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segunda-feira, 20 de julho de 2020

Pierre-Gaëtan Leymarie - 75º ano da desencarnação (em 1976)


Pierre-Gaëtan Leymarie

Pierre-Gaetan Leymarie - 75º ano de desencarnação
por J. Malgras    (tradução: Zêus Wantuil)
Reformador (FEB) Fevereiro 1976

Recordando-nos de Leymarie é justo e meritório que rendamos a
nossa homenagem àquela que lhe foi
a companheira devotada em todos os momentos.
Vinte anos mais moça que o marido, a cujo lado colaborava ativamente,
empregou todas as suas energias na defesa do bom nome do esposo,
quando ele foi processado, tendo escrito a admirável memória
- Procès des Spirites -, que se tornou precioso documento
para a história do Espiritismo, e cujo centenário foi lembrado
em “Reformador” de dezembro de 1975. Essa mulher admirável,
cheia de estoicismo, bondade e inquebrantável energia, née
Marina Duclos, sucedeu Leymarie na direção da Livraria Espírita
e da Revue Spirite, e nesse trabalho esteve durante 3 anos e pouco,
ou seja até a sua desencarnação, em 29 de setembro de 1904.
Paul Leymarie continuou essa árdua e belíssima obra
com o mesmo devotamento e desinteresse dos progenitores,
dos quais recebera desde a infância a melhor educação espírita.

Sra. Marina Leymarie


                Píerre-Gaetan Leymarie nasceu em Tulle, França, a 2 de maio de 1821, filho de distinta família. Cedo, para não sobrecarregar as despesas da família, então numerosa, interrompeu seus estudos, e se dirigiu para Paris, a fim de colocar-se, contando exclusivamente com o seu trabalho e com os seus próprios esforços.

            Interessado vivamente por todas as ideias generosas, tomou-se ardente republicano e foi, por ocasião do golpe de Estado de 1851, arrolado entre os adversários irredutíveis do Cesarismo e forçado a exilar-se. O destino colocou-o em contato com a elite do partido proscrito o que, de algum modo, não deixou de contribuir para o desenvolvimento de seu espírito de combatividade e ao mesmo tempo de proselitismo.

            Proclamada a anistia, voltou à França, casou-se e tomou a direção de uma casa comercial até 1871. Uma voz autorizada (1) disse, referindo-se a ele, que se os negócios dele não prosperaram, pelo menos sua probidade foi escrupulosa e nenhuma acusação jamais o pode atingir.

                (1) Gustave Macé, comissário de polícia da cidade de Paris. (Nota do tradutor)

                Amante dos livros, quer tratassem de questões políticas, sociais, científicas, religiosas ou literárias, quantos lhe caíssem às mãos eram lidos e assimilados.

            Não poderiam os fenômenos e a doutrina do Espiritismo encontrá-lo indiferente. Foi um dos primeiros a entusiasmar-se com essas inquietantes questões, e, quando Allan Kardec inicia a publicação da Revue Spirite e de suas obras, e dá começo às suas sessões de estudos e experimentações, não tardou ele de contar Leymarie entre seus mais ardentes discípulos (2). Sob a direção do mestre, médiuns se desenvolvem e, em dada ocasião, pode-se ver (acontecimento que a história do Espiritismo assinalará e dele conservará orgulhosa memória) três jovens, ainda obscuros e desconhecidos, três médiuns sentados à mesma mesa, a se voltarem - fato estranho e novo que dera motivo a zombarias - para essas experiências, tão antigas entretanto, da telegrafia misteriosa entre os dois mundos: o dos Espíritos e o nosso. Esses três experimentadores, cujos destinos seriam dessemelhantes, mas iguais permaneceriam no devotamento, na fidelidade e nos serviços prestados à Doutrina, eram: Camille Flammarion, Victorien Sardou e Pierre - Gaetan Leymarie.
               
                (2) Frequentava Leymarie as sessões que Kardec realizava à rua Santana, em Paris, às sextas-feiras (N. do T.)

            Antes do seu decesso, Allan Kardec organizou uma Sociedade anônima, de capital variável, à qual legaria os seus bens, e isto com a finalidade de assegurar o desenvolvimento regular e continuo do Espiritismo. Leymarie, um dos primeiros a tomar parte na Sociedade, dois anos depois da desencarnação do mestre foi nomeado administrador dela, passando, ao mesmo tempo, a redator-chefe e diretor da Revue Spirite.

            Durante trinta anos, isto é, durante o largo e difícil período em que o Espiritismo era quase continuamente alvo de toda espécie de zombarias e ataques, Leymarie teve em luta constante, batalhando ininterruptamente através da palavra verbal ou escrita, oferecendo na Revue terreno livre aos lutadores de todas as correntes, com a condição de que defendessem causas espiritualistas ou de ordem essencialmente humanitária e moral, expondo-se assim às criticas acirradas de uns, às acusações ou ao descontentamento de outros; todavia, Leymarie jamais se afastou da divisa do mestre: "Fora da caridade não há salvação", e procurou subtrair de todas as discussões os atritos pessoais e todas as questões Irritantes
*
            Vejamos-lhes a obra. Inicialmente, ele justifica que para a difusão desta luz, o Espiritismo, é necessário preparar os espíritas. instruí-los e esclarece-los, e quando o seu amigo Jean Macé, lhe expõe o projeto de fundar a Liga do Ensino, ele se oferece com entusiasmo para auxiliá-lo, e, com a Senhora Leymarie, sua dedicada colaboradora, contribui para essa criação, não só com seu concurso ativo e pessoal, senão que também com a sua residência à rua Vivienne, de sorte que mui justamente se pode dizer que a casa de Leymarie foi o berço da Liga do Ensino, da qual Emanuel Vauchez se tornaria secretário-geral.

