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terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Coisas que não sabíamos


Coisas que não sabíamos
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Junho 1943

Não há dúvida de que o livro do padre Zioni foi um prestimoso trabalho, que não só veio ensinar muitas coisas aos seminaristas do Ipiranga como a nós mesmos, espiritistas.
Assim é que ele esclarece:

"Bem claras são as diferenças entre Espiritualismo e Espiritismo. (Todos os grifos são do reverendo). A filosofia espiritualista crê na existência de um Deus todo poderoso, Criador e Providência do mundo, Pessoal e absolutamente distinto de suas obras. O Espiritismo identifica o efeito com a causa, Deus com o mundo!"

Vejam lá! E ninguém sabia disto até hoje! O Espiritualismo a crer na existência de um Deus todo poderoso, Criador, providência do mundo, pessoal, distinto de suas obras. E nós, espiritistas, a crer no contrário, visto que "bem claras são as diferenças entre Espiritualismo e Espiritismo". E nós, espiritistas, a crer que Deus não é poderoso, nem é Criador, nem é providência do mundo, nem é distinto de suas obras, e é impessoal. Pensamos, além de tudo, que efeito e causa, Deus e o mundo é tudo a mesma coisa.

(“O Espiritismo identifica o efeito com a causa.") 

Nós, espiritistas, cremos nisto, disse-o o padre Zioni aos seus alunos e proclamou-o à face do Brasil, no seu famoso livro.

Bem é que nos viesse agora iluminar o entendimento, porque nós criamos que acreditávamos justamente no contrário do que afirma o padre que nós cremos.

Mas, quem nos enganou foi o Kardec. Diz ele, logo na 1ª linha, do 1º capitulo, como 1ª resposta dos Espíritos no Livros dos Espíritos:

"Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas".

Por isso não esperávamos. O Kardec a dizer que Deus é a suprema causa e a suprema inteligência, nós a crermos que era nisso que acreditávamos! Supúnhamos até hoje que tínhamos Deus como Criador, visto que é causa primária, e como causa não se podia confundir com o efeito, que é a sua obra, e como Inteligência Suprema é o todo poderoso...

Nada! No que acreditamos quem o sabe, quem o diz, quem o ensina é o padre Zioni.

Ainda nos engana e atrapalha Allan Kardec, quando estabelece no nº 13, Livro dos Espíritos, que Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.

Mas que patranha!

Dir-se-ia que isto é que é o ensino dos Espíritos, o que proclama o Espiritismo, aquilo em que cremos. Lá está que Deus é único, imutável, onipotente.  

Mas não importa. A verdade vive palpitando pela pena do reverendo: "São bem claras as diferenças." O Espiritualismo, de que ele é representante, crê num Deus poderoso, criador, pessoal, distinto de suas obras ...

Cá conosco é o contrário - cremos no oposto - o Kardec é p'ros tolos. E se não é a providencial interferência do padre, iríamos por aí afora naquele engano d’alma.

No capítulo Panteísmo, Kardec, para reforçar o engodo em que vivíamos, declara que Deus é um ser distinto, porque, se fosse a resultante de todas as forças e de todas as inteligências, não existiria, porquanto seria efeito e não causa. (L. dos Esp., nº 14).

Mas não é isso o que cremos, di-lo o padre Zioni - nunca é demais repetir - em respeitável obra, que corre o Brasil inteiro, explicando o que é a infausta doutrina do Espiritismo. E entre, o padre Zioni e o Kardec... "tollitur quaestio". (e acabou a questão).
Outro esclarecimento e outra coisa que não sabíamos:

"O Espiritismo pretende possuir todos os segredos da natureza e julga-se capaz de explicar todos os mistérios."

Ainda aí, que ilusão a nossa! ...

Pensávamos, nós os espiritistas, que esbarrávamos em todas as causas primarias. Não há tal. O Espiritismo sabe tudo, explica todos os mistérios ou pretende isto.

Sabe de onde veio Deus, como é que veio, como é que se formou, onde acaba o Infinito, isto sem já falar em coisas mais próximas: - porque a água se solidifica a Oº grau, porque o mercúrio é liquido à temperatura normal e o ouro é solido, porque uns metais são duros e outros moles, porque há corpos que emitem irradiações, porque o ferro se magnetiza, porque as pontas atraem os raios e não as bolas, porque o coelho é manso e o tigre é bravo, porque a barriga das pernas está atrás, quando devia estar na frente para proteger as tíbias, porque os dentes só nascem duas vezes e as unhas crescem indefinidamente, porque... etc., etc., etc ...

Nós sabíamos tudo isto! Ha muita gente que supõe saber o que não sabe. Em Espiritismo a cantiga é outra: - não sabemos o que sabemos! Desta vez, obrigado, padre!

Mais coisas que não sabíamos:

"O Espiritismo repousa nesta comunicação com os desencarnados e estabelece como base essencial a crença na sobrevivência dos espíritos e sua comunicação com os vivos, seja qual for a explicação, porquanto a filosofia espírita consiste em comparar todas as filosofias já existentes, com a revelação espírita. "        

Ah! consiste nisto?

Aí têm o que é a filosofia espírita - é uma comparação com todas as filosofias existentes.

Quem faz a revelação é o Arnauné, que eu não sei quem é; mas quem a endossa é o reverendo.

O trecho está claro como azeite: - a base do Espiritismo é a crença na sobrevivência, seja qual for a explicação.

E esta base é porque a filosofia espírita consiste em comparar a revelação espirita com as filosofias já existentes.

O Arnauné, com a aprovação, senão com a admiração de Zioni, levou a explicação aos maiores extremos: - a comparação é com as filosofias existentes. Não se fosse supor que se tratava de comparação com filosofias inexistentes.

