Domingos de Gusmão queima livros dos Cátaros
A
existência do Inferno
Lincóia
Araucano
(Ismael Gomes Braga)
Reformador ((FEB) Novembro 1947
Absolutamente nada teríamos nós que
ver com o ardoroso livro do Padre Paschoal Lacroix - A Existência do Inferno Provada de Pleno Acordo com a Sã Razão - no
qual defende S. Revma. a sua fé robusta num Deus irado que condena a quase
totalidade dos seus filhos às fogueiras eternas. A questão interessaria somente
aos católicos romanos e passaríamos por ela com o devido respeito que nos
merecem todas as convicções humanas; mas a páginas tantas, ou, mais
precisamente, à página 144, S. Revma. escreve esta epígrafe: Contra
o Espiritismo, e passa a
combater a doutrina reencarnacionista e refutar o Espiritismo. Aí já nos parece
de nosso dever pedir a palavra, com o devido respeito, para examinarmos os
argumentos do Autor.
Dogmatiza S. Revma.:
"A morte é o último limite do prazo concedido
para operar a salvação".
Examinemos esta proposição. O homem
morre em todas as idades; com alguns minutos, algumas horas, alguns dias, anos,
decênios ou em plena velhice. Uma criatura a quem Deus só concedeu 10 anos de
vida, só viveu infantilmente, brincando, sem pensar em coisa alguma séria. Mui
pouco provável que tenha feito algo digno da bem-aventurança eterna. Admitamos
mesmo que só tenha feito mal. Seu discernimento ainda é insuficiente para a
pena severíssima de uma condenação eterna. Seria justo que outro receba oitenta
anos para preparar a sua salvação e este só dez anos, dos quais sete foram
passados sem responsabilidade, segundo a Doutrina da Igreja, e só três teve ele
para se aparelhar à vida
eterna? O Autor é terminante:
"Conforme a
morte achar cada um, justo ou pecador, amigo ou inimigo de Deus, assim será a sua eterna sorte, ou de
bem-aventurado no céu, ou de réprobo
no inferno".
O infeliz que nasceu e viveu num
meio ignorante, sem mestre de religião, nos remotos sertões, morre sem saber
distinguir entre o bem e o mal, praticando o mal por ignorância, mas estará irremediavelmente
condenado ao fogo eterno.
S. Revma. entra a atacar
violentamente a doutrina reencarnacionista que permitiria a esse infeliz
salvar-se por meio de outras existências. A reencarnação é burla do demônio
para lançar os homens no inferno, assegura-nos S. Revma. Cita o caso de uma
menina que ele mesmo conhecera e que antes de completar quatro anos já sabia
ler perfeitamente, escrever, fazer contas, mas isso nada tem que ver com
reencarnação. A menina sabia, porque o pai ensinou.
O Autor mesmo nos diz:
"Fazemos exceção da doutrina budista,
relativamente recente, (1) da transmigração
das almas e das provações infindas, todos os povos do mundo fazem começar na morte a
lei inexorável da justiça como castigo sem fim. Contra
esta opinião universal os espíritas sustentam a reencarnação e a continuação das
provações e expiações após a morte..."
(1) Quinhentos anos mais antiga e muito mais divulgada
do que o Cristianismo.
Não é exato que o budismo seja a
única religião reencarnacionista: também o bramanismo o é e, portanto, essa doutrina
é mais velha e muito mais numerosa do que a Católica Romana. Não é exato, também,
que todos os povos do mundo creiam em penas depois da morte, porque os
materialistas, desde os saduceus do tempo de Jesus até os positivistas do
século vinte, não creem na sobrevivência da alma.
Leiamos os argumentos contra a
reencarnação e as expiações depois da morte:
"Não há dúvida de que Deus teria podido
prolongar para a alma separada do corpo o
tempo de merecimento, porém, de fato não o fez. Sabemos isso com absoluta
certeza pela revelação".
Examinemos, pois, a revelação nos
Livros Sagrados da Igreja...
No Velho Testamento encontramos logo
o Decálogo (Êxodo, XX, 5. e 6): ...sou Deus zeloso, que puno a iniquidade dos
pais nos filhos, na terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem ... "Não pune nos mesmos, nem nos seus filhos
e netos, mas na terceira e quarta geração (in
tertiam et quartam generationem), porque só então os culpados já se
reencarnaram e recebem as consequências de seus pecados.
