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quinta-feira, 30 de abril de 2015

Os segredos do túmulo

Os segredos do túmulo 

Frederico Francisco 
/ (Yvonne A. Pereira)


Reformador (FEB)  Maio 1972

            Temos recebido cartas de aprendizes da Doutrina Espírita tratando de um ponto doutrinário dos mais melindrosos, que alarma o leitor iniciante quando não bem esclarecido.

            É de notar, porém, que, com tantos livros excelentes, existentes na bibliografia espírita, como os livros assinados por um Allan Kardec, um Léon Denis, um Ernesto Bozzano, um Gabriel Delanne, um Conan Doyle, um Alexandre Aksakof e tantos outros de idêntico renome, há quem se embrenhe em dúvidas incomodativas sobre pontos que, comumente, acarretam erros de interpretação que o impedem de distinguir o verdadeiro do falso. Está-nos a parecer, pois, que determinados leitores desprezam o verdadeiro estudo doutrinário, preferindo aceitar o Espiritismo por ouvirem dele falar. Depreende-se, então, que as obras de base, dos variados autores citados, nunca foram consultadas, ou o foram superficialmente, o que é lamentável e quiçá prejudicial ao prestígio da própria Doutrina. O certo é que têm chegado às nossas mãos consultas em que leitores fazem as seguintes perguntas:

            “Um Espírito que foi abnegado quando encarnado, que praticou o bem e o amor ao próximo e viveu para a caridade, ao desencarnar poderá sofrer o fenômeno da retenção no cadáver, supondo-se sob a terra junto dele, sentindo-se devorar pelos vermes que roem o corpo a decompor-se? É isso possível? Para que se há de, então, ser bom e abnegado neste mundo, se a desencarnação se processa idêntica à dos grandes criminosos? Não valerá mais a pena gozar-se a vida do melhor modo possível, do que sacrificar--se, uma vez que nem a abnegação livrará dos tormentos, na vida invisível?”

            Lembraremos aos prezados missivistas justamente o que os códigos responsáveis pela Doutrina autêntica esclarecem a respeito e também o que o senso e as sessões sérias, legítimas, de Espiritismo prático mostram à observação. Jesus definiu o nosso destino em geral com a irreversível sentença: “A cada um será dado segundo as próprias obras”. Em mais de uma passagem evangélica, somos informados do que nos aguarda na existência de além-túmulo, em consonância com o nosso gênero de vida neste mundo, e Allan Kardec, o mestre escolhido pelo Alto para instrutor terreno da Nova Revelação, dá os seguintes esclarecimentos em “O Livro dos Espíritos”, além de outros pormenores dignos de serem relembrados (Cap. III, questões 149 a 165):

            “A observação demonstra que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito não se completa subitamente; que, ao contrário, se opera gradualmente e com uma lentidão muito variável conforme os indivíduos. Em uns é bastante rápido, podendo dizer-se que o momento da morte é mais ou menos o da libertação. Em outros, naqueles sobretudo cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido, durando algumas vezes dias, semanas e até meses, o que não implica existir, no corpo, a menor vitalidade, nem a possibilidade de volver à vida, mas uma simples afinidade com o Espírito, afinidade que guarda sempre proporção com a preponderância que, durante a vida, o Espírito deu à matéria. É, com efeito, racional conceber-se que, quanto mais o Espírito se haja identificado com a matéria, tanto mais penoso lhe seja separar-se dela; ao passo que a atividade intelectual e moral, a elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo, de modo que, em chegando a morte, ele é quase instantâneo.”

            Tal o resultado dos estudos feitos em todos os indivíduos que se têm podido observar por ocasião da morte. Essas observações ainda provam que a afinidade, persistente entre a alma e o corpo, em certos indivíduos, é, às vezes, muito penosa, porquanto o Espírito pode experimentar o horror da decomposição. Este caso, porém, é excepcional e peculiar a certos gêneros de vida e a certos gêneros de morte. Verifica-se com alguns suicidas” (155).

            “Muito variável é o tempo que dura a perturbação que se segue à morte. Pode ser de algumas horas, como também de muitos meses e até de muitos anos. Aqueles que, desde quando ainda viviam na Terra, se identificaram com o estado futuro que os aguardava, são os em quem menos longa ela é, porque esses compreendem imediatamente a posição em que se encontram.”

            “A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de bem, que se conserva calmo, semelhante em tudo a quem acompanha as fases de um tranquilo despertar. Para aquele cuja consciência ainda não está pura, a perturbação é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam à proporção que ele da sua situação se compenetra” (165).

            Compreende-se, pois, que o indivíduo de vida normal (não precisa nem mesmo ser abnegado) tem o despertar mais ou menos tranquilo na vida espiritual; que somente os criminosos, os sensuais, que viveram da matéria e para a matéria, certos tipos de suicidas e vítimas de outras mortes violentas passam pelos penosos fenômenos acima citados. Salvo exceções que somente o conhecimento minucioso do processo pode explicá-las. Por sua vez, o genial analista Ernesto Bozzano, em suas preciosas monografias “A Crise da Morte” e “Fenômenos Psíquicos no Momento da Morte”, esclarece de modo insofismável o assunto, dando-nos a compreender que o despertar do indivíduo de caráter normal, em além-túmulo, é tranquilo, e até feliz e que, portanto, o “abnegado”, sendo superior ao normal, certamente melhor ainda terá o seu despertar, a menos que se trate de um refinado hipócrita que enganou o mundo e pretendeu enganar também a Deus.

            Além do mais, o que presenciamos nas sessões práticas de Espiritismo, quando bem organizadas, outra coisa não nos dá a compreender senão o seguinte: em princípio, só os maus, os devassos, os suicidas sofrem penosas situações após a morte. Os normais, os bons, os virtuosos despertam tranquilamente, felizes, “antegozando as delícias da vida espiritual”. Um Espírito que neste mundo viveu para o bem do próximo, que foi ao sacrifício da abnegação, muito provavelmente não experimentará os “horrores da decomposição” do próprio cadáver, pois já era, com certeza, desprendido das coisas terrenas antes da desencarnação, já vibrava em harmonia com a lei de Deus e, portanto, praticava o intercâmbio mental com os bons Espíritos. A não ser que, malgrado toda essa conquista, guarde ainda afinidades muito fortes com o corpo somático ou com deleites materiais que cercam a existência no planeta terreno, como acentuou Kardec. Não se pode esquecer jamais que, em Espiritismo, não há regras. Cada caso é um caso diferente.

