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sexta-feira, 15 de abril de 2011

'A Inquisição' - Parte 6





            Um Parênteses - Infelizmente, porém, se a França não tolerou por muito tempo a inquisição e, nem de fato nem de direito, o tribunal de Roma logrou mais restabelecer-se ali, depois de expulso, não é menos certo que se sentiu várias vezes o espirito dos inquisidores.
            Urbano Grandier foi condenado a serem-lhe quebrados os ossos até aos tutanos e, depois... à fogueira. O tribunal não era da inquisição, mas tinha lá o mesmo espírito de perversidade, de ignorância, de superstição...
            Pela cobiça que as riquezas dos Templários despertaram num papa e num rei, era preciso perdê-los. Para isso, era necessário acusá-los de algum crime e fazer com que a acusação fosse acreditada.
            Encontra-se a alma vil dum delator... E aqueles cavaleiros, sempre nobremente e valorosamente devotados à Pátria e à religião, foram acusados de heresia(!). Eles que arriscavam a vida em combates em defesa de Cristo e enchiam os altares de presentes que eram verdadeiros tesouros, foram dados como profanadores e sacrílegos! Em 1311 foram queimados 57, tendo tido muitos outros a mesma sorte em 1314.
            Mas há mais, a França, além do que acabamos de expor, teve momentos horríveis: Francisco I nunca se cansou de perseguir as vítimas da cólera da Igreja. Como verdadeiro mandatário do papa, bastou que alguns cidadãos fossem acusados de ter falado irreverentemente do chamado “Santíssimo sacramento”, para que logo os condenasse a morrer queimados na fogueira, presos a uma cadeira que se fazia descer sobre um braseiro ardente e se elevava por meio de um básculo, para lhes prolongar a agonia.
            No reinado de Carlos IX, foi também a França devastada pelas guerras dos católicos e dos protestantes...
            Razão teve Napoleão para censurar o grande erro de Francisco I não ter aberto a França à Reforma!
            Carlos IX perseguiu os protestantes até aos extremos mais horrorosos. É precisamente no momento em que toda a gente supunha que começava uma era de paz, pelo casamento da irmã do rei com o príncipe protestante, Henrique IV de Navarra, surge a Saint-Barthelemy - 24 de agosto de 1572 - dando Carlos IX ordem para que os protestantes fossem massacrados em toda a França ao mesmo tempo. Era de tal crueldade, que dizia, proferindo o nome de Deus: “Quero que sejam mortos todos os hereges da França, homens, mulheres e crianças, de maneira que nem um só escape para me censurar a morte dos outros!”  No tempo de Luís XIV, aos heréticos de  Cevennes, aos protestantes, fazia-se-lhes assim: “reunidos em conjunto, homens, mulheres, crianças e velhos, nos campos, e guardados pelos soldados do rei, iam pelo meio deles os jesuítas e exortavam-nos a que se convertessem, dando-lhes a escolher: ou a missa ou a morte. Depois~, separavam-nos em dois grupos: dum lado aqueles que consentiam em abjurar da sua pretensa heresia, do outro, os que perseveravam nas suas crenças religiosas. E, então, os dragões de el-rei precipitavam-se sobre os últimos, cortavam-nos a golpe de sabre, esmagavam-nos sob as patas dos cavalos e só paravam depois de os ter massacrado até ao último! Em seguida, desmontavam e recomeçavam uma nova luta com os que tinham sobrevivido; as mulheres, as raparigas, os rapazes, as criancinhas mesmo eram poluídas  por horríveis estupros, com os aplausos frenéticos dos padres e dos monges - testemunhas e autores destas cenas monstruosas!
            Não se chamava inquisição, não. Mas era da mesma maneira o ódio de Roma, a perversidade da Igreja Católica, espalhada pela França, dominando, acusando, intrigando, condenando, massacrando... conforme fez a Joana D’ Arc, queimada viva, como feiticeira, em Rouen, depois de condenada por um tribunal a que presidiu o bispo de Beauvais!...

            A Tenda Máxima - Onde a Igreja de Roma encontrou campo bem aberto e largo, para o estabelecimento das suas tendas infernais; onde ela deparou com fartura de carne humana, para regalo das suas atrocidades, e onde viu luzir tesouro inexaurível da sua cobiça e das suas ambições insaciáveis, foi na Espanha.
            É verdade que a inquisição trazida para Espanha pelos primeiros inquisidores - os flagelos de Languedoc e da Provença - e estabelecida no reino de Aragão, não pode manter-se. Os inquisidores, confiados talvez em que todos os outros estados iam aderir sem discussão, não estiveram com meias medidas: logo aos primeiros casos, a sua conduta foi tal que, aliada à recordação de todos os furores eclesiásticos no Languedoc, deu como conseqüência a sublevação geral contra eles. Foi Castela e Toledo, Andaluzia, Salamanca, Zamora e Astúrias... E até o próprio Aragão acorda e se revolta. O povo riu-se das suas sentenças, arrombou as portas das prisões e deu liberdade às vítimas da inquisição. Não foram os inquisidores de todo expulsos. Sucedeu, porém, como se o tivessem sido!... Mas...

