Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador Sylvio Brito Soares. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sylvio Brito Soares. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Universalidade do Espiritismo




Universalidade do Espiritismo
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Novembro 1942

            Um amigo muito culto, portador com dignidade de diploma de uma das nossas escolas superiores, católico-romano praticante relatou-nos dois fatos por ele verificados, de comunicações de mortos, fora de rodas espíritas. São estes os fatos: alguns meses depois de falecido o chefe de uma família católica, a viúva admitiu a seu serviço uma criadinha que não conhecera o morto e nada sabia dos negócios dos esposos. Certo dia essa jovem criada caiu desmaiada. Socorrida pelas pessoas da família, pôs-se a falar com a voz, os modismos, os pensamentos do morto, sobre assuntos materiais do Inventário de seus bens. Não só declarou que era o falecido chefe da família, como o demonstrou pelos conhecimentos que revelou de todos os negócios e interesses da viúva. Se bem todos na família desconheçam o Espiritismo, não ficou dúvida de que tenham recebido longa comunicação de seu chefe, por intermédio de uma pessoa que não sabia coisa alguma de mediunidade.

            O nosso relator, igualmente, não duvida da autenticidade da comunicação e limita-se a dizer que não quer aprofundar-se nesses assuntos.

            Ainda o mesmo cavalheiro nos relata o caso de uma pessoa conhecida, que no momento da morte falou em voz direta com uma senhora amiga e dela se despediu, em outra cidade. Ambos os casos ocorreram entre pessoas dignas de toda a fé e boas católicas.

            Esses dois relatos nos trouxeram à lembrança uma multiplicidade de casos semelhantes, que temos ouvido em rodas católicas, de pessoas que desconhecem o Espiritismo. Quase que todas as famílias possuem um ou alguns casos de manifestações de Espíritos. São aparecimentos, vozes diretas, sonhos premonitórios, incorporações espontâneas e outras modalidades dos mesmos fenômenos que o Espiritismo estuda e classifica. É assim e não poderia ser de outro modo, porque os fenômenos espíritas são eternos e universais deram-se e dão-se em todos os lugares e em todos os tempos. Foram a base inicial de todas as religiões e são igualmente o alimento de todas as crenças religiosas em todos os tempos. Sem esses fenômenos, que confirmam os livros sagrados, as ideias religiosas teriam morrido no mundo, o materialismo absoluto teria dominado todas as consciências.

            Portanto os fenômenos básicos do Espiritismo se dão sempre e mantêm vivas as religiões em toda a face do planeta. São as comunicações de santos que enchem a literatura católico-romana e sustentam a fé nos fieis. Uma das formas de comunicação mais comuns entre os católicos são as curas de enfermidades obtidas por intercessão de um santo. Cada santo tem a sua história de curas milagrosas bem documentada. É a mais comum, mas não a única. As aparições de mortos aos vivos são registradas nos anais da Igreja e em muitos processos de canonização.

            Fora de discussão, pois, está que os mesmos fenômenos do Espiritismo são igualmente do Catolicismo e de todas as religiões. Outra coisa, porém, é a filosofia propriamente dita. Os Espíritos sempre se comunicaram em todos os meios e em todos os tempos mas a formação da filosofia espírita é recente e foi elaborada pelo confronto das comunicações de muitos Espíritos em muitos lugares, não em fatos isolados de indivíduos que se manifestam.

            Virá a ser universalmente aceita a filosofia espírita, assim como está aceita a "ciência", isto é, o conhecimento das manifestações de mortos? A ciência consiste no conhecimento da verdade bem verificada e não passa além. A filosofia, porém, vai muito além e justifica a religião, esclarece os caminhos a percorrer, estabelece regras de conduta, transforma o indivíduo e consequentemente as coletividades.

            A universalidade dos mesmos fenômenos até agora não conduziu à unidade de crenças, deixou a humanidade dividida em múltiplas seitas, que reciprocamente se hostilizam e cada uma delas pretendendo o monopólio exclusivo da verdade. Virá o Espiritismo a reunir todos os filhos de Deus sob uma única bandeira no futuro? Para
esta pergunta procuramos resposta nas comunicações dos Espíritos superiores. Em 1857 apareceu a primeira edição de "O Livro dos Espíritos"; logo há mais de 85 anos que foram escritas as palavras que vamos ler.

            Sob o número 798, Allan Kardec pergunta: "O Espiritismo se tornará crença comum ou ficará sendo partilhado, como crença, apenas por algumas pessoas?"

            Resposta dos Espiritos:

            "Certamente que se tornará crença geral e marcará nova era na história da humanidade, porque está na natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos. Terá, no entanto, que sustentar grandes lutas, mais contra o interesse, do que contra, a convicção, porquanto não há como dissimular a existência de pessoas interessadas em combate-lo, umas por amor próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como virão a ficar isolados, seus contraditores se sentirão forçados a pensar como os demais, sob pena de se tornarem ridículos".

            A essas palavras ditadas do Alto há perto de um século, poderíamos juntar hoje a luz da experiência. O número de estudiosos do Espiritismo cresceu sempre e vem formando uma literatura imponente. Nota-se pelos serviços de livraria que os intelectuais, os pensadores, tomam interesse cada vez maior por esse estudo. A literatura dos adversários, contestando o Espiritismo, tem diminuído sempre. Hoje no Brasil não há um livro, contra o Espiritismo, em pleno vigor, esgotando edições. Todos os que apareceram, viveram pouco tempo e desapareceram. Ao contrário, os livros de defesa do Espiritismo se contam sempre vivos, sempre no cartaz, esgotando edições, há mais de meio século. Há obras espíritas em português que já alcançaram muitas edições e continuam em pleno vigor. Há obras novas que já esgotaram diversas edições. Referimo-nos somente ao Brasil, por falta de dados seguros para examinar o assunto noutros países; mas, a situação em outros países é muito semelhante à nossa: o combate contra o Espiritismo diminui e a propaganda cresce. Não seria exagero dizermos que, sobre o Espiritismo, se esgotam mais livros do que sobre todos os outros movimentos religiosos juntos, com exceção somente da Bíblia entre os protestantes. A Bíblia, porém, é aceita pelos espíritas como obra de interesse a favor do Espiritismo, e não como obra contrária.

            Esse crescimento constante da literatura espírita e sua aceitação cada dia maior demonstra que o nosso movimento ganha terreno entre os intelectuais, entre os pensadores, isto é, entre os homens que consciente ou inconscientemente dirigem a humanidade. Em outras palavras: como movimento intelectual, o Espiritismo já ocupa
um dos primeiros lugares entre os movimentos religiosos do mundo, se bem que como movimento social, sua posição ainda seja modesta.