            Será, pois, de utilidade para todos, constantes consultas às obras de base, maior observação nos ensinamentos superiores dos Espíritos, mais atenção ao que se passa nas sessões chamadas “de caridade”, pois tudo isso é necessário ao esclarecimento doutrinário. 


Do Espiritismo


Posta Restante (XI)
Sólon Rodrigues

Reformador (FEB) Setembro 1972

P. – Não poderiam todos os agrupamentos espíritas padronizarem-se, agindo de modo uniforme, a bem do próprio desenvolvimento doutrinário?

R. -      Todos diferimos, no campo da evolução.
             A Doutrina Espírita, pela primeira vez na história da Humanidade, é a religião que respeita a personalidade humana. Ela fornece elementos, desencadeia estímulos espirituais, para que nasça do próprio homem; num gesto espontâneo, a sua aproximação das leis divinas.
            Ela não se impõe. Não pede e nem exige comportamentos artificiosos.
            A vista de sua dinâmica, cada profitente interpretará a verdade que a Doutrina revela dentro da largueza ou da estreiteza do seu senso moral.
            Sem violentar consciências, alberga a todos.
            Na pauta das experiências que crescem em cada um de nós, no dia-a-dia, no entanto, seguimos céleres para uma unidade de princípios.
            Agir sem discernimento é um mal.
            A não existência de ações padronizadas é o apanágio da liberdade religiosa que conquistamos com amor e lágrimas, no curso dos milênios.
            Somos livres – graças a Deus!


domingo, 26 de abril de 2015

Personalismo e Espiritismo


Personalismo
e Espiritismo

Túlio Tupinambá / (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Julho 1958

            Expandindo-se, popularizando-se, passando a merecer as atenções de todas as classes que constituem a sociedade humana, o Espiritismo teria de sofrer também, como está sofrendo, a invasão de indivíduos que a ele foram atraídos mais por ambições personalistas do que, verdadeiramente, por sentirem necessidade de seguir diretrizes novas, capazes de os levar à desejada renovação interior. Todavia, o Espiritismo não os repele, não os condena, mas tem a preocupação de os esclarecer, desejando que se esforcem para combater o egotismo, banhando o espírito nas luzes da Doutrina e do Evangelho. Há, todavia, pessoas que se deslumbram com os ouropéis da própria inteligência e não admitem se lhes tente restringir os voos da ambição exibicionista. Como Narciso, enamoram -se de si mesmos e se perdem, afinal.

            Não pode o Espiritismo conservar-se passivo, por mal compreendida tolerância, ante as consequências realmente danosas do personalismo. Cabe-lhe o direito de defender-se, porque sua Doutrina não aceita essa expressão insofismável de egoísmo, tanto assim que, em “O Livro dos Espíritos”, onde se trata da “Perfeição moral”, há a seguinte resposta à pergunta nº 893, sobre “Qual a mais meritória de todas as Virtudes?": "Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do bem. Há virtude sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. PORÉM, A SUBLIMIDADE DA VIRTUDE ESTÁ NO SACRIFÍCIO DO INTERESSE PESSOAL PELO BEM DO PRÓXIMO, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada caridade," Diante disto, recusando o personalismo, a Doutrina se firma num princípio evangélico. Em outro trecho esclarecem os Espíritos, na mesma obra, que o sinal mais característico da imperfeição é o interesse pessoal.

            O  Espiritismo, contudo, não expulsa de seu seio os personalistas, como não rejeita ninguém. Acolhe-os, porque sua missão é melhorar o homem promover sua reforma íntima, para que, um dia ele seja realmente espírita, isto é, um homem perfeitamente integrado na Doutrina e, por isto mesmo, útil à sociedade, aos seus semelhantes, por sua valorização moral por seus sentimentos apurados, por sua inteligência cultivada no altruísmo. Ensina Allan Kardec, em "Obras Póstumas", que "a inteligência nem sempre constitui penhor de moralidade e o homem mais inteligente pode fazer péssimo uso de suas faculdades. Doutro lado, a moralidade, isolada, pode, muita vez, ser incapaz. A reunião dessas duas faculdades, INTELIGÊNCIA e MORALIDADE, é, pois, necessária a criar uma preponderância legítima" ...

            A maneira mais positiva de se combater o personalismo, que medra em certos setores espíritas, será a difusão cada vez maior da Doutrina, sua explanação clara, a interpretação cuidadosa e repetida de seus diferentes pontos. Pela compreensão progressiva dos deveres doutrinários, a criatura humana irá aprendendo a modificar-se, realizando tentativas sobre tentativas para usufruir os benefícios resultantes da condição de espírita consciente de suas responsabilidades no Espiritismo e, concomitantemente, na vida de relação. Demonstrar os erros e excessos do personalismo é tarefa benfazeja, porque a ação dele é corrosiva. Pode esconder-se na simulação, tornando-se, aí, ainda mais perigoso, por induzir os menos atentos a solidariedades negativas, embora com a aparência de incontestável apoio na verdade. E' fácil distinguir o espírita verdadeiro do falso espírita. Quem demonstra por atos e palavras estar fiel à Doutrina e ao Evangelho, e nada faz que desminta essa fidelidade, é espírita; quem apenas fala, mas não consolida suas palavras com a exemplificação inequívoca, não é espírita. Não nos esqueçamos de que “a árvore que produz maus frutos não é boa e a árvore que produz bons frutos não é má; portanto, cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto” - diz o Evangelho. “Guardai-vos dos falsos profetas que vem ter convosco cobertos de peles de ovelha e que por dentro são lobos rapaces” - adverte ainda a lição evangélica. “Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; e, porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos esfriará. Mas, aquele que perseverar até ao fim se salvará” - disse o Cristo.