            As questões de ensino, sucedem-se, nas preocupações de Leymarie, as questões sociais; assim, seja nas páginas da Revue, seja em numerosas e eloquentes conferências, ele propaga a existência do estabelecimento conhecido no estrangeiro, mas quase ignorado em França - o Familistério de Guise, no qual são praticados pelo seu fundador J.-B. Sodin, de maneira feliz e ampla, os princípios da associação do Capital e do Trabalho. Leymarie se une a Godin, e, enquanto lhe propaga os escritos não se descuida dos interesses propriamente ditos da Doutrina. Noticia as experiências de William Crookes e registra os primeiros ensaios de fotografia espírita. Ele próprio faz experiências com um médium fotógrafo e obtém uma série de manifestações reais, que ele publicou na Revue. Mas chegou o dia em que a sua boa-fé foi iludida. Os inimigos do Espiritismo, à espreita de tudo quanto pudesse entravar o movimento crescente da Doutrina, aproveitaram-se com empenho de um processo para lhe dar, ao Espiritismo, um grande golpe e exterminá-lo através da poderosa arma do ridículo. Com efeito, foi mais um processo movido contra os espíritas, do que propriamente um processo relativo a fotografias. Leymarie, como bode expiatório, foi acusado dê todos os delitos, escarnecido e condenado. Esclarecemos que tal condenação foi anulada, alguns meses depois, com a reabilitação completa dele, e que o Espiritismo saiu dessa prova mais forte que nunca, ao mesmo tempo que Leymarie teve aumentada a estima, a confiança e a simpatia geral dos amigos sinceros da causa. (3)

                (3) Para melhor conhecimento dos leitores, relataremos, num breve resumo, esses acontecimentos que a Sra. Leymarie houve por bem registrar, quase que tudo, na sua obra - “Procès des Spirites”.
            Aos 16 de junho de 1875, o Ministério Público moveu processo contra os Srs. Leymarie, Buguet e Firman. O fotógrafo Buguet, usando de manobras fraudulentas na obtenção de fotografias de Espíritas, foi preso. Em virtude das relações amistosas que entretinha com Leymarie, que, confiante, dele se serviu como médium e fotógrafo em inúmeras ocasiões, o gerente da Revue Spirite foi também preso e julgado como conivente. Aliás, sua excessiva confiança constituiu, em parte, a causa de sua pouca sorte no comércio.
                Em consequência de depoimentos falsos, entre os quais o do próprio acusado principal, o fotógrafo Buguet, foram todos condenados pela Justiça humana, o que os fez recorrer par instâncias superiores.
                Buguet conseguiu sua liberdade passando para a Bélgica, onde se localizou; Firman, outro envolvido no caso, obteve sua libertação graças a altas influências, mas Leymarie, não fugindo à justiça, embora humana e falível fosse, dirigiu uma Memória a Corte Suprema da França, protestando, perante sua consciência e seus filhos, sua inocência, e afirmando sua confiança nas decisões daquele órgão supremo.
                Buguet, de Bruxelas, remordido de remorsos, escreve ao Sr. Dufaure, então ministro da Justiça, asseverando, de uma maneira clara, sincera e positiva, a ignorância de Leymarie em todos os processos por ele (Buguet) empregados nas fraudes fotográficas e, consequentemente, a inocência dele. Não podia haver, pois, solidariedade entre Leymarie enganado por Buguet e Buguet enganando Leymarie.
                Que Buguet era médium e fotografias mediúnicas verdadeiras foram obtidas por ele, não há dúvida, como o atestaram muitas dezenas de pessoas, de diferentes países europeus. Mas o médium, desconhecedor dos princípios da Doutrina Espírita, e, ainda por cima, ganancioso, serviu-se várias vezes, quando nada conseguiu com a sua mediunidade, da fraude, como ele próprio confessa.
                Na carta mencionada, dirigida ao ministro da Justiça, declarava Buguet, num certo ponto: “Lastimo, pois, haver dito, na minha fraqueza, o contrário da pura verdade, renunciando eu a minha mediunidade, e peço perdão a Deus por este ato que deploro, pois que ele serviu para incriminar um homem estimável, e cuja boa-fé se tornou suspeita com as minhas afirmações.”
                De várias partes do mundo, cartas e mais cartes chegaram às mãos de Leymarie, confortando-o no doloroso transe por que passava e o oferecendo todos os préstimos que a ele se tornassem necessários. Até mesmo do Brasil não lhe faltou o amparo fraternal. Casimiro Lieutaud, em nome dos espíritas do Rio de Janeiro, endereça aos membros da Sociedade para a continuação das obras espíritas de Allan Kardec, em 1876, uma carta, reafirmando a admiração e o respeito que por Leymarie tinham, e a certeza de sua inocência, em apoio da qual se prontificavam a colaborar (Revue Spirite, 1876, pág. 10). Do próprio além-túmulo, vozes amigas, servindo-se da mediunidade psicográfica de Leymarie, transmitem a ele mesmo doces páginas consoladoras.
                Não obstante as declarações abonadoras da integridade e inculpabilidade do acusado, não obstante as afirmações reiteradas e sinceras dele mesmo, a Corte Suprema confirmou o veredito das duas primeiras Cortes e Leymarie foi condenado a um ano de prisão celular. Sobre isso a Revue Spirite de 1876, p. 167, informou os leitares, esclarecendo que ele dera entrada na chamada Prisão de la Santé, em 22 de abril de 1876, e que, por singular coincidência, nesse mesmo dia e na mesma hora, um ano antes, ele, Leymarie, era detido na prisão parisiense de Mazas.
                Serena e respeitosamente foi recebida a decisão da Justiça humana, confiando-se Leymaríe à Justiça do Alto. Certamente, naqueles momentos aflitivos, perpassou-lhe pelo espírito o julgamento de Jesus: e as palavras deste: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.”
                Conhecedores do caráter irrepreensível do caro companheiro, caráter que se evidenciava nas suas palavras e nos seus atos, não se arrefeceu a confiança que os espíritas nele depositavam.
                Em 1877, o gerente da Revue Spirite, H. Jolliy, comunicava a páginas 72 que Leymarie, cumprida a pena de reclusão de um ano, estava entre os amigos desde 22 de janeiro, tendo logo voltado aos seus afazeres habituais.
                (O Sr. Paul Puvis - vide Revue Spirite de 1901, pág. 264 -, discursando no Père Lachaise, em 12-4-1901, durante os funerais de Leymarie, reportou-se ao “Procès des Spirites” dizendo que a condenação só alguns anos mais tarde se apagaria com uma reabilitação completa.)
                Agora, satisfeita a justiça dos homens, o incansável discípulo de Kardec retomava a administração e direção da “Sociedade para a continuação das obras espíritas de Allan Kardec” e da Revue Spirite pelas quais proficientemente trabalharia até a sua desencarnação.
                As Trevas, por instantes, desejaram empanar o Espiritismo, mas em vão!
                Conhecendo ou não toda a verdade desses fatos, alguns irmãos de batina, ao fazerem em seus livros referência ao movimentado caso, com ardilosa síntese insinuam no espírito do leitor a conivência de Leymarie no crime de Buguet, conquanto afirmem que ele, Leymarie, “se indignou contra os médiuns mistificadores” e “flagelou os fraudadores do Espiritismo”.
                Nós, os espíritas, temos o dever de defender e honrar sempre a memória daquele que foi - pode dizer-se - um mártir da Terceira Revelação. (Nota do Tradutor)