E nós a crermos que a filosofia espírita versava sobre a origem, a dor, o destino dos homens!

Nada disso: - é uma comparação.

*

Não sabíamos, ainda, que Mateus, no capíulo XVIII, nº 17, se referia à Igreja Católica.

Elucida-nos, neste ponto, o padre Zioni:

"É pena que o Sr. Allan Kardec e seus dIscÍpulos nunca leram ou não querem ler na Sagrada Escritura os anátemas proferidos pelo mesmo noso Senhor Jesus Cristo: - Aquele que não crer será condenado, porque já está julgado. Aquele que não ouve a Igreja (isto é a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, por ele fundada) esse tal deve ser reputado pagão ou publicano, isto é, apóstata, herege, excomungado."

Apesar do muito que para mim vale a palavra do reverendo, fui dar uma espiadela em Mateus, e o que lá encontrei foi o seguinte: "Se contra ti pecou o teu irmão, vai e o repreende, mas a sós com ele. Se te atender, te-lo-as ganhado. Se, porém, não te atender, faze-te acompanhar de uma ou duas pessoas, a fim de que tudo seja confirmado pela autoridade de duas ou três testemunhas. Se também não as atender, comunica-o à Igreja; e se também à Igreja não atender, trata-o como gentio e publicano." (Mateus, XVIII, 15-17) .

Se meus olhos não me enganam, está diferente da citação do padre.

O que inferíamos do texto é que o Mestre, no seu amor às criaturas, nos ensinara a brandura, em vez de aconselhar-nos os anátemas, e, destarte, mandara que, quando tivéssemos de repreender ou censurar alguém, o fizéssemos em segredo, a sós com ele, com palavras persuasivas. Se ele nos não atendesse, buscássemos outros para reforçar nossos conselhos. Os espíritas pediriam o auxílio dos bons Espíritos. Não atendidos, ainda levariam o caso à Igreja, e a Igreja era a assembleia dos doutos, dos probos, era a Autoridade. No nosso caso seria a comunidade cristã.

O conselho do Divino Pastor visava - assim o supúnhamos - evitar a desonra do infrator, a publicidade do erro. Só em último caso, na impossibilidade da corrigenda, e corrigenda do pecado, seria considerado o pecador gentio e publicano, isto é, insuscetível de emenda, e então, deixado à sua sorte, consequentemente ao desprezo público, como se ele fora publicano ou gentio.

Mas o padre ajeitou os textos. Em boa hora, porque ficamos sabendo assim que, se um chinês não ouvir a outro chinês, tem que rumar ambos à Igreja Católica. Se um japonês não atender a outro japonês, está perdido, a menos que não consiga romper o bloqueio da esquadra britânica e forçar o canal de Suez, em caminho de Roma.

E então, -antes da fundação da Verdadeira Igreja, a Católica? Era ficar esperando num ponto azul da Eternidade!

Não se compreende, nem se sabe como, mas está bonito.

Não para aí ou não parava a nossa ignorância. Leiamos mais um lanço esclarecedor do reverendo Zioni:

"O Espiritismo Moderno, filho legítimo do Individualismo, Liberalismo e Racionalismo Protestantes, é, em si mesmo, falacioso e enganador. Pretende ser uma verdadeira Ciência, Filosofia e Religião, quando, na realidade, não é mais do que uma
pseudo revelação dos princípios subversivos da ordem e da moral, sob a roupagem santa e ideal da verdadeira caridade."

Está injurioso. Mas em se tratando de Espíritos, Espiritismo e Espiritistas, o padre
não tem muita cerimonias. Já vimos isto.

Todo o livro é uma como arcada de contrabaixo, vibrada por mão de mestre. Profunda e vigorosa.

Ora no Espiritismo, o que se ensina é o Evangelho do Senhor Kardec lhe dedica um livro inteiro. Roustaing apresenta, transcreve, estuda, comenta, versículo por versículo. A doutrina roustainiana se cifra em todo o Evangelho do Divino Mestre. Onde está a imoralidade, a desordem? ...

O Evangelho, filtrado pela boca do reverendo, iluminado pelas chamas do Inferno, apavorante pelos anátemas, anti fraterno pelo predomínio exclusivo de uma Igreja, vingativo pela eternidade das penas, obscuro pela insondabilidade dos mistérios, impenetrável pela proibição do exame, da investigação, é, que é a fonte da ordem e da moral, onde nós devemos todos abeberar.

Mas o Espiritismo, que nos apresenta Jesus cheio de bondade e de amor, que ensina a remissão do pecado pelo esforço próprio, que apregoa a bondade do Criador pela salvação de todos, que nos dá como lei suprema a da Justiça, como princípio geral a Equidade, que não proíbe o Conhecimento, nem estiola a Razão, este, sim, é um obstáculo a ordem, é um empeço a moral.

Num ponto, porém, acordamos com o ilustrado sacerdote. Convimos em que há ali uma doutrina funesta - é o dai de graça.

Imoral, não há dúvida, porque vai de encontro à moral consuetudinária, à moral de  os tempos e de todos os homens, com raras exceções. Anárquica, porque foge à ordem estabelecida, pelo menos à ordem econômica.


E o Espiritismo prega essa perigosa doutrina. Tem razão o padre: - "Princípio subservivo da ordem e da moral!'" 

Acabamos por uma conciliação. 

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O Panteísmo de Allan Kardec


O panteísmo de Allan Kardec
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Abril 1943

No seu livro de ataque ao Espiritismo, descobriu o muito digno Sr. padre Zioni que Kardec é panteísta. E se bem o disse, melhor o provou.