            Só podem iludir-se, portanto, os que não estão em dia com os postulados doutrinários e os ensinamentos evangélicos. Para muita gente, o essencial, nos atribulados dias de hoje, é cultivar a aparência, para melhor iludir. Ser espírita é uma coisa, parecer que o é, outra bem diversa. Os espíritas compenetrados de seus deveres em face da Doutrina nada aceitam sem exame, sem passar cada ideia, cada opinião, cada atitude pelo crivo doutrinário, à luz do Evangelho. Às vezes uma ideia parece muito boa, quando defendida por indivíduos sagazes e de fácil expressão. Analisada com serenidade, pode revelar, por trás do brilho enganador, propósitos incompatíveis com a realidade espírita. Eis porque o Espiritismo tem de permanecer alerta, para que os espíritas que confiam na Doutrina codificada por Allan Kardec não sejam vítimas de simuladores, cujas ideias são para a nossa religião o que foi para os troianos o “cavalo de Tróia” .






Coração Puro

Coração puro
Emmanuel
por Chico Xavier

Reformador (FEB) Julho 1956
                                                                                             
"Não se turbe o vosso coração ... " Jesus.
                                   João, 14:1.

            Guarda contigo o coração nobre e puro.

            Não afirmou o Senhor: - “não se vos obscureça o ambiente” ou “não se vos ensombre o roteiro”, porque criatura alguma na experiência terrestre poderá marchar constantemente a céu sem nuvens.

            Cada berço é início de viagem laboriosa para a alma necessitada de experiência.
           
            Ninguém se forrará aos obstáculos.

            O pretérito ominoso para a grande maioria de nós outros, os viandantes da Terra, levantará no território de nosso próprio íntimo os fantasmas que deixamos para trás, vagueantes e insepultos, a se exprimirem naqueles que ferimos e injuriamos nas existências passadas e que hoje se voltam para nós, à feição de credores inflexíveis, solicitando reconsideração e resgate, serviço e pagamento.

            Não passarás, assim, no mundo, sem tempestades e nevoeiros, sem o fel de provas ásperas ou sem o assédio de tentações.

            Buscando o bem, jornadearás, como é justo, entre pedras e abismos, pantanais e espinheiros.

            Todavia, recomendou-nos o Mestre: “não se turbe o vosso coração”, porque o coração puro e intimorato é garantia da consciência limpa e reta e quem dispõe da consciência limpa e reta vence toda perturbação e toda treva, por trazer em si mesmo a luz irradiante para o caminho.




Mudança de Mentalidade

Mudança
de Mentalidade

Lino Teles / (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Julho 1958

            Durante séculos duas grandes ordens religiosas disputaram a glória de haver criado a Santa Inquisição. Cada uma apresentava documentos e provas de haver sido ela quem fizera à Humanidade aquele grande bem. Mas a opinião universal foi mudando, a Inquisição passou a ser detestada, e hoje as mesmas ordens se acusam reciprocamente do crime de haver criado aquele monstro, do qual toda a Humanidade hoje se envergonha.

            Coisa semelhante vai ocorrendo com as glórias militares.

            Houve tempo em que era glória haver tomado a iniciativa de fazer a guerra. Depois cada um dos beligerantes passou a responsabilizar o outro pelo desencadeamento de uma guerra.

            Os heróis da guerra eram festejados. Levantavam-se lhes monumentos imperecíveis. Nossas cidades estão cheias de estátuas de guerreiros ilustres. Seus nomes estão escritos nas esquinas das ruas e praças. Mas a pouco e pouco a guerra passou a ser mecanizada. Já não depende de bravura, mas apenas de técnica. Nenhum de nós sabe o nome do "herói" que lançou as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Sabemos apenas que foi um aviador anônimo, de muito alto, sem correr risco algum. Ele mesmo nunca se atribuiu "glória" alguma por haver queimado tantos milhares de crianças, mulheres, anciãos. Talvez ande envergonhado do seu ato.

            A consciência de solidariedade humana vai-se formando rapidamente em toda a superfície da Terra e a mentalidade belicosa dos povos vai-se transformando em sede de paz e bem-estar para todos.

            Desde o início da Codificação do Espiritismo foi claramente anunciado que era chegado o tempo de uma grande transformação da Terra, que de mundo de expiação e de provas teria de passar a mundo regenerador. Quem não esteja lembrado disso, leia o Capítulo III de "O Evangelho segundo o Espiritismo", publicado em 1864, e não terá dúvida de que é chegado o tempo dessa grande transformação e o fato foi anunciado há mais de um século.


            Todos os grandes acontecimentos mundiais deste século são no mesmo sentido de universalizar a cultura, a ciência, o bem-estar de toda a Humanidade. Portanto, a mudança de mentalidade seria inevitável, como vai ocorrendo. Infelizmente os acontecimentos não seguiram o caminho traçado pelo Divino Mestre - todo de amor e harmonia -, porque os homens preferiram o caminho doloroso da violência, das guerras e revoluções armadas, em oposição ao Evangelho; mas os Altos Desígnios de Deus têm de cumprir-se fatalmente e o Planeta tem de transformar-se de conformidade com o Plano Divino da evolução Esse Plano já está bem visível para todos, por isso mesmo nossa mentalidade tem de mudar muito e adaptar-se à Lei de Amor Universal a todos os seres.

Contradição Irremovível

Contradição Irremovível
Redação 
Reformador (FEB) Março 1973

            Simeão, o homem justo e temente a Deus, ao ver o menino que fora levado ao templo, tomou-o nos braços e desferiu a advertência profética:

            “Este menino vem para ser alvo da contradição dos homens”... Assim foi. O Mestre, no desempenho de sua missão, não fez senão criar situações que provocaram as mais desencontradas opiniões. O que ele dizia chocava, e o que fazia escandalizava. Os judeus não poderiam compreender uma criatura que se dizia portadora da salvação e que mandava pagar o tributo ao invasor. Não fazia sentido a afirmativa daquele paranoico que investia contra a tradição mais intocável, ao obrar milagres no “dia consagrado ao Senhor” e dizer sandices como a de que o sábado é que foi feito para o homem ...

            Os próprios companheiros de missão apostolar não possuíam condições para entendê-lo integralmente. Ao deixar perceber que aconteceriam coisas que contrariavam frontalmente todas as expectativas humanas, a reação foi tão desabrida que Jesus se viu na contingência de repreender a Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás!” As palavras do Messias criaram um clima de tal inconformação que a debandada foi quase geral, a ponto de levá-lo a indagar dos próprios companheiros por ele escolhidos: “E vós, não quereis também retirar-vos?” O Cristo falava das coisas da Vida Eterna, enquanto os homens não tinham ouvidos senão para as coisas da terra. E, mesmo quando falava destas, não era compreendido: “Se não me credes quando vos falo das coisas terrenas, como me crereis quando vos fale das coisas celestiais?”

