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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O suicídio de Judas



O Suicídio de Judas

 27,1  E, chegando a manhã,  os sacerdotes e os anciãos  reuniram-se em conselho para entregar Jesus à morte.                 
27,2  Amarraram-No  e  levaram-No  ao governador Pilatos. 
27,3  Judas, o traidor, vendo-O  então condenado, tomado de remorsos, foi devolver aos sacerdotes e aos anciãos as 30 moedas de prata 
27,4  e disse: - Pequei, traindo o sangue de um inocente. Eles, porém, responderam: -Que nos importa? Isto é contigo! 
27,5  Ele jogou no templo as moedas de pedra, saiu, e  enforcou-se.  
27,6  Os sacerdotes recolheram o dinheiro e disseram: Não é permitido lançá-lo no tesouro do templo porque se trata de preço de sangue; 
27,7  Assim, resolveram comprar, com aquela soma, o campo do oleiro, para que ali se fizesse um cemitério de estrangeiros. 
27,8  Esta é a razão porque aquele  terreno  é  chamado,  ainda  hoje,  de “campo de sangue” 
27,9  Desta forma cumpriu-se  a  profecia  do profeta  Jeremias: Eles receberam 30 moedas de prata, preço Daquele cujo montante foi estipulado pelos filhos de Israel  
27,10  E, deram-No pelo campo do oleiro, como o Senhor me havia prescrito.”
  
         Para  Mt (27,11-26) -O Olhar de Jesus... - leiamos Luiz Sérgio por Irene Pacheco Machado, em “Dois Mundos Tão Meus”:

            “No palco víamos a figura de Judas Iscariotis.

            Pouco antes da Páscoa, ele renovara seu trato com os sacerdotes para entregar Jesus. Judas renovara seu trato com os sacerdotes para entregar Jesus. Judas possuía muito amor ao dinheiro. O amor a Mamon sobrepujava o amor a Cristo.

             Judas era altamente considerado pelos discípulos e exercia sobre eles grande influência. Considerava-os, porém, inferiores a ele. Excessivamente vaidoso, julgava-se o salvador da obra do Cristo e foi assim que se tornou presa fácil dos sacerdotes.

            A alta figura de Judas apresentava-se com o rosto pálido e transtornado, coberto de suor. Aproximando-se do trono do juízo, atirou perante o sumo sacerdote as moedas de prata, preço de sua traição. Agarrando-se às vestes de Caifás, implorou-lhe que soltasse Jesus, dizendo que Ele nada fizera de mal.

            Vimos Judas gritando: Pequei, traindo sangue inocente e os sacerdotes responderam: Que nos importa?  Depois, Judas foi lançar-se aos pés do Mestre, suplicando que livrasse a Si mesmo.

            Jesus depositou em Judas o mais belo olhar que a Terra já contemplou: o olhar do perdão.
            Assistindo no teatro vivo a esta cena, comovi-me por demais.

            Era o Rei, o Cristo de Deus, perdoando. Só neste momento compreendi o que vem a ser o perdão, pois somente as grandes almas tem força para perdoar. Jesus fitara Judas com intensa piedade.

            Judas sofria demais e o Mestre o perdoou. Ao gritar: Pequei, traindo o sangue inocente e ouvir o sumo sacerdote, duro, implacável, responder: Que nos importa? Isso é lá contigo ...(Mt 27,4), Judas compreendeu que suas súplicas não seriam ouvidas.

            Deixou no chão as moedas que recebera pela traição e saiu da sala desesperado. Sentia o peso de sua insensatez e saiu da sala desesperado. Sentia o peso de sua insensatez e que não teria forças para ver Jesus torturado e crucificado.

             Logo depois, todos os que passaram por certo local retirado viram, ao pé de uma árvore, o corpo sem vida de Judas.

             Os cães já o devoravam... ”

         Para Mt ( 27,4), -Que nos importa?  Isso é contigo...-  encontramos em “Pão Nosso” (Ed. FEB), de Emmanuel por Chico Xavier,  trecho que nos orienta sobre essa passagem:

            “A palavra da maldade humana é sempre cruel para quantos lhe ouvem as criminosas insinuações.  O caso de Judas demonstra a irresponsabilidade e a perversidade de quantos cooperam na execução dos grandes delitos.

            O espírito imprevidente, se considera os alvitres malévolos, em breve tempo se capacita da solidão em que se encontra nos círculos das conseqüências desastrosas.

            Quem age corretamente encontrará, nos felizes resultados de suas iniciativas, aluviões de companheiros que lhe desejam partilhar as vitórias; entretanto, muito raramente sentirá a presença de alguém que lhe comungue as aflições nos dias da derrota temporária.

            Semelhante realidade induz a criatura à precaução mais insistente.

            A experiência amarga de Judas repete-se com a maioria dos homens, todos os dias, embora em outros setores.

            Há quem ouça delituosas insinuações da malícia ou da indisciplina, no que concerne à tranqüilidade interior, às questões de família e ao trabalho comum.

            Por vezes, o homem respira a paz, desenvolvendo as tarefas que lhe são necessárias; todavia., é alcançado pelo conselho da inveja ou da desesperação e perturba-se com falsas perspectivas, penetrando, inadvertidamente, em labirintos escuros e ingratos.

            Quando reconhece o equívoco do cérebro ou do coração, volta-se, ansioso, para os conselheiros da véspera, mas o mundo inferior, refazendo a observação a Judas, exclama em zombaria - “Que nos importa? Isso é contigo...”.”



            Em ‘Revelação dos Papas’ (UES-1936) lemos psicografia de um espírito que entitulou-se Judas ratificando nosso caminho perene para o amor e a caridade, apesar dos nossos muitos esforços em contrário:

            “Judas, meus bons amigos, volta hoje ao Mundo para declarar perante os homens as verdades que lhe foram inspiradas por Nosso Senhor Jesus Cristo - o grande e amado Mestre - a quem, num momento de cegueira, de trevas e extrema fraqueza traiu, vendendo-o aos inimigos.

            Jesus, meus bons amigos, o Messias, aquele que foi enviado por Deus para salvar o Mundo onde viveis hoje, já perdoou a Judas Iscariote a sua fraqueza e cegueira. Deus, em sua misericórdia infinita, concedeu, pela boca de Seu filho amado, o perdão àquele que foi outrora infiel, traidor, perjuro, falso e criminoso discípulo do Messias, que jamais deixou de lamentar e compadecer-se da fraqueza e miséria do seu discípulo.

            Venho, meus bons amigos, em nome do meu querido Mestre - o Salvador do mundo - dizer-vos alguma coisa que vos interessa.

            Compareço a vossa presença, a fim de restabelecer a verdade desvirtuada, falseada pelos homens interessados em se conservarem no caminho do erro e da mentira.