            Um Parênteses - Infelizmente, porém, se a França não tolerou por muito tempo a inquisição e, nem de fato nem de direito, o tribunal de Roma logrou mais restabelecer-se ali, depois de expulso, não é menos certo que se sentiu várias vezes o espirito dos inquisidores.
            Urbano Grandier foi condenado a serem-lhe quebrados os ossos até aos tutanos e, depois... à fogueira. O tribunal não era da inquisição, mas tinha lá o mesmo espírito de perversidade, de ignorância, de superstição...
            Pela cobiça que as riquezas dos Templários despertaram num papa e num rei, era preciso perdê-los. Para isso, era necessário acusá-los de algum crime e fazer com que a acusação fosse acreditada.
            Encontra-se a alma vil dum delator... E aqueles cavaleiros, sempre nobremente e valorosamente devotados à Pátria e à religião, foram acusados de heresia(!). Eles que arriscavam a vida em combates em defesa de Cristo e enchiam os altares de presentes que eram verdadeiros tesouros, foram dados como profanadores e sacrílegos! Em 1311 foram queimados 57, tendo tido muitos outros a mesma sorte em 1314.
            Mas há mais, a França, além do que acabamos de expor, teve momentos horríveis: Francisco I nunca se cansou de perseguir as vítimas da cólera da Igreja. Como verdadeiro mandatário do papa, bastou que alguns cidadãos fossem acusados de ter falado irreverentemente do chamado “Santíssimo sacramento”, para que logo os condenasse a morrer queimados na fogueira, presos a uma cadeira que se fazia descer sobre um braseiro ardente e se elevava por meio de um básculo, para lhes prolongar a agonia.
            No reinado de Carlos IX, foi também a França devastada pelas guerras dos católicos e dos protestantes...
            Razão teve Napoleão para censurar o grande erro de Francisco I não ter aberto a França à Reforma!
            Carlos IX perseguiu os protestantes até aos extremos mais horrorosos. É precisamente no momento em que toda a gente supunha que começava uma era de paz, pelo casamento da irmã do rei com o príncipe protestante, Henrique IV de Navarra, surge a Saint-Barthelemy - 24 de agosto de 1572 - dando Carlos IX ordem para que os protestantes fossem massacrados em toda a França ao mesmo tempo. Era de tal crueldade, que dizia, proferindo o nome de Deus: “Quero que sejam mortos todos os hereges da França, homens, mulheres e crianças, de maneira que nem um só escape para me censurar a morte dos outros!”  No tempo de Luís XIV, aos heréticos de  Cevennes, aos protestantes, fazia-se-lhes assim: “reunidos em conjunto, homens, mulheres, crianças e velhos, nos campos, e guardados pelos soldados do rei, iam pelo meio deles os jesuítas e exortavam-nos a que se convertessem, dando-lhes a escolher: ou a missa ou a morte. Depois~, separavam-nos em dois grupos: dum lado aqueles que consentiam em abjurar da sua pretensa heresia, do outro, os que perseveravam nas suas crenças religiosas. E, então, os dragões de el-rei precipitavam-se sobre os últimos, cortavam-nos a golpe de sabre, esmagavam-nos sob as patas dos cavalos e só paravam depois de os ter massacrado até ao último! Em seguida, desmontavam e recomeçavam uma nova luta com os que tinham sobrevivido; as mulheres, as raparigas, os rapazes, as criancinhas mesmo eram poluídas  por horríveis estupros, com os aplausos frenéticos dos padres e dos monges - testemunhas e autores destas cenas monstruosas!
            Não se chamava inquisição, não. Mas era da mesma maneira o ódio de Roma, a perversidade da Igreja Católica, espalhada pela França, dominando, acusando, intrigando, condenando, massacrando... conforme fez a Joana D’ Arc, queimada viva, como feiticeira, em Rouen, depois de condenada por um tribunal a que presidiu o bispo de Beauvais!...

            A Tenda Máxima - Onde a Igreja de Roma encontrou campo bem aberto e largo, para o estabelecimento das suas tendas infernais; onde ela deparou com fartura de carne humana, para regalo das suas atrocidades, e onde viu luzir tesouro inexaurível da sua cobiça e das suas ambições insaciáveis, foi na Espanha.
            É verdade que a inquisição trazida para Espanha pelos primeiros inquisidores - os flagelos de Languedoc e da Provença - e estabelecida no reino de Aragão, não pode manter-se. Os inquisidores, confiados talvez em que todos os outros estados iam aderir sem discussão, não estiveram com meias medidas: logo aos primeiros casos, a sua conduta foi tal que, aliada à recordação de todos os furores eclesiásticos no Languedoc, deu como conseqüência a sublevação geral contra eles. Foi Castela e Toledo, Andaluzia, Salamanca, Zamora e Astúrias... E até o próprio Aragão acorda e se revolta. O povo riu-se das suas sentenças, arrombou as portas das prisões e deu liberdade às vítimas da inquisição. Não foram os inquisidores de todo expulsos. Sucedeu, porém, como se o tivessem sido!... Mas...

sábado, 26 de março de 2011

'A Inquisição' - Parte 6 e final.