Passando ao Evangelho, vemos Jesus
interrogando os seus discípulos: "Quem
dizem que eu sou" e eles respondendo: "Dizem uns que és João Batista; outros, que Elias; outros, que Jeremias
ou algum dos profetas". (Mat. 16:13 e 14).
Não é evidente que Jesus sabia que o
povo o tomaria pela reencarnação de um grande vulto do passado e o mesmo
pensavam os discípulos?
Mais adiante, Jesus declara que João
Batista é Elias reencarnado (Mat. 17: 10 a 13). Depois Jesus diz a Nicodemos
que para entrar no céu é preciso nascer de novo (Jo. 3:1 a 12). Jesus ensina a
doutrina reencarnacionista com toda a clareza quando diz que João Batista,
filho de Zacarias e Isabel, cujos pais todos conheciam, e viram-no desde a
infância, era a reencarnação do Profeta Elias: "Pois todos os profetas e a lei até João profetizaram; e se quereis
recebê-lo, ele mesmo é Elias que há de vir. O que tem ouvidos ouça"...
(Mateus, 11:13 a 15). .
A doutrina reencarnacionista está solidamente
apoiada na Revelação cristã, mas está também revelada no bramanismo, mil anos
antes de Gautama Buda, confirmada por ele, fundador do Budismo, quinhentos anos
antes do Cristo: Quanto ao número de crentes, o dogma reencarnacionista tem o
dobro dos crentes que tem o dogma do inferno eterno: mas
não é só Sócrates e outros grandes filósofos ensinaram essa doutrina; a sã
razão faz dela pedra angular da Justiça Divina. Só ela explica a evolução
universal e é necessária, portanto, à filosofia científica como solução do
problema da evolução dos seres vivos, mais notadamente do homem.
O Espiritismo não a inventou, não a
criou, não a descobriu, somente deu-lhe novo impulso no Ocidente e com isso vai
evitando o domínio do materialismo ateu a que conduzem os dogmas absurdos,
ilógicos, blasfemos que reclamam fé cega num Deus que o fanatismo religioso
transformou em monstro odioso que criaria bilhões de seres nas trevas
primitivas, privados de todos os meios de se salvarem, para serem condenados
irremissivelmente por toda a eternidade. Com a doutrina da existência única que
pode ser até de alguns minutos, como já dissemos, seguida da condenação eterna,
ficariam sem explicação numerosos fatos naturais: gerações sem conto que
viveram e vivem fora da civilização cristã; desigualdade de ideias morais e
intelectuais inatas; povos bárbaros e primitivos que existiram e existem criados
por Deus e sem a mínima possibilidade de salvarem-se.
A doutrina do inferno eterno é tão
ilógica, tão repugnante, que engendra o ateísmo materialista e afasta a
humanidade ocidental da religião. As Igrejas que ensinam tal doutrina, assumem
uma responsabilidade tremenda perante Deus e a humanidade. Felizmente, é um
dogma em plena decadência, pertence aos séculos tenebrosos. Quem no lo informa é
o mesmo Padre Lacroix nas págs. 77 e 78 do seu livro. Leiamos:
"O professor George H. Beets, da Northwestern
University, de Chicago, acaba de publicar um
livro interessante, referindo nele o resultado de um inquérito
sobre o estado doutrinal das principais seitas protestantes da América do
Norte. Reuniu em seu volume as respostas de 500 ministros protestantes de credos diferentes e
de 200 estudantes de teologia a um questionário de 56 quesitos sobre pontos
essenciais da doutrina cristã. Todos concordam apenas na existência de Deus.
Quanto à existência do inferno
53 ministros e só 11 estudantes
de teologia aceitaram a possibilidade de haver tal local de punição".