            Estou diante de vós, meus bons amigos, para me confessar agradecido pelas grandes e imensas provas de amor que me foram dispensadas por Deus e por Nosso Senhor Jesus Cristo.

            Apareço aqui, perante vós, meus companheiros e amados irmãos, para penitenciar-me dos erros que pratiquei e, ao mesmo tempo, entoar hinos à Infinita sabedoria e à pureza imaculada desse Mestre admirável, à incomparável bondade desse coração todo feito de doçuras e de amor!

            Venho cantar hosanas à sublime misericórdia do Criador e erguer uma prece, na qual todos vós deveis acompanhar-me, pois, nesta oração subiremos até junto do Pai Celestial e de Jesus, que, nesta hora, estendem as vistas misericordiosas sobre este planeta atrasado, mundo de expiações e sofrimentos, de lágrimas e de dores.

            Dizei comigo, meus queridos irmãos,

            Jesus, nosso salvador, filho de Deus e luz sublime que clareia o nosso caminho, que nos guia na Terra e na eternidade! Senhor! aqui estão os Teus filhos, tendo à frente aquele que no mundo errou profundamente, o maior de todos os criminosos que pisaram a superfície deste planeta; aqui estamos todos nós, Senhor! tendo à nossa frente o mais pérfido e infiel de Teus discípulos; aqui nos achamos todos nós, junto do mais fraco e criminoso dos Teus filhos -Judas Iscariote!

            Nós, Senhor, somos também fracos, praticamos grandes erros, pesam sobre nós imensas culpas, grandes pecados nos obrigam a curvar a fronte diante de ti, Senhor! Temos, Jesus, a nossa alma coberta de chagas, o nosso coração envenenado pelos mais impuros sentimentos que nele temos alimentado; sentimos o nosso espírito combalido ao rever o nosso passado espiritual, cheio de crimes e faltas graves; somos, Senhor, ainda escravos da matéria, sentindo as entranhas devoradas pelos desejos pecaminosos, a alma presa, agrilhoada à matéria que a retém na superfície da Terra, de onde não poderá desprender-se para as luminosas regiões, sem primeiro expurgar-se das impurezas e das máculas que os pecados deixaram sobre ela e onde os vícios produziram sulcos profundos, as misérias da carne lançaram vestígios que dificilmente se apagarão!

            Temos, Bom Jesus, as mãos tintas do sangue dos nossos irmãos, os pés cheios de lama pútrida dos antros e dos monturos por onde caminhamos durante longo tempo; conservamos também nas mãos o azinhavre da moeda a troco da qual vendemos a nossa consciência, atraiçoamos os nossos irmãos; guardamos ainda nos lábios os sinais das nossas abjeções, da impureza das paixões que alimentamos em nossos corações; trazemos estampados na fronte os estigmas das nossas baixezas, das podridões, misérias e devassidões a que nos entregamos na vida, conservamos nos olhos os traços das nossas crueldades, o brilho das volúpias e prazeres que durante esta existência terrena temos desfrutado.

            O nosso corpo, Senhor, é o livro onde se acha escrita a história dos nossas abusos e da s nossas transgressões, a nossa lama, Jesus, é o espelho onde neste instante se refletem todos os nossos atentados às leis de Deus, todas as violações do Seu Evangelho; a nossa consciência é, nessa hora, sudário onde se acha estampada a tua efígie, mas tão apagada que dificilmente a reconhecemos.

            Senhor! Senhor! Querido e adorado Mestre! Todos os nossos pecados aqui se acham gravados no nosso espírito; todas as nossas culpas aqui estão desenhadas na nossa consciência, que nos acusa diante de ti e de teu Pai!  

            São grandes as nossas faltas, imensos os nossos pecados, infinitos os nossos erros, mas na tua bondade há sempre lugar para todos os perdões; em tua alma existem grandes reservas de misericórdia e tolerância; no teu incomensurável coração há um transbordamento constante de piedade e de amor para os que sofrem, que gemem e choram, os fracos, os infelizes e os pecadores, como nós!

            Recebe, portanto, bom Jesus, esta prece que te oferecemos e que é pronunciada pelos lábios mais impuros que já existiram sobre a Terra, ditada pela consciência mais sombria que palpitou neste planeta; prece nascida da alma mais culpada que este mundo conheceu até hoje, o espírito mais fraco e criminoso dos que se têm encarnado na Terra.

            Aceita, Senhor, bom Jesus, a prece que Judas, o traidor de ontem, o falso e o pérfido de outros tempos nos faz recitar neste momento, na tua presença, para que possamos, como ele, alcançar o nosso perdão, merecer da tua bondade a graça de recebermos do teu Pai a mesma luz e a mesma paz que Ele concedeu ao mais cruel, ao mais criminoso e infame dos Seus filhos!

            Ouve Jesus, a nossa prece e dá-nos o que deste a Judas pelo mal que ele te fez, pela traição que praticou contra a tua pessoas divina, pelo ultraje que infligiu a ti, no momento mais doloroso da tua vida de Missionário, de Redentor, de Salvador do Mundo e Filho de Deus!

            Tu, que tiveste em tua alma a grandeza, a doçura e o amor para perdoar a esse falso e perjuro discípulo, Senhor, perdoa-nos também a   nós, cujos erros, cujas faltas, crimes e pecados estão muito distantes do crime e do pecado daquele que se acha à nossa frente, nesta hora de luto e de dor, para render graças à infinita misericórdia de Deus e ao imenso e inesgotável manancial de doçura, carinhos, afetos, pureza e imenso amor - o Coração de Jesus!  

            Perdoa-nos, Senhor! Salve-nos Jesus! como salvaste Judas!”

            Eu direi também:

            “Meu Jesus! meu Salvador! se mereci o teu perdão e a tua misericórdia, os meus irmãos podem também merece-los, pois, diante de Judas, a humanidade inteira, com todos os seus crimes, os seus pecados e as suas misérias, é santa, inocente como a mais inocente das criancinhas que brincam na superfície da Terra!

            Perdoa, portanto, Senhor, à humanidade como perdoaste ao maior dos traidores!”
                                                   Judas Iscariote
                                                               (2 de Setembro de 1916)
                                                
                                                                                       
                 

sábado, 2 de maio de 2015

A Velha História da Traição de Judas

A Velha História
da Traição de Judas

Arthur da Silva Araújo
Reformador (FEB) Abril 1971

            É velho costume chamar-se “Judas” às pessoas que agem com falsidade,
traiçoeiramente, praticando atitudes incorretas. A histórica personagem tornou-se símbolo da ignomínia humana; e nós, como que agravando a situação, continuamos ofertando-lhe, pela força do hábito, pensamentos negativos e destruidores.