            ...............................

            Em 1878, ao lado da “Sociedade para a continuação das obras espíritas de Allan Kardec”, Leymarie organiza a Sociedade Científica de Estudos Psicológicos. Congrega, em torno desta obra, os homens mais eminentes, como Charles Fauvety, Eugène Nus, René Caillé, Camille Chaigneau, Trèmeschini, Charles Lomon, Dr. Chazarain, etc.

            Em seus trabalhos, esta Sociedade se dedicava igualmente ao estudo das teorias e das experiências do magnetismo animal e da mediunidade, estudando-se ainda as obras originais de Cahagnet e de Roustaing, a doutrina de Swedenborg, o grande precursor do Espiritismo, bem como o atomismo, a teosofia, o budismo, o transformismo e, por fim, o ocultismo.

            Com Leymarie, prossegue a tradução das obras de Allan Kardec em todas as línguas do mundo civilizado, ao mesmo tempo que se inicia, para continuar com êxito por vários anos, o trabalho de conferências.

            O diretor da Revue Spirite coloca-se à frente daqueles que vão espalhar por toda parte a nossa salutar e reconfortante Doutrina. É ele visto sucessivamente pela França, em todos os centros importantes (4), indo, depois, à Bélgica, Itália e Espanha.

          (4) Além de outras, em maio/junho de 1882 realizou pelo oeste da Franca uma tournée de conferências que durou dezesseis dias. (N. do T.)

             Como delegado, ele toma parte no 1° Congresso Espírita realizado em Bruxelas. Em 1888, foi escolhido para ser um dos quatro presidentes efetivos do Congresso Espírita de Barcelona, no qual se verificou o fato extraordinário e emocionante da leitura de bela moção de gratidão enviada da prisão de Tarragona por um grupo de condenados a trabalhos forçados, convertidos à fé espírita.

            Em 1889, Leymarie organiza o 19º Congresso Espírita na França (5), mas se esquiva de posições e se limita a aceitar a vice-presidência de uma seção.

           (5) Foi realizado em Paris com a denominação de “Congresso Espírita e Espiritualista Internacional”. (N. do T.)

            A administração da Sociedade dia a dia lhe absorve o tempo pois que, elevando-se os recursos dela com a liberalidade de um dos seus membros, o Sr. Jean Guérin, as dificuldades de gerência surgiam e cresciam continuamente.

            Tal como procedeu Alia Kardec, Guérin, antes do seu passamento, tomou todas as providências para assegurar o benefício de seus bens à Sociedade Cientifica de Espiritismo mas surdas hostilidades surgem e encontram, na lei, artigos para inutilizar a vontade do extinto.

            A luta começa quase que no dia imediato ao do falecimento de Guérin. Processos e mais processos e, quando se supõe haver chegado ao fim, quando se crê ter adquirido ao menos a tranquilidade, eis o processo dos herdeiros de Kardec, a apoiar-se nos herdeiros de Guérin e tudo recomeça e continua, até que, por fim, apesar de uma resistência vigorosa e perseverante, a Sociedade, representada e administrada por Leymarie, sucumbe.  

            Todavia, tantas provas não foram suficientes para prostrá-lo ou afastá-lo do dever. Em meio dos maiores aborrecimentos e inquietações, ele prossegue valorosamente em sua tarefa e torna conhecidos os trabalhos e as principais obras de escritores espiritualistas, com os quais, em sua maior parte, ele se acha em contato, tais como: em França, E. Nus, l.éon Denis, Emest Bosc, Encausse (Papus), Gibier, Baraduc, Sras. Noeggerath e Annie Besant, Comandante Cournes, Gabriel Delanne, Strada, etc., na Inglaterra. R. Wallace, Lodge, Stainton Moses; na Rússia, Aksakof; na Améríca, Van der Naillen; na Itália, Chiaia e o professor Falcomer.

            Em 1896, ele enviou ao Congresso Internacional do Espiritualismo, em Londres, um trabalho particular sobre a Evolução e a Revelação.

            Na Revue, repetidamente deu publicidade a questões relativas ao estabelecimento da paz pela arbitragem, à emancipação da mulher, à obra dos liberados de S. Lázaro e até ao estudo de Inteligência entre os animais, ao qual consagrou interessantes páginas.
           
*

            Leymarie foi filho de suas próprias obras. Pela perseverança no estudo, pela energia e constância no trabalho, assim como pala seu espírito conciliador e tolerante, ganhou a confiança de Allan Kardec e conquistou a simpatia da maior parte dos pensadores espiritualistas do seu tempo. Sua fé profunda fez dele um conferencista e escritor espírita. Improvisava suas conferências, e a palavra lhe saía ardente, vibrante, cheia igualmente de convicção e do desejo de convencer. Seus escritos eram obra do primeiro jato, a forma era neles sacrificada, em benefício do pensamento. Foi, como ele próprio se considerava, um publicista, mas publicista sério, propagandista ardoroso, de boa-fé, um profundo erudito pensador.