            Dobaram os séculos. Quase 1.900 anos após, surge no mundo o Consolador que viria restaurar as coisas e dar sanção complementar às lições do Cristo. No desempenho dessa missão, ele também teria de chocar as criaturas com o que diz, escandaliza-as com o que propõe. Não poderia fugir ao mesmo vaticínio: “Esta obra veio para ser alvo da contradição dos homens”. E assim tem sido. O mundo, ou ignora o Espiritismo, ou crê que ele veio (e não teria outra finalidade) tão somente para resolver os problemas da vida transitória. Até mesmo os espíritas se tem deixado contagiar por essa ideia. Por toda parte, se denota o afã de torná-lo instrumento de relevo no mundo. Parece que os espíritas se estão deixando dominar pelo “gosto das coisas terrenas”, e se desdobram em esforços, consciente ou inconscientemente, no sentido de acomodarem os interesses exteriores e imediatos com os supremos fins do espírito imortal. Mostram-se excessivamente preocupados com a posição do Espiritismo no cenário do mundo, fazendo questão, por exemplo, de que ele esteja presente nas solenidades de grande estilo programadas pelas autoridades e instituições de projeção social.

            Reivindicam, para ele, o estatuto de igualdade com as chamadas “religiões oficiais”, ou com aquelas ditas “dominantes”, ao feitio das exterioridades mundanas. Esquecem-se, simplesmente, de que ele não tem “representantes”... Outros julgam que a Doutrina Espírita só se firmará e afirmará no dia em que conseguir arrebanhar as criaturas aos magotes, a modo de “rolo compressor”, como se o problema se restringisse a simples contatos epidérmicos. Preocupam-se muito com suas expressões estatísticas e, por isso, redobram esforços para que o Espiritismo “cresça e apareça”. E, então, adotam, enfaticamente, os mais variados recursos da tecnologia moderna, para aumentar o número de prosélitos. Querem a “produção em massa”...

            A Doutrina, em sua essência, porém, vive muito distante desses ruídos. Ela aí está para restaurar a singeleza e a pureza dos ensinamentos evangélicos, e, para evitar qualquer reincidência nas ilusões do mundo, assumiu a legenda: “Fora da Caridade não há salvação”. E, a fim de evitar enganos, nada melhor que recordar o conceito de Paulo sobre a caridade. ... O Espiritismo, na verdade, ainda é alvo da contradição dos próprios espíritas. Chegará um momento, parece, em que ele terá de indagar dos seus profitentes: “E vós, não quereis também retirar-vos?”


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Espiritismo e Política


Espiritismo
e Política

Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Julho 1958

            Na grande marcha do Espiritismo para o porvir, é impossível desconhecer-se o perigo das afirmações vãs, das atitudes insinceras e, sobretudo, das simulações que tendem a desiludir e chocar as pessoas simples de coração. Vivemos uma época de profundas conturbações, que podem significar a agonia do materialismo, que está queimando todos os seus últimos cartuchos. Daí a onda de depravação que sacode muitos países, tirando aos homens e às mulheres a faculdade do raciocínio, levando a juventude a desregramentos incompatíveis com a verdadeira felicidade. Materialismo é negação. O - que se vê no mundo contemporâneo é uma ânsia mórbida de prazeres, muitos dos quais inconfessáveis. O culto da família nem sempre é mantido com a mesma pureza de outros tempos, porque homens e mulheres entendem a vida por outro prisma, ofuscados pelas promessas materialistas e ludibriados por organizações religiosas que de há muito abdicaram os princípios éticos que as originaram. Daí toda essa confusão, toda essa irresponsabilidade que faz dos homens títeres de paixões subalternas, paixões que conspurcam lares e arrojam famílias nas sombras do infortúnio.

            Uma religião que, para sobreviver, necessita transigir com os seus naturais adversários, é uma religião decadente, agonizante, que se agarra desesperadamente a tudo para evitar o deperecimento evidente. Nessas condições, fecha os olhos ao abastardamento dos costumes, amancebando-se com a política, dela participando ostensivamente e buscando impugnar tudo quanto possa constituir obstáculo às suas discutíveis ou suspeitas pretensões. Esse é o espetáculo que a História nos oferece, desde recuados tempos.

            O Espiritismo, além de Ciência e Filosofia, é Religião liberal, que não está presa à golilha da intolerância e do fanatismo. Em vista de sua liberalidade, no entanto, alguns elementos entendem dever realizar atos e programas que de certa forma afetam as normas de atividade doutrinária. Não devemos imitar jamais as práticas de religiões desespiritualizadas, que se aboletaram em prateleiras políticas e com isso renunciaram à própria independência moral. Se o Espiritismo pretendesse seguir tão perigoso e censurável rumo, não lhe faltariam Constantinos, sôfregos de participarem da nossa obra, dispostos a engrandecê-la, defendendo-a, auxiliando-a materialmente, combatendo os que a combatem, esmagando os que a querem esmagar, etc. Mas, reflitamos um pouco, isso tudo seria benéfico ao Espiritismo? Não! Representaria sua desgraça, porque viria macular a pureza dos seus ideais e o faria abastardar-se tanto e tanto, que, dentro de poucos anos, sua doutrina seria uma colcha de retalhos, talvez multicolorida, mas sem consistência alguma! Tornar-se-ia viveiro de oportunistas políticos, que poderiam arengar nas praças públicas, citar Kardec, relembrar passagens evangélicas, de maneira a empolgar os menos avisados, levando-os a decisões completamente diversas daquelas que a Doutrina sugere e ensina, pois o Espiritismo é apolítico, absolutamente apolítico.