            A influência social do Espiritismo é ainda pequena e disso temos prova nas guerras que se desencadeiam por toda parte. Quando a influência social do Espiritismo for grande, a guerra será abolida da face da terra. Ninguém pode supor que os espíritas de um país se reúnam de armas na mão para atacar os espíritas de outro país. O triunfo do Espiritismo será o estabelecimento da paz universal. Talvez esse futuro esteja longe, mas virá um dia.

            Para o momento, o que mais nos interessa é verificar se o Espiritismo tem assegurado o seu futuro, se não está sujeito a que algum Constantino o ponha a serviço de sua política, matando-o assim.

            Em muitos países a propaganda do Espiritismo é proibida e nisso não há grande mal, porque seria impossível harmonizar o ideal espírita com o ideal político de tais países. É mesmo preferível desaparecer da propaganda pública, a ter que se submeter a ideologias completamente opostas às do Cristianismo. Dizemos da "propaganda pública" porque a propaganda privada é feita pelos Espíritos e não está sujeita a limitação alguma dos Estados. Na Alemanha, na Itália, na Rússia, no Japão, apesar, de todas as proibições, os Espíritos se comunicam e não podem ser presos, nem fuzilados, nem queimados. Somente, as comunicações não podem ser publicadas, permanecem nos lares, nas rodas íntimas, esperando o tempo oportuno para se divulgarem.

            Semelhante proibição, e mais violenta ainda, teve o Cristianismo nos primeiros séculos, mas isso não impediu a sua perpetuação no mundo. Mais perseguido ainda do que o Cristianismo tem sido o Judaísmo, e não desapareceu do mundo.

            O Espiritismo igualmente não desaparecerá nem mesmo nos países onde é violentamente perseguido, e sempre permanecerá a liberdade em alguns pontos do planeta para conservar a nossa literatura. Hoje em todos os países da América, na Grã-Bretanha e em outros lugares, é livre a propaganda espírita. Assim, pois, o futuro do Espiritismo está assegurado no mundo todo, porque não cremos que o mundo todo venha a cair em poder da tirania, e porque a tirania é impotente para impedir as manifestações dos Espíritos.

            Graças a Deus, em nossa Pátria, desde os tempos do Império até os nossos dias, foi sempre assegurada aos espíritas ampla liberdade de propaganda. Nem durante os estados de guerra, quando todas as liberdades individuais sofrem limitações em favor do bem comum, sofremos qualquer limitação de ensinar e pregar da tribuna e da imprensa as consoladoras verdades do Espiritismo. Cumprem-se, portanto, as profecias escritas há 85 anos passados e o Espiritismo se vai incorporando aos conhecimentos humanos que hão de estabelecer uma nova era para a humanidade. Os fenômenos multiplicam-se dentro e fora das nossas fileiras; e os fenômenos são fatos e os fatos não se destroem com palavras.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Médiuns e Mediunidade


Médiuns e mediunidade
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Março 1951

            Em todo ser humano existe uma faculdade que lhe é peculiar, a que todos chamamos mediunidade. Assim, o homem é uma espécie de antena, mais ou menos sensível, em condições, portanto, de captar com variável precisão as infinitas ondas vibratórias que se espalham em nosso ambiente terrenal, ondas que tanto podem ser inferiores, como plenas de sabedoria e amor. Não nos esqueçamos de que o verdadeiro significado de mediunismo é percepção espiritual.

            Há indivíduos que não se julgam médiuns no sentido geralmente emprestado a este vocábulo, mas que, no entanto, são dotados de uma percepção espiritual muito acentuada. Suas vibrações, harmonizando-se de maneira tão perfeita com as das entidades do Além, veiculam ideias e pensamentos desses invisíveis, deixando-os absolutamente convictos de que estão externando seus próprios pensamentos e ideias.
            Há criaturas que, sem o saberem, são médiuns notáveis, ora reproduzindo magníficas frases musicais que lhes soam distintamente aos ouvidos; ora compondo versos encantadores que bailam, voluteiam em suas mentes, sem que saibam, em verdade, explicar o porquê de tais fenômenos. No intuito, porém, de lhes darem uma explicação, apelam simplesmente para a tão decantada inspiração. Mas o certo é que os negadores do mediunismo se limitam a dizer que a inspiração é um sentimento que nasce espontaneamente no coração, no espírito. E criaram, então, talvez sugestionados pela mitologia da antiga Grécia, as figuras do gênio, da musa, da música, como verdadeiras deusas.

            Mozart, por exemplo, esse grande musicista que aos seis anos de idade já assombrava os meios cultos da velha Europa, com suas geniais produções, respondendo certa ocasião à pergunta que lhe fizeram, isto é, qual a maneira ou método que seguia para compor, limitou-se a dizer: “Quando me acho em boas disposições, completamente só, durante o meu passeio, as inspirações musicais vêm com abundância. A verdade, porém, é que não sei explicar de onde nem como vêm”.

            Beethoven, o magistral compositor das famosas sonatas, tinha o dom de escutar as harmonias siderais, e vibrante de emoção as reproduzia, tanto quanto lhe permitia a gama musical da Terra., rudimentar em confronto com as infinitas tonalidades e consequentes acordes inteiramente impossíveis de ser por nós obtidos, dado o baixo teor potencial vibratório do meio em que vivemos, pois, como se sabe, as notas musicais são efeitos de ondas vibratórias e os acordes mais agradáveis aos nossos ouvidos compõem-se de notas que produzem por exemplo 400, 500, 600 e 800 ondas por segundo. Daí, sem dúvida, o ter Schumann escrito este pensamento, que se encontra em sua correspondência: “Tenho por vezes ímpetos de esmagar o meu piano, cada dia mais incapaz, na sua estreiteza, de conter a minha ideia”. E essa idem era indubitavelmente o eco das sonorosas harmonias siderais que ele, médium sem o saber, percebia, deslumbrado, sem as poder reproduzir através do teclado de seu piano.

            Os grandes e reais artistas são médiuns videntes e audientes que sofrem extraordinariamente, pelas impossibilidades de reproduzirem aquilo que ouvem e veem.

            Leão Tolstoi foi, sem a menor sombra de dúvida, um médium. Com cinco anos de idade concluíra que a vida “não era um período de divertimento, mas uma tarefa muito pesada”.

            Shakespeare, nome mundialmente conhecido, hoje sabemos ter sido possuidor de notáveis faculdades mediúnicas. Henri Thomas, em sua “História da Raça Humana” referiu-se ao extraordinário autor de "Hamlet", entre outras coisas, disse: “Compreender Shakespeare é compreender o complexo mistério da Criação, pois suas peças são a reprodução, em miniatura, de todo o drama estupendo da vida. Santayana fez notar, num de seus sonetos, que Deus dobrou a Criação ao criar Shakespeare”.