        Torquemada - Em 1420 nascia, em Valladolid, Tomás Torquemada. Viajando, ainda muito novo, apaixonou-se, em Córdoba, por uma mulher. Não soube ou não pode prendê-la; e um mouro, preferido por ela, levou-a para Granada!...
            Germina, então, e radica-se no coração de Torquemada, o ódio de toda a sua vida contra os mouros. Vai dali a Saragoça, onde freqüenta os estudos de Teologia e, pelo braço de um padre que o admirava, entrou no convento dos domínicos. Aprende, rebuscando nos arquivos, a conhecer a autoridade que desfrutaram os inquisidores. O ódio, a ambição, o desejo de vingança, projetaram-lhe, bem definido e avultado, um pensamento que precisa corresponder a uma realidade - o restabelecimento da inquisição.
            Era, no entanto, preciso unificar a Espanha sob uma só vontade... E Torquemada pressente a possibilidade de reunir Aragão com Leão e Castela.
            Veste-se o hábito de S. Domingos e vai para Toledo pregar.
            Faz-se cristão, esmoler de Isabel, e seu confessor, por último. Imperou-lhe no pensamento e no coração; inoculou-lhe a arma da dissimulação e a idéia da grandeza que lhe havia de vir, um dia, da sua união com o príncipe herdeiro de Aragão. E Isabel amou o príncipe... No confessionário instruiu-a, o domínico, de todos os princípios de governo e da política que lhe convinha. Depois, prepara-a para a primeira comunhão; traça-lhe o céu de felicidades, dado por Deus aos príncipes que persistem na fé e pinta-lhe as desgraças que os acompanham quando se apartam da religião católica... Vêm a propósito as heresias... as medidas rigorosas que os vigários de Jesus se têm visto forçados a usar para as expulsar do coração do homem. E ouve, enfim, à princesa o juramento de que, quando fosse rainha, havia de restabelecer a inquisição! 
            E foi Torquemada que assentou Isabel no trono de Castela e foi ele que a casou com Fernando de Sicília, herdeiro de João II, rei de Aragão, reunindo-se os dois mais poderosos estados da Península.
            Lembra-se então a promessa. Havia mouros e judeus. Nada estaria seguro, enquanto eles não se convertessem... Mas mesmo convertidos, nunca fiar!... Eles fingiriam abraçar a religião católica e no fundo permaneceriam pagãos. Era preciso um remédio aplicado constantemente. Só um tribunal de jurisdição sobre as consciências - a Inquisição!

            O “Quemadero” - A rainha facilmente convenceu o rei, e os dois católicos entram na faina da sua santidade! Em fins de 1481, só em Sevilha tinham sido queimadas vivas cerca de trezentas pessoas e condenadas a cárcere perpétuo oitenta. No resto da província e no bispado de Cádiz, foram à fogueira nesse ano 2000, e 17000 condenados a diversas penas.
            Para maior facilidade das execuções - escreve Alexandre Herculano  - levantou-se em Sevilha um cadafalso de cantaria onde os judeus e os cristãos-novos eram metidos, lançando-lhes depois o fogo. Este monumento que ainda existia nos princípios do século XIX, era conhecido pela expressiva denominação de Quemadero
            O terror obrigou milhares de famílias a fugir de Espanha. Queixaram-se ao papa. Sisto IV  mandou chamar à reconciliação aqueles que pedissem, ainda que condenados ao suplício das chamas. Assim o disse numa bula de 2 de agosto de 1843... Onze dias depois, revogou-a! Alguns cristãos-novos  que voltaram de Roma, depois de pago e bem pago o favor do papa, e chegaram a Sevilha confiados na promessa, como estava revogada a bula, foram queimados e os seus bens confiscados! Santa Inquisição!...

            O Inquisidor Feroz - Por fim, é Torquemada erguido à maior altura do seu sonho. É feito cardeal e o primeiro inquisidor geral em toda a Espanha. Tem sob as suas ordens quarenta e cinco inquisidores gerais. “a inquisição é uma instituição política e permanente, com autoridade soberana, absoluta, independente dos bispos”.
            Em catorze anos, este Torquemada, que deu ao tribunal da inquisição espanhola a forma jurídica oposta a todas as leis humanas, instaurou processo a cerca de oitenta mil pessoas e mandou a fogueira mais de oito mil, realizando-se as execuções entre cerimônias e festas religiosas de inconcebível pompa! A certa altura, os judeus afligem-no demais. Não o satisfaz a conversão forçada e a tortura e o fogo. Quer ver-se, de vez, inteiramente livre da raça... maldita, por ter religião diferente da de Roma... É preciso correr de toda a Espanha os judeus!...
            Os pobres hebreus, aterrados com as notícias em curso, de que seriam expulsos a sabendo de quanto D. Fernando é amigo de dinheiro, cotizam-se e oferecem aos reis trinta mil ducados, números redondos, para que os deixassem em paz. Além do dinheiro, prometiam sujeitar-se às obrigações civis que lhes eram impostas, habitar os bairros separados, recolher antes do anoitecer e abster-se do exercício de profissões só próprias de cristãos. Era tal o amor à terra que preferiam os flagelos do Santo Ofício!
            Fernando e Isabel, comovidos, pensaram um instante em tolerar no reino os judeus. Mas, de súbito, Torquemada, entrando junto dos soberanos e atirando-lhes para cima de uma mesa com um crucifixo, disse-lhes: “Judas vendeu Cristo por trinta dinheiros. Vossa Altezas querem vendê-lo por trinta mil ducados; aí o tem, realizem o mercado.” Os reis ficaram aterrados e assinaram em 31 de março de 1492 a sentença do exílio. Os judeus tinham de abandonar a Espanha dentro de quatro meses...
            Os espanhóis tinham  degolado na América povos e reis, em homenagem a seu Deus, conforme se dizia. Na sua própria pátria encontraram as fogueiras prontas a devorá-los, em nome do mesmo Deus...
            E só porque Torquemada, o inquisidor feroz, quisera ser cardeal e exercer um poder independente e superior aos grandes e aos reis, e porque queria vingar-se do mouro de Córdoba em todos os mouros e judeus; e só queria ter à sua ordem uma instituição fatal a todos os seus inimigos e que fosse o baluarte que o mantivesse nas honras a que se tinha erguido; só para servir as ambições, os ódios e as vinganças dum frade dominicano e de outro franciscano - Torquemada e Ximenes - os reis católicos, estabelecendo a inquisição, inundaram a Europa de sangue!...
            

