Camões, de Bocage, de Abel Gomes e outros. Não raro recebe belos versos em Esperanto, alguns dos quais já se acham impressos em Reformador e outros e muitos em sua pasta, sem publicidade.

            Passa a declarar no mesmo longo preâmbulo que gostaria muito de poder apresentar o livro como seu, porque o acha interessante, mas não o faz, porque tem certeza de que a obra não é sua e sim de Jayme Braga. Refuta a teoria do subconsciente, porque muitas ideias do livro são inteiramente novas e desconhecidas no mundo.

            A seguir dá explicações de termos científicos, para que os leigos em ciência possam compreender o pensamento do Autor, tornando assim o prefácio uma breve iniciação em Física e Química.

            Apesar do esforço do prefaciador, o livro requer muita reflexão e certa instrução e não está ao alcance de todas as inteligências, como os romances mediúnicos ou as mensagens morais. A obra parece destinada às rodas intelectuais e não ao povo em geral. Nesse sentido, surpreende-nos a coragem da Editora, dando a primeira edição de cinco mil exemplares que é demasiado grande para livro de compreensão difícil. Bastariam dois mil exemplares para muitos anos.

            Nalguns lugares mais difíceis, interfere Bezerra de Menezes, dando esclarecimentos, ajudando o leitor a penetrar no pensamento do Autor.        

            Em outros artiguetes prosseguiremos dando nossas impressões do livro e desde já expressamos nossa imensa curiosidade por saber como será recebida no mundo espírita brasileiro uma obra dessa natureza, por enquanto quase única, pois que a única de natureza semelhante, “A Grande Síntese", de Pedro Ubaldi, em tradução de Guillon Ribeiro, só teve uma edição e ficou em pequenas rodas de eruditos.

            Não se suponha, no entanto, de nossas palavras acima, que se trate de um livro friamente científico, sem Deus nem fé, como costumam ser as obras de mera ciência. Nada disso! O livro é um hino de louvores ao Criador e ao Universo. Os seus esforços mais ingentes são para entendermos o poema de Deus na Criação, para aprendermos a ler o Livro Divino da Natureza. Neste sentido pode ele figurar como páginas de ouro da literatura religiosa.

            Findo o preâmbulo do médium, vem uma "Apresentação" do Autor, apenas de uma página, na qual define ele sua missão sobre a Terra. Essa missão resume-se a isto: " ...esclarecer todas essas questões que se debatem em livros, sem que se entendam". "Desejo que tudo se esclareça de modo elevado e consentâneo com a grandeza do Criador... , diz-nos o Autor invisível.

            Não deve ficar olvidado neste primeiro artiguete o aspecto literário do livro. Português de lei, excelente pontuação, boa revisão, dá-nos a impressão de obra clássica de nossa literatura vernácula.


Porto Carreiro Neto.jpg


http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=196

Para saber mais sobre Porto Carreiro visite o site da F E do Paraná, acima.

domingo, 24 de novembro de 2013

Humanismo

Zamenhof, ao centro

Humanismo
Porto Carreiro Neto
Reformador Dezembro 1946

            "A mais alta Força, incompreensível para mim, que é a causa das causas no mundo material e no moral, posso designar pelo nome "Deus" ou por outro qualquer, mas sinto que a essência dessa Força cada qual tem o direito de imaginá-la do modo pelo qual lhe ditem a razão e o coração ou os ensinamentos de sua igreja. Não devo jamais odiar ou perseguir quem quer que seja por ser diferente da minha a sua crença em Deus.

            ''Sinto que a essência dos verdadeiros mandamentos religiosos reside no coração de todo homem sob forma de consciência, e que o primeiro princípio desses mandamentos, obrigatórios para todos, é: procedei para com outrem da mesma sorte que desejaríeis que outrem procedesse convosco."

            A "regra de ouro", formulada por estas últimas palavras, é bem conhecida de todos nós; o preceito acima, porém, não foi colhido da narrativa da passagem do Maior Mestre, Jesus, nem de outro Espírito superior de que nos dá notícia a História: representa a tradução para o nosso vernáculo, de um dos "princípios" da doutrina "Homaranismo", imaginada pelo grande Zamenhof, o genial criador do idioma auxiliar internacional Esperanto; e se atentarmos nos dois princípios supra traduzidos, veremos que grau, na infinita hierarquia dos filhos de Deus, ocupa esse admirável Espírito.

            Intraduzível é o nome com o qual Zamenhof assinalou o corpo de princípios que concebera, para que nesse "terreno neutro" todos os homens se aproximassem, se entendessem e se estimassem. O vocábulo se compõe, de uma raiz e de três sufixos, além da terminação "o" dos substantivos, a saber: "hom", homem (em geral, pessoa); "ar", conjunto; "an", membro; "ism" , sufixo para se designar doutrina, sistema; significará, pois, aproximadamente, "doutrina (ou sistema) que liga os membros da família humana". Ao dizermos "doutrina", o leitor não pense que se trate de formulário destinado a derruir os princípios em que se firme cada um de nós para se conduzir dentro da sua ética própria ou das regras de sua religião; Zamenhof declara mesmo: "Devemos lembrar-nos de que o "humanismo" não quer, de nenhum modo, substituir as religiões e templos existentes por quaisquer outros ... " Voltando ao equivalente de "homaranismo": traduzimo-lo aqui por "humanismo", sem com isto querer dizer que o sistema alvitrado por Zamenhof haja algo de comum com o termo "humanismo" consagrado na língua. Parodiando a célebre frase, poderíamos dizer: "o Esperanto, em tal maneira é flexível, que, em se querendo, dir-se-á nele tudo": tudo, veja bem o leitor, e mais alguma coisa, para a qual as orgulhosas e ciumentas línguas nacionais não contam com termo próprio...