Reduzamos isso a percentagem: 10,6 %
dos ministros creem no inferno, portanto, 89,4 % não creem. Dos estudantes de
teologia, 94,5 negam o inferno e somente, 5,5 % creem nele. Logo, o inferno
perde por 636 votos contra apenas 64 a favor, ou sejam 91 % contra e 9 % a
favor. Se os dogmas se aprovam ou reprovam por votação, nos Concílios, já é
tempo de proclamarem as Igrejas protestantes que Deus é todo amor e encontra
sempre em sua infinita misericórdia os meios de salvar seus filhos. Para isso
dispõe Ele de saber e poder infinitos e da eternidade
inteira. Os dogmas da unicidade da existência e do inferno eterno seriam a
falência do Criador: teria Ele falhado completamente na criação, porque teria
criado uma humanidade incapaz de salvar-se, pecadora, ignorante, indigna de seu
Criador: e como a árvore se conhece pelo fruto, Deus seria uma árvore má,
porque seus frutos seriam esta humanidade tão longe de qualquer perfeição. Tal
caricatura de Deus fez o poeta dizer:
"Depois o Criador (honra lhe seja feita!)
Achou a sua obra uma
obra imperfeita,
Mundo sarrafaçal (que trabalha mal no seu ofício), globo de fancaria (trabalho grosseiro, coisa malfeita).,
Que nem um aprendiz de
Deus assinaria... "
A luz da verdade, da doutrina
reencarnacionista, tudo se esclarece e enaltece ao Infinito a Divindade: A
Terra não é senão pequena parte do Universo, penitenciária provisória para onde
são mandados os Espíritos rebeldes que perturbavam a harmonia de mundos mais
adiantados. Os maus da Terra são degredados, estão cumprindo pena entre povos espiritualmente
primitivos e rudes. Estes, primitivos e rudes, são crianças espirituais, filhos
da Terra e progridem intelectualmente com o auxílio dos condenados que são
grandes inteligências desprovidas de moral. Deus sabe salvar a todos: os maus,
que são desterrados para mundos inferiores, cumprem missões de progresso
material e intelectual em suas
penitenciárias,
ajudando os Espíritos jovens a desenvolver a inteligência e melhorar a situação
de habitabilidade de seu mundo.
Além dos primitivos habitantes da
Terra e dos culpados que aqui estão cumprindo penas, ainda Deus nos envia
grandes Missionários, Espíritos de elevação moral e intelectual que nos vêm
guiar rumo à felicidade eterna.
A Terra é habitada por três
categorias de seres humanos: 1º - seus próprios filhos, crianças espirituais,
formam os povos primitivos, os selvícolas que ainda não são bons nem maus, que
são simbolizados por Adão e Eva no Éden, antes de haverem comido o fruto da
árvore da ciência do bem e do mal; 2º - os rebeldes que só progrediram em
inteligência e não merecem ainda habitar mundos melhores; para estes a Terra é
um mundo inferior, ou inferno, mas não eterno, porque eles progredirão e sairão
d'aqui; 3º - os raros Espíritos realmente superiores,
em missão, que aqui se chamam Vicente de Paulo, Francisco de Assis, Thomas
Edison, Allan Kardec, Zamenhof e outros.
Logo, não conhecemos a humanidade
inteira, mas somente uma pequena fração e esta mesma ainda em formação,
caminhando para a perfeição que terá fatalmente de alcançar um dia. A obra de
Deus é um poema grandioso que nos enleva à adoração; ao ensejo de servi-Lo por
amor, respeito, admiração, mas não pelo pavor do Inferno, pelo terror de um
monstro cruel que nos imporia violentamente que o amássemos e servíssemos para
não sermos lançados às chamas eternas. Reclamaria todo amor, mas só inspiraria
todo o ódio, por nos haver
criado incapazes de nos salvarmos, nos expor à tentação de demônios
infinitamente mais inteligentes do que nós e só haver dado a um número
insignificante de seus filhos os recursos necessários à salvação, numa
desigualdade irritante e odiosa. Tal monstro só poderia ser temido e odiado,
mas nunca amado sinceramente, como devemos amar a um Deus todo amor que nos
salva a todos, absolutamente a todos, só nos deixando a escolha do tempo: uns
seguem desde o início o caminho do bem e salvam-se cedo; outros seguem o
caminho do
mal, sofrem, repetem as provas, demoram, são lançados a mundos inferiores
(infernos), mas finalmente se corrigem e por fim se salvam. A crença na
existência da encarnação única e no inferno eterno é uma blasfêmia, ofensa à
infinita bondade de Deus, negação da sua sabedoria, do seu amor. Felizmente,
como vimos acima, essa ideia monstruosa, só digna de séculos tenebrosos, vai
desaparecendo do mundo. Deus que lhe abrevie o desaparecimento!