Vejam, agora, a documentação que ele apresenta, deixando no ânimo dos leitores, em geral, em especial no dos alunos do Seminário, a convicção do panteísmo de Kardec. Assim, transcreve ele de “Le Spiritisme à sa plus simple expression.”:

"Deus atrai todos a si mesmo”.

Entre parênteses, acrescenta o professor: "Note-se a ideia panteísta".

Notaram? Agora, por exemplo, diz alguém: O mestre chamou a si todos os alunos. É uma ideia panteísta, notaram?

A Irmã Paula chamou a si todos os necessitados... Quem não notará o panteísmo da irmã Paula?

"O reverendo foi de porta em porta e, procurando encaminhar aquelas almas para Deus chamou-as todas a si".

Panteísmo no caso.

O professor, a irmã Paula e o reverendo estavam emitindo ideias panteístas. Note-se.

É muito comum e as histórias estão cheias de tais relatos, dizer alguém, quando invoca auxilio ou socorro: - "A mim, a mim!" "é: mim, os mosqueteiros do rei!".

Os pedintes, sem o saberem, provavelmente estão fazendo panteísmo.

Notará, entretanto, na frase atribuída ao Kardec (quem não tiver preconceitos eclesiásticos, que a Deus se atribuía a bondade de chamar ao seu seio, ou ao seu reino ou a mansão da felicidade, indistintamente, todas as criaturas.

É isto o que é chamar a si.

Outro lanço em que o reverendo deixa irretorquivelmente provado o panteísmo kardecista:

"Pela morte do ser orgânico os elementos que o formavam sofrem outras combinações para construírem outros seres, os quais tiram da fonte universal o princípio da vida e atividade absorvendo-o e assimilando-o para o restituírem a esta fonte, quando cessarem de viver.

Notaram? Eu, com franqueza, não consegui notar coisa nenhuma.

Que é que tem aquilo com panteísmo? 

Porque as diversas combinações sofridas pelos seres orgânicos importariam em ideias panteístas? Ou o padre ensinará aos seus alunos que seres orgânicos são seres espirituais?

Orgânico é aquilo que tem órgãos. Refere-se a corpos, corpos organizados.
Todos sabem, os que têm ligeira tintura de história natural - que os corpos vegetais e animais nascem, crescem, vivem e morrem. Mortos, voltam ao laboratório da natureza, onde se transformam em novos corpos. O cadáver decompõe-se e nos imensos fornos da natura transmuda-se, e o corpo disforme, infecto, pútrido renasce em cotilédones, em hastes, em folhas, em galhos, em flores, em frutos...

Qualquer colegial sabe disto, provavelmente com exceção dos seminaristas do Central do Ipiranga. Kardec, consequentemente, não ensinou coisa nenhuma de panteísmo; apresentou, apenas, uma noção que se encontra, com pequenos acréscimos, em qualquer epitome de ciências físicas e naturais.

Outra demonstração. Transcreve do Kardec o reverendo:

"Deus sendo eterno, deve haver criado incessantemente. Deus, espírito e Matéria constituem o princípio de tudo o que existe - a trindade universal.

Fomos procurar onde Kardec teria dito aquilo, pelo menos para saber se ele tinha, de fato, escrito, ou porque escrevera espírito com ‘e’ pequeno e Matéria com ‘M’ grande.

Baldado empenho.             

A citação é de Justino Mendes. O padre Zioni cita Allan Kardec através do Padre Justino.

Qual o processo de verificar o que disse o Kardec, onde o disse, como disse? Não o sabemos.

Já Ruy Barbosa censurava esse processo de citar, principalmente quando tais citas constituíam prova.

Assim se exprimia o notável jurista:

"O costume que o professor seguiu, de citar unicamente o nome do clássico, sem a obra e o lugar onde se acha a passagem transcrita, não satisfaz, nem se explica. Admite-se nos manuais escolares, por não os carregar de notas e lhes avultar o porte. Mas, em trabalhos de crítica, maiormente nas polêmicas, é injustificável. Ou o escritor cita de primeira mão, e nada lhe custará declarar de onde o faz; ou de segunda e terceira, e então, se o livro de onde tirou, for igualmente omisso, os seus documentos não estão verificados, nem são verificáveis; o que os priva inteiramente de valor." (Réplica, 14.)

Cabe inteira a carapuça no ilustre reverendo.

Qualquer, porém, que fosse a mão em que ele houvesse apanhado o texto que transcreveu, o que não notamos é onde ressumbra ali algo de panteísmo.
O que diria o Kardec é que existe Deus, espírito e matéria, e tudo no Universo se resume nessa trindade. Pois não é?..

Pois não sabe o reverendo e não sabe todo o mundo que existe Deus, que existe o espírito, e que existe a matéria?

E há alguma coisa fora da matéria, espírito e Deus?

A existência de Deus não a negará o reverendo.

Que tudo o mais que existe ou é matéria ou é espirito, ou promana de uma ou de outro, proclama-o a ciência, a filosofia e a religião.

Kardec, pois, não fez mais que repetir um axioma velhíssimo, estafadíssimo. Se o reverendo acha que isto é panteísmo - doutrina interessante pela sua originalidade - a culpa não cabe ao Kardec.

*

Se em questões de tão pequena monta, e tão triviais, tropeça, claudica e erra o professor do Seminário, imagine-se o que poderá ser a sua ofensiva aos conceitos, aos ensinos, aos postulados do Espiritismo.

Temos um pequeno exemplo na maneira por que trata do perispírito e o discute.