            A questão, por ser delicada, requeria comentários esclarecedores, os quais, por seu turno, reclamavam prévio estudo da personalidade de Judas. Fomos conduzido, assim, a consultar “Os Quatro Evangelhos”, de J. B. Roustaing, encontrando, no segundo volume, este valioso pronunciamento:

            “Entre os doze estava Judas, que traiu a Jesus. Era um Espírito elevado em inteligência, mas, pedindo permissão para auxiliar a Jesus, se encarregara de uma missão acima de suas forças, tomara um peso superior ao que lhe era possível suportar, e faliu”.

            E no terceiro volume há esta preciosa elucidação:

            “Judas, que era um Espírito desejoso de adiantar-se, mas orgulhoso, e por demais confiante nas suas forças, pedira, antes de encarnar, que lhe fosse concedido participar da obra do Cristo, esperando tirar dessa participação abundantes e preciosos frutos. Em vão seus Guias lhe fizeram ver os escolhos contra os quais iria chocar-se. Em vão lhe disseram ser ainda muito fraco para suportar tão grande peso, e lhe mostraram que, obumbradas suas resoluções e esperanças na carne, os sentimentos de inveja e de cobiça despertariam e o arrastariam inevitavelmente a uma queda, que tanto mais perigosa seria quanto mais obstinado ele perseverasse no seu propósito”.

            O tema é apaixonante e pode ser apreciado por variados ângulos, levantando-se hipóteses que permitam o nosso entendimento acerca do triste episódio.

*

            Primeira hipótese:

            Ter-se-ia Judas realmente conduzido de maneira venal? Ter-se-ia movimentado, no lamentável acontecimento, impulsionado apenas pelos imperativos do dinheiro? Teria beijado o Mestre em troca de vantagens financeiras?

            Não nos parece tenha sido essa a sua meta, porque era ele, na verdade, pessoa digna e proba (embora disso discordasse o apóstolo João), a ponto de ter sido o escolhido pelo Mestre para exercer as funções de tesoureiro do colégio apostólico. Cabia-lhe angariar fundos, fazer coletas e providenciar donativos, de modo a que o agrupamento dispusesse do numerário suficiente para atender a aflitos e necessitados que buscavam, além dos benefícios espirituais, alimentos e agasalhos.

            Tudo indicava que Jesus devesse ter escolhido Mateus para essa função, face à sua maior experiência no trato do dinheiro, como antigo cobrador de impostos. Surpreendentemente, porém, Judas foi o indicado para esse mister, para o que deve ter contribuído a retidão do seu caráter.

            Admitamos, entretanto - só para raciocinar -, que Judas se tivesse deixado envolver pelo polvo da corrupção. Teria ele, em consequência, sido comprado pelo valor, verdadeiramente ridículo, de trinta moedas de prata? Não teria sido mais lógico que fugisse com a bolsa das esmolas? Por que, então,satisfeito nos seus intentos, apelou para o suicídio?

            Segunda hipótese:

            Assegura-se que Judas, praticando a traição, estaria servindo de instrumento para que se confirmassem as escrituras. Ora, a aceitar-se tal versão, Judas teria sido escolhido por Satanás (?!?), especificamente, para a prática do grave delito. A Doutrina que nos consola e felicita, consagrando o livre arbítrio recusa a fatalidade. Como, pois, aceitar a. interferência de Satanás? A ser isso verdade, Judas não seria uma figura odiada por muitos, como acontece, merecendo ser trata do, ao inverso, como verdadeiro mártir do Cristianismo, fazendo jus ao nosso respeito e à nossa admiração.

            A admitir-se que Judas tivesse sido utilizado por Satanás, para confirmação das escrituras, estaríamos lançando por terra o próprio edifício doutrinário.

*

            Terceira hipótese:

            Judas era judeu e, como tal, mui justamente sonhava com as alegrias do seu povo. Admite-se tenha sido um autêntico patriota. Movido, portanto, por motivos libertadores, se teria ligado ao Nazareno na convicção de que Ele, sendo o Messias prometido, chegara exatamente para oferecer carta de alforria à sua raça oprimida.

            Com a continuação do convívio com Jesus, porém, fora se convencendo de que o Mestre não viera para solucionar o problema de Israel, mas, na verdade, para oferecer um programa de salvação para todos os povos, entrelaçando pretos e brancos, ricos e pobres, felizes e desgraçados. Não viera para aquinhoar este ou aquele povo ou raça, mas para entrar em ligação com todos, objetivando conduzi-los, através dos caminhos da compreensão e do amor, aos estágios mais altos da felicidade.

            Caberia a Judas, se quisesse, dar as costas ao Mestre, desligando-se do agrupamento apostólico. Por que traí-lo? Por que as trinta moedas? Por que o suicídio?

*

            Quarta hipótese:

            Outra razão a ser considerada é a que se relaciona com a perda da confiança em Jesus, face às suas frequentes afirmações de humildade.

            A declaração de que seria subjugado pelas forças dominantes e condenado à morte, poderia ter enchido Judas de apreensões, temeroso das fraquezas do Mestre e talvez preocupado quanto aos riscos que também viesse a correr.

            Admitamos - só para argumentar - que Judas tivesse pensado na conveniência de se afastar de Jesus, colocando-se, desse modo, em posição de maior segurança pessoal. Caso acontecesse a perda da fé, cabia-lhe transferir-se para as hostes adversárias, reunindo-se às altas figuras de Roma e da Palestina.

            Trair Jesus é hipótese absurda, notadamente quando esse ato teve como epílogo os gestos de arrependimento e de vergonha, refletidos no suicídio.

*

            Quinta hipótese:

            Recorda-se que Jesus, certa vez, em Betânia, na casa de Maria, irmã de Lázaro,
teve seus pés banhados por unguento de alto valor, e que Judas, também presente, recriminou o fato, com veemência - como bom tesoureiro -,' sugerindo se vendesse o perfume de modo a que, com o dinheiro arrecadado, melhor pudessem ser atendidos os pobres.

            Jesus, que sabia estar sendo tramada sua “morte” e, ainda, que seu corpo, de acordo com a tradição judaica, deveria ser aromatizado para descer ao sepulcro, replicou a Judas:

            - “Maria guardou esse perfume para a minha sepultura”.

            Traumatizado com a censura pública, Judas teria jurado vingança, planejando a
entrega do Mestre aos seus algozes. A tese é fraca, mas, ainda que a aceitássemos, como justificar o recebimento das moedas de prata e o gesto extremo do suicídio?

                                                                       *

            Verificamos, desse modo - sempre admitindo hipóteses -, que as da venalidade, da ligação com Satanás, do patriotismo, da perda da fé e da mágoa não se ajustam à realidade dos fatos.

            Uma outra, entretanto, pode ser considerada, evidentemente mais sensata, e que, no nosso humilde entender, melhor esclareceria o episódio. Prende-se à possível precipitação de Judas, dentro do apressado julgamento da conduta de Jesus.