            “Shakespeare foi um homem dotado de pensamentos e da linguagem de um Deus. No entanto, externamente, sua vida foi tudo, menos divina - A carreira desse grande poeta foi uma das menos poéticas do mundo”.
................................................................................................

            “Os críticos transformaram-no em católico e ateu, patriota e pacifista, pregador e cínico humanitário e misantropo, realista "snob" e democrata utópico. Ele não era nada disso e, no entanto, bastante paradoxalmente, era tudo isso”.

            Vamos transcrever, para melhor documentarmos ainda a mediunidade de Schumann, a seguinte carta por ele escrita, em 7 de Abril de 1839, a Clara Wieck:

            “Já te contei o triste pressentimento que me assaltou entre 24 e 27 de Março, enquanto escrevia minha nova composição. Nessa obra encontrarás uma frase repetida com insistência; parece alguém a suspirar do mais fundo do coração. Durante o improviso vi cortejos fúnebres, esquifes e gente em desespero e, ao terminar esse ciclo de quatro peças, procurei durante largo tempo um título, que lhe conviesse; ocorreu-me o de “Fantasia fúnebre". Não achas isto curioso? Enquanto trabalhei, senti-me tão comovido que me vieram, sem motivo e sem eu saber porquê, as lágrimas aos olhos. Horas depois chegou-me a carta de Teresa... Só então compreendi o motivo da minha emoção”.

            Note-se que a carta de sua irmã Teresa, a que Schumann se refere, continha a notícia que seu irmão Eduardo se achava em agonia, falecendo pouco depois.

            A aptidão para o mediunismo, como aliás todas as aptidões humanas, precisa cultivada com muito carinho e devotamento. E os nossos Maiores do Além asseveram, mesmo, ser necessário santificar-se essa qualidade, isto é, convertê-la no ministério ativo do bem. Daí o concluir-se que todos os que desejam manter salutar intercâmbio com as esclarecidas entidades do Além devem, antes de tudo, higienizar os seus sentimentos, moderar seus impulsos, refrear suas paixões pelas coisas mundanas e, sobretudo, alimentar a chama sagrada do amor. Porque inúteis serão sempre as nossas rogativas de luz se nos preservamos nas sombras, baldados serão os nossos pedidos de felicidade se continuarmos semeando sofrimentos.

            Há inúmeros casos de pessoas que praticam o mediunismo, ignorando, por completo, as obras básicas da nossa doutrina, e por essa falta de conhecimento é comum vermos, diariamente, médiuns que poderiam ser magníficos veículos, para esse intercâmbio espiritual, ficarem inteiramente inutilizados.

            Precisamos ter sempre em mente este sábio conselho que um bondoso mensageiro do Além nos ofereceu: “Não provoqueis o desenvolvimento prematuro de vossas faculdades psíquicas. Ver sem compreender e ouvir sem discernir pode ocasionar desastres vultosos ao coração. Buscai, acima de tudo, progredir na virtude e aprimorar sentimentos. Acentuai o próprio equilíbrio e o Senhor vos abrirá a porta dos novos conhecimentos!”

            É por isto que os espíritas e especialmente os médiuns espíritas carecemos ler e meditar profundamente as obras de Kardec, a fim de que cientes e conscientes das grandes responsabilidades que pesam sobre os nossos ombros, saibamos comportar-nos com galhardia e fé, em todos os momentos acidentados de nossa marcha em busca do progresso espiritual!

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Caminhemos pela estrada estreita



Caminhemos pela estrada estreita
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Janeiro 1951

Os adeptos da Terceira Revelação podem ser classificados em duas categorias distintas: a dos que se limitam a tomar parte em trabalhos práticos, cuja magnificência os empolga, mas sem leva-los a qualquer modificação do ritmo vibratório de seus corações, e a dos que já passaram da fase do deslumbramento e da curiosidade para a da exemplificação. Estes são os que apreciam os diversos panoramas, através de um critério diferente do comumente seguido pela maioria, por compreenderem que a maldade e os vícios são frutos exclusivos da ignorância. Seu dever, portanto, é o de levar, aos que vivem em pecado, a luz da verdade. E o fazem sempre com brandura, com amor e discrição.

Praticar o Espiritismo pela palavra escrita ou falada é, sem sombra de dúvida, uma missão árdua, necessária e digna de encômios. O certo, porém, é que os ventos levam, com facilidade, as palavras orais e as traças destroem impiedosa e serenamente as que são lançadas ao papel.

O Espiritismo, quando escrito com a pena da sinceridade e sobre o pergaminho do exemplo, é palavra invulnerável aos vendavais dos interesses e do indiferentismo dos homens; palavra que as traças jamais conseguirão destruir, porque fala diretamente aos corações e, por isto, todos a entendem e não dá margem a interpretações dúbias e sofísticas.

O Batista certa vez enviou dois de seus discípulos a Jesus; a fim de que dele indagassem se Ele era realmente o Messias, o Cristo do Senhor! E qual foi a palavra do divino Mestre em resposta a essa inquirição? “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, aos pobres anuncia-se lhes o Evangelho.”

O espírita teórico consome horas a fio no propósito de demonstrar a superioridade da Doutrina, alinha opiniões de homens sábios e santos, arma hábeis silogismos, põe em prova toda a sua erudição e inteligência, enfim, argumenta por “a” mais “b” que fora da Caridade não há salvação. Ao final de sua oração estrugem os aplausos, o entusiasmo eletriza as multidões, o orador é abraçado, felicitado e até apontado como grande apóstolo! E depois de todo esse verbalismo, os homens retomam aos lares, às lutas de cada dia e dizem: - palavras bonitas, nobres, sublimes mesmo, mas, na vida real quem as poderá pôr em prática, se longe estamos de ser um Cristo, um Paulo de Tarso, um Simão Pedro, um Estêvão? Será que esse orador, continuam eles dizendo, que tão inspiradamente evidenciou a necessidade de sermos bons, fraternos, humildes, corajosos diante dos sofrimentos: invulneráveis às influências do orgulho, da ambição e da vaidade não baqueará na hora da comprovação dessas lições grandiosas?

Quem, no entanto, prega com o exemplo, semeia a boa semente. Um simples gesto supera as mais exaustivas pregações!

           Falar é questão de exercício, de gosto pela leitura e de boa memória, mas executar o que se diz, em momento de entusiasmo oratório, é evidentemente coisa muito difícil. Tanto que é comum o dizer-se: faze o que eu digo e não o que eu faço.

Já Confúcio, esse extraordinário espírito que peregrinou pela Terra, mais ou menos no ano 500 antes de Jesus-Cristo, afirmava que “uma grande pobreza de ações encontra-se muitas vezes junto da opulência das palavras".