Vejamos as suas proposições:

"A função do Perispírito é servir de substratum para as materializações..."

Pelo dito, parece que o perispírito só tem essa finalidade: servir de substratum às materializações.

Temos ainda:

O Perispírito prende-se ao corpo, pelo chamado cordão umbilical, visível nas sessões como um fio luminoso. Este último torna-se visível se leva consigo moléculas do corpo do médium.

Esta visibilidade do cordão umbilical quando leva consigo moléculas do corpo do médium foi ensinada pelo padre Lacroix e por d. Otavio Chagas de Miranda.

O que não sabemos quem ensinou é o trecho que se segue:

"Sua finalidade (a do perispírito) é prender a alma ao corpo. Não pode portanto separar-se do seu espírito, sem que advenha a morte do indivíduo."

O que nós sabemos é que o perispírito nunca se separa do espírito. A hipótese de que se possa separar, palpita-nos que seja teoria ou ensinamento do reverendo Lacroix ou de Monsenhor Miranda, nunca de Allan Kardec.

"Os presentes a uma sessão espirita que têm vibrações iguais às do médium, podem fornecer parte do seu Perispírito para as materializações."


Os presentes a fornecerem parte do seu perispírito para as materializações, deve ser ainda, um luminoso ensino de d. Miranda ou do padre Lacroix; nunca, porém, de Allan Kardec ou espírita que saiba alguma coisa. 

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Histórias erradas


Histórias erradas
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Janeiro 1943

O honrado padre Zioni, no livro que vimos comentando, precede as suas considerações com a "história do espiritismo moderno".

Nessa história aparece o caso das irmãs Fox, que S. R. relata com muitas omissões e várias interpolações. Não se esquece das fraudes que elas "confessaram", e depois retrataram, "da negação do indigitado criminoso", "da ausência de provas, no que toca às afirmativas do morto que se manifestava", e, finalmente, "do estado miserável em que acabaram essas médiuns".

Todo esse material achou-o o digno escritor em vários outros padres, onde sobressaem o padre Valério e o padre Lacroix.

Reservo-me para voltar ao assunto num livro que estou principiando a escrever em resposta ao padre Lacroix, livro no qual o seu colega Zioni foi inspirar-se grandemente para a valiosa digressão histórica.

Não posso, porém, fugir à freima em que me acho, de tocar desde já em dois pontos dos feridos pelo escritor. Diz S. R.:

"Desta maneira veio a saber-se que o tal espírito era a alma de Carlos Ryan assassinado naquela casa em tempos idos e enterrado na dispensa. Divulgado o nome do assassino, esse apareceu perante a Justiça defendendo-se da calúnia que lhe fora
imputada. A polícia promoveu rigorosa investigação em todos os cômodos e não conseguiu descobrir os ossos do suposto Carlos Ryan, nem vestígio algum do crime cometido, donde se concluiu que a história do assassinato era uma fábula."

O que é uma fábula é isto que o padre Zioni está contando. É falso que não se tivesse encontrado vestígio de algum crime. Veremos isto, conforme prometi, e verá desde já quem folhear alguns livros onde se conta esta história mais bem contada.

O que não podemos deixar passar sem reparos, no momento, são dois fatos, para o reverendo Zioni, de grande valor probante, ou improbante.

O primeiro é o de não se terem achado ossos nos aposentos. Havia de ser interessante que o assassino guardasse o cadáver nos cômodos da casa. E ele ali ficasse até reduzir-se a ossos, sem que ninguém desse por isto, sem que se soubesse nada. Um pouco mais, seria de espantar que o matador não pregasse uma tabuleta na porta com estes sensacionais dizeres: - Venham todos com urgência, aqui dentro há um defunto.

O segundo caso é ter o assassino negado a autoria do crime. É fulminante! O curial seria que ele chegasse e fosse logo confessando que perpetrara o crime, e pedisse, até, que o metessem rapidamente na cadeia.

Se tal não se deu, está claro que não houve o homicídio; a fábula fica patente! É a lógica do reverendo, que vem modificar de fond en comble (para baixo) o capítulo das provas em matéria penal.

Maiores reparos, porém, nos estão a merecer as considerações do reverendo, no que toca à maneira miserável por que morreram as irmãs Fox.

Leiamo-las:

"Cinco anos mais tarde morreram estas duas pobres irmãs... numa verdadeira ruína mental e física ..." ( O grifo é meu).
“Só tinham apetite para os licores Intoxicantes. Morreram, assim, num estado de embriaguez, de sensualidade, de degenerescência moral, sob todas as formas.”(Pag. 19).

Esta descrição desanimadora foi buscá-la o reverendo em dois formidáveis esteios - o padre Lacroix e o padre Lucien Roure. Aquele inspirou-se nuns jornais ou revistas.

Deixemos de parte a miserabilidade daquelas criaturas, com a sua embriaguez, sensualidade e degenerescência - o que tanto penalizou o padre Zioni - e nos firmemos em sua conclusão, ou na ilação que ele tirou dali:

"Não obstante origem tão vergonhosa, o Espiritismo conseguiu vencer, em parte, a reação geral contra os embustes que ele explorava e apresentar-se ao mundo com a máscara de Ciência e Religião, mercê dos esforços titânicos dos seus codificadores." (Pag. 19).

Como se vê, para o padre Zioni, a origem do Espiritismo foram os fenômenos produzidos pelas irmãs Fox. Mas fenômenos sempre os houve. O ilustre padre, mesmo, parece conhece-los, visto que deles relata uma batelada no seu capitulo - Fundamento histórico do Espiritismo.

Fala na antiga magia, em persas, babilônios, etruscos, egípcios, gregos e romanos.