            Ao lado do pensador, nele havia ainda o homem dedicado e sensível, desinteressado e caridoso, que esquecia as injúrias, que amava profundamente sua família e os amigos, que não repelia ofensas, aceitando os sofrimentos físicos morais como provas salutares, e informando-se das angústias do próximo para partilhá-las e amenizá-las.

            Desencarnou em 10 de abril de 1901, após longa e dolorosa enfermidade que lhe abateu a robusta constituição, deixando-lhe, porém, intacta, até ao fim, sua alma enérgica e varonil. (6)

            De acordo com as suas últimas vontades, seu corpo foi incinerado. As cinzas repousam no Père Lachaise, sob um dólmen, em cuja pedra se lê a seguinte inscrição: “Morrer é deixar a sombra para entrar na claridade.”

(Biografia traduzlda de Les Pionniers du Spiritisme en France, J. Malgras, 1906, por Zêus Wantuil.)
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(6) “Reformador” de 1º de Junho 1901 registrava em suas colunas, sob o título – “Os Libertados”, a notícia da desencarnação do fiel trabalhador da seara espírita, enaltecendo lhe as qualidades morais e os relevantes serviços prestados ao Espiritismo mundial. (N. do T.)

             É o que o blog publica a seguir:

“Os Libertados - P.-G. Leymarie   
Reformador (FEB) 1º Junho 1901

            O Espiritismo na França e, particularmente, a Revue Spirite, de Paris, acabam de sofrer um rude golpe com a desencarnação do eminente confrade cujo nome ilustre ilustra esta notícia e que, contemporâneo do nosso mestre Allan Kardec, a cujo lado e sob cuja direção trabalhou, como auxiliar e médium que era, vinha desde então prestando à nossa doutrina os mais preciosos serviços, cuja enumeração não cabe na exiguidade do espaço que dispomos.

            Como prova do seu prestígio e da sua esclarecida capacidade, a um tempo voluntariosa e tolerante, na mais ampla acepção deste termo, basta dizer que, suspensa por ocasião da desencarnação do mestre, em 1869, e tendo sobrevindo, no ano seguinte os graves sucessos de que Paris foi o teatro, a Revue Spirite só voltou à publicidade quando ele resolveu a assumir esse dificílimo encargo, arrostando a tradição luminosa ali deixada por Allan Kardec.

            E, desde então, e até quase esse 10 de abril que assinala seus últimos instantes de vida neste mundo, não teve ele outra preocupação mais absorvente do que manter a sua querida revista à altura do movimento neo espiritualista de seu tempo, ele próprio imprimindo-lhe a sua orientação filosófica e superintendendo a sua parte financeira.

            Trabalhador infatigável, não dava ele tréguas às exigências do dever, senão para preencher esse outro dever, mais alto e mais nobre do que todos – o do exercício da caridade, que ele praticava indistintamente, segundo os preceitos da moral que professamos, numa abundância de coração, que não foi o menor merecimento de seu apostolado.

            E foi ainda um motivo de coração o que abreviou o desfecho da sua existência laboriosa, a dor de ver ganha pelos seus adversários a ação, menos contra ele que contra a nossa doutrina, intentada pelos herdeiros remotos do nosso mestre Allan Kardec, a propósito da propriedade das obras e da legitimidade de doações feitas em benefício do Instituto de propaganda assim mantido, e contra cuja existência maquinam há alguns anos aqueles espíritos reacionários.

            Certo que não será isso motivo que impeça a marcha da nossa doutrina naquele canto do planeta.
         Mas... (pequeno trecho ilegível)
         Cônscio da proximidade do fim que atingia sua tarefa neste mundo, conservou ele, entretanto, suficiente lucidez para escrever as suas últimas determinações, entre as quais assinalaremos, como nora curiosa, o desejo de que fosse o seu corpo incinerado, cerimônia que efetivamente teve lugar, no dia 12 de abril, no cemitério do Père Lachaise.

            Ali lhe foram igualmente dirigidas, em eloquentes orações, afetuosas palavras de despedida, por alguns dos mais ilustres representantes da propaganda espírita na França, como os Srs. Beaudelet, Paul Puvis, J. Camille Chaigneau, comandante D.A. Courmes e A. Auzanneau.

            Restituído agora às alegrias da vida espiritual, possa o venerando confrade continuar a sua gloriosa tarefa ao lado do nosso mestre, como aqui na Terra, para maior felicidade do seu espírito.

            Tais são os nossos afetuosos votos.”
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quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Processo dos Espíritas





“Procès des Spirites”Preciosidade bibliográfica (*)
por Tobias Mirco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1976

(*) Reprodução foto mecânica do original francês, de 1875, do Processo dos Espíritas, precedido de ampla Apresentação, por Hermínio C. Miranda, em português que equivale a preciosa síntese da obra. A referida Apresentação, convenientemente ilustrada e anotada, será publicada, também avulsamente, permitindo o suficiente conhecimento do empolgante assunto àqueles que, pelo fato de não conhecerem a língua francesa ou por preferirem livro de preço mais baixo, dispensam os detalhes documentários e bibliográficos do original e seus anexos.

- Uma obra absolutamente autêntica que revela a vitória do Espiritismo
sobre terrível conspiração contra a sua estabilidade.-

Sra. Amélie Rivail

            
Segundo já foi amplamente divulgado pela revista, o Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira elaborou cuidadoso programa de lançamentos para registrar o Centenário de “Reformador” e da Casa de lsmael, exumando da nossa Biblioteca obras raríssimas, bem como levando a termo pesquisas especiais pertinentes ao Espiritismo. Trata-se de um esforço extraordinário e inédito, no gênero, para marcar de maneira positiva e exaltar convenientemente o grande acontecimento do Espiritismo, não apenas no Brasil, mas no mundo, dada a situação relevante que o movimento iniciado por Allan Kardec na França alcançou no Brasil, graças a valorosos e intimoratos pioneiros, cujos exemplos de coragem e amor à causa permitiram a consolidação da Doutrina dos Espíritos neste país.