            Como bem retratou Roustaing, Judas era “um Espírito elevado em inteligência”, que confiava demais nas suas forças” e, ainda, que esperava obter “abundantes e preciosos frutos” na participação da obra de Jesus. Pensava que o Mestre era muito doce, que suas palavras eram realmente formosas, que seus conceitos eram por demais comoventes, mas que sua obra vinha se processando de maneira muito lenta, quando eram exigidas medidas e providências enérgicas e capazes de assegurar rápida vitória.

            Judas, que “se encarregara de uma missão acima de suas forças, que tomara um peso superior ao que lhe era possível suportar”, como está em “Os Quatro Evangelhos”, ficara verdadeiramente estarrecido ao ouvir, dos lábios de Jesus, a anunciação de que “menor seria o maior” e de que o “que se humilhasse seria exaltado”.

            Tendo testemunhado muitos dos chamados “milagres”, e sabendo ser Jesus um enviado de Deus, passara a se convencer de que o Mestre possuía condições para fulminar qualquer de seus adversários, desde que recorresse à sua imensa força. Tomando esse ponto de partida e escudado no seu enorme orgulho, foi permitindo que em seu cérebro se alojasse a ideia de que Jesus, pelo simples exercício da vontade, destruiria as barreiras levantadas pelo sacerdócio judeu e pelos delegados de Herodes.

            Judas amava profundamente a Jesus e aceitava, em sua inteireza, a comovente mensagem de salvação que Ele nos veio trazer, mas, a par disso, sempre afoito, considerava que o Mestre vinha prejudicando a marcha, dos acontecimentos e retardando a vitória final ao insistir nas teclas da humildade e do perdão ilimitado.

            Não tinha dúvidas quanto à pureza dos sentimentos de Jesus, os quais sobrepairavam às maldades humanas, mas também sabia que essa conduta não era a mais indicada, uma vez que as circunstâncias estavam exigindo pulso forte, reclamando ação vigorosa, de modo a facilitar a disseminação dos ensinos pregados. Eram os sentimentos de “inveja e cobiça” que “o arrastariam inevitavelmente a uma queda”.

            Compreendia que o movimento cristão era muito lindo, mas que jamais chegaria a triunfar com a simples participação de pescadores humildes e de pessoas de poucas letras ou de reduzidas condições financeiras.

            Sua cabeça estalava e ia admitindo a possibilidade de uma junção estratégica com as forças dominantes, que detinham o prestígio social e o poder econômico, visando ao inimigo comum, representado pelos obstáculos do caminho.

            É bem provável que Judas tenha conversado com Jesus acerca das ideias que povoavam o seu cérebro, na busca aflitiva de uma fórmula capaz de harmonizar os interesses da comunidade cristã com os do grupo oposto, mediante aliança tática que se completaria com o consequente expurgo dos elementos que revelassem, mais tarde, oposição aos princípios esposados por Jesus. Sempre recorrendo à evasiva, certamente o Mestre ia deixando sem resposta as inaceitáveis sugestões de Judas, o que o levava a maior inquietação e desespero.

            Judas passou a armar, então, o tenebroso plano: sugeriria aos adversários a prisão de Jesus e Ele, então, dispondo de poderes divinos, liquidaria formal e categóricamente com seus algozes.

            O fruto, no entender de Judas, estava pronto para ser colhido, não se justificando as protelações.

*

            Judas acabou por tomar a terrível resolução, avistando-se com os altos dignitários do Sinédrio, a pretexto de lhes pedir um auxílio para a bolsa das esmolas, ocasião em que obteve a nefanda ajuda das trinta moedas. Ao curso dessa entrevista, com muita astúcia, ter-se-ia queixado de Jesus, insinuando a possibilidade de sua prisão, para tranquilidade de todos. Os sacerdotes e os escribas vibraram de alegria, acertando-se as minúcias do acontecimento que finalizaria com o insulto do Calvário.

            O Mestre conhecia tudo que se passava e não estava alheio aos pensamentos de Judas, permitindo, contudo, que eles se desenvolvessem, em evidente sinal de respeito ao livre arbítrio do discípulo irrequieto. Apesar disso, Ele amava a Judas, tanto que, naquele dia trevoso, quando os soldados foram detê-lo, Jesus o saudou com estas palavras repassadas de carinho:

            - “A que vieste, amigo?”

            Naquele momento difícil, Jesus não recorreu a palavras de acusação ou de queixa. Tratou Judas de “amigo”, porque reconhecia o amor que o discípulo lhe dedicava e o erro que estava cometendo. Sabia que Judas caminhava para um despenhadeiro, mas não lhe cabia impedir a experiência que havia livremente escolhido.

*-

            Quando os soldados romanos detiveram o Mestre, Judas, a distância, antegozando a vitória, teria pensado:

            “- Chegou a hora. Ele reagirá com sua força divina, fulminando os opressores.”

            Mas Jesus, ao contrário das previsões, deixou-se prender, pacificamente, como se fosse criatura comum. Traumatizado com o espetáculo, Judas pôs-se em pranto e, como que aturdido, olhava para aquelas cenas e não as assimilava, porque jamais concebera a derrota de Jesus perante os homens. Experimentava a dura e amarga realidade: Jesus fora preso e seria condenado à morte, cabendo-lhe toda culpa pelo acontecido. Era o único responsável.

            Com a alma estraçalhada, teria retornado ao Sinédrio, desesperado, para devolver as trinta moedas de prata que haviam sido o pretexto da entrevista, e, após, alucinado, entregou-se ao suicídio.

*
            O Espírito Humberto de Campos, em “Crônicas de Além-Túmulo” , oferecendo valioso depoimento de Judas, recorda a luta então existente: o Sinédrio desejando o reino do Céu e, Roma, o reino da Terra, com Jesus entre essas duas forças antagônicas, na sua pureza imaculada. Judas confessa ter planejado a revolta surda, mas acrescenta que tudo se desenrolara de maneira imprevista e com desfecho que não estava nas suas cogitações.

*

            Dois mil anos depois, continuam os homens recorrendo ao insulto, chamando-se de “Judas” ... Recordam a traição do apóstolo, examinando-a superficialmente, através da “letra que mata”, sem se mostrarem dispostos a procurar as causas determinantes da traição, que foram marcadas, é certo, com acentuado orgulho, mas, de igual sorte, com o sublimado afeto que o discípulo afoito dedicava ao meigo e doce Pastor de nossas almas.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Judas Iscariotis



Judas Iscariotis
por Hermínio Miranda
Reformador (FEB) Março 1959

            A figura histórica e humana de Judas Iscariotes sempre exerceu grande fascinação sobre meu espírito. Se bem que, aqui e acolá, se encontre na literatura espírita referências o infeliz apóstolo, muito pouco se conhece de seu posterior desenvolvimento espiritual.