Acrescenta: "todos esses povos da antiguidade pagã comunicavam-se com os mortos e espíritos." Declara, ainda, que disto nos dão testemunho os historiadores e filósofos mais antigos. E cita 14 nomes.

Menciona, particularmente, as frequentes relações de Apio com os mortos, as evocações de Tibério, a queima de livros mágicos...

Reporta-se à Escritura, à alma de Samuel, à filosofia alexandrina, a Tertuliano, a Lactâncio, a Hilário, a Eusébio, a Gregório...

Vem pela Idade Média afora, e, diante de tudo isto, não acha estranhável "o orgulho com que os espíritas proclamavam e alardeiam, ainda em nossos dias os seus progressos sempre crescentes. "

Se o fundamento histórico do Espiritismo assenta nesse imponente acervo de fatos; se eles vêm já dos povos da antiguidade pagã, se a eles se referiram, em todos os tempos, historiadores e filósofos, e se eles servem de orgulho aos espíritas, que proclamavam, então, os seus progressos sempre crescentes, e ainda hoje o alardeiam, como poderia ter sido o Espiritismo iniciado pelos fenômenos das irmãs Fox e se haver conspurcado nessa origem vergonhosa?

Mais uma vez se atrapalha o reverendo nas suas ilações. Ora é o Espiritismo que começa com as Fox, ora o fundamento do Espiritismo surge com os povos da antiguidade.

Já existia a comunicação dos mortos com persas, babilônios, etruscos, romanos, mas a comunicabilidade dos mortos com as irmãs Fox é que deu "a vergonhosa origem do Espiritismo."

Não param as contradições do eminente professor, sem mesmo sair das malsinadas médiuns.

O esforço por mostrar que tais fenômenos foram fraudulentos é imenso por parte de Sua Reverendíssima.

"Não houve vestígio do crime... A história era uma fábula... Umas tantas profecias não se realizaram... Uma das Fox confessou a falsidade dos fenômenos... Numa entrevista, Margarida Fox se lembrou de declarar que ela e Katie tinham sido vítimas da esperteza da irmã mais velha e da idiotice da mãe... Catarina confirmou esta confissão... Finalmente, o Espiritismo explorava estes embustes..."

Mas ao mesmo tempo, o reverendo parece em dúvida sobre se os fatos existiram ou não, porque fala na retificação das médiuns, que se retrataram da afirmativa de fraude; diz, então: "Ou juraram falso da 1ª vez, para afirmar uma mentira, ou da 2ª, para retificar." Por maneira que ele não sabe bem.

Para reforçar-lhe a dúvida e aumentar a nossa perplexidade, transcreve o padre Thurston, com quem se diria estar de acordo:

"De tais contradições das irmãs Fox, o Padre Thurston S. J. conclui:

1) ................................
2) quando atribuíram tudo a uma fraude interessada e consciente, ainda mentiram, porquanto algumas vezes houve nas sessões intervenção de espíritos."

Assegurando que as Fox, ou mentiram, quando falavam em fraude, ou mentiram quando se retrataram; citando Thurston, quando afirma que algumas vezes houve intervenção de espíritos; referindo-se aos fenômenos congêneres que existiram por toda a antiguidade e de que dão testemunho historiadores e filósofos, é claro que o reverendo Zioni acha aceitável ou possível a manifestação mediúnica das Fox.

A que viriam, então, as suas páginas sobre fraudes e embustes, "que o Espiritismo explorava"?

Se não houve embustes nem fraudes, o Espiritismo não explorou coisa nenhuma, e a assertiva do professor do Seminário não é exata, entretanto que a palavra de um padre, e, sobretudo, padre mestre, deveria ser de inabalável segurança. Colocou-se, ainda, S. R., numa posição ambígua, talvez de grandes efeitos táticos, mas prejudicial à firmeza de um estudo. Porque, afinal, não sabemos em que pé ficou. Se quisermos demonstrar que não houve fraude nenhuma, - como o iremos fazer, - sai-se S. R. com as suas dúvidas ou com o padre Thurston, ou com a realidade dos fenômenos, que ele nunca negou e que já vinham de persas, babilônios, etruscos, romanos...

Se pedirmos o testemunho de S. R. para roborar a autenticidade dos fatos, ele nos apresentará as fraudes e os embustes "que o Espiritismo explorou."

Fica assim armado para o que elas derem. Posição é essa de equilíbrio instável, provavelmente digna de aplausos num circo, mas, inegavelmente, pouco elogiável na cátedra.

Uma dedução categórica, porém, ele estabelece: - Que as Fox foram "tristes iniciadoras de uma religião nova; que, por isto, os espiritistas não as querem por madrinhas, e que foi nessa fonte vergonhosa que teve origem o Espiritismo. "

Para os incultos a tirada é esplêndida. Os menos incientes sabem, porém, que a mediunidade é um dom, que se pode dizer de ordem fisiológica, e, consequentemente, poderá recair em qualquer pessoa, sem procurar certificados de boa conduta; que, conforme dizem os próprios Espíritos, o médium pode empunhar uma pena ou uma faca, que há médiuns de alta inspiração e médiuns obsessos; que, na produção de efeitos físicos, não só é desnecessária a elevação espiritual do médium, como nem sempre será dos mais adiantados o Espírito produtor dos fenômenos; que não podiam ser madrinhas do Espiritismo ou fontes dele aquelas produtoras de fenômenos, desde que os ditos já existiam de todos os tempos; que a verdadeira origem do Espiritismo data de sua codificação; que as mensagens de grande pulcritude, notáveis pelos seus ensinos, é que exigem, assim um aparelho físico especial, como uma organização moral privilegiada.