            Que tem feito a Federação Espírita Brasileira? Permanecer fiel à Doutrina, relembrando, consoante a palavra de Allan Kardec (“Obras Póstumas”, 11ª ed., pág. 336), que “a constituição do Espiritismo tem como complemento necessário, no que concerne à crença, um programa de princípios definidos, sem o qual seria obra sem alcance e sem futuro”. Diante dos postulados doutrinários e mesmo em face da tradição que há 100 anos nos orienta, não deve jamais o Espiritismo intrometer-se em lutas políticas, indicando candidatos ou apoiando nomes, por mais respeitáveis que o sejam, e, mais absurdo ainda, criando órgãos especializados para tais fins. Cumpre-nos dilatar progressivamente a distância que já nos separa de religiões constantinizadas, de grupamentos religiosos que sobrepuseram à estrutura ética de seus credos meras ambições políticas, discutíveis vantagens profanas, que rebaixam, que aviltam, que destroem a autoridade que a Religião precisa conservar a fim de se perpetuar no respeito e na compreensão dos povos.

            Desfraldar no cenário das contendas políticas o nome do Espiritismo será enfraquecê-lo por imitações espúrias, que, além do mais, pecam pela absoluta falta de originalidade, porquanto religiões esgotadas se arrastam penosamente nos pleitos eleitorais, esquecidas de seus compromissos espirituais e divorciadas dos deveres elementares do Evangelho. Os que assim não pensam, e insistem em levar o Espiritismo ao campo dos recontros políticos, desconhecem as obrigações doutrinárias e muito mais ainda as responsabilidades evangélicas. Divergem, nesse ponto, da Federação Espírita Brasileira, porque não concebem a acendrada fidelidade que ela timbra em manter ao seu passado de perfeita identidade com a Doutrina. E, por vias transversas, acometem-na, investem-na, criticam--na, irritados por não conseguirem demovê-la da sólida diretriz traçada por seus maiores e reconsolidada pelo Alto. Lembremo-nos, uma vez mais, do mestre Kardec, que nos adverte “contra a ambição dos que, a despeito de tudo, se empenham por ligar seus nomes a uma inovação qualquer”. Retemperemos as forças na repeticão dos conselhos do Codificador: “Se, porém, o Espiritismo não pode escapar às fraquezas humanas, com as quais se tem de contar sempre, pode todavia neutralizar lhes as consequências e isto é o essencial.”

            Compreende-se que, em face do extraordinário progresso do Espiritismo no seio do povo, haja políticos interessados em aproveitar-se de tão rico filão. Imiscuindo-se no ambiente espírita, pretendem arregimentar inexperientes confrades ou vacilantes adeptos em torno de seus galhardetes partidários. Cada espírita, de per si, e por si, pode tomar a posição política que lhe agradar. Dispõe de seu livre arbítrio e responde pelo bom ou mau uso do mesmo. Não pode, porém, falar politicamente em nome do Espiritismo, porque, repetimos, o Espiritismo é essencialmente apolítico e deseja permanecer longe das competições partidárias. 

O 3º Mandamento


O 3º Mandamento

Rodolfo Calligaris
Reformador (FEB) Abril 1973

            Prescreve:  "NÃO TOMARÁS O NOME DO SENHOR TEU DEUS EM VÃO."

            Duvidamos haja qualquer pessoa, por mais modesta, que não preze o seu nome. Isto porque nada está mais intimamente relacionado conosco que o nome que nos personaliza e identifica. Ele faz parte de nós.

            Daí o desprazer que experimentamos sempre que outrem não o pronuncie corretamente, e o profundo dissabor que nos causa vermo-lo escarnecido, vilipendiado ou envolvido em algo menos digno.

            Tais considerações nos ajudam a compreender quanto maiores devem ser o respeito e a veneração devidos ao santíssimo nome de Deus.

            Torna-se defeso, pois, usá-lo em expressões frívolas, superficiais, ou meramente formalistas: "por Deus", "palavra de Deus", rebaixando-o ao nível das palavras ordinárias de nosso vocabulário.

            Menos ainda se deve empregá-lo em imprecações de impaciência, de irritação,
de cólera, de rancor ou em ameaças de vinganças, pois tal uso, abusivo e inconveniente, implica desrespeito grave à sua sacralidade.

            Não menos censurável é a sua citação em anedotas irreverentes ou em conversações levianas e mentirosas, eis que constituem pesadas ofensas à honra que lhe é devida.

            Condenáveis, ainda, são as blasfêmias, consideradas como tais não apenas expressões violentas e injuriosas, quais: "Maldito seja Deus!", "Deus cão!", como igualmente as que neguem Sua existência e eternidade: "Deus é uma invenção dos homens", "Deus está morto", ou infirmem Suas perfeições: "Deus é injusto", "Deus
é um tirano", etc.

            Os juramentos representam outro mau uso do nome de Deus, que devemos esforçar-nos por abolir de nossos hábitos, mormente quando se trate de invocá-Lo por testemunha de banalidades ou para confirmar detrações do próximo.

            Só se tornam escusáveis aqueles juramentos que nos sejam exigidos pelas autoridades do país em que vivemos, em ocasiões soleníssimas, quando façam parte de costumes estabelecidos e desde que, em o fazendo, estejamos plenamente convictos da veracidade daquilo sobre que juramos.

            Agora, uma advertência: policiemos nossa linguagem, evitemos injuriar, menosprezar ou zombar do augusto nome de Deus, "porque o Senhor não terá por inocente aquele que assim o fizer" (Êxodo, 20:7).

*

            Até aqui, demos ao terceiro mandamento a interpretação comum, no sentido proibitivo.

            Pode-se, entretanto, torná-lo também como uma promessa: a de que nenhuma invocação do nome de Deus será vã, inútil, pois terá, sempre, a melhor resposta, ou seja, atendimento de acordo com as reais necessidades de quem o invoque.


Remuneração Espiritual


Remuneração
Espiritual

Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Março 1973

            "O lavrador que trabalha 
deve ser o primeiro a gozar dos frutos".
 (Paulo - II Timóteo, 2:6).