sexta-feira, 25 de março de 2011

À Inquisição' - Parte 5




             Um Parênteses - Infelizmente, porém, se a França não tolerou por muito tempo a inquisição e, nem de fato nem de direito, o tribunal de Roma logrou mais restabelecer-se ali, depois de expulso, não é menos certo que se sentiu várias vezes o espirito dos inquisidores.
            Urbano Grandier foi condenado a serem-lhe quebrados os ossos até aos tutanos e, depois... à fogueira. O tribunal não era da inquisição, mas tinha lá o mesmo espírito de perversidade, de ignorância, de superstição...
            Pela cobiça que as riquezas dos Templários despertaram num papa e num rei, era preciso perdê-los. Para isso, era necessário acusá-los de algum crime e fazer com que a acusação fosse acreditada.
            Encontra-se a alma vil dum delator... E aqueles cavaleiros, sempre nobremente e valorosamente devotados à Pátria e à religião, foram acusados de heresia(!). Eles que arriscavam a vida em combates em defesa de Cristo e enchiam os altares de presentes que eram verdadeiros tesouros, foram dados como profanadores e sacrílegos! Em 1311 foram queimados 57, tendo tido muitos outros a mesma sorte em 1314.
            Mas há mais, a França, além do que acabamos de expor, teve momentos horríveis: Francisco I nunca se cansou de perseguir as vítimas da cólera da Igreja. Como verdadeiro mandatário do papa, bastou que alguns cidadãos fossem acusados de ter falado irreverentemente do chamado “Santíssimo sacramento”, para que logo os condenasse a morrer queimados na fogueira, presos a uma cadeira que se fazia descer sobre um braseiro ardente e se elevava por meio de um básculo, para lhes prolongar a agonia.
            No reinado de Carlos IX, foi também a França devastada pelas guerras dos católicos e dos protestantes...
            Razão teve Napoleão para censurar o grande erro de Francisco I não ter aberto a França à Reforma!
            Carlos IX perseguiu os protestantes até aos extremos mais horrorosos. É precisamente no momento em que toda a gente supunha que começava uma era de paz, pelo casamento da irmã do rei com o príncipe protestante, Henrique IV de Navarra, surge a Saint-Barthelemy - 24 de agosto de 1572 - dando Carlos IX ordem para que os protestantes fossem massacrados em toda a França ao mesmo tempo. Era de tal crueldade, que dizia, proferindo o nome de Deus: “Quero que sejam mortos todos os hereges da França, homens, mulheres e crianças, de maneira que nem um só escape para me censurar a morte dos outros!”  No tempo de Luís XIV, aos heréticos de  Cevennes, aos protestantes, fazia-se-lhes assim: “reunidos em conjunto, homens, mulheres, crianças e velhos, nos campos, e guardados pelos soldados do rei, iam pelo meio deles os jesuítas e exortavam-nos a que se convertessem, dando-lhes a escolher: ou a missa ou a morte. Depois, separavam-nos em dois grupos: dum lado aqueles que consentiam em abjurar da sua pretensa heresia, do outro, os que perseveravam nas suas crenças religiosas. E, então, os dragões de el-rei precipitavam-se sobre os últimos, cortavam-nos a golpe de sabre, esmagavam-nos sob as patas dos cavalos e só paravam depois de os ter massacrado até ao último! Em seguida, desmontavam e recomeçavam uma nova luta com os que tinham sobrevivido; as mulheres, as raparigas, os rapazes, as criancinhas mesmo eram poluídas  por horríveis estupros, com os aplausos frenéticos dos padres e dos monges - testemunhas e autores destas cenas monstruosas!
            Não se chamava inquisição, não. Mas era da mesma maneira o ódio de Roma, a perversidade da Igreja Católica, espalhada pela França, dominando, acusando, intrigando, condenando, massacrando... conforme fez a Joana D’ Arc, queimada viva, como feiticeira, em Rouen, depois de condenada por um tribunal a que presidiu o bispo de Beauvais!...

            A Tenda Máxima - Onde a Igreja de Roma encontrou campo bem aberto e largo, para o estabelecimento das suas tendas infernais; onde ela deparou com fartura de carne humana, para regalo das suas atrocidades, e onde viu luzir tesouro inexaurível da sua cobiça e das suas ambições insaciáveis, foi na Espanha.
            É verdade que a inquisição trazida para Espanha pelos primeiros inquisidores - os flagelos de Languedoc e da Provença - e estabelecida no reino de Aragão, não pode manter-se. Os inquisidores, confiados talvez em que todos os outros estados iam aderir sem discussão, não estiveram com meias medidas: logo aos primeiros casos, a sua conduta foi tal que, aliada à recordação de todos os furores eclesiásticos no Languedoc, deu como conseqüência a sublevação geral contra eles. Foi Castela e Toledo, Andaluzia, Salamanca, Zamora e Astúrias... E até o próprio Aragão acorda e se revolta. O povo riu-se das suas sentenças, arrombou as portas das prisões e deu liberdade às vítimas da inquisição. Não foram os inquisidores de todo expulsos. Sucedeu, porém, como se o tivessem sido!... Mas...