            Tivemos oportunidade de manusear o importante “Procès des Spirites”, editado pela Senhora Marina P.-G. Leymarie, esposa de um dos principais indiciados, o Senhor Pierre-Gaëtan Leymarie, então gerente da “Revue Spirite” envolvido injustamente no processo contra o fotógrafo-médium Edouard Buguet, acusado de fraude e mistificação.  Também foi arrastado à barra do Tribunal um outro médium, Alfred-Henri Firman, de nacionalidade norte-americana. Finalmente, a 16 de junho de 1875 foi realizada a primeira audiência sob a presidência do Juiz Millet.

Pierre-Gaëtan Leymarie

            Lemos com profundo interesse e não menor emoção os interrogat6rios levados a efeito, as armadilhas da acusação, pretendendo confundir Leymarie, absolutamente alheio aos erros e falhas de Buguet, médium, sem dúvida, mas leviano, que recorria a truques sempre que a sua mediunidade se ausentava. Leymarie ignorava os meios de que se fazia valer Buguet em várias ocasiões, para iludir aqueles que o procuravam para obter fotografias de parentes e amigos já desencarnados. Leymarie afirmava, com a pureza do seu caráter limpo, que ele era realmente um médium e que, as vezes em que o viu atuar sua mediunidade era naturalmente exercida e as fotos obtidas correspondiam perfeitamente, segundo o testemunho espontâneo e idôneo das pessoas interessadas, que reconheceram como autênticas as fisionomias retratadas mediunicamente. E esses testemunhos foram inúmeros, partidos de pessoas de diferentes níveis sociais e intelectuais; entre elas a distinta e virtuosa viúva de Allan Kardec, Senhora Amélie Gabrielle Boudet. Nada menos de quarenta e duas pessoas foram ouvidas. Os depoimentos, publicados na íntegra por essa obra, com permissão da Justiça francesa, possuem um conteúdo interessantíssimo, alguns reveladores da autoridade moral e do conhecimento espírita dos depoentes. Cada interrogatório oferece ao leitor uma soma de impactos emocionais.  

Sra. Marina Leymarie

            Na época, o Espiritismo tinha contra si, mais do que hoje, evidentemente, adversários sistemáticos e rancorosos, que buscavam pretextos para entravar, inutilmente, o seu desenvolvimento. Em compensação, elevado número de pessoa de bem acorreu espontaneamente para testemunhar, sem ausentar-se da verdade, o que sabiam, formando, destarte, uma barreira que confirmava a retidão de Leymarie e a grande expressão de sua personalidade moral.

            O Índice do "Processo dos Espiritas" relaciona, sob o título "Affirmations, déclarations  importantes”, vinte e oito nomes, muitos indiscutivelmente ilustres, todos convocados da melhor sociedade francesa.

            Não se trata, porém, como poderia presumir, de um livro árido, como soem ser algumas obras relativas a processos judiciários, sujeitas à rígida nomenclatura jurídica. Não. As numerosas cartas transcritas contêm pormenores curiosos e instrutivos, inclusive sobre o Espiritismo, como, por exemplo, a do Senhor Ernest Bose, que desenvolve temas como o da imortalidade da alma, referindo a obra “Heures de travail”, do escritor espírita Eugène  Pelletan, mencionando grandes nomes de filósofos e literatos que partilhavam das mesmas ideias acerca da alma imortal, como Cyrano de Bergerac, Dupont de Nemours , .Jean Reynaud, Balzac, Michelet, Edgar Quinet, Lamartine, Victor Hugo, L. Figuier, Pezzani,  Vacquerie e outros. É transcrita igualmente uma bela carta de Victor Hugo, datada de 7 de novembro de 1871, etc.
            A correspondência do fotógrafo Buguet, que dissera no Tribunal que todos os seus empregados estavam persuadidos de que Leymarie conhecia seus truques, comprometendo imerecidamente um homem decente, como ele próprio reconheceria em carta contendo sua retratação e o pedido para que o perdoasse, essa correspondência é de inestimável valor: “'Em nome da minha pequena família, venho pedir-lhe perdão por haver pecado tão inconscientemente, sem me dar conta do que estava fazendo; eu peço míl vezes perdão a Deus, e a todos vocês, esperando que o seu coração não mo negará, evitando, assim, mais desgosto a um pai de família” (pág. 108).
            Um astrônomo, engenheiro e membro ao Panteão de Roma, Senhor Tremeschini, conhecido na época por sua autoridade, idoneidade moral e absoluta imparcialidade, ao dar seu testemunho, afirmando também, como Leymarie, sua convicção na autenticidade de numerosas fotografias tiradas por Buguet, terminou desta maneira incisiva: “Minha declaração parecerá tanto mais espontânea e sincera, porquanto tive várias vezes ocasião, e provavelmente ainda terei motivo, de combater e de atacar o que se convencionou chamar de Kardequismo” (pàg. 126).
            O que motivou a interpelação a Leymarie foi o fato de Buguet haver confessado que não era médium, ao contrário do que sempre havia sustentado, O comportamento desse fotógrafo foi censurado por destacadas personalidades, como reiterou o advogado Lachaud, que testemunharam a realidade das fotos mediúnicas por eles solicitadas.
            Estamos passando pela rama desse famoso processo, apenas para dar ao leitor urna ideia da riqueza de pormenores que ele encerra, com as consequentes lições daí decorrentes.
            A viúva Allan Kardec frisou, em documento assinado, que a autoridade a perturbou, impedindo que desenvolvesse naturalmente seu pensamento, quando depôs, porque introduziu, quando se procedia ao seu interrogatório, “estranhas reflexões pretendendo, assim, ridiculizar o Senhor Rivail, dito Allan Kardec, como se este fosse um simples compilador e negando seu título de homem de letras” (pág. 8), enfatizando: “Protesto energicamente contra essa maneira de interrogação e espero ser novamente ouvida, porque é costume na França serem as senhoras respeitadas, sobretudo quando já tem cabelo brancos.” (pág. 8).
            O “Processo dos Espíritas”, reafirmamos, é uma preciosidade bibliográfica que todo espírita deve ter entre seus livros de maior agrado, não só por seu conteúdo histórico, inavaliável, como pelo que encerra de ensinamentos de ordem moral, de esclarecimentos de natureza espírita. É livro, embora fundamentado num processo judicial, não cansa, não é árido; antes, atrai, seduz, emociona, quer no relato pormenorizado dos depoimentos, na agudeza dos debates travados, quer pelo extraordinário papel desempenhado por Leymarie, pela viúva Allan Kardec, adeptos do Espiritismo e mesmo por outras figuras eminentes, sem ligação partidária com a Terceira Revelação. O Espiritismo saiu engrandecido dessa luta encarniçada que contra ele moveram seus adversários, ostensivos e ocultos, graças à personalidade moral do que corajosamente reafirmaram a verdade do mediunismo sadio diante da Justiça.
            A mediunidade e os médiuns, tantas e tantas vezes caluniados, injuriados e negados, em nenhum momento ficaram obnubilados pelos negadores sistemáticos, porque a Verdade, embora às vezes multiforme, tem uma única estrutura, contra a Qual se esboroam os argumentos mais cavilosos.
            Aguardemos a lançamento dessa grande e raríssima obra, que põe em relevo de maneira inequívoca e estupenda, a integridade do Espiritismo, como religião, ciência e filosofia.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Procès des Spirites