            Sabemos, certamente, através de revelações esparsas, que Judas, condicionado como qualquer um de nós à sábia e inflexível lei cármica, aqui voltou muitas vezes, para purgar suas falhas no sofrimento redentor. Estamos certos, também, de que o Cristo não o abandonou à sua própria sorte, nem pretendeu deixar que a pobre criatura, vítima de sua fraqueza, ficasse mergulhada na amargura sem remissão do sofrimento eterno.

            Neste, como em tantos outros pontos, a doutrina que os Espíritos nos ensinaram é muito mais humana e racional que as que aí estão, miudamente trabalhadas pelos encarnados. É muito mais reconfortante, e infinitamente mais de acordo com a moral cristã, sabermos que o Espírito do Iscariotes, depurado de suas imperfeições, evoluído moral e espiritualmente, está hoje entre os mais chegados colaboradores do Senhor, do que imaginá-lo como trágica ruína humana, batida pela miséria eterna.

            Não seria Jesus, o gênio supremo da bondade e do amor, que deixaria seu antigo discípulo perder-se nas estradas agrestes da eterna agonia. Se nenhuma das ovelhas que o Pai lhe confiou se perderá, como poderia perder-se justamente uma daquelas que o acompanhou pelas rotas poeirentas da Terra Santa, que o ajudou, por algum tempo, a espalhar aos quatro ventos sua mensagem de amor e humildade, que, bem ou mal, sonhou com o Mestre os mesmos sonhos de universal fraternidade? Como poderia Jesus condenar o antigo companheiro que, num momento de fraqueza e invigilância, se deixou levar por enganadoras ilusões?

            E, afinal de contas, se Jesus lhe perdoou e o ajudou a recuperar-se para a glória espiritual, quem somos nós, imperfeitíssimas criaturas, para arrastar na lama a figura do pobre irmão que fraquejou? Tal como diria o Mestre: aquele que não tiver culpa, atire a primeira pedra.

            Por outro lado, é preciso atentar bem nas circunstâncias daquele impensado gesto. Judas não foi o único, nem mesmo o maior responsável pela dolorosa tragédia da cruz. Foi mero instrumento de forças enceguecidas pelo ódio irracional. Vencido pela miragem do poder, com que lhe acenaram os inimigos do Cristo, ele se prestou ao lamentável e infeliz papel de indicar, à sanha destruidora dos algozes, Aquele que o havia acolhido no círculo mais íntimo de seus seguidores.

            Seu espírito era fraco e imaturo. Sonhava com uma fatia de poder, e se deixou fascinar. Era tão fraco que, consumado o gesto supremo da traição, não encontrou em si mesmo forças morais para enfrentar as consequências dramáticas do arrependimento. O tremendo remorso que experimentou foi grande demais para as forças do seu espírito, e, ainda uma vez, sucumbiu, escapando pela porta falsa do suicídio, numa tentativa última de fugir de si mesmo.

            Mais uma vez se enganou o pobre e desorientado irmão. Libertara-se do envoltório físico, mas não se libertara de suas angústias. Muito pelo contrário: era justamente agora, com a percepção mais aguçada, que de fato sofria as insuportáveis aflições do remorso. E isso era o princípio da redenção. Milhares, milhões de vezes, teria que reviver a cena amarga do beijo portador da morte. Jamais haveria de esquecer o doce olhar do Profeta Divino, ao recebê-lo como discípulo amigo e não como mensageiro da dor. Como tudo aquilo continuava vivo nos seus olhos! Sim, porque ainda via, sentia dores e sufocava e gemia e gritava desesperado. Estranho! Então não morrera? Como é que a corda ainda lhe apertava a garganta ressequida e os trinta dinheiros ainda lhe pesavam sobre o coração? Sentia-se oprimido, miserável, perdido, sozinho, num mundo escuro, desconhecido e sem limites. Acima daquela solidão opressiva, pairavam os olhos meigos, puros, sublimes, de Jesus. Só então pudera compreender toda a extensão insondável da sua falta.

            Porque tocara a ele o infame papel de entregar o Mestre às mãos dos carrascos? Se Jesus tinha mesmo que ser destruído, como diziam as profecias, que fosse outro o delator, não ele, Judas... Mas, desgraçadamente, estava tudo feito e nem uma vírgula se alteraria.

*

            Não nos foi dado ainda acompanhar, nos séculos que se seguiram, a trajetória espiritual do pobre irmão Judas Iscariotes. Não obstante, imaginamos quanto sofreu e lutou para novamente poder fitar, com tranquila humildade e reconhecimento, os olhos d'Aquele que, certa vez, ajudara a crucificar.

            Hoje, o antigo apóstolo retomou seu lugar entre os seguidores mais próximos do Cristo.

            Nas profundezas de seu coração deve sentir-se amplamente recompensado de todas as dores que sofreu.

            Algum dia, talvez permitam as entidades superiores que se revele ao mundo essa história magnífica, para que, através de todo o seu poder de sugestão, saibam as criaturas que mesmo a falta mais negra não precipita o Espírito na desgraça eterna, mas apenas retarda sua evolução para a Pátria da Luz. Deus não seria Deus se, pela falta cometida neste átimo a que chamamos vida, fosse preciso viver uma eternidade de angústias e sofrimentos. Já pensou o leitor no que pode ser a eternidade? O escritor Hendrik Van Loon, para dar a ideia das idades que se contam pelos milhões de anos, imaginou uma grande, imensa rocha plantada no mundo. Cada dez mil anos, um pássaro vem e roça o bico contra a rocha. Quando o bico do pássaro tiver consumido a pedra, ter-se-á passado um instante da eternidade. Comparado com isso, que é a vida humana? Ainda ontem éramos crianças; nossos pais eram jovens. Hoje temos filhos, amanhã teremos netos. Como foi mesmo que passou o tempo? Assim, Deus não criaria almas, frágeis na sua ignorância, para depois esmagá-las impiedosamente, com o castigo eterno, pela falta ocasional. Se nos deu o livre arbítrio, acrescentou, também, a possibilidade de reparação, sem o que não poderíamos jamais alcançar a glória de poder colaborar em Sua obra portentosa.

            Já é tempo de trabalhar pela reabilitação da figura do antigo Iscariotes. É necessário remover, de sua imagem histórica, a superada mancha da traição que pesa sobre sua memória. Ele não foi o primeiro ser humano a errar nem será o último. Também não foi o primeiro a resgatar seu erro, pagando até o último ceitil, como diz a Lei, para retomar a caminhada para o Alto.

            Em teu próximo instante de tranquilidade espiritual, leitor amigo, levanta teu coração e oferece a Jesus as vibrações de tua alegria por ter estendido Suas mãos generosas ao antigo apóstolo transviado. E pede ao irmão mais velho, Judas Iscariotes, que nos ajude, por seu turno, a encontrar o caminho da redenção espiritual, que nos libertará da servidão ao erro. Ele muito sofreu para conquistar a sua paz e certamente saberá como ajudar-nos a encontrar a nossa. Também temos pesados débitos a resgatar. Não entregamos Jesus aos seus algozes; vezes sem conta, porém, temos crucificado sua memória, vendido seus princípios, falhado no cumprimento da moral que Ele pregou. Não estamos, pois, em condições de atirar coisa alguma à nobre face de Judas, o redimido.