A palavra de Jesus era simples, concisa, branda, sem afetação, e essa palavra empolgava as multidões, tocava fundo os corações dos homens, chamando-os ao exercício da fé, ao trabalho da reforma moral, à prática do amor" E o milagre da sua palavra estava precisamente na maneira por que ele se conduzia, sempre em
plena concordância com seus ensinamentos.

Ele pregava a humildade, e foi a expressão máxima da humildade. Nasceu em uma manjedoura, aprendeu de José o ofício de carpinteiro, lavou os pés de seus discípulos, viveu sempre entre os pequeninos, os pobres, os enfermos do corpo e da alma. Pregava a necessidade de termos fé e confiança em Deus, e durante todo o seu missionato foi um exemplo edificante de fé n’Aquele que o enviou. No momento culminante da epopeia do Calvário bradou: Pai! em tuas mãos entrego meu espírito! Pregava o amor e por esse amor à Humanidade deixou-se imolar no madeiro infamante.

O espírita cristão só o é em verdade quando no lar, na oficina, na sociedade, enfim, em toda a parte e em todas as horas, prega a palavra - exemplo.

Em nossas reuniões é costume exaltarmos os ensinos de Jesus e, não obstante, crucificamo-lo diariamente no Gólgota das intransigências, das paixões sectaristas, do separativismo, enfim, crucificamo-lo com a nossa falta de amor ao próximo.

Eis porque os nossos amigos que já se encontram na Espiritualidade, e que, por isso mesmo, podem falar com autoridade e melhor transmitir as verdades divinas, dizem que a nossa “simplicidade solucionará problemas para muita gente", que a nossa “indiferença fará manifesta frieza nos outros”, que o nosso “desejo sincero de paz garantirá tranquilidade no caminho”.

E em nossa lembrança viverão sempre as admiráveis palavras de Emmanuel, esse Espírito que tanta luz tem espargido sobre nós: “Todos podem transmitir recados espirituais; mas para imantar corações em Jesus-Cristo é indispensável sejamos fiéis servidores do bem, trazendo o cérebro repleto da inspiração superior e o coração inflamado na fé viva”.

Jesus, ao instruir seus discípulos a respeito da maneira segura de eles se conduzirem no mundo, disse: que jamais tomassem o caminho largo por onde anda toda a gente, levada pelos interesses fáceis e inferiores; mas que buscassem a estrada escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos. Disse-lhe, também:
que se ninguém os recebesse, nem desejasse ouvir-lhe as instruções, que se retirassem, sacudindo antes o pó das sandálias, isto é, sem conservarem nenhum rancor e nem se contaminarem da alheia iniquidade.

Caminhemos nós, espíritas, pela estrada estreita do exemplo edificante, sem nos preocuparmos com as pedras que os ignorantes possam atirar-nos. Que o nosso revidar seja sempre e sempre o da piedade e do amor, e que intimamente os perdoemos, pois que ontem também vivêramos, como eles, em completo desconhecimento da lei grandiosa do Amor!

Iniciemos, com o surgir do Novo Ano, a nossa caminhada decisiva, através da estrada escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos, esquecidos completamente das riquezas do mundo, para rogarmos, apenas, farta messe de trabalho produtivo e muito ânimo para executá-la!


sábado, 23 de março de 2019

Maravilhas do Evangelho



Maravilhas do Evangelho
por Sílvio Brito Soares
Reformador (FEB) Junho 1962

            Em suas peregrinações pela Galileia, era hábito de Jesus pregar nas sinagogas e curar, com a força magnética de seus fluidos, muitos dos chamados endemoninhados, isto é, criaturas sujeitas à vontade de Espíritos maléficos.

            Certo dia, um jovem, então empolgado com a pregação do Mestre e com os prodígios que operava, não mais pode sopitar os anseios de sua alma e, por isso, dirigiu-se a Jesus, dizendo-lhe resumidamente: - Seguir-te-ei, Senhor!

            A verdade, porém, é que os homens, mesmo nos momentos de arrebatamento, têm sempre na vida um "mas", uma restrição, e isto porque ainda se conservam escravizados às coisas do mundo!

            Esse mancebo, após prometer ao Divino Mestre que o acompanharia em sua jornada de amor e luz, acrescentou, apressado, um "mas", isto é, que Jesus lhe permitisse ir antes despedir-se dos que se encontravam em casa:  A resposta de Jesus há de causar surpresa aos espíritos pouco afeitos às sutilezas das palavras, que bem representam um símile perfeito das criaturas. Quem vê um homem finamente vestido, de maneiras delicadas, não acredita que seu coração seja uma usina de ódios, intemperanças e imoralidades. E quantas vezes nos enganamos nós, presumindo que este ou aquele maltrapilho é um vagabundo, um malfeitor vulgar, quando, em verdade, em sua alma rebrilha a luz encantadora do amor e da honestidade!

            Muita gente tem lido e relido as palavras constitutivas da resposta de Jesus, sem atinar com o seu conteúdo espiritual, com a beleza de seus ensinamentos.

            Mas qual foi a resposta do Messias a que estamos aludindo? Apenas esta: - Quem empunha o arado e torna a olhar para trás, não é apto para o reino de Deus.

            É bem certo que escritores mal avisados, levianos em suas apreciações apressadas, têm feito reparos a essa resposta, porque, dizem eles, Jesus, assim falando, está implicitamente pregando a secura de coração, despedaçando os ternos laços da família.

            Ora, não é crível, absolutamente, que o Divino Enviado tivesse o propósito de aconselhar tamanho absurdo. O espírito dessas suas palavras é outro bem diverso. Faz-nos sentir ser necessário não olhar para trás quando nos encontremos na estrada do bem, evitando, destarte, que algo nos possa despertar desejos menos dignos, retendo-nos em suas malhas traiçoeiras.

            Quem põe a mão no arado para remover as suas inferioridades, não pode dele retirá-la, sob pena de perder o esforço até então despendido. Amparado, disse culto irmão da Espiritualidade, promete serviço, disciplina, aflição e cansaço, “no entanto, não se deve esquecer que, depois dele, cheguem as semeaduras e colheitas, pão no prato e celeiros guarnecidos.”

            Portanto, meu irmão ou minha irmã, se te não só atende de pronto, como ainda o elogia, dizendo: “Em verdade vos afirmo que não encontrei tão grande fé, nem mesmo em Israel.”

            Em colóquio com uma samaritana de má vida, junto ao poço de Jacó, revela, pela vez primeira, ser o Messias prometido.

            Aos apóstolos, ainda demasiadamente intolerantes, que lhe fazem esta queixa: “Mestre, encontramos um homem que expulsava demônios em teu nome, mas não é do número dos nossos; e nós lho proibimos”, responde: “Não lho proibais; quem expulsa demônios em meu nome não é meu inimigo”, provando, uma vez mais, que o seu espírito universalista aceita, de bom grado, as manifestações de fé e de bondade, venham elas de onde vierem!