Marina Leymarie


"Processo dos Espíritas”
Deolindo Amorim
Reformador (FEB) Fevereiro 1978

            Seria impossível, nas limitadas dimensões de um artigo, tentar o resumo de um livro de tal ordem. Mas o resumo já existe (e que resumo!), feito por Hermínio c. Miranda, com a clareza que lhe é própria em tudo quanto escreve. A apresentação de Hermínio C. Miranda corresponde a bem dizer a um livro. O título original é Procès des Spirites, agora lançado pela Federação Espírita Brasileira. Houve um processo contra espíritas na França do século XIX. Pioneiros do Espiritismo, assim como a própria viúva de Allan Kardec, já octogenária (nem lhe respeitaram a idade!..) tiveram que comparecer à presença de um Juiz, ouviram as acusações, suportaram o vexame de uma situação constrangedora, mas não recuaram. Houve condenações. Leymarie (Píerre-Gaêtan Leymarie) sofreu pena de prisão e multa. Uma das mais credenciadas figuras históricas do Espiritismo na França condenada como réu!... Mas o ideal espírita não se apagou nem a fibra de Leymarie se enfraqueceu por causa da condenação.

            Vamos ao caso. Foi no ano de 1875, o processo iniciou-se a 16 de junho. A Senhora Leymarie, que ficara no lugar do marido, na direção da Livraria Espírita e da Revue Spirite, conservou os documentos, que retratam à saciedade a injustiça de que fora vítima seu dedicado companheiro de lutas, e escreveu, mais tarde, a memória desse triste episódio, sob o título Procès des Spirites. É justamente a obra que a FEB põe, agora, nas mãos de nosso público. A maior parte está em francês, exatamente a reprodução dos interrogatórios e depoimentos, acusação e defesa, cartas, etc. Mas boa parte do livro, em português, já é suficiente para tornar compreensível o fio de toda a trama. O Prefácio, escrito pelo Presidente da FEB, nosso confrade Francisco Thiesen, esclarece bem a razão de ser e os antecedentes da publicação, cujo principal intuito, está bem claro, é trazer para os leitores e estudiosos um caso histórico, ignorado por mais de uma geração de espíritas. Diz o confrade Francisco Thiesen: "Dessarte, com a Apresentação, escrita em português por Hermínio C. Miranda, enriquecida com ilustrações noutros livros dificilmente encontráveis, a reprodução fotomecâníca do inteiro teor do documentário elaborado pela Madame Marina P.-G. Leymarie, em 1875, em francês, adquire a característica de obra a mais completa que existe sobre o secular processo." Em seguida, vem a Apresentação na qual Hermínio C. Miranda não se satisfaz em apresentar formalmente o Processo dos Espíritas, mas desce a fundo na análise, sob o ponto de vista psicológico, e demonstra as contradições, a má-fé nos interrogatórios e, por fim, no desfecho, inteiramente injusto.

            Por que começou o caso? Porque um médium - Buguet - que exercia a profissão de fotógrafo, fora denunciado como explorador da boa-fé. Tudo se prende a fotografias de Espíritos. Houve fraude fotográfica, é certo, mas também houve provas irrecusáveis de que algumas fotografias eram realmente de Espíritos desencarnados, devidamente identificados. Buguet tinha faculdade mediúnica, o que, aliás, fica bem patente na leitura do Processo, mas não era um médium bem orientado sob os princípios espíritas. Desvirtuou a mediunidade, depois de certo tempo, e caiu realmente na mistificação. Formalizada a denúncia, foram arrastadas diversas pessoas que com ele mantinham relações, principalmente Leymarie, por haver publicado fotografias na Revista, a respeitada Revue Spirite, fundada por Allan Kardec. Três acusados: Buguet (o médium e fotógrafo), Leymarie (Diretor da Revista) e Firman (médium americano), que sentira os primeiros sintomas de sua mediunidade em Nova lorque. Pesava sobre Alfred Henry Firman a acusação de ter "posado para Buguet de olhos fechados e, depois, estando na Holanda, de ter aparecido numa das fotografias que o Juiz chamava de fantasmagórica" (Cf. Hermínio C. Miranda). Fenômeno de bícorporeídade, como se chama em linguagem espírita. Para o Juiz, no entanto, constituía crime (!) o fato de alguém aparecer simultaneamente em dois lugares. Usando até de sofismas a fim de confundir os acusados, o Juiz Millet não se colocou na posição de Juiz, pois o seu procedimento, durante todos os interrogatórios, foi ostensivamente parcial, deixando bem claro o propósito de condenar os espíritas, fosse como fosse. Foram chamadas 55 testemunhas, em dois grupos: 27 de acusação e 28 de defesa. Eis, aí, em linhas muito sumárias, o que foi o Processo dos Espíritas. Da leitura do volume, com todas as peças do "Processo", podemos partir para algumas considerações finais:

            - a influência da intolerância religiosa contra o Espiritismo pesou muito no julgamento;
            - o Juiz Millet, como o Procurador da Justiça e outros acusadores não conheciam o assunto, nada entendiam de fenômenos mediúnicos nem de fotografias de Espíritos; 
            - o Juiz fez insinuações para forçar respostas a seu jeito, mas encontrou muita firmeza da parte de Leymarie, Senhora Allan Kardec e outras testemunhas;
            - admirável, em tudo por tudo, a energia, o desassombro de Amélie Boudet (viúva de Allan Kardec) ao depor perante a Câmara Criminal.

