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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Tereza D'Ávila e João da Cruz - Médiuns Cristãos do século XVI



Tereza D'Ávila e João da Cruz
Médiuns Cristãos do Século XVI
por Aurélio Fontes
Reformador (FEB) Dezembro 1978

            No século XVII, precisamente em 1681, começa a segunda parte do notável romance de Emmanuel, "Renúncia", psicografado por Francisco Cândido Xavier, cuja 8ª edição foi publicada pela FEB no fim do ano transato.

            A cidade medieval fortificada de Ávila (Castela-a-Velha, Espanha) - cujas muralhas se acham hoje em perfeito estado de conservação - é seu cenário primeiro. Na sua catedral famosa, Padre Damiano mantém com regularidade as suas aulas de instrução primária, enquanto vai atendendo vasta agenda de deveres religiosos, sem deixar, contudo, de prosseguir sonhando com uma possível missão no Continente Americano.

            Mas, um centênio antes disso, cumpridas as suas nobilíssimas tarefas em prol da restauração do puro Cristianismo, na Terra, depois de ter atuado corajosamente contra o fanatismo e a hipocrisia os mais extremados da Espanha, na fase marcante do pensamento religioso libertador da Renascença, na Europa, regressava às Esferas Espirituais de origem a valorosa médium Teresa, seguida, anos mais tarde, pelo honrado sensitivo João da Cruz, leal discípulo da dileta filha de Ávila.

            Emmanuel, que fora o Padre Damiano, em "Renúncia", e posteriormente o Padre Manuel da Nóbrega - o "Pai dos Necessitados" (autor da primeira obra literária escrita no Brasil, "Diálogo sobre a Conversão do Gentio"), concretizando a antiga aspiração de trabalhar no Novo Mundo -, noutro livro recebido por Chico Xavier assevera: "Teresa d'Ávila recebe a visita de amigos desencarnados e chega a inspecionar regiões purgatoriais, através do fenômeno do desdobramento." ("Pão Nosso", pp. 359/360.)

            A Caravana da FEB, em maio de 1917, deslocou-se de Madri à Ávila a fim de conhecer os sítios em que lutaram e deram testemunho de sua fé tão incompreendidos Médiuns, embora a hostilidade permanente que lhes lotavam aqueles que deviam justamente ampará-los e confortá-los nos difíceis misteres da renovação espiritual e da vivência exemplificadora do Evangelho do Cristo. Na história da ação abnegada, silenciosa e perseverante dos preparadores do advento do Consolador Prometido por Jesus, na crosta planetária, estava faltando um registro especial que lembrasse os nomes dessas duas criaturas veneráveis e heroicas, que não devem ser ignoradas ou esquecidas, em tempo algum. Daí o artigo do nosso colaborador.  A REDAÇAO

João de Deus

            Conheço apenas três mensagens espirituais ditadas mediunicamente pela gloriosa Teresa d' Ávila. As duas primeiras, ao grande médium português Fernando de Lacerda ("Do País da Luz", FEB, voI. II, 4ª ed., pp. 158/163 e voI. IV, 2ª ed., pp. 288/291) e a terceira a Francisco Cândido Xavier ("Instruções Psicofônicas", FEB, 3ª edição, pp. 151/153). Quem conhece e respeita a posição espiritual do nosso "Chico" e a excepcionalidade dos seus dons mediúnicos, poderá avaliar o grau de sublimidade do Espírito da excelsa carmelita, se analisar