            Nem foi outra a razão por que Pedro, sob a inspiração do Alto, houve por bem proclamar: “Tenho na verdade alcançado que DEUS NÃO FAZ DISTINÇÃO DE PESSOAS; EM TODA NAÇÃO, AQUELE QUE O TEME E OBRA O QUE É JUSTO, ESSE LHE É ACEITO.” Vem de longe, em dano para a cristandade, a funestíssima ideia de que o reino de Deus seja uma espécie de sociedade eclesiástica, organizada segundo os padrões hierárquicos do império romano, e que, para ingressar nesse reino, o que se tem a fazer é ser batizado, mesmo inconsciente, aceitar meia dúzia de dogmas teológicos e participar, vez por outra, de determinadas cerimônias e rituais. Quem satisfaça essas formalidades burocráticas, pode considerar-se perfeitamente quite com seus deveres religiosos, e, quando lhe chegue a morte, terá a alegria de ver o Senhor vir pegá-lo pela mão, para introduzi-lo, com as honras de estilo, na mansão celestial.

            Não é isso, todavia, o que o Cristo nos ensina em seu Evangelho.

            Declara ele, claramente, que o reino de Deus não tem aparência exterior, não é um lugar no espaço que alguém possa apontar e dizer: ei-lo aqui ou ei-lo acolá. E acrescenta: “O reino de Deus está dentro de vós”, deixando bem claro que é um estado íntimo, de justiça (retidão de caráter), paz e alegria espiritual, como o interpretou o Apóstolo dos gentios.

            Esse estado de felicidade se acha latente em todos os homens e se vai desenvolvendo, crescendo, integrando-se, à medida que aprendam a cumprir a vontade de Deus, aplicando suas melhores forças morais, intelectuais e afetivas na produção do Bem, na prática do Amor Universal.

            Ora, sendo as almas humanas “imagem e semelhança” do Criador, ao influxo da lei do progresso e por via do processo reencarnatório, todas hão de alcançar um dia a perfeição, e esse ascenso universal, que é absolutamente certo, significa, em última análise, a derrota final de Satanás (egoísmo personalista) diante do Supremo Bem, que é DEUS!

domingo, 16 de setembro de 2018

Públius Lêntulus



Públio Lêntulus
por Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Agosto 1944

Quantos anos já são passados daquela manhã primaveril, em que o velho e sisudo professor, com gesto comedido, contava aos seus alunos a fábula de La Fontaine, intitulada "O Lóbo e o Cordeiro"!..

Jamais a esqueci, como também nunca olvidei a sua paternal advertência: "Meus filhos, neste mundo em que vocês, amanhã, irão trabalhar com dignidade e amor à verdade, existem, infelizmente, muitos lobos como o da fábula a que me referi".

*

As produções mediúnicas de Francisco Cândido Xavier vêm, de ano para ano, se enriquecendo com trabalhos notáveis e sobre eles a crítica sincera e desapaixonada não pode deixar de reconhecer o seu real valor. Surgiram, agora, alguns desafetos da doutrina espírita e que, procedendo como o lobo da fábula, atacam essas obras mediúnicas com a estulta pretensão de invalidá-las. Assim intencionados, com fumaças de sabichões, ei-los apontando erros de português - inexistentes - ou, então, possíveis falhas gravíssimas em suas referências históricas.

Houve mesmo quem prometesse um doce à pessoa que descobrisse ter Públius Lêntulus (personagem citada no "Há Dois Mil Anos", de Emmanuel) governado a Judéia no tempo de Jesus Cristo, embora nessa obra não se encontre afirmativa alguma de que Públius Lêntulus houvesse sido governador da Judeía.

E satisfeitos verificamos no "Diário de Notícias" de 21 do mês de julho, e publicado pelo Sr. Silvano Cintra de Melo, em resposta a essa interpelação, o interessante artigo que, "data vênia", passamos a transcrever:

O Sr. Atila Pais Barreto, em seu ineditorial de 18 deste mês, tecendo comentários em torno das obras psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier, prometeu "um doce" a quem descobrisse que Públius Lêntulus governara a Judéia no tempo do Cristo. Vou atender a essa sua solicitação, não atraído pelo "doce" prometido, possivelmente envenenado, como venenosa foi a sua crítica, e sim para que, de futuro, não se mostre o ilustre articulista tão afoito em suas assertivas.

Em "La Grande Encyclopedie" - tome 22 - Editeur, H. Lamirault et Cie., Paris, e "Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana", tomo XXIX, Editores, Hijos de J. Espasa, Barcelona, lê-Se o seguinte: "PUBLIUS LENTULUS – Suposto predecessor de Pôncius Pilatos, na Judéla, a quem é atribuída a autoria de uma carta dlrigida ao Senado e povo romano, relatando a existência de Jesus Cristo." A Enciclopédia espanhola adianta mais: "Por essa carta, Públius Lentulus oferece pormenores sobre o aspecto exterior de Jesus e de suas qualidades morais, terminando-a com a afirmatIva, de que o Cristo era "o mais formoso dos filhos dos homens". A origem deste documento é desconhecida; o certo é que foi impresso pela primeira vez na "VITA CHRISTI", de Ludolfo Cartujano (Colônia, 1474) e, pela segunda vez, na Introdução às obras de Santo Anselmo (Nuremberg, 1491)".

Caso o douto articulista Pais Barreto deseje conhecer, na íntegra, essa presumida carta escrita por Públlus Lêntulus, eu recomendo manusear a coleção de "Lar Católico", creio que do ano de 1940, e lá encontrará, então, um interessante artigo subscrito por Frei Benvindo Destefani, O, F, M. e no qual esse religioso insere o conteúdo da carta em lide, E é só. Houvesse ainda, em nossos dias, o uso da palmatória...”

Se, como pretende o Sr. Pais Barreto, as obras de Chico Xavier nada têm de mediúnicas, sendo simples fantasias suas, de pronto nos acode perguntar, porque esse "suposto" médium não escolheu Pôncio Pilatos, por exemplo, em vez do senador romano Públius Lêntulus, evitando destarte quaisquer reparos por parte da crítica? Deve, sem dúvida, causar impressão a qualquer pessoa de bom senso o fato de inúmeras criaturas cultas desconhecerem ter sido contemporâneo do Cristo esse senador romano, e que Chico Xavier o fosse exumá-lo das cinzas de uma remota civilização, para revivê-lo nessa interessante e comovedora narrativa da vida pregressa de Emmanuel! O certo é que este iluminado Espírito, responsável pela obra "Há Dois Mil Anos", limitou-se a ditar a verdade dos acontecimentos então ocorridos, pouco se lhe dando a ignorância humana. Que a História silencie o nome desse senador, nada mais natural porque a sua vida política não foi aureolada com qualquer atitude digna de nota pelos historiadores.