            Além do salário amoedado, o trabalho se faz invariavelmente seguido de remuneração espiritual, da qual salientamos alguns dos Itens mais significativos:

            - acende a luz da experiência;
            - ensina-nos a conhecer as dificuldades
            e problemas do próximo, induzindo-nos, por isso mesmo, a respeitá-lo;
            provê a auto educação;
            desenvolve criatividade e noção de valor do tempo;
            imuniza contra os perigos da aventura e do tédio;
            estabelece apreço em nossa área de ação;
            dilata o entendimento;
            amplia-nos o campo das relações afetivas;
            atrai simpatia e colaboração;
            extingue, a pouco e pouco, as tendências inferiores que ainda estejamos trazendo de existências passadas.
            Quando o trabalho, porém, se transforma em prazer de servir, surge o ponto mais  importante da remuneração espiritual: toda vez que a Justiça Divina nos procura no endereço exato, para a execução das sentenças que lavramos contra nós próprios, segundo as leis de causa e efeito, se nos encontra em serviço ao próximo, manda a Divina Misericórdia que a execução seja suspensa, por tempo indeterminado. E quando ocorre, em momento oportuno, o nosso contato indispensável com os mecanismos da justiça terrena, eis que a influência de todos aqueles a quem, porventura, tenhamos prestado algum benefício aparece em nosso auxílio, já que semelhantes companheiros se convertem espontaneamente em advogados naturais de nossa causa, amenizando as penalidades em que estejamos incursos ou suprimindo-as, de todo, se já tivermos resgatado em amor aquilo que devíamos em provação ou sofrimento, para a retificação e tranquilidade em nós mesmos.

            Reflitamos nisso e concluamos que trabalhar e servir, em qualquer parte, ser-nos-ão sempre apoio constante e promoção à Vida Melhor. 

Nos Albores da regeneração humana


Nos albores
da regeneração humana

Arnaldo S. Thiago
Reformador (FEB) Janeiro 1972

            Um dos livros da magnífica série "Chico Xavier", intitulado "A Caminho da Luz", ditado por Emmanuel, em 1938, e nesse mesmo ano dado à publicidade, o autor, em seguida a um notável escorço doutrinário de História Universal, tira as suas acertadas conclusões, nos termos que vamos transcrever:

            "A realidade é que a civilização ocidental não chegou a se cristianizar." E continua, depois de demonstrar com fatos essa descristianização: "Mas é chegado o tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as dolorosas expiações coletivas preludiam a época dos últimos "ais" do Apocalipse, a espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico, conduzindo-as para o bem de toda a humanidade. O Espiritismo, na sua missão de Consolador, é o amparo do mundo neste século de declives da sua história; só ele pode, na sua feição de Cristianismo redivivo, salvar as religiões que se apagam entre os choques da força e da ambição, do egoísmo e do domínio, apontando ao homem os seus verdadeiros caminhos."

            Após observações tão elucidativas, passa Emmanuel a falar profeticamente: "O século que passa efetuará a divisão das ovelhas do imenso rebanho. O cajado do pastor conduzirá o sofrimento na tarefa penosa da escolha e a dor se incumbirá do trabalho que os homens não aceitaram por amor. Uma tempestade de amarguras varrerá toda a Terra. Os filhos da Jerusalém de todos os séculos devem chorar, contemplando essas chuvas de lágrimas e de sangue que rebentarão das nuvens pesadas de suas consciências enegrecidas."

            Os horrores da guerra iniciada em 1939, um ano após a publicação das profecias de Emmanuel, justificaram plenamente as previsões desse Espírito Superior - e tal justificação deve assegurar-nos a validade das suas previsões, logo em seguida assim pronunciadas:

            "Vive-se agora, na Terra, um crepúsculo, ao qual sucederá profunda noite; e ao século XX compete a missão do desfecho desses acontecimentos espantosos. Todavia, os operários humildes do Cristo ouçamos a sua voz no âmago de nossa alma: "Bem aventurados os pobres, porque o reino de Deus lhes pertence! Bem-aventurados os que têm fome de justiça, porque serão saciados! Bem -aventurados os aflitos, porque chegará o dia da consolação! Bem-aventurados os pacíficos, porque irão a Deus!"  

            “Sim, porque depois da treva surgirá uma nova aurora", esclarece Emmanuel, exortando-nos a que, em seguida: "trabalhemos por Jesus, ainda que a nossa oficina esteja localizada no deserto das consciências. Todos somos chamados ao grande labor e o nosso mais sublime dever é responder aos apelos do Escolhido".

            E, concluindo: "Quando lá fora se prepara o mundo para as lutas mais dolorosas e rudes (como foram as da guerra de 1939/1945), devemos agradecer a Jesus a felicidade de nos conservarmos em paz em nossa oficina, sob a égide do seu divino amor." (O parêntese é meu.)


            Se o Espiritismo veio para cristianizar esta civilização, que dispõe realmente de tantos instrumentos de progresso e de divulgação, deve o materialismo perder o seu predomínio sobre as Ciências, voltando-se estas para o Criador do Universo, por elas completamente esquecido em suas investigações. É por esse superior motivo que temos especulado, ultimamente, sobre o aparecimento dos primeiros seres vivos na face da Terra. Mais uma vez, porém, repetimos: não pretendemos penetrar nos segredos da origem da vida, como o fazem os sábios materialistas, porquanto essa origem esconde mistério impenetrável, só conhecido por Deus. 

terça-feira, 21 de abril de 2015

Aprender sem Escolas


Aprender sem Escolas
Tobias Mirco / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Abril 1971

            É ponto pacífico, entre os espíritas verdadeiramente familiarizados com a Doutrina, que o caráter desta é essencialmente progressivo, mas que, não obstante a sua tolerância, exige reflexão, prudência e critério analítico, “e evitar ir de cabeça baixa ao encontro dos devaneios da utopia e dos sistemas”, buscando sustar iniciativas inovadoras nem sempre convenientes. E, na verdade, isso tem sido feito sempre, “a tempo, nem muito cedo, nem muito tarde, e com conhecimento de causa”, segundo as palavras do Codificador. “Aliás, a experiência já comprovou o acerto dessa previsão. Tendo marchado sempre por esse caminho desde a sua origem, a Doutrina avança constantemente, mas sem precipitação, verificando sempre se é sólido o terreno onde pisa e medindo seus passos pelo estado da opinião. Há feito como o navegante que não prossegue sem ter na mão a sonda e sem consultar os ventos.(1)

            Compreende-se, portanto, a responsabilidade de todos os espíritas na salvaguarda do inavaliável patrimônio que nos deixou Allan Kardec, legatário eleito de nobres Espíritos. Com o peso incontestável de sua autoridade, Emmanuel afirmou que Doutrina Espírita “quer dizer Doutrina do Cristo”. E a Doutrina do Cristo é a doutrina do aperfeiçoamento moral em todos os mundos” (2), razão primacial para que a Federação Espírita Brasileira, e concomitantemente todos os espíritas, permaneçam vigilantes, resguardando-a, preservando-a, para que ela conserve a pureza dos seus preceitos e o vigor que até hoje eles possuem, assegurando os benefícios que proporcionam à criatura humana oportunidades de compreender a vida terrena, porquanto, disse Léon Denis, “o homem tem tanta necessidade de uma crença como de uma pátria, como de um lar”. E é o Espiritismo que nos dá o conhecimento pleno da religião, ao mesmo tempo que esclarece o porquê da vida terrena, sua correlação com a vida espiritual, a razão dos problemas humanos, dentro e fora do lar, assim como a causa dos sofrimentos, os meios de que podemos dispor para melhor entender o mundo em que vivemos, a importância do nosso comportamento moral, etc.