            Finalmente, Buguet, o médium, envolvido em fraude, terminou confessando sua própria fraqueza. Leymarie, apesar de ter sido preso, não deixou de ser o mesmo homem de bem, cuja dignidade e injustiça não abateu nem "arranhou". O episódio passou já fez um século, mas o Processo dos Espíritas continua a ser uma lição histórica de coragem moral e firmeza em defesa da convicção espírita. Um dos recentes lançamentos da Federação Espírita Brasileira, cuja iniciativa, como aconteceu com Répertoire du Spiritisme, vem preservar uma documentação de grande interesse para a História do Espiritismo.

(Transcrito de "Mundo Espírita", edição de 31-7-1977,  Curitiba - PR).

            Observação - Já está novamente disponível, em português, o livro Processo dos Espíritas (resumo por Hermínio C. Miranda), pois o Departamento Editorial da FEB lançou, no final de 1977, a sua 2ª edição.


Mme Allan Kardec



Procés des Spirites
Aureliano Alves Netto
Reformador (FEB) Junho 1978

“Menos mal fazem os delinquentes do que o mau juiz. “
Francisco de Quevedo Villegas

* * *

            Merece os mais entusiásticos louvores o Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira, pelo lançamento da preciosidade bibliográfica Procès des Spirites, de Madame P.-G. Leymarie, numa fiel reprodução do original francês, graças aos modernos recursos do processo fotomecânico.

            Essa admirável obra, praticamente desconhecida da atual geração de espíritas, identifica a época tenebrosa da perseguição ao Espiritismo na segunda metade do século passado, a partir do execrando Auto-de-fé de Barcelona, em 9 de outubro de 1861. Triste revivescência de tempos mais recuados, do nefasto obscurantismo da Idade Média.

            Traçando um paralelo entre o Processo de Joana d'Arc e o des Spirites, Francisco Thiesen, no Prefácio, assinala que, no "Processo dos Espíritas", a história se repete. Com uma diferença, apenas: o temível tribunal do Santo Ofício, visível ou invisivelmente considerado, abstém-se de qualquer procedimento ostensivo, aparatoso, na condenação do homem que, quer pela posição ocupada no movimento espírita francês, quer pela sua envergadura moral e prestígio nos demais países, bem e fielmente representava o Espiritismo, o alvo realmente visado pela conspiração trevosa. Prefere agir como agiu: orientando, de maneira oculta, a ação da Justiça da "Cidade-Luz", a famosa e culta Paris.

            A 2ª edição do Procès des Spirites (1ª no Brasil) vem precedida de uma "Apresentação", em que o autor, Hermínio C. Miranda, num estupendo esforço de síntese, dá-nos a conhecer, com os detalhes indispensáveis, todo o desenrolar da suspeitosa ação judicial.

            O caso é que, em 16 de Junho de 1875, inicia-se na Sétima Câmara Correcional de Paris um processo criminal proposto pelo Ministério Público contra os fotógrafos profissionais Édouard Buguet e Alfred Henry Firman, ambos médiuns, e o Sr. Pierre-Gaetan Leymarie, gerente da "Revue Spirite" e da Sociedade para a continuação das obras espíritas de AlIan Kardec.

            Buguet era o principal acusado, sob a alegação de haver abusado da credulidade pública, servindo-se de meios fraudulentos para auferir lucro na venda de "fotografias espíritas" que, na verdade, não passariam de fotografias comuns, adulteradas habilmente de modo que, ao lado de pessoas encarnadas, aparecessem seres desencarnados. Firman e Leymarie seriam coniventes no indigitado procedimento delituoso.

            Procedente a acusação, apenas em parte. Devido à sua mediunidade, Buguet, durante largo tempo, conseguira atrair Espíritos que se deixavam retratar ao lado de pessoas vivas. Todavia, tentado pelo atrativo do ganho fácil, ele, que já vinha comercializando, embora moderadamente, a sua faculdade mediúnica, teve a infeliz ideia de forjar "fotografias espíritas" à custa de industrioso truque, impingindo-as aos seus numerosos clientes como verdadeiras. O produto, de franca saída, fazia acorrer dinheiro abundante aos bolsos do insensato fotógrafo francês.

            Curioso é que, conquanto convicto de haver, a princípio, agido honestamente, como intermediário na produção de fenômenos paranormais. Buguet não vacilou em, durante todo o curso da demanda judiciária, insistir na sua culpabilidade, negando a sua condição de médium. É que assim, segundo entendia, sua culpa seria atenuada e, em consequência, estaria sujeito a uma penalidade menos rigorosa.

            Informa Hermínio C. Miranda:

            "Mais tarde afirmaria, penitenciando-se, que dois terços das suas fotos eram autênticos fenômenos mediúnicos: apenas as demais foram fraudadas; mas, a essa altura Leymarie já estava na cadeia e o Espiritismo arrastado ao ridículo, como tantos desejavam."

            Foram inquiridas no Processo 27 testemunhas de acusação e 28 de defesa, porém só as que eram contrárias aos réus tiveram liberdade de depor, pois as outras de defesa o Juiz cassava lhes a palavra, mal começavam a falar. Na realidade, para escárnio da Justiça francesa, o próprio Juiz M. MilIet, na causa que iria julgar, constituiu-se no maior acusador. Valia-se de todos os artifícios para confundir e desestimular as testemunhas de defesa, ora interrompendo-as intempestivamente, ora contradizendo-as com expressões sarcásticas, outras vezes insinuando abusivamente as respostas, ou simplesmente encerrando a conversa com azedume: - Vá sentar-se!