Foi ele um senador como muitos outros de sua época e cujos nomes se perderam na noite dos tempos. Ainda recentemente em nosso País era comum; quando, por motivos particulares, um alto servidor público necessitava ir, digamos, à Europa ou aos Estados Unidos, confiar-se lhe uma comissão qualquer, maneira indireta de se lhe custear as despesas, Com Públius Lêntulus sucedeu a mesmíssima coisa; motivos de família impeliam-no a transferir-se para a Palestina, e César desejando ser-lhe agradável, e para de algum modo justificar sua ausência de Roma com a percepção de vencimentos, confiou-lhe a incumbência de permanecer nessa região da Ásia Menor, como seu e também emissário especial do próprio Senado. Onde não existem as nuvens tendenciosas dos interesses subalternos, tudo é claro e perfeitamente compreensível!

*

A Bierce, com ou sem razão, declarou que "a História é uma narração quase sempre mentirosa, de fatos quase sempre insignificantes, realizados por governantes quase sempre marotos e por soldados quase sempre imbecis." Eu prefiro comparar a História a uma respeitável anciã que, pela sua idade muito avançada, tem já a memória demasiadamente enfraquecida. Esquece-se, a todo momento, de contar episódios curiosos da sua vida. Senão, vejamos: O Sr. Antônio Neves Mesquita, em sua obra - "Estudos no Livro de Gênesis" - relata o seguinte: "Os grandes guerreiros Sargão II, Esaradon, Tiglat-Falasar, Assurbanipal, Nabucadrezar, Ciro, Dario e uma lista de outros, não eram conhecidos há dois séculos passados. e por conseguinte não era conhecida a sua história. Isto bastou para que a Bíblia fosse impugnada como contrária à História, falsa, lendária, etc. Quem ousaria hoje afirmar tal coisa? A Arqueologia encarregou-se de desenterrar todas estas civilizações e fazê-las viver em nosso século.

Se, há alguns anos, em comunicação mediúnica, um Espírito dissesse chamar-se Akhenaten e que fora rei da décima oitava dinastia egípcia, naturalmente surgiria um Pais Barreto qualquer a proclamar a inverdade dessa comunicação, a flagrante mistificação do médium, porque a História não consigna houvesse, naquela dinastia egípcia, existido rei algum com esse nome!

E no entanto, agora, em nossos dias, a Arqueologia veio apresentá-lo ao mundo. Esse Ahkenaten fora filho de Amenhotep III, mas a História o registrara, apenas, como Amenhotep IV!!!

Grande psicólogo esse senhor La Fontaine!

Suas fábulas continuarão, ainda por muitos séculos, oferecendo-nos o retrato perfeito desses "lobos" que desejando inutilizar uma obra de amor e de verdade, como a do Espiritismo, não trepidam em lançar mão de motivos absurdos, mas perfeitamente justos em seu entender faccioso e apaixonado.

E quanta verdade encerra este pensamento de Le Sage - "Quando a paixão entra pela porta, a razão sai pela janela!


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Contra ou a favor?




Contra ou a favor?
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Maio 1976

A cerca de Alcindo Guanabara, grande jornalista, há uma estória que se popularizou.

José Carlos Rodrigues, redator-chefe do "Jornal do Commercio", costumava, às sextas-feiras santas, publicar longo artigo sobre a vida do Cristo. Como, porém, estivesse esse redator em viagem, o gerente do jornal chamou Alcindo e lhe pediu um artigo sobre Jesus Cristo. Alcindo aceitou a incumbência. Depois, dizem, de haver dado alguns passos, retornou e perguntou ao gerente:

- Você se esqueceu de dizer-me se o artigo deve ser contra ou a favor.

Carlos de Laet, ao receber D. Silvério, na Academia Brasileira de Letras, aludiu a essa anedota em seu discurso. Isto irritou alguns acadêmicos e deu lugar, naturalmente, a uma questão entre Laet e Félix Pacheco.

Lauro Müller, no entanto, asseverava que a coisa se passara diversamente.
Recebendo a encomenda do artigo, Alcindo Guanabara teria perguntado, aludindo às crenças de José Carlos Rodrigues: - Cristo católico ou protestante?

Este episódio se explica, sem dúvida alguma, em virtude de as religiões existentes se preocuparem mais com seus cultos, com a manifestação externa de suas crenças, do que propriamente com o espírito da Religião, tão bem definida por Jesus, em seu Evangelho. Eis por que o Espírito Emmanuel disse, muito bem, que "os cultos religiosos, por sua feição dogmática, são transitórios como todas as fórmulas de convencionalismo humano".

Só a Religião pregada e praticada pelo Divino Enviado não sofre qualquer modificação no tempo e no espaço, porque ela é AMOR, e somente o amor tem a força incoercível de conduzir o homem à presença de nosso Pai Celestial.

*

Mas, voltando à explicação de Lauro Müller, no tocante à estória a que acima nos referimos, acreditamos sinceramente que Alcindo Guanabara desejava saber apenas, a fim de conduzir seu artigo, se José Carlos Rodrigues era católico ou protestante, tanto que Luiz Edmundo, em sua obra "O Rio de Janeiro de meu tempo", referindo-se a esse grande jornalista que foi Alcindo Guanabara, disse ser ele "sisudo e infenso a relações banais”.

Arredio e grave, como uma cegonha, de ar ensimesmado e triste. Como jornalista, não queria saber de assuntos que não fossem sérios, quando escrevia: problemas sociais, questões de economia ou de finanças, religião e política. Antes de terminar o século, já era um grande nome no nosso jornalismo, como os de Bocaiúva, de Rui, de Ferreira de Menezes, de Araújo, de Patrocínio.

"Tanto no início de sua carreira, como no apogeu, foi sempre o mesmo. O mesmo na indumentária e na conduta espiritual, com a mesma barba, as mesmas idéias, os mesmos óculos, a mesma sobrecasaca, a mesma gravidade.

"De novo, a bem dizer, só nos revelou certas tendências espíritas que, aliás, conservou até fechar os olhos.

"Em companhia de Luís Murat, Alberto de Oliveira e outros próceres da literatura nacional, ia muito ao grêmio União Caridade, à Rua Silva Jardim, 9, onde se reuniam os mais convencidos adeptos da Doutrina Kardequiana.

"É a mesinha dos três pés, horas e horas em confabulação com o astral...

"Não discutia, porém, o Espiritismo que professava. E na prática estrita da moral da seita, marchava sereno e bom, sem um deslize."