            Como não há milagres, obviamente o Espiritismo não faz nem poderá fazer milagres.

            Dá-nos os elementos imprescindíveis à correção dos nossos rumos na vida, à melhoria da nossa posição em face dos nossos semelhantes, mas tudo dependerá principalmente de nós, embora possamos contar com o beneplácito dos Espíritos amigos, prontos a nos ajudar, sem, contudo, interferir no nosso livre arbítrio. Justamente por tudo isso, ressalta a responsabilidade de cada indivíduo, porque as palavras são de Léon Denis “o Espiritismo será o que dele fizerem os homens. Similia similibus! Ao contato da Humanidade, as mais altas verdades às vezes se desnaturam e obscurecem. Podem constituir-se uma fonte de abusos. A gota de chuva, conforme o lugar onde cai, continua sendo pérola ou se transforma em lodo”. (3)

*

            Companheiros de crença, imbuídos, sem dúvida alguma, dos melhores propósitos, tem procurado introduzir no ambiente espírita ideias e ações que consideram úteis e de extraordinárias consequências para o progresso do Espiritismo. Empolgados, não se apercebem da possibilidade de inconveniências ocultas sob o entusiasmo de que se deixam possuir. Eis o motivo pelo qual nem sempre a Federação Espírita Brasileira concorda com determinados procedimentos e iniciativas. Nem sempre também as atitudes da Casa de Ismael são imediatamente compreendidas, ainda que, ulteriormente, o tempo venha sempre comprovar o acerto das suas prudentes resoluções, como a História o demonstra.

            Escreveríamos um livro se nos aprofundássemos na exposição dos fatos justificativos do que vimos de asseverar. Há alguns anos, por exemplo, foi criada uma faculdade brasileira de estudos psíquicos. Tudo muito solene, muito acadêmico, muito intelectual. O conhecido malogro da iniciativa dispensa maiores comentários. Mas a ideia ficou bailando na mente de alguns confrades, que a transmitiram a outros entusiastas, direta ou indiretamente, de modo que, volta e meia, surgem planos idênticos. Até se pretende elaborar uma “pedagogia espírita”, como já se criaram escolas espíritas, escolas de médiuns, institutos espíritas de educação, cursos de introdução a uma pedagogia espírita, etc., culminando tudo isto com uma publicação de educação espírita. Sem dúvida nenhuma, isso é belo e sedutor, mas traz em seu bojo desvantagens que um exame atento revelará, uma das quais está no fato de nos levarem aos mesmíssimos caminhos já percorridos por outras doutrinas, por outros movimentos de caráter religioso ou filosófico. Os mesmos esquemas, as mesmíssimas estruturas vigentes no setor materialista ou pseudo espiritualista.

            Entenda-se: não somos nem podemos ser contra a educação, mas a Doutrina Espírita nos sugere rumos diferentes para a sua aprendizagem, por sua maleabilidade e natureza. A Doutrina sofrerá deturpações e mutilações, dentro de uma didática formal, materializada, fruto de um intelectualismo que tem sido nocivo até mesmo a doutrinas políticas. Considerando, portanto, com Kardec, que “princípio do melhoramento está na natureza das crenças, porque estas constituem o móvel das ações e modificam os sentimentos”; que “também está nas ideias inculcadas desde a infância e que se identificam com o Espírito”; que “está ainda nas ideias que o desenvolvimento ulterior da inteligência e da razão podem fortalecer, nunca destruir”, concluiremos, ainda com Allan Kardec, que é pela educação, mais do que pela instrução, que se transformará a Humanidade”. (4) Mas a educação espírita terá de continuar sendo feita pela própria Doutrina, sem currículo escolar, sem professores em Espiritismo, sem alunos habilitados em Espiritismo, sem os perigosos resvalamentos que conduzem à indiferença pelos problemas morais inerentes aos ensinos dos Espíritos, porquanto o Espiritismo Evangélico é fundamental e essencialmente democrático, já que não veio para segmentar, mas para unir, unir sempre. A pedagogia espírita está nas obras do Codificador, iluminadas pelo Evangelho de Jesus, na realidade o único Mestre, a quem Clemente de Alexandria chamou, com felicidade, “Pedagogo da Humanidade”. A legítima “pedagogia” espírita emana da identidade da Doutrina com o Evangelho, dispensando, por essa mesma razão, sistemas criados e mantidos pelo materialismo, em ambiente capaz de desespiritualizar qualquer esforço destinado a enquadrar em seus moldes rígidos (influenciando-os negativamente, deturpando-os) os preceitos da Terceira Revelação. (grifo do Blog)

            O que é preciso - disse eminente correligionário espiritista - é imunizar o ambiente espírita do vírus materialista, é espiritualizar métodos e expressões em uso nos trabalhos de pregação da Doutrina, para que se fortaleçam cada vez mais os princípios dela constantes. Se cotejarmos os conceitos de Espíritos de escol, como Emmanuel, André Luiz, Bezerra de Menezes e outros, com os pontos de vista emitidos por Allan Kardec, verificaremos sua absoluta concordância, no que concerne ao processo aconselhável para  a divulgação e o ensino da Doutrina. Emmanuel afirma: “Os estabelecimentos de ensino, propriamente do mundo, podem instruir, mas só o instituto da família pode educar. É por essa razão que a universidade poderá fazer o cidadão, mas somente o lar pode edificar o homem. A MELHOR ESCOLA AINDA É O LAR, ONDE A CRIATURA DEVE RECEBER AS BASES DO SENTIMENTO E DO CARÁTER.” (5)