            O sábio Maxwell (químico e fotógrafo), por exemplo, que afirmou haver presenciado Buguet preparar a chapa e colocá-la na câmara, sem notar nenhum embuste, foi ridicularizado pelo "meritíssimo" e despedido sumariamente: - Vá sentar-se!

            Outra testemunha - o astrônomo e membro do Panteão de Roma engenheiro Tremeschini - asseverou que, em companhia do escritor Eugêne Nus, verificou o trabalho de Buguet e podia garantir não haver descoberto nenhuma trapaça. "Segui o método daqueles que estudam as ciências. Nada descobri."

            O depoimento não interessa ao Juiz e ele se encastela na sua frase imperativa que se tornou um refrão em todos os trâmites da inquirição: - Vá sentar-se!

            O magistrado M. Millet, entretanto, explorava ao máximo as declarações dos acusadores, ouvindo-os pacientemente e instigando-os, mesmo, a destilar todo seu manancial de verborragia condenatória.

            Ao Inquirir Leymarie, acusa-o de se beneficiar do comportamento incorreto de Buguet, alegando que o depoente se mancomunara com o médium suíço Rubis a fim de "surpreender o segredo" do fotógrafo francês. Aí vem a estória de um anel que teria servido para "comprar" um dos empregados de Buguet. O anel era uma peça de cobre sem valor que Rubis encontrara nos degraus duma escada e dera de presente a certo auxiliar de Buguet. O Juiz, por associação de ideias, deve ter deduzido que, por ter sido encontrado por Rubis, deveria o anel estar cravejado de... rubis.

            Nesse clima de animosidade e facciosismo, o Processo teve o seu curso legal (ou ilegal?) e o veredicto da "Justiça" não poderia ser outro: a condenação dos indiciados. Édouard Buguet e Pierre-Gaëtan Leymarie foram condenados a um ano de prisão e multa de 500 francos, cada um; e Alfred Henry Firman a seis meses de prisão e multa de 300 francos. Nota-se a injustiça clamorosa da imposição de igual penalidade a Buguet e Leymarie, já que este não tinha culpa alguma. Fora simplesmente ilaqueado em sua boa-fé pelo outro.

            O Juiz M. Millet ficara exultante. Mas a Justiça da França acabara de ser torpemente enodoada com o labéu da iniquidade.

            Buguet conseguiu ser libertado e mudou-se para a Bélgica. Firman também livrou-se da prisão, "graças a altas influências".

            Leymarie cumpriu a pena integral. "Resgatados seus compromissos perante a lei caolha dos homens - diz Hermínio C.- Miranda - que permitiu aquele arremedo ridículo de justiça, voltou bravamente à sua atividade à frente do movimento, sem mágoas, sem ressentimentos, sem revolta e permaneceu no seu posto, até desencarnar, em abril de 1901."

            Consumada a ignomínia judiciária, resta do triste episódio uma lição proveitosa, como observa Gabriel Delanne:

            "Se tivemos que experimentar uma condenação contra nós, foi porque nos desviamos da rota traçada por Allan Kardec. Este inovador era contrário à retribuição dos médiuns e tinha para isso boas razões. Em sua época, os irmãos Davenport muito fizeram falar de si, mas como ganhavam dinheiro com suas habilidades, Allan Kardec afastou-se deles, prudentemente." (O Espiritismo perante a Ciência, 1952, página 322.)"

            (Transcrito de "Desobsessão", de Porto Alegre-RS, outubro-1977, página 4).

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A hora é avançada
P.-G. Leymarie (espírito)
por Hernani T. de Sant’Anna
Reformador (FEB) Julho 1978

            Digníssimos Irmãos.

            Rasgada a cortina, a luz esplende em todo o fulgor da sua liberdade e da sua
glória. Assim também o Espírito, libertado, pela morte material, dos grilhões constringentes e veladores da carne, vibra na plenitude de seus ideais e dos seus sentimentos, na força plena de sua capacidade de ser e de fazer. Seria, portanto, paradoxal e incompreensível que nós, os modestos, mas sinceros operários do primeiro século do Espiritismo, só por desenfaixados dos fluidos densos da vestidura carnal, nos distanciássemos, indiferentes, do campo de lutas terrestres, onde a ideia sublime, que nos iluminou os mais altos sonhos, trava as suas batalhas decisivas, para firmar-se e expandir-se na seara dos corações. Bem ao revés disso, plantamo-nos, vigilantes e indormidos, na primeira linha dos combates, ao lado daqueles que, como é o vosso caso, dão o melhor de si mesmos pela grande causa do Consolador, que é a mensagem da redenção e da paz para toda a Humanidade. Por inidentificados não estamos inativos, nem omissos. Surgem, porém, horas como esta, no relógio do destino, em que o impositivo do dever maior nos leva a nos dirigirmos ostensivamente a vós outros. Eis por que hoje tenho a glória amena e doce de escrever-vos, não para dizer-vos algo de minha própria pobreza, mas para transmitir-vos, com a permissão do Anjo Tutelar desta Pátria e desta Casa, a palavra de encorajamento e de incentivo do Espírito Estelar do Codificador, a fim de que abraceis decididamente a tarefa que vos cabe, de levar a luz do Espiritismo ao mundo inteiro. O Brasil é realmente, por decreto divino, o país escolhido para ser o Grande Evangelizador do Planeta e esta Sublime Oficina é a feliz depositária deste legado crístico. Não temais, pois, dificuldades, nem vos atraseis no cumprimento de vossos excelsos deveres, porque a hora já é avançada e não há mais tempo a perder, a fim de que tantos quantos for possível recebam a palavra do Cristo
Redivivo, antes que a noite apocalíptica desça sobre os vales da Crosta planetária.

            Aproveito para deixar-vos meu amplexo muito emocionado e muito agradecido, pelas flores aromais de vossas lembranças e das homenagens fraternais que me tendes prestado, pelo meu pouco merecimento.

            Crede que sou, com Marina e todos os companheiros das primeiras horas, o
irmão fiel, o amigo sincero e o companheiro serviçal de todos os dias, sempre ao inteiro dispor de vossos corações.