'A Inquisição' - parte 4




                 Fiant Tenebrae! Façam-se as Trevas! - O Tribunal da Inquisição só foi realmente constituído em 1233 pelo papa Gregório IX. E no concílio provincial de Bèziers, em 1245, foi redigido, por ordem de Inocêncio IV, o regulamento definitivo sobre o modo de proceder contra os hereges, regulamento que serviu de base a todos os ulteriores regulamentos da Inquisição. Por ele, todos os que se achassem culpados de heresia ou que soubessem que outrem o estava, deviam num certo prazo declarar a verdade. Os que assim fizessem, dentro desse prazo, chamado tempo do perdão - ficariam isentos das penas de morte, cárcere perpétuo, desterro e confisco... Os que não confessassem as suas culpas seriam condenados sem misericórdia, embora se submetessem às decisões da igreja... Os nomes das testemunhas deviam ser ocultos aos réus.

            Quaisquer pessoas, criminosas e infames, tendo sido participantes no crime de heresia, deviam ser admitidas por acusadoras e testemunhas - à exceção de inimigos mortais do réu.
            Os hereges falecidos seriam condenados, citando-se os seus herdeiros para a defesa. As penitências não cumpridas no todo ou em parte, deviam ser remidas, depois da morte dos condenados, pelos seus bens. Ficavam condenados a cárcere perpétuo os relapsos, isto é, os que depois de convertidos recaíssem no erro, os costumazes, os fugitivos que viessem entregar-se e os apreendidos depois do tempo do perdão.
            Para os condenados a cárcere perpétuo adotar-se-ía o sistema celular...
            Podiam, enfim, arder nas fogueiras livremente! Podiam praticar-se - sob a guarda da lei dos homens e para orgulho e maior glória da lei do Deus católico - as mais infames atrocidades. Podia-se explorar, à vontade, a grande mina - o herege! À desventurada vítima do pior de todos os ódios - o ódio dos padres da Igreja de Roma - já se lhe podia arrancar o dinheiro, a liberdade, e o sangue e a vida. Como escreveu Voltaire: “Já podia o filho depor contra seu próprio pai, a mulher contra seu próprio marido, o irmão contra seu próprio irmão!” Já podia vir, um dia, o papa Paulo III, para fundar a congregação deste tribunal iníquo e chamar-lhe, desnaturadamente, - O Santo Ofício!!
            Estava, enfim, de pé, definida, definitiva, individualizada, independente, senhora de todos e capaz de tudo, a Inquisição!
            Et tenebra factae sunt! E as trevas foram feitas!
           
Capítulo II - Tendas do Santo Ofício

            O Polvo Estende os Braços - Estava, pois, erguida, em desafio ao mundo, a inquisição na Itália, sob os carinhosos auspícios e o cuidadoso regulamento do cardeal Sinibaldo - o pontífice Inocêncio IV. O tribunal seria sustentado à custa do confisco e das multas. Inquisidores seriam os domínicos. Ao princípio tudo se revolta contra o monstro. Mas a Igreja de tal sorte o ajeita, que acaba por se firmar a  inquisição nas terras italianas. Eis, pois, a estender o divino remédio de salvação das almas, até ao resto da Europa. E voltou então a Igreja os olhos para a Alemanha. Foi pouco duradoura a ilusão romana. Logo tiveram os inquisidores de renunciar à esperança de manter ali a sua miserável instituição. Foram corridos de todo o território germânico.
            Na Alemanha, eram suficientemente conhecidos os procedimentos dos inquisidores na Itália, a injustiça das suas sentenças, a barbaridade das suas execuções, a sua avareza e rapacidade e as suas extorsões. Previram dificuldades os papas; mas de nada lhes valeu a manhosa recomendação para que fossem os inquisidores moderados nas investigações e nos interrogatórios, para que se apresentassem como anjos de conciliação e de paz... De nada lhes valeu a máscara. Foram vergonhosamente expulsos.
            Na Inglaterra também não houve meio de pegar o ofício santo!