            Conta-se que um camponês fora à instituição de Pestalozzi para visitar seu filho  e, ao chegar, exclamou surpreendido: “Oh! isto não é uma escola, mas uma família!” Encantado, Pestalozzi replicou: “Este é o maior elogio que vós me poderíeis fazer. Eu consegui, graças a Deus, mostrar ao mundo que não deve haver um abismo entre o lar e a escola.” (6) Infelizmente, o materialismo desfigurou a ideia de Pestalozzi e, hoje, há um objetivo inocultável de destruir a família, pois está em crise aguda a autoridade dos pais ante a crescente rebeldia dos filhos, sugestionados por teorias exóticas, que, apelando para a liberdade, nada mais estão fazendo do que esmagá-la pela indisciplina e o desregramento. O estudo formalizado do Espiritismo, segundo o figurino materialista, fere frontalmente a nossa Doutrina, que, então, passará a ser uma matéria de estudo como qualquer outra, subordinada a esquemas didáticos que a situarão em plano secundário, constringindo-a em processos convencionais, quando ela é, por si mesma, um extraordinário e completo curso, cuja amplitude e profundeza decorre da sua tríplice condição de - Religião, Ciência e Filosofia. (grifo do Blog) Sujeita ao tipo didático materialista, que é o vigente, ela perderá, por força das circunstâncias, o vigor que possui, caindo na vulgaridade, ficando, quando muito, emparelhada a ensinamentos outros, indiscutivelmente menos relevantes, porquanto estaria condenada a render-se ao modelo clássico das escolas terrenas.

*

            Lembramos uma vez mais o esclarecido Emmanuel: “Porque a Doutrina Espírita é em si a liberalidade e o entendimento, há quem julgue seja ela obrigada a misturar-se com todas as aventuras marginais e com todos os exotismos, sob pena de fugir aos impositivos da fraternidade que veicula.(7) O intelectualismo exagerado sempre cria problemas. A ele se devem os impulsos “progressistas” dos que desejam andar mais depressa, na presunção, talvez, de que o Espiritismo avança... muito devagar. Esquecem-se de que “o próprio interesse do Espiritismo exige que se apreciem os meios de ação, para não ser forçoso parar a meio do caminho”. (8)  Essa posição de prudência não faltou jamais à Federação Espírita Brasileira, sentinela indormida e positiva da pureza e integridade da Doutrina, posição sólida para assegurar a vitalidade do Pacto Áureo, pela qual lhe será possível evitar se repita o lendário episódio do “cavalo de Tróia”. Não ignoramos que “o progresso geral é a resultante de todos os progressos individuais; mas o progresso individual não consiste apenas no desenvolvimento da inteligência, na aquisição de alguns conhecimentos. Nisso mais não há do que uma parte do progresso, que não conduz necessariamente ao bem, pois que há homens que usam mal do seu saber. O progresso consiste, sobretudo, no melhoramento moral, na depuração do Espírito, na extirpação dos maus gérmens que em nós existem. Esse o verdadeiro progresso, o único que pode garantir a felicidade ao gênero humano. Muito mal pode fazer o homem de inteligência mais cultivada; aquele que se houver adiantado moralmente só o bem fará. É, pois, do interesse de todos o progresso moral da Humanidade”. (9)

            Fora de dúvida, o Espiritismo deve ser também sempre estudado como ciência, e não só como ciência, mas em todos os seus aspectos. Todavia, parafraseando Léon Denis, e consoante o pensamento de notáveis espíritas, como Adolfo Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio, Pedro Richard, Guillon Ribeiro e outros, além dos já mencionados Espíritos Emmanuel e André Luiz, direi: “O Espiritismo ou será evangélico, ou não subsistirá”, porque, no Evangelho está tudo quanto figura no âmbito essencialmente espírita, inclusive os fenômenos, que atestam, positivamente, a realidade inconcussa das manifestações espirituais, das manifestações psíquicas, no mundo físico.

            Principalmente aos espíritas militantes cabe o dever de evitar tudo quanto possa contribuir para deslustrar o conteúdo espiritual das atividades que desempenham, pretendendo conduzir por vias materializadas, naturalmente hostis ao Espiritismo, o que este possui de mais característico. Não estamos adotando atitude polêmica, mas apenas, com a humildade que reveste a nossa intenção, alertando os companheiros de atividade na seara, para que reflitam e retitiquem o rumo tomado com entusiasmo e, acreditamos, com os mais puros propósitos, para que a Terceira Revelação, cada vez mais, se robusteça e amplie o seu raio de ação e penetração na consciência dos homens ainda à espera do “estalo” que sacudiu o Padre Vieira.

 (1) Allan Kardec - "Obras Póstumas", página 316.
(2) Emmanuel - "Religião dos Espíritos", página 193.
(3) Léon Denis - "No Invisível", página 8.
(4) Allan Kardec, ob. cit., página 348.
(5) Emmanuel - "O Consolado r", página 67, pergunta nº 110.
(6) Frederick Eby "História da Pedagogia Moderna", página 380.
(7) Emmanuel - "Religião dos Espíritos", página 192.
(8) Allan Kardec, ob. cit., página 337.
(9) Idem, ibidem, página 349.


Academias

Emmanuel
"Acreditam muito mais em títulos transitórios do academicismo e em facilidades
econômicas do que no valor substancial das pessoas."
("Estude e Viva", 1ª ed., pág. 142, médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.)

"A intelectualidade acadêmica está fechada no círculo da opinião dos catedráticos, como a ideia religiosa está presa no cárcere dos dogmas absurdos."
("Emmanuel", 7ª ed., pág. 178, médium Francisco Cândido Xavier.)


Demétrio Nunes Ribeiro 
"Jesus desempenhou o mais alto apostolado da Terra sem uma cátedra de academia."
("Falando à Terra", 2- ed., pág. 85, médium Francisco Cândido Xavier.)

André Luiz 
"O Lar e o Templo são as escolas da fé."
("Estude e Viva", 1ª ed., pág. 119, médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.)

Jesus Cristo
"Vós, porém, não queirais ser chamado Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos."
("Evangelho de Mateus", cap. XXIII, vers. 7-8.)