Pelos vistos, quer na sua dubiedade, quer nas suas asserções, errou o eminente padre. Os seus equívocos são em toda a linha.


E de tudo se percebe que, nem mesmo forçando as premissas, acertou nas conclusões. 

Coisas que não sabíamos


Coisas que não sabíamos
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Junho 1943

Não há dúvida de que o livro do padre Zioni foi um prestimoso trabalho, que não só veio ensinar muitas coisas aos seminaristas do Ipiranga como a nós mesmos, espiritistas.

Assim é que ele esclarece:

"Bem claras são as diferenças entre Espiritualismo e Espiritismo. (Todos os grifos são do reverendo). A filosofia espiritualista crê na existência de um Deus todo poderoso, Criador e Providência do mundo, pessoal e absolutamente distinto de suas obras. O Espiritismo identifica o efeito com a causa. Deus com o mundo!"

E nós, espiritistas, a crer o contrário, visto que “bem claras são as diferenças entre Espiritualismo e Espiritismo”. E nós, espiritistas, a crer que Deus não é poderoso, nem é Criador, nem é providência do mundo, nem é distinto de suas obras, e é impessoal. Pensamos, além de tudo, que efeito e causa, Deus e o mundo é tudo a mesma coisa.

(“O Espiritismo identifica o efeito com a causa.”)

“Nós, espiritistas, cremos nisto, disse-o o padre Zioni aos seus alunos e proclamou-o à face do Brasil, no seu famoso livro.

Bem é que nos viesse agora iluminar o entendimento, porque nós criamos que acreditávamos justamente no contrário do que afirma o padre que nós cremos.

Mas, quem nos enganou foi o Kardec. Diz ele, logo na 1ª linha, do 1º capítulo, como 1ª resposta dos Espíritos no Livro dos Espíritos: "Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas". Por isso não esperávamos. O Kardec a dizer que Deus é a suprema causa e a suprema inteligência, nós a crermos que era nisso que acreditávamos! Supúnhamos até hoje que tínhamos Deus como Criador, visto que é causa primária, e como causa não se podia confundir com o efeito, que é a sua obra, e como Inteligência Suprema é o todo poderoso ...

Nada! No que acreditamos quem o sabe, quem o diz, quem o ensina é o padre Zioni.

Ainda nos engana e atrapalha Allan Kardec, quando estabelece no nº 13, Livro dos Espíritos, que Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.
           
Mas que patranha!            

Dir-se-ia que isto é que é o ensino dos Espíritos, o que proclama o Espiritismo, aquilo em que cremos. Lá está que Deus é único, imutável, onipotente ...

Mas não importa. A verdade vive palpitando pela pena do reverendo: "São bem claras as diferenças." O Espiritualismo, de que ele é representante, crê num Deus poderoso, criador, pessoal, distinto de suas obras ...

Cá conosco é o contrário - cremos no oposto - o Kardec é p’ros tolos. E se não é a providencial interferência do padre. Iríamos por aí afora naquele engano d’alma.

No capítulo Panteísmo, Kardec para reforçar o engodo em que vivíamos, declara que Deus é um ser distinto, porque, se fosse a resultante de todas as forças e de todas as inteligências, não existiria, porquanto seria efeito e não causa. (LE, nº 14).

            Mas não é isso que cremos, di-lo o padre Zioni – nunca é demais repetir – em respeitável obra, que corre o Brasil inteiro, explicando o que é a infausta doutrina do Espiritismo. E entre o padre Zioni e o Kardec... “tollitur quaestio” (a questão é resolvida).

Outro esclarecimento e outra coisa que não sabíamos:

"O Espiritismo pretende possuir todos os segredos da natureza e julga-se capaz de explicar todos os mistérios."

Ainda aí, que ilusão a nossa! ...

Pensávamos, nós os espiritistas, que esbarrávamos em todas as causas primárias. Não há tal. O Espiritismo sabe tudo, explica todos os mistérios ou pretende isto.

Sabe de onde veio Deus, como é que veio, como é que se formou, onde acaba o Infinito, isto sem já falar em coisas mais próximas: - porque a água se solidifica a 0 grau, porque o mercúrio é liquido à temperatura normal e o ouro é solido, porque uns metais são duros e outros moles, porque há corpos que emitem irradiações, porque o ferro se magnetiza, porque as pontas atraem os raios e não as bolas, porque o coelho é manso e o tigre é bravo, porque a barriga das pernas está atrás, quando devia estar na frente para proteger as tíbias, porque os dentes só nascem duas vezes e as unhas crescem indefinidamente, porque... etc., etc.... etc...

Nós sabíamos tudo isto! Há muita gente que supõe saber o que não sabe. Em Espiritismo a cantiga é outra: - não sabemos o que sabemos! Desta vez, obrigado, padre!
Mais coisas que não sabíamos:

"O Espiritismo repousa nesta comunicação com os desencarnados e estabelece como base essencial a crença na sobrevivência dos espíritos e sua comunicação com os vivos, seja qual for a explicação, porquanto a filosofia espírita consiste em comparar todas as filosofias, já existentes, com a revelação espirita. "

Ah! consiste nisto?

Aí têm o que é a filosofia espírita - é uma comparação com todas as filosofias existentes.

Quem faz a revelação é o Arnauné, que eu não sei quem é; mas quem a endossa é o reverendo.

O trecho está claro como azeite: - a base do Espiritismo é a crença na sobrevivência, seja qual for a explicação.

E esta base é porque a filosofia espirita consiste em comparar a revelação espírita com as filosofias já existentes.