            O imortal mestre (que ele não nos leia, pois solicitava que não lhe dessem este título), ao que parece, não seguia nenhuma doutrina religiosa: tal verificação a um tempo nos causa espanto e não nos é motivo de surpresa a respeito de pessoa que tão alto conceito fazia da "mais alta Força", in compreensível para ele. Com efeito, não deixava o sábio e quantas vezes sábio! - passar o ensejo de se referir a essa Incógnita, sem que, por isto, se visse forçado a confessar algum credo religioso. A cada passo mencionava "essa grande Força moral", a "Força Misteriosa"; e, certa vez, chegou a se dirigir ao "potente mistério incorpóreo, força imensa que governa o mundo,.. grande fonte do amor e da verdade e fonte perene da vida ... a qual cada um imagina de modo diferente, mas que todos sentem de igual modo no coração", dizendo-Lhe: "a Ti, que crias, a Ti, que reinas, hoje oramos"! Nesta mesma súplica, em belíssima poesia, que é a "Prece sob o Estandarte Verde" e recitada em sessão solene do 1º Congresso Internacional do Esperanto, reunido em Boulogne-sur-Mer, Zamenhof roga: "Oh! quem sejas Tu, misteriosa força, ouve a voz da prece sincera, restitui a paz à infância da grande humanidade!", e adiante: "cristãos, hebreus ou maometanos, todos somos filhos de Deus"!

            Este o grande assombro a que acima aludimos; quer parecer-nos, entretanto, que nada é de admirar que Espírito dessa magnitude nutrisse tais pensamentos e emitisse tais conceitos, pois uns e outros eram a ele inerentes, a esse magnífico missionário que tão precisa e lealmente cumpriu a tarefa que trouxera. E dizemos, em acréscimo: se estivesse ele jungido a algum dogma, pelo menos difícil lhe seria pôr em prática o seu cabedal neste espinhoso terreno, onde se enredaria nos ditames rígidos e intolerantes de leis mais humanas que divinas.

            A finalidade que teve Zamenhof com a criação do Esperanto não foi senão a de aproximar os homens pelo intelecto para que se congregassem pelo espírito. Impossível num artigo estender-nos sobre a profundeza dessa concepção: esta, percebeu-a perfeitamente a nossa Federação, divulgando agora, no idioma neutro, a sábia doutrina dos Espíritos, uma e outros sem qualquer compromisso com este ou aquele povo. Não nos podemos, contudo, furtar às seguintes considerações.

            Por ocasião do Congresso de Raças, realizado em Julho de 1911, em Londres, Zamenhof analisa as várias causas que poderiam determinar "o ódio mútuo e a luta entre as gentes" (melhor e mais extenso termo do que simplesmente "raças"); examina detidamente cada uma dessas prováveis causas, inquirindo e respondendo com argumentos irretorquíveis, e termina:

            "Que é, então, a verdadeira causa do estado de separação e de ódio entre as gentes? De tudo quanto acima apresentei já se pode ver que, mal grado todas as teorias pseudocientíficas sobre peculiaridades raciais, climas, sangue, etc., as verdadeiras muralhas entre as gentes, a verdadeira causa de todo ódio entre as gentes, residem na diferença das línguas e das religiões. Principalmente a língua representa tão grande e quase exclusivo papel na diversidade das gentes, que em alguns idiomas os vocábulos "língua" e "gente" são sinônimos perfeitos. Se dois homens falam a mesma língua, sem humilhação para qualquer deles, com iguais direitos sobre ela, e graças a ela, não somente se compreendem um ao outro, mas possuem a mesma literatura (oral ou escrita), a mesma educação, os mesmos ideais, a mesma dignidade humana e os mesmos direitos; se, além disto, eles têm o mesmo "Deus", as mesmas festas, os mesmos costumes, tradições e modo de viver, sentem-se absolutamente irmãos, sentem que pertencem à mesma gente, Se dois homens não compreendem um ao outro, se, outrossim, possuem costumes e modos de viver de todo diversos, olham-se como estranhos, quais mudos e bárbaros, instintivamente se evitam e desconfiam um do outro, da mesma sorte que instintivamente desconfiamos de tudo quanto aos nossos olhos se oculta nas trevas."

            Zamenhof assim conclui essa mensagem ao referido congresso:

            "Nenhum paliativo de compromissos, nenhum sagaz tratado político trará a paz à Humanidade: Quanto mais, entretanto, o Esperantismo se fortalecer no mundo, quanto mais frequentemente os homens de diversas gentes se reunirem e se relacionarem sobre um fundamento neutro, tanto mais eles se habituarão à compreensão e amor recíprocos: tanto mais sentirão que todos têm iguais corações, iguais entendimentos, iguais ideais, iguais sofrimentos e dores, e que todo ódio entre as gentes nada mais é do que resquício dos tempos - da barbárie. Desse fundamento neutro... pouco a pouco surgirá essa futura humanidade, unida e puramente humana, com a qual sonharam os profetas de todas as gentes e de todos os tempos."

            Pese cada um estas palavras e conceitos sempre atuais; e, apreciando o alto grau de progresso que atingiu Espírito de tal quilate, sinta e colabore na obra que, deste modo, auxilia a confraternização dos homens, objetivo precípuo da Lei Divina.