            E na França - Era ali; era na França que a Igreja ia procurar compensar-se da estrondosa repulsa que o seu negro tribunal obtivera na Alemanha.
            No sul - em Alby, em Tolosa e noutras cidades - depois da mortandade espantosa, feita sobre os albigenses, os tais inquisidores da fé, os pregadores,  os domínicos, os seráficos irmãos de S. Domingos - feito em Roma ‘primeiro inquisidor geral’ - ficaram por ali... por sua própria conta... a escandalizar os povos com excessos e barbaridades. E se a crueldade usada com os Albigenses ‘não era inspirada pelo Espírito de Jesus Cristo’ - segundo escreve, cheio de horror, o abade Nonothe - e mais essa crueldade era assoprada pelas prédicas dos domínicos, com ordem de Sua Santidade - pretenso representante de Deus - qual seria o espírito que inspirava os barbarismos dos ‘pregadores’ que por lá ficaram a inquirir e a julgar, por seu libérrimo arbítrio!?
            Com satisfação viu o papa já inquisidores de fato no sul da França. Estava o terreno desbravado. Era fácil a sementeira da fé... Entraria o tribunal de direito, sem mesmo se dar por isso. Assim se fez. Os inquisidores de Roma assolam  a França pelo sul. Mas... o regime feudal caminhava direto à ruína; e quer esta circunstância, quer o espírito de oposição à Igreja de Roma, provocado nas simpatias da Igreja anglicana, quer as idéias que irradiavam das Universidades - tornavam a opinião francesa adversa à inquisição, levando os espíritos para princípios opostos aos dela. Além disso, o caráter francês - o caráter nacional - com a sua lealdade e magnanimidade - repelia uma instituição baseada na baixeza da espionagem e na infâmia das delações.
            “O sentimento duma liberdade nobre e generosa, inata aos franceses”, fez com que a inquisição também ali não criasse raízes. Entregues à irrisão pública, ou vítimas de sedições - nas quais os inquisidores pagavam com a vida a atrocidades dos seus atos - foram expulsos, vendo-se a corte de Roma forçada a verificar, que tinha de desistir do Santo Ofício. E apesar do fanatismo que imperou nas duas facções depois da luta - Papistas e Huguenotes - apesar dos esforços que então foram tentados, para a restabelecer, junto do pobre rei Francisco II, a inquisição não foi restabelecida. Houve um homem que salvou a França dessa vergonha: foi Miguel do Hospital.

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'A Inquisição' - Parte 3



                Os Albigenses -  Com o nome de Albigenses designavam-se todas as seitas que nas províncias do meio-dia da França eram contrárias, mais ou menos, à doutrina católica - e porque, entre as cidades que ocupavam principalmente, se contava a cidade de Alby. Foi contra os Albigenses que Inocêncio III mandou os inquisidores da fé. Foi contra os Albigenses que Domingos de Gusmão, depois S. Domingos, fundou a ordem dos pregadores ou domínicos, com o fim de os converter por meio da palavra. Todavia, essa palavra, mais que dirigida ao coração dos hereges, era usada pelos domínicos, conforme vimos, no incitamento do povo e dos príncipes contra eles.
            “Que importa dizer-se que, enquanto Raimundo de Monforte exterminava a ferro e fogo os albigenses, S. Domingos não se metia na guerra e não queria mais que a prédica e a oração? Que importa, se a palavra dos pregadores e a  oratória de S. Domingos eram o fogo que ateava a labareda do fanatismo no ânimo barbaresco do povo e aguçava os ciúmes e a inveja entre os grandes senhores, disfarçando-se todas as ruins paixões com o zelo religioso? Ora, como os albigenses não davam ouvidos às prédicas dos dominicanos nem - segundo escreveu Alexandre Herculano - cediam à violência, onde e quando achavam em si recursos e força para a repelirem, a guerra não foi mais que um tecido de atrocidades, praticadas pelos católicos contra os hereges e por estes contra aqueles.
            Os da ordem de S. Domingos não se esqueceram nunca de cumprir o artigo no qual o papa os encarregava de “exortar os príncipes e magistrados a punir, até mesmo com o último suplício, as pessoas que persistissem  nos seus erros”. E matava-se tudo sem distinção - homens, mulheres, donzelas, crianças e velhos. Tendo alguns soldados perguntado ao abade de Citeaux qual era o sinal pelo qual haviam de distinguir católicos de albigenses, respondeu-lhes o padre: “Matai a torto e a direito. Deus, depois, na outra vida, saberá distinguir os bons dos maus, os fiéis dos infiéis”.  O sábio Vaissette, na sua História Geral do Languedoc, pintou assim os domínicos: “Eles faziam sofrer horríveis torturas aos que prendiam com o pretexto de heresia, para lhes fazer confessar crimes de que não eram  culpados; subornavam testemunhas, falsificavam escrituras, etc., etc.; de sorte que todos os povos pareciam dispostos à revolta.”
            O abade de Santa Genoveva exclamava: “Não encontro por toda a parte senão cidades devoradas pelas chamas e casas arruinadas. Os perigos que me cercam fazem-me ter sempre presente a imagem da morte.”
            Apenas o arcebispo de Bruges não acamaradou com os outros nas violências contra os hereges. Exortava... convencia... implorava a graça de Deus... Foi canonizado, depois, a arcebispo S. Guilherme, logo após a sua morte, em 1209. “E por aí se vê - escreve Herculano - que mesmo no meio do delírio das paixões e da perversão das idéias, nunca obscurece de todo a sã razão e a verdadeira virtude.”

            Crê ou Morres! - Em 1229, reuniu-se o concílio provincial de Tolosa, no qual foram promulgadas quarenta e cinco resoluções, sendo dezoito relativas aos hereges ou suspeitos de heresia. Vejamos como se exprimiu a este respeito Alexandre Herculano: “Estatuiu-se que os arcebispos e bispos nomeassem em cada paróquia um clérigo, com dois, três ou mais assessores seculares, todos ajuramentados, para inquirirem da existência de quaisquer heresiarcas, ou de alguém que os seguisse ou protegesse, e para os delatarem aos respectivos bispos ou aos magistrados seculares, tomando as necessárias cautelas pra que não pudessem fugir. Estas comissões eram permanentes. Os barões ou senhores das terras e os prelados das ordens monásticas ficavam, além disso, obrigados a procurá-los nos distritos ou territórios de sua dependência, nos povoados e nas selvas, nas habitações humanas e nos esconderijos e cavernas.
            Quem consentisse em terra própria um desses desgraçados seria condenado a perde-la e a ser punido corporalmente. A casa  onde se encontrasse um herege devia ser arrasada. As demais disposições em analogia com estas, completavam um sistema de perseguições digno dos pagãos, quando tentavam afogar no berço o cristianismo nascente. A completar e reforçar esta obra, veio Luís IX (S. Luís, rei da França) com um decreto “não só concorde na substância com as provisões do concílio Tolosano, mas em que também se ordenava o suplício imediato dos hereges condenados e se cominavam as penas de confisco e infâmia contra os seus fautores e protetores”!
            Esta legislação francesa, aliada à de Frederico II na Alemanha, dando sanção legal ao sistema de intolerância sanguinária seguido contra os dissidentes, e à parte da Itália, tornou muito mais tremendas as providências tomadas na assembléia de Tolosa.
            Ainda assim... e embora, pelo que respeitava ao extermínio dos hereges, o poder eclesiástico e o civil ou secular “se compenetrassem na prática” conforme escreve Alexandre Herculano - não foi o concílio de Tolosa que firmou o cunho definitivo da inquisição como entidade independente.