O Arnauné, com a aprovação, senão com a admiração de Zioni, levou a explicação aos maiores extremos: - a comparação é com as filosofias existentes. Não se fosse supor que se tratava de comparação com filosofias inexistentes.

E nós a crermos que a filosofia espírita versava sobre a origem, a dor, o destino dos homens!

Nada disso: - é uma comparação.

*

Não sabíamos, ainda, que Mateus, no capítulo XVIII, nº 17, se referia à Igreja Católica.

Elucida-nos, neste ponto, o padre Zioni:

"É pena que o Sr. Allan Kardec e seus discípulos nunca leram ou não querem ler na Sagrada Escritura os anátemas proferidos pejo mesmo nosso Senhor Jesus Cristo: - Aquele que não crer será condenado, porque já está julgado. Aquele que não ouve a Igreja (isto é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, por ele fundada) esse tal deve ser reputado pagão ou publicano, isto é, apóstata, herege, excomungado ."

Apesar do muito que para mim vale a palavra do reverendo, fui dar uma espiadela em Mateus, e o que lá encontrei foi o seguinte:

"Se contra ti pecou o teu irmão, vai e o repreende, mas a sós com ele. Se te atender, te-lo-as ganhado, Se, porém, não te atender, faze-te acompanhar de uma ou duas pessoas, a fim de que tudo seja confirmado pela autoridade de duas ou três testemunhas. Se também não as atender, comunica-o à Igreja; e se também a Igreja não atender, trata-o como gentio e publicano." (Mateus, XVIII 35-17) .

Se meus olhos não me enganam, está diferente da citação do padre.

O que inferíamos do texto é que o Mestre, no seu amor às criaturas, nos ensinara a brandura, em vez de aconselhar-nos os anátemas, e, destarte, mandara que, quando tivéssemos de repreender ou censurar alguém, o fizéssemos em segredo, a sós com ele, com palavras persuasivas. Se ele nos não atendesse, buscássemos outros para reforçar nossos conselhos. Os espíritas pediriam o auxílio dos bons Espíritos. Não atendidos, ainda levariam o caso à Igreja, e a Igreja era a assembleia dos doutos, dos probos, era a Autoridade. No nosso caso seria a comunidade cristã.

O conselho do Divino Pastor visava - assim o supúnhamos - evitar a desonra do infrator, a publicidade do erro. Só em último caso, na impossibilidade da corrigenda, e corrigenda do pecado, seria considerado o pecador gentio e publicano, isto é, insuscetível de emenda, e, então, deixado à sua sorte, consequentemente ao desprezo público, como se ele fora publicano ou gentio.

Mas o padre ajeitou os textos. Em boa hora, porque ficamos sabendo assim que, se um chinês não ouvir a outro chinês, tem que rumar ambos à Igreja Católica. Se um japonês não atender a outro japonês, está perdido, a menos que não consiga romper o bloqueio da esquadra britânica e forçar o canal de Suez, em caminho de Roma.

E então, antes da fundação da Verdadeira Igreja, a Católica? Era ficar esperando num ponto azul da Eternidade!

Não se compreende, nem se sabe como, mas está bonito.

Não para aí ou não parava a nossa ignorância. Leiamos mais um lanço esclarecedor do reverendo Zioni:

"O Espiritismo Moderno, filho legítimo do Individualismo, Liberalismo e Racionalismo Protestantes, é, em si mesmo, falacioso e enganador, Pretende ser uma verdadeira Ciência, Filosofia e Religião, quando, na realidade, não é mais do que uma
pseudo-revelação dos princípios subversivos da ordem e da moral, sob a roupagem santa e ideal da verdadeira caridade."

Está injurioso. Mas em se tratando de Espíritos, Espiritismo e Espiritistas, o padre não tem muita cerimônias. Já vimos isto.

Todo o livro é uma como arcada de contrabaixo, vibrada por mão de mestre. Profunda e vigorosa.

Ora no Espiritismo, o que se ensina é o Evangelho do Senhor Kardec lhe dedica um livro inteiro. Roustaing apresenta, transcreve, estuda, comenta, versículo por versículo. A doutrina roustainiana se cifra em todo o Evangelho do Divino Mestre. Onde está a imoralidade, a desordem?..

O Evangelho, filtrado pela boca do reverendo iluminado pelas chamas do Inferno, apavorante pelos anátemas, anti-fraterno pelo predomínio exclusivo de uma Igreja, vingativo pela eternidade das penas, obscuro pela insondabilidade dos mistérios, impenetrável pela proibição do exame, da investigação, é que é a fonte da ordem e da moral, onde nós devemos todos abeberar.

Mas o Espiritismo, que nos apresenta Jesus cheio de bondade e de amor, que ensina a remissão do pecado pelo esforço próprio, que pregoa a bondade do Criador pela salvação de todos, que nos dá como lei suprema a da Justiça, como princípio geral a Equidade, que não proíbe o Conhecimento, nem estiola a Razão, este, sim, é um obstáculo à ordem, é um empeço à moral.

Num ponto, porém, acordamos com o ilustrado sacerdote. Convimos em que há ali uma doutrina funesta - é o dai de graça.

Imoral, não há dúvida, porque vai de encontro à moral consuetudinária, à moral de todos os tempos e de todos os homens, com raras exceções. Anárquica, porque foge à ordem estabelecida, pelo menos à ordem econômica.

E o Espiritismo prega essa perigosa doutrina. Tem razão o padre: - "Princípio subversivo da ordem e da moral!". Acabamos por uma conciliação.