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Joana D'Arc


Joana D’ Arc

A Personalidade de Joana D'Arc

            O motivo que nos leva a escrever sobre a Donzela de Orleans, não é o de pormenorizar a sua vida, cheia de heroísmo e estoicidade, porque se acha descrita de modo magnífico na obra monumental de Léon Denis, que se intitula "Joana D'Arc Médium".  Essa obra é toda apoiada em documentos insofismáveis, da qual respigamos alguns dados para a elaboração desta despretensiosa monografia.

            Foi com vistas ao período agudo por que passa a humanidade, pejada de sofrimentos e apreensões, que achamos de bom alvitre lembrar, aqui, a figura da grande guerreira que foi Joana D'Arc.

            Os seus feitos nobilíssimos na expulsão dos ingleses da França, no século XV, foram decisivos para a independência e liberdade desta grande e portentosa nação, graças ao feliz desempenho da sua mediunidade.

            Não é possível, a quem quer que seja, recordar esta criatura, sem citar algumas das suas inúmeras realizações alevantadoras.

            É o que, com a devida vênia, tentaremos fazer, embora resumidamente.

            O que torna mais admirável esta jovem extraordinária é a evidência das faculdades mediúnicas de que era possuidora, quais sejam: as da visão, audição e premonição, às quais obedecia sem discrepância.

            Sem tais faculdades, de per si ela nada teria realizado, tendo-se em vista a sua pouca idade e a sua nenhuma cultura.

            Joana D'Arc nasceu em Domremy (França) em 1412. Era filha de pobres lavradores. Quando não fiava a lã junto de sua mãe, apascentava o rebanho às margens do Vale do Mosa, tendo, muitas vezes, ladeado seu pai no manejo da charrua.

            Joana era morena, alta, forte e bela[1]; a sua voz era suave, a expressão graciosa, o todo modesto.

            Em uma moça como quase todas de sua idade, sonhadora. Comprazia-se em contemplar o céu, à noite, quando pontilhado de estrelas; apreciava vaguear pelas frescas campinas, pelas manhãs e, à tarde, sentar-se sob o carvalho anoso, fronteiriço à sua casa, onde ouvia, embevecida, o tanger dos sinos da igreja de sua aldeia.

            Joana frequentava assiduamente essa igreja, onde orava com devoção.

            Próximo à sua casa havia um jardim, bem cuidado, onde igualmente costumava orar.

            A sua primeira visão, segundo Léon Denis, teve-a ela nesse local, quando se achava em prece.

            Nessa visão, aparece-lhe um espírito de grande formosura, cujo esplendor deslumbra-a. Em seguida, é S. Miguel que lhe surge com urna corte de espíritos puros, que lhe fala da situação angustiosa de seu país e lhe revela a missão que lhe estava destinada de salvá-Ia.

            A princípio, Joana reluta, confessando sua incapacidade para tão alto desígnio, sendo encorajada  com a promessa de ajuda dos bons espíritos que a guiariam nesse arrojado empreendimento.

            As entidades que mais frequentemente se comunicavam com ela, eram os espíritos boníssimos de Sta. Catarina, Sta. Margarida e S. Miguel, assim designados por ela, em virtude dos ensinamentos católicos, adquiridos naquela época em que o Catolicismo Romano imperava quase absoluto.

            É de se notar que Joana jamais saiu de sua aldeia. Adorava seus pais, aos quais ajudava dedicadamente nos seus misteres e nunca ia deitar-se sem antes depositar-lhes na fronte seu ósculo filial.


Joana aceita a Missão


            Um dia, na sua visão, reaparece-lhe S. Miguel que lhe diz: "Filha de Deus, tu conduzirás o Delfim a Reims, a fim de que receba aí sua digna sagração". A essas palavras Joana junta-lhes ação. Assim, antes do romper da aurora, em plena estação hibernal, Joana se levanta da cama e, pé ante pé, sem fazer ruído para não trair o sono de seus pais que a impediriam, por certo, de realizar seu intento divino, faz uma mala de roupas, salta a janela de seu quarto e vai para onde mandam suas vozes.

            Quando sua fuga se deu, para cumprimento dessa missão, contava Joana a idade de 17 anos.

            Só, ignorante, contando unicamente com o auxílio de seus espíritos, nos quais depositava toda a fé, ela deixa a aldeia que muito amava e onde nascera, e que não veria mais. Deixa ainda, o seu rebanho do qual nunca se tinha apartado e, conforme suas vozes, segue em direção a Paris, passando, antes, por Vaoucoleres, onde põe seu tio ao par do que lhe cumpria fazer por determinação do Alto.

            Até então, sua vida havia transcorrido entre o trabalho, que muito amava, e o repouso.

A França no Século XV

            Descrever a situação trágica, horrível, da França no século XV, não é fácil.

            Tão somente lembraremos o leitor que, a luta contra a Inglaterra durava Já cem anos. Quanto à nobreza da França, esta tinha sido aniquilada em quatro derrotas sucessivas. Toda a França se achava dividida em partidos rivais, que se hostilizavam por querelas de somenos.

            A França já se ressentia da sua insegurança. Ao seu Rei, então Carlos VII, falecia autoridade para as necessárias providências, por ter sido deserdado pelo pai, Carlos VI, que passou a coroa, num momento de demência[2], a Henrique da Inglaterra, o qual viu assim, com satisfação, que não demora-ria a alargar-se seu Império.

            Nessa situação miserabilíssima, é que aparece em cena Joana D'Arc.


Na prisão

            Não foi fácil, a Joana, convencer Carlos VII, "rei de Bourges", (assim chamado por escárnio )
da sua alta missão de libertar a França.

            Inúmeras provas foram-lhe pedidas por esse rei orgíaco, indiferente à sorte da Nação, que se chafurdava, e com ele o seu reino, nos prazeres das bacanais.

            A muito custo, depois de satisfeita a corte e o Rei quanto às exigências de provas da sua missão divina, à Joana foi entregue o comando de um poderoso exército, com o qual deveria escrever a mais brilhante página da história militar do mundo.

            Quando Joana surge na Iiça, Rouen capitula após encarniçadas batalhas, inimagináveis pelo horror com que se verificaram ..

            A população de Paris, alquebrada pela fome e epidemias, achava-se nas mãos dos ingleses. Só Orleans, que mais tarde Joana libertaria, resistia com denodo.

            Na França, reinava o pânico, o terror, as misérias e os incêndios oriundos das devastações da guerra.