quinta-feira, 24 de março de 2011

'A Inquisição' - Parte 2






            O Mestre dos Bispos - Apesar de tudo, porém, quando sucedia impor-se, porém, pena última a algum heresiarca, e a intolerância - diz Herculano - envergonhando-se de o condenar pelas suas doutrinas religiosas, qualificava-o para isso - como cabeça de motim.
            Nestas circunstâncias, os eclesiásticos fugiam de comparecer nos tribunais e, até se esforçavam por salvar os réus. Onde se lograria encontrar modernamente espírito de tolerância comparável a este: “- Silviano, o chamado mestre dos bispos, que tantos elogios mereceu a Santo Euquério a a outros da primitiva Igreja - dizia, falando dos arianos: “São hereges; são-no; mas ignoram-no. Hereges entre nós, não o são entre si; porque tão católicos se reputam, que nos têm por heréticos. O que eles são para nós somos nós para eles... A verdade está da nossa parte; mas eles pensam que está da sua. Cremos que damos glória a Deus;  eles pensam também que o fazem. Não cumprem o seu dever; mas longe de o suspeitarem, acreditam servir a religião. Sendo  ímpios, persuadem-se de que servem a verdadeira piedade. Enganam-se; mas é de boa fé, e por amarem a Deus, não porque o aborreçam. Alheios à crença verdadeira, seguem com sincero afeto a sua; e só o supremo Juiz pode saber qual será o castigo de seus erros.”
            O mestre dos bispos - acrescenta Alexandre Herculano - teria perecido numa fogueira, se escrevesse no tempo da Inquisição aquelas admiráveis palavras, onde tão judiciosamente se acham ligadas a intolerância doutrinal e legítima com a tolerância material e externa.

            O Concílio de Latrão e a Constituição de Lúcio III -  Contra o incremento das heresias, cujos sectários se espalhavam pelas províncias de Alby, Tolosa, Aragão, Navarra e Vascônia, decretam-se no III concílio geral de Latrão, em 1179, providências que estão longe da mansidão e brandura aconselhadas e seguidas pelos antigos padres. Mas ainda os dois poderes se não confundem: pertencem ao poder eclesiástico os castigos espirituais e ao civil os de ordem temporal. Ainda não há “nova ordem de processo”, nem tampouco aparecem juízes ou tribunais novos e independentes a julgar os casos de heresia: - respeita-se a jurisdição episcopal.
            Em 1184, Lúcio III promove uma constituição, na qual se ordena que os bispos, com acordo dos príncipes seculares, por si, pelos arcediagos, ou por comissários por eles nomeados, visitem as dioceses, “a fim de descobrirem os delitos da heresia, ou por fama pública ou por denúncias particulares.”
            Já nesta Constituição aparecem as designações de suspeitos, convencidos, penitentes e relapsos, indicando diversos graus de culpabilidade religiosa, a que correspondiam  penalidades diversas.
            Permanece, todavia, a distinção dos dois poderes - o eclesiástico com a ação espiritual - o secular com a ação temporal. Chegaram a ser fixadas fórmulas de processo eclesiástico em relação aos hereges, mas conservaram-se aos acusados as garantias de sempre.

            Os delegados do Papa Inocêncio III - Inocêncio III enviou em 1204 a Tolosa três monges de Cistér com todos os poderes de repressão contra os hereges. Os monges deviam “destruir, dispersar e arrancar as sementes da má doutrina”. A ação destes delegados do pontífice começou por ser quase nula, visto que os bispos, prejudicados na sua jurisdição, criavam-lhes todos os embaraços, de mãos dadas com as autoridades seculares. Era preciso gente de outra têmpera. E o papa mandou em auxílio dos monges, em 1206, o bispo de Osma, cidade da Espanha, e um cônego da sua Sé - Domingos de Gusmão. Pouco se demorou por lá o bispo. Em compensação, Domingos, tendo-se deixado ficar, associou a si vários padres e estabeleceu ou fundou em Tolosa a Ordem dos frades pregadores ou domínicos - denominação tomada do seu próprio nome - ordem que tanta influência teve, como veremos, na história da inquisição. 
            Estes delegados do pontífice tinham o nome de inquisidores da fé; mas esta designação estava muito longe do significado que mais tarde havia de ter, e os próprios delegados não constituíam tribunal próprio com fórmulas especiais de processo. A sua ação era apenas moral. Obravam por via indireta, por incitamento... Eles deviam  descobrir os hereges e combatê-los pela palavra, excitando ao mesmo tempo “o zelo dos príncipes e dos magistrados e inflamando o povo contra eles”.
            Calcule-se, naquela época, que conseqüências atrozes havia de produzir a excitação da crença, até despertar os furores do fanatismo!