Cortinas de fumaça


Cortinas de fumaça
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Dezembro 1942

No piedoso intuito de mostrar as maleficências do Espiritismo, o digníssimo reverendo Zioni, quando não dá ensanchas ao gênio inventivo, arma umas frases que ninguém entende. E é fácil saber porque.

Pretende ele desvirtuar, deturpar os ensinos ou os factos espíritas, mas não quer que o apanhem em falso. Põe-se, então, a ajeitar os períodos, e, sobretudo, a enfumaçá-los, a fim de que passe por verdade o "maranhão" (mentira bem engendrada) que nos esteja a apresentar. Senão, vejamos esta, a título de amostra:

"A primeira vista, sob o aspecto social evidencia-se o Espiritismo como uma instituição beneficente aos que sofrem as dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz. A Santa Igreja, sempre de atalaia, proibiu aos seus filhos a menor contribuição a essas instituições, sectárias do erro e de intentos perversos ... " (O Probl. Esp. Pág. 9)

Perceberam? Provavelmente, não. Nós, porém, que lidamos há muito com o "pessoal", com cujas manhas estamos familiarizado, já vamos explicar a coisa e o que ele quer dizer na sua.

Como se vê, fala-se ali em "instituições beneficentes". Todos sabem que, em Espiritismo, há essas instituições. Não existe ninguém, mediocremente esclarecido, que não julgue supinamente estúpido combate-las. Mas, a Igreja as combate; lançam-se lhe anátemas de todos os púlpitos; não deixa de entrar com seu contingente o padre Zioni.

Para justificar, então, assim a arrancada ofensiva, como para desmoralizar as ditas instituições, o professor lança aquela cortina de fumaça: "instituição beneficente aos que sofrem as dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz". E reforça o período nebuloso, com epítetos, desta vez claros, à guisa de solução do enigma: - "instituições sectárias do erro e de Intentos perversos".

Ora, os asilos espiritas são abrigos de órfãos, casas de velhos, tabernáculos para os desamparados. Neles se socorrem, indistintamente, a todos.

Nunca, absolutamente nunca, nunca jamais, constou a ninguém que se andassem catando especialmente para os abrigos os sofredores de taras, os herdeiros infelizes. Donde viria, para o padre, essa finalidade das instituições?..

Clara, a manganilha (artimanha): Trata-se de conspurcar a beneficência espírita. Não sabendo como atingir o alvo e receoso de que desse muito na vista a protérvia (petulância), arranjou S. R. aquela frase, por onde se insinuava a maranha (fibras embaraçadas). Antevendo o risco de ser colhido em flagrante embuste, foi entrevando o período; besuntou-o de termos impressionantes, para que a casca do trovisco (tipo de arbusto venenoso) produzisse nas ideias as necessárias empolas (bolhas) e ficassem todos a crer que as beneficências estavam ligadas a taras infelizes e hereditariedades do mesmo jaez.

O ilustre ministro de Deus - vejam só a quanto leva o sacrifício pelas coisas divinas - faz ali o papel de melga, mosquito que pica sem zunir.

*

Constam em muitos estatutos das malsinadas instituições, que nelas não se faz questão do credo dos protegidos. Católicos ou protestantes, espíritas ou não, são eles aceitos de acordo com sua indigência ou infelicidade. Em muitas dessas mansões de amor fraterno, o asilado exerce o culto que entende. O que nelas se procura é prestar socorro, tão somente.

Mas não tinha que ver! O padre precisava escurecer aquilo tudo. Fazia-se mister denegrir a caridade espírita e, de outra mão, inocentar a campanha agressiva dos seus correligionários e a dele, inclusive. E vai daí, lançou aquela caligem (escuridão, trevas) das taras bio-psicológicas e da hereditariedade infeliz, com o acréscimo da terrível objurgatória - instituições sectárias do erro e de intentos perversos.

Tivesse S. Reverendíssima, ainda que por momentos, o desejo de explicar-se, ou pelo menos esclarecer-nos um pouco, e nós lhe perguntaríamos porque, apanhando uma criança ao desamparo, a quem morreram os pais, ou que estes abandonaram, são obrigados os espíritas a responder pelas taras bio-psicológicas, ou têm alguma coisa que ver com as hereditariedades Infelizes: ou porque há de haver sempre uma hereditariedade infeliz ou uma tara psicológica, num indivíduo a quem as asperezas da sorte ou as desgraças do mundo lançaram na orfandade, ou cobriram de andrajos na velhice.

E indagaríamos, ainda, ao honrado reverendo, porque será instituição sectária do erro a que procura dar em vez de receber, a que recolhe sem nada indagar, a que não estabelece condições para o amparo, a que consola em vez de excomungar, a que enaltece em vez de humilhar.

Onde estarão os intentos perversos, numa obra de caridade, em que se dá tudo e não se pede nada?..

Em resumo: não sabendo como aviltar as instituições de benemerência espírita, o professor mascara o seu período com uma transe bombástica e obscura, onde fala em bio-psicologia, em taras, em hereditariedades infelizes, sem que se saiba porque os beneficiados hão de ter essas taras e essas hereditariedades, nem se compreenda a culpa que delas cabe aos espíritas beneficiadores. Mas, a frase lá fica para turvar o merecimento da obra. E para achatá-la de veras, dado o caso de que o mistifório (confusão) não produza o desejado efeito, atira o padre a contumélia (insulto, afronta) final: instituições de intentos perversos.

Está justificada a Igreja no seu anátema. A Igreja e ele!


E depois daí, o honrado sacerdote continua a folhear tranquilamente o seu breviário e o erudito professor a esparzir as luzes do seu conhecimento e os benefícios da sua justiça por sobre as promissoras cabeças dos seminaristas do Ipiranga!