            Os campos, abandonados; as cidades, evacuadas pelos seus habitantes que, acovardados pelas constantes derrotas, buscavam no mato o abrigo que aquelas não lhes ofereciam.

            Era esta, em rápidas palavras, a situação que Joana defrontou não sem grande pavor. Da fidelidade da sua missão ia depender o salvamento da França e do seu grande povo ao qual muito amava.

            Joana, graças às suas faculdades mediúnicas, conseguiu entusiasmar esse povo desmoralizado, abatido pelos reveses anteriores, dando-lhes novas esperanças.

            Todos os franceses queriam combater ao seu lado, após inteirados do seu papel providencial.

            Assim é que, com Joana à frente de um grande exército, Orleans foi livrada do ceroo dos ingleses, no domingueiro dia 8 de Maio de 1429, depois de terem suas fortificações sido tomadas uma a uma.

            (sic.) Cada assalto era uma vitória.

            Jargeau, Meung, Beaugency, são retomadas pelo seu exército.

            Em Patay, os ingleses são batidos em campo raso e o Gal. Talbot, cognominado o "Aquiles da Inglaterra", que os comandava, cai prisioneiro. Seguem então, as tropas vitoriosas, sob o comando de Joana, para Reins, onde Carlos VII é sagrado Rei da França, cumprindo-se, assim, as palavras de S. Miguel, ditas à Joana, numa de suas visões

            Apesar de todos esses triunfos, Joana não se deixa envaidecer. Continua sendo a mesma criatura de Domremy: humilde, bondosa e caritativa.

            Após todos os sacrifícios por que passou nos campos de batalha, como se isso não bastasse, começa para ela um novo ciclo de outros mais acerbos, quando a ingratidão e a perfídia de alguns juízes se patenteiam de modo desumano e cruel.

            Queremos nos referir aos interrogatórios execráveis que se seguiram às suas lutas heroicas, quando juízes mercenários, de conivência com os inimigos de sua Pátria, urdiram para perdê-Ia.

            Um número superior a 60 juízes compõem o tribunal, sob a presidência do Bispo de Beauvais, a quem os ingleses prometeram o arcebispado de Rouen se desempenhasse seu papel conforme seus interesses. Soldados de má catadura guardavam as portas desse iniquo tribunal.

            Os juízes, porém, nada conseguiam com as ciladas que armavam a Joana D'Arc nesses interrogatórios, porque, esta, sempre amparada por suas vozes, respondia-lhes à altura, confundindo-os muitas vezes, apesar da fadiga que lhe infligiam, deixando-a longo tempo de pé.

            Assim procediam para desmoralizá-la no seio do seu povo, porque temiam-na quando pegava em armas.  Julgavam-na possuída de algum "encantamento".

            Ansiavam seus inimigos, livrar-se dela a todo custo, porque só assim, pensavam, poderiam retomar a França. O clero não se sentia menos interessado na sua perda. Queria que ela renegasse à sua missão. Para isso, usavam de meios os mais hediondos, porque o clero sentia-se diminuído diante da superioridade dessa jovem que, com apenas 19 anos, salvava a França sob o influxo divino que intimamente reconhecia.

            Em 1430, os Borgonheses tentam contra Compiégne.  Joana, diante disso, decide libertar essa praça, mas cai prisioneira de seus inimigos, que a vendem aos ingleses.

            Carlos VII teve conhecimento de sua prisão, porém, nem sequer tentou resgatá-Ia.

            Segundo a obra já referida, na prisão começa para Joana uma paixão de seis meses. Imaginem os leitores, a situação de uma moça de dezenove anos, posta sob a guarda de soldados sem brios, sensualistas, estúpidos. Atribuiam-Ihe, eles, a causa de seus reveses , por isso, cevavam nela o seu ódio.

            Nesse cárcere, acorrentada, indefesa, batiam-lhe, dirigiam-lhe desaforos e impropérios, tendo Joana resistido sempre às contínuas tentativas de animalesco sensualismo. Por isso não consentia ela em privar-se dos trajes masculinos, que lhe permitiam segurança contra esses ignóbeis atentados.

            Apesar de todos esses sofrimentos, suportados com resignação inaudita, a sua fé em Deus e nas suas vozes permaneceu inabalável.

            Momentos houve em que suas vozes a abandonaram, como que para sondar, no íntimo dessa criatura, até onde ia sua fé no Criador, sua perseverança no desempenho da missão que lhe fora confiada.


Joana é conduzida ao suplicio
           
            O dia 30 de Maio de 1431, assinala o término da sua gloriosa missão na Terra. Nesse dia, os sinos bimbalham o dobre fúnebre desde á 8 horas da manhã. É que anunciam a morte de uma inocente criatura, cujo único crime fora ter amado e servido fielmente à sua Pátria.

            Diante de tanta injustiça, de tantos sofrimentos, que iriam, dentro em breve, culminar numa fogueira, Joana chora amargamente. Preferiria, ela própria o diz, ser decapitada sete vezes, a morrer queimada.

            Os monstros conduzem-na numa carreta. Oitocentos soldados ingleses escoltam-na até ao local do suplício. Grande multidão se comprime na praça onde Joana deveria receber o gênero de morte destinado aos piores assassinos.

            Na praça Vieux-Marché, em Rouen, são erguidos três palanques, para serem ocupados pelos altos dignitários. Entre eles achavam-se presentes o Cardeal de Wenchester, o Bispo de Beauvais e o de Bolonha, e todos os juízes e capitães ingleses.


            Entre os palanques ergue-se um monte de lenha, de grande altura, dominando toda a praça. A intenção dos verdugos era aumentar o sofrimento de Joana, espetacularizando-Ihe a morte, a fim de que ela renegasse, pela dor, à sacrossanta missão e às suas vozes.

            Nessa ocasião, é lido um libelo acusatório, composto de 70 artigos, no qual transparece todo o ódio, toda a calúnia dos seus inimigos.

            Joana ora com fervor, em voz alta, e pede, nessa prece, Q Deus, que lhe dê a coragem precisa para suportar a prova final, sem queixumes, sem tergiversar.

             Em seguida, implora o perdão divino aos seus algozes, tal como fizera Jesus quando pregado ao madeiro.

            Em dado momento, suas palavras comovem aquela gente, em número superior a 10 mil pessoas, que soluçam ante os horrores daqueles momentos. Os próprios juízes, sentindo o remorso morder-lhes a consciência, choram diante dessa cena.

            A um aceno do cardeal, Joana é amarrada ao poste fatídico, com fios de ferro.

            A vítima dirige-se, então, a uma pessoa que se achava perto e pede-lhe que vá buscar uma cruz na igreja mais próxima. Ao ter o símbolo da dor entre as mãos, cobre-o de beijos e lágrimas. É que nesse momento trágico, ela queria ter diante de seus olhos a imagem do Crucificado, para inspirar-lhe a coragem de que carecia.