quarta-feira, 23 de março de 2011

'A Inquisição' - parte 1





A Inquisição

Carlos Babo
Livraria Lello, Limitada - Editores
(Enciclopédia pela Imagem)

Capítulo I        A Origem

            Heresia - Heresia significava noutros tempos eleição, opinião boa ou má, escolha entre várias doutrinas. E assim dizia-se: a heresia estóica, a heresia cristã, etc. Absolutamente nada de odioso havia, pois, nesta denominação.
            E até S. Paulo, na 1ª Epístola aos Coríntios, XI; 18 - a propósito dos ágapes ou festins que os primeiros cristãos faziam de companhia nas igrejas, para manterem entre si a união e a concórdia, dizia: non oppotet et haereses esse: é conveniente que haja heresia entre vós, para que se descubram os que são firmes na fé. E queria dizer o santo, com isso, que “era coisa ordinária e quase inevitável a heresia ou contraste de opiniões entre eles, pois que assim era preciso, pela circunstância humana e a soberba que tinham os Coríntios.”
            Correram os tempos, passaram os séculos sobre os primeiros, os puros tempos cristãos da Igreja; e esta, julgando-se detentora e mestra da verdade, desandou a olhar com horror e ódio todos aqueles que tinham ou seguiam opinião contrária à sua, mormente as opiniões que contrastavam com os seus dogmas fundamentais. A essas opiniões contrárias à doutrina da Igreja deu-se então exclusivamente o nome de heresias. E aqueles que tinham ou perfilhavam essas opiniões, chama a Igreja: hereges.
            Hereges ou heréditos são, portanto, todos aqueles que crêem num sentimento ou numa idéia declaradamente contrária à pretendida autoridade da Igreja, ou a sustentam, com tenacidade. E como a principal fonte das heresias era a corrupção dos costumes do clero, vá de considerar herege mesmo aquele que, por qualquer maneira, negasse a autoridade eclesiástica!
            Quando os hereges ou heréticos se faziam chefes ou cabeça de heresia ou de seita herética, tomavam o nome de heresiarcas.

            Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo - Do ódio votado pela Igreja a todo ser que pensasse ou sentisse, que pense ou sinta, contra o que ela afirmava, contra o que ela afirma e afirmará sempre, na sua imobilidade eterna, nasceu no seu próprio seio a sanha persecutória, com todos os horrores da tortura e da matança.
            À palavra doce de Jesus, refletindo de sua alma infinitamente boa o perdão a todo o pecador... pois que... até com essa palavra, infinitamente doce, foi que ele convidou quem estivesse isento de pecado, a atirar a primeira pedra à mulher adúltera... À palavra doce de Jesus sucedeu a palavra fria, impiedosa, inexorável, do padre.
            E Jesus tinha tido o pressentimento, ainda antes do seu último olhar, transfigurado, sobre a cruz, na noite do suplício! Jesus tinha tido o pressentimento: ao mesmo tempo que perdoava à mulher adúltera, era inexorável com os maus padres - diz o autor da Viagem de Pitágoras. E quanto foram piores do que os padres do tempo de Jesus, os padres que vieram depois... para serem mercadores ou fanqueiros do corpo, da túnica, do coração, dos espinhos, dos cravos e da própria cruz, do mártir sublime, que ainda cobre de angústias o céu sobre o Calvário! Quanto foram piores os padres que vieram depois e que, renegando o reino da paz e do amor, espargido nas almas simples e puras pela palavra doce, pela palavra-encanto, de Jesus Cristo, fizeram de toda a terra onde imperavam, um inferno ilimitado de tormentos, um sudário monstro de infâmia e de dores!!
            E fizeram isso... Ó infinita misericórdia de Deus!... em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!

            Os Sínodos - Todavia... Roma não se fez num dia! ... Tudo leva seu tempo... Até leva tempo a perder-se a vergonha!...
            Primeiro, antes do século XIII, começou por se proceder contra hereges, por meio dumas comissões estabelecidas nos diferentes distritos de cada diocese e constituindo uma espécie de tribunais dependentes dos bispos. Estas comissões denominavam-se sínodos. Limitavam-se a qualificar os hereges e, como pena maior, excomungavam-nos. Quanto ao mais, era o poder civil que decidia. Há exemplos de condenações ao último suplício pelos juízes seculares, embora “nenhuma lei da Igreja ou do direito romano impusesse maior pena do que o confisco de bens”. Eram, porém, os tribunais comuns que investigavam e apuravam; o acusado assistia ao processo e eram-lhe facultados todos os meios de defesa.
            “Pode-se assim afirmar - escreve Alexandre Herculano - que a Igreja era até certo ponto estranha à imposição de penas aflitivas e ao derramamento de sangue, com que mais de uma vez se manchou a intolerância religiosa antes do século XIII. Respeitava-se assim a tradição primitiva do cristianismo”.
            Alguns tinham até a excomunhão como falsa de caridade; se bem que outros entendessem que eram de grande utilidade os castigos materiais contra o progresso das heresias e, por isso, incitassem os magistrados ao cumprimento severo das leis imperiais contra os dissidentes.