*

Era natural que o apreciado escritor Luiz Edmundo, sem o indispensável conhecimento da Codificação Kardequiana, considerasse o Espiritismo uma seita, quando, na verdade, ele é a Religião, como muito bem acentuou Allan Kardec, que dispensa dogmatismos, sacramentos, sacrifícios, sacerdócio. É a revivescência do verdadeiro Cristianismo do tempo de Jesus.

"O que se faz preciso na vossa época, disse o esclarecido Espírito Emmanuel, é estabelecer a diferença entre Religião e religiões.

"A religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador. As religiões são organizações dos homens, falíveis e imperfeitas como eles próprios; dignas de todo o acatamento pelo sopro de inspiração superior que as faz surgir, são como gotas de orvalho celeste, misturadas com os elementos da terra em que caíram. Muitas delas, porém, estão desviadas do bom caminho pelo interesse criminoso e pela ambição lamentável dos seus expositores; mas a verdade um dia brilhará para todos, sem necessitar da cooperação de nenhum homem."


sexta-feira, 25 de maio de 2018

Públius Lêntulus



Públius Lêntulus
por Sylvio Britto Soares
Reformador (FEB) Agosto 1944

Quantos anos já são passados daquela manhã primaveril, em que o velho e sisudo professor, com gesto comedido, contava aos seus alunos a fábula de La Fontaine, intitulada "O Lobo e o Cordeiro"!..

Jamais a esqueci, como também nunca olvidei a sua paternal advertência: "Meus filhos, neste mundo em que vocês, amanhã, irão trabalhar com dignidade e amor à verdade, existem, infelizmente, muitos lobos como o da fábula a que me referi".

As produções mediúnicas de Francisco Cândido Xavier vêm, de ano para ano, se enriquecendo com trabalhos notáveis e sobre eles a crítica sincera e desapaixonada não pode deixar de reconhecer o seu real valor. Surgiram, agora, alguns desafetos da doutrina espírita e que, procedendo como o lobo da fábula, atacam essas obras mediúnicas com a estulta pretensão de invalidá-las. Assim intencionados, com fumaças de sabichões, ei-los apontando erros de português - inexistentes - ou, então, possíveis falhas gravíssimas em suas referências históricas.

Houve mesmo quem prometesse um doce à pessoa que descobrisse ter Públius Lêntulus (personagem citada no "Há Dois Mil Anos", de Emmanuel) governado a Judéia no tempo de Jesus Cristo, embora nessa obra não se encontre afirmativa alguma de que Públius Lêntulus houvesse sido governador da Judéia. E satisfeitos verificamos no "Diário de Notícias" de 21 do mês de julho, e publicado pelo Sr. Silvano Cintra de MeIo, em resposta a essa interpelação, o interessante artigo que, "data vênia", passamos a transcrever:

O Sr. Átila Pais Barreto, em seu ineditorial de 18 deste mês tecendo comentários em torno das obras psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier, prometeu "um doce" a quem descobrisse que Públius Lêntulus governara a Judéia no tempo do Cristo. Vou atender a essa sua solicitação, não atraído pelo "doce" prometido, possivelmente envenenado, como venenosa foi a sua critica, e sim para que, de futuro, não se mostre o ilustre articulista tão afoito em suas assertivas.
Em "La Grande Encyclopedie" - tome 22 - Editeur, H. Lamirault et Cie., Paris, e "Enciclopedia Universal Ilustrada-Europeo-Americana", tomo XXIX. Editores, Hijos de J. Espasa, Barcelona, lê-se o seguinte: "PÚBLIUS LÊNTULUS - Suposto predecessor de Pôncio Pilatos, na Judéia, a quem é atribuída a autoria de uma carta, dirigida ao Senado e povo romano, relatando a existência de Jesus Cristo. A Enciclopédia espanhola adianta mais: "Por essa carta, Públius Lêntulus oferece pormenores sobre o aspecto exterior de Jesus e de suas qualidades morais, terminando-a com a afirmativa de que o Cristo era "o mais formoso dos filhos dos homens". A origem deste documento é desconhecida; o certo é que foi impresso pela primeira vez na VITA CHRISTI", de Ludolfo Cartujano (CoIônia, 1474) e, pela segunda vez, na Introdução às
obras de Santo Anselmo (Nuremberg, 1491)".
Caso o douto articulista Pais Barreto deseje conhecer, na integra, essa presumida carta escrita por Públius Lêntulus, eu recomendo manusear a coleção de "Lar Católico", creio que do ano de 1940, e lá encontrará, então, um interessante artigo subscrito por Frei Benvindo Destefani, O. F. M., e no qual esse religioso insere o conteúdo da carta em lide. E é só. Houvesse ainda, em nossos dias, o uso da palmatória... "

Se, como pretende o Sr. Pais Barreto, as obras de Chico Xavier nada têm de mediúnicas, sendo simples fantasias suas, de pronto nos acode perguntar, porque esse "suposto" médium não escolheu Pôncio Pilatos, por exemplo, em vez do senador romano Públius Lêntulus, evitando destarte quaisquer reparos por parte da crítica?
Deve, sem dúvida, causar impressão a qualquer pessoa de bom senso o fato de inúmeras criaturas cultas desconhecerem ter sido contemporâneo do Cristo esse senador romano, e que Chico Xavier o fosse exumá-la das cinzas de uma remota civilização, para revivê-lo nessa interessante e comovedora narrativa da vida pregressa de Emmanuel! O certo é que este iluminado Espírito, responsável pela obra "Há Dois Mil Anos", limitou-se a ditar a verdade dos acontecimentos então ocorridos, pouco se lhe dando a ignorância humana. Que a História silencie o nome desse senador, nada mais natural porque a sua vida política não foi aureolada com qualquer atitude digna de nota pelos historiadores.

Foi ele um senador como muitos outros de sua época e cujos nomes se perderam na noite dos tempos. Ainda recentemente em nosso País era comum, quando, por motivos particulares, um alto servidor público necessitava ir, digamos, à Europa ou aos Estados Unidos, confiar-se lhe uma comissão qualquer, maneira indireta de se lhe custear as despesas. Com Públius Lêntulus sucedeu a mesmíssima coisa; motivos de família impeliam-no a transferir-se para a Palestina, e César desejando ser-lhe agradável, e para de algum modo justificar sua ausência de Roma com a percepção de vencimentos, confiou-lhe a incumbência de permanecer nessa região da Ásia Menor, como seu e também emissário especial do próprio Senado. Onde não existem as nuvens tendenciosas dos interesses subalternos, tudo é claro e perfeitamente compreensível!