            Naquele momento, Joana reviveu todo o seu passado de glórias, cheio de gratas recordações, que só pode acudir à mente das criaturas verdadeiramente puras, como ela, que ia, daí a instantes, sacrificar sua vida pela verdade.

Queimada Viva

            Eis que o momento azado chega. Ao monte de lenha que se ergue da praça, os carrascos lançam fogo. As labaredas começam a subir atingindo a vitima. Já lambem suas carnes. O Bispo de Beanvais aproxima-se da fogueira e grita: "Joana! Abjura!" ao que lhe responde: "Bispo, morro por vossa causa, apelo de vosso julgamento para Deus!"

            Quando o fogo começa a chamuscar seu corpo, Joana, estorcendo-se nos ferros onde se achava presa, grita à multidão: "Sim, minhas vozes vinham do Alto! Minhas vozes não me enganaram. Minhas revelações eram de Deus. Tudo que fiz, fi-Io por ordem de Deus!"

            Seu corpo arde-se todo. Eis q:ue novo grito abafado pelo crepitar da fogueira, ecoa de dentro dela; era seu apelo ao mártir do GóIgota: "JESUS".

            Seu corpo fora carbonizado nessa fogueira e reduzido a cinzas, as quais, depois foram lançadas ao Sena.

            Desta forma, negaram-lhe seus inimigos uma sepultura onde pudessem seus admiradores ir pranteá-Ia!

            Os ingleses pensavam terem vencido com a morte de Joana, Mas, enganavam-se. Carlos VII consegue reorganizar rapidamente suas tropas e ganhar as batalhas de Formigni e Castillon, findando-se, assim, a guerra com o triunfo dos franceses.

            Seus inimigos mataram-na tal como queriam, isto é, lentamente, com requintes de crueldade.

            Joana morreu para os ingleses, para a Terra; porém, viveu para o céu. É' a recompensa divina.

Canonização de Joana

            Alguns anos mais tarde, Joana é canonizada pela Igreja Romana, a mesma que a tinha acusado de herética. A sua santificação foi mais por conveniência política, que por outro motivo qualquer, porquanto Joana sempre inspirou à Igreja sentimento de repulsão em virtude da sua mediunidade; e por isso, era tida, pelo clero, como "feiticeira", por não querer obedecer-lhe negando a origem extraterrena da sua missão.

            O processo de reabilitação de Joana, levado a efeito no século XV, marca a queda da Inquisição na França. Eis o que os franceses devem, ainda, a Joana D'Arc.

*

            A vida de Joana D'Arc, verdadeiro martirológio, continuará sendo sempre a fonte inexaurível de supremos consolos a todos os que sofrem neste vale de dor.

            Mártir da mediunidade, a sua fé em Deus, o seu amor a Jesus, cujo nome fora a sua derradeira palavra, reavivará a fé nos corações atribulados que a ela Se voltarem.

*

            Formosa flor de Lorena! Donzela santa! Alma Iirial! Destas plagas sombrias e expiatórias, eu, humilde rabiscador destas linhas, saúdo-te ó pastora -de Domremy, heroína de OrIeans, mártir de Rouen!

Conclusão

            Por que, dirão, Joana teria sofrido tanto? A verdade é que, ninguém sofre se não pecou. Esta é uma das leis divinas que cabia ao Espiritismo revelar aos homens, mostrando-lhes que Deus não é um experimentador de almas, concedendo, a umas privilégios, e a outras martírios.

            A reencarnação, ensinada pelo Cristo e sancionada pelo Espiritismo, veio patentear aos homens a misericórdia Divina. Assim é que se numa existência o homem vem a falir, desarmonizando-se com as leis naturais estabelecidas por Deus, outra lhe é facultada, para que ele possa resgatar (mais duramente em virtude da sua reincidência no mal) o passado delituoso, e ascender, assim, a outros mundos mais felizes, que Deus destinou a todas as suas criaturas. Deus não criou estes mundos que gravitam no espaço imensurável, inutilmente. E o Cristo dissera que "nenhuma ovelha do seu rebanho se perderá,", o que equivale dizer: não existe o tão lendário inferno com a eternidade de suas penas.

            O que existe, e isto é muito justo, porque se concilia perfeitamente com a justiça de Deus, é a reparação de erros; em seguida, provação, para ficar evidenciado se o pecador incorrerá ou não no mesmo erro ; após o que - redenção, uma vez triunfante da prova.


Uma encarnação passada de Joana, segundo um Espírito


            H. de Campos, chamado com justeza o repórter do Além, lançou um pouco de luz sobre a vida da grande personagem de quem acima tratamos.

            Das páginas de um de seus livros post-mortem, depreende-se que Joana fora a reencarnação do espírito de Judas Iscariotes.

            Não deve causar estranheza aos espíritas, a diferença de sexos dessas duas existências, porquanto, o sexo, conforme nos ensina a Doutrina dos Espíritos, não é mais que um acidente na vida humana, necessário à execução dos desígnios divinos.

            O ter sido, Joana D'Arc, a reencarnação do espírito de Judas Iscariotes, conforme revelação do espírito citado, deve ser motivo de júbilo, principalmente para os espíritas, porque isso vem demonstrar que o perdão de Jesus concedido a Judas, que o traiu, não foi em vão.

            Consoante a concepção católica, Judas é um espírito errante, sem probabilidades de remissão, cuja eterna existência ele arrastará penando.

            Assim sendo, perguntamos, de que valeu, então, ter Jesus perdoado a Judas? Felizmente assim não é. O perdão de Jesus não foi inútil. Judas penitenciou-se, pedindo a Deus uma nova existência, cheia de renúncia e de sofrimentos dolorosos, que se epilogou numa fogueira, na pessoa de Joana D'arc.

            Que o espírito de Judas Iscariotes, emancipado aos olhos de Deus pelo seu martírio de Rouen, se compadeça dessas infelizes criaturas que, desconhecedoras da lei reencarnacionista, e da misericórdia do Pai ainda queimam - "o Judas de pano" - como desagravo à sua alta traição, ocorrida no passado remoto.

            Não encerraremos esta página sem antes louvarmos a ideia do nosso amigo e confrade, José Russo, de dar ao Centro Espírita que fundou na cidade de Franca, o nome de "Judas Iscariotes".

            Esse Centro, que traz no seu frontispício o nome de Judas Iscariotes, será, sempre, um protesto
permanente aos detratores de sua memória.



 Demetri Abrão Nami

in “Páginas Espíritas’ (Ed. Alarico 1960)
publicado, pelo autor, em formato de opúsculo, em 1949




[1] ) "Elle avait les cheveux noirs et le teint um peu hâlé .. ' Tous s'accordent à Ia représenter "grande et trés belle" bien. composée de rnembres et forte et cependant d'une rernarquable élégance ... " (Lavisse).
[2] Tratado de Troyes (1420).