Construir
Quem propugna por uma ideia,
naturalmente por ela combate com o máximo de ardor e é digno do devido apreço,
desde que sincero o sentimento que o impele a cada vez mais elevar seu ponto de
vista. Não basta, com efeito, o entusiasmo, nem mesmo a erudição; não valem
frases que reboem como "o bronze que soa, ou como o címbalo que
retine". Acima de tudo, entretanto, a sinceridade é o que há de mais
elogiável e, mesmo, é o fator imprescindível de toda a simpatia pela causa:
pode estar-se em erro, mas não há senão reconhecer o mérito do batalhador.
Pugnar por uma ideia não é, porém,
combater outra ou outras. Candidatando-se a um posto,
não precisa, nem deve, o indivíduo detrair o valor de seus concorrentes; mesmo
na política,
onde os interesses têm sua culminância, não vemos difamações recíprocas; a
busca de votos consiste na atração dos eleitores à causa do candidato, sem qualquer
mínima objurgação à causa alheia. Se, pois, nesse terreno puramente material -
ou, pelo menos, em que na maioria das vezes impera o interesse material, a
satisfação da vaidade, a sede do poder etc. - a campanha é construtiva, devemos
reconhecer, a fortiori, que na esfera espiritual havemos de construir para
abrigo, 'em vez de destruir para o desamparo.
É bem conhecida a luminosa afirmação
de que conheceremos uma doutrina pelo número de homens felizes que ela faz. Por
isto mesmo, estamos convictos de que o Cristianismo seja a melhor doutrina
jamais surgida na Terra; e aderimos ao sistema codificado por Kardec, por bem
interpretar e seguir as instruções do Mestre de Nazaré. Fizemo-lo com sinceridade,
e vamos no nosso caminho. Ao nosso lado muitas outras vias correm, mas não
insultamos, não denegrimos, não lançamos ridículo sobre esses outros irmãos,
que, em sua grande maioria, na verdade, nos procuram apoucar e segregar do
grande meio social. Esta é, sem dúvida, uma das maiores belezas da sublime doutrina,
quando bem compreendidos, em toda a sua plenitude, os ensinamentos do Cristo.
Se o nosso edifício é bom e sólido,
vingará mau grado os temporais e a despeito dos hostis arremessos dos homens;
ou, talvez melhor dizendo, graças também aos homens que tentam derruí-lo, pois,
não conseguindo concretizar sua insânia, mostram bem o que são e quanto valem,
realçando, sem o sentir, a robustez da obra: e quanto maior seja essa obra,
tanto maiores o encarniçamento e o número dos adversários.
Que sejam estes sinceros, admitimos;
absolutamente não toleráveis, se despejam diatribes com o mero ânimo de
"fazer espírito", à custa de sua própria mesquinhez. Na ciência,
sabemos que o calor é forma inferior, e a mais baixa, da energia; já ouvi dizer
que o trocadilho é modalidade reles do humorismo; assim também, no pelejar por
ideias, a peçonha do
aleive e a lama do ridículo, que se tente sobre outras maneiras de ver, são
recursos indignos de quem deseje à sua causa aliciar partidários.
É, outrossim, de todos sabido o fato
de que não são maus tratos que educam, senão a brandura; não é a violência, mas
o raciocínio, que traz a convicção; não é a censura, mas o conselho; não o
repreender, mas o advertir; não a discussão acre e turbulenta, mas o exemplo
terno e tranquilo, que possam dar proveito, por serem brandura, raciocínio,
conselho, advertência, exemplo fontes de resultados positivos. Reprovar, sem
mostrar como se deve proceder, é derrubar uma casa para ficar-se ao desalento:
e quantos procuram pôr abaixo um palácio, sendo ineptos para erguer uma
choupana que seja!
Demais disto: quem pode estar certo
de possuir a luz, enquanto o resto da humanidade estaria nas trevas? Os que
deste modo se endeusam, em absurda jactância, são corroídos por esses dois
cancros nefastos - como todos os cancros -, contra os quais nos preveniram
tantos Espíritos superiores: o egoísmo e o orgulho. Tais homens não serão
discípulos daquele que assentou a Caridade - o que vale dizer, o Amor - no
próprio coração do Eterno; e esquecem-se de que o Pai "faz nascer o seu
sol sobre maus e bons", para que todos, sem exceção, recebam a graça do
esclarecimento.
Rio, 17-2-47.
Porto Carreiro Neto
Reformador (FEB) Abril 1947
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