A Bierce, com ou sem razão, declarou que "a História é uma narração quase sempre mentirosa, de fatos quase sempre insignificantes, realizados por governantes quase sempre marotos e por soldados quase sempre imbecis." Eu prefiro comparar a História a uma respeitável anciã que, pela sua idade muito avançada, tem já a memória demasiadamente enfraquecida. Esquece-se, a todo momento, de contar episódios curiosos da sua vida. Senão, vejamos: O Sr. Antônio Neves Mesquita, em sua obra - "Estudos no Livro de Gênesis" - relata o seguinte: "Os grandes guerreiros Sargão lI, Esaradon, Tiglat-Falasar, Assurbanipal, Nabucadrezar, Ciro, Dario e uma lista de outros, não eram conhecidos há dois séculos passados e, por conseguinte, não era conhecida a sua história. Isto bastou para que a Bíblia fosse impugnada como contrária à História, falsa, lendária, etc. Quem ousaria hoje afirmar tal coisa? A Arqueologia encarregou-se de desenterrar todas estas civilizações e faze-las viver em nosso século." Se há alguns anos, em comunicação mediúnica, um Espírito dissesse chamar-se Akhenaten e que fora rei da décima oitava dinastia egípcia, naturalmente surgiria um Pais Barreto qualquer a proclamar a inverdade dessa comunicação, a flagrante mistificação do médium porque a História não consigna houvesse, naquela dinastia egípcia, existido rei algum com esse nome! E no entanto, agora, em nossos dias, a Arqueologia veio apresentá-lo ao mundo. Esse Ahkenaten fora filho de Amenhotep III mas a História o registrara, apenas, como Amenhotep IV!!!

Grande psicólogo esse senhor La Fontaine! Suas fábulas continuarão, ainda por muitos séculos, oferecendo-nos o retrato perfeito desses "lobos" que desejando inutilizar uma obra de amor e de verdade, como a do Espiritismo, não trepidam em lançar mão de motivos absurdos, mas perfeitamente justos em seu entender faccioso
e apaixonado .

E quanta verdade encerra este pensamento de Le Sage - "Quando a paixão entra pela porta, a razão sai pela janela"!!!


sexta-feira, 2 de março de 2018

Uniformidade nos trabalhos práticos de Espirtismo



Uniformidade nos trabalhos práticos de Espiritismo
por Sílvio Brito Soares
Reformador (FEB) Setembro 1947

A religião espírita se diferencia profundamente das demais religiões por uma particularidade muito singular: a de não existir CHEFE visível a quem se deva prestar obediência, mesmo porque, no mundo, homem algum, verdadeiramente consciente, será capaz de alimentar a pretensão de chefiá-la, dada a transcendência dos problemas que ventila.

É imprescindível que os confrades, diretores de sessões práticas de Espiritismo, não desprezem o grande cabedal de conhecimentos hauridos por associações veteranas no trato com as entidades espirituais através do mediunismo, não vacilando em se utilizarem dessas modalidades e normas que o tempo veio demonstrar como as mais consentâneas -com os princípios básicos da nossa doutrina.

É bem verdade que as tarefas mediúnicas variam muitas vezes de país a país, como, por exemplo: em nossa Pátria o Espiritismo floresceu à sombra amena do Evangelho, e a realidade do que asseveramos está no fato de ele ter tomado características bem positivas de religião, enquanto que na Europa o raio de suas atividades se limitou apenas às pesquisas científicas. Nos Estados Unidos da América do Norte, embora existam importantes institutos que se dedicam a essas experimentações, há também templos para o culto espiritista, com seus ministros credenciados e onde se entoam hinos acompanhados de órgão, etc.; culto, no entanto, que muito se aproxima ao dos Protestantes:

O culto religioso, dentro do Espiritismo brasileiro tem todavia, características próprias, perfeitamente equidistantes dos cultos das várias religiões. O Espiritismo marcha vitoriosamente, em terras de Santa Cruz, para, no lapso de alguns unos, se firmar como a grande e inconfundível religião do Amor - o Cristianismo redivivo - não fosse ele o Consolador prometido pelo divino Mestre,

É à luz do Espiritismo brasileiro que o Evangelho de Jesus e as Epístolas que o acompanham vão sendo elucidados, reinterpretados em Espírito e Verdade, possibilitando destarte a que todos possam formar de Deus e do Cristo um conceito menos terreno e, portanto, mais equânime com o seu alto espírito de justiça, de perdão e de misericórdia.

É através desse Cristianismo redivivo que a sabedoria de Deus transcende em pontos de luz que penetra fundo em nossas consciências, despertando-as de seu sono milenar de superstições, ao mesmo tempo que realça, de maneira exuberante, a Infantilidade de umas tantas crenças, bem como essa tendência para exteriorizações e dogmatismos.

Em nosso imenso "hinterland" também os trabalhos mediúnicos podem variar, em detalhes, por força de circunstâncias supervenientes, mas o que não podem e nem devem ser alteradas são as normas gerais de conduta na prática do mediunismo e nas reuniões, sejam elas públicas ou privadas.

A uniformidade em tais trabalhos deve, antes de tudo, ser uma demonstração de alta compreensão e perfeita conjugação de nossos pensamentos e propósitos em face dos ensinamentos kardecianos.

Porque é profundamente lamentável o que se observa em alguns Centros onde a sinceridade é inconteste mas a par dessa sinceridade existe também muita ignorância que cria verdadeiros absurdos, crendices, superstições, um misto de Catolicismo, com o uso de imagens, aliás condenadas pelo Decálogo, enquanto tudo isto poderia ser perfeitamente sanado, bastando apenas que os dirigentes responsáveis desses Centros procurassem melhor conhecer "O Livro dos Médiuns" além dos demais que integram a codificação kardeciana, bem como o opúsculo, muito útil, intitulado "As Sessões Práticas de Espiritismo", de autoria de Spartaco Banal.

Fácil será, assim, obter-se uma uniformidade na maneira de serem conduzidos os trabalhos, evitando-se tanto quanto possível que um médium ou um simples assistente, quando deslocado de uma cidade para outra ou mesmo para bairro diferente, não se sinta de certo modo constrangido em cooperar noutro grupo, por não se ajustar ao ritmo de trabalho e compreensão da Doutrina, divergentes inteiramente daqueles que até então se habituara a prestar seu concurso. .

Todos os Centros devem estar em perfeita sintonia com as entidades orientadoras do Espiritismo nos diferentes Estados, para que haja a necessária união de vistas e de tal sorte se obtenha uniformidade de normas em todas as reuniões públicas e privadas, que se realizem em qualquer ponto do nosso vasto território.

Dentro do Espiritismo jamais deve medrar as ervas daninhas da vaidade e a ridícula pretensão de saber-se mais, ou menos, porque em verdade só seremos esclarecidos e inspirados quando estivermos revestidos com a túnica da humildade e trabalharmos com um único objetivo qual o de beneficiarmos o próximo e engrandecermos a doutrina a que nos filiamos, pois que só assim, cremos nós, estaremos homenageando o Cristo e honrando a Deus, nosso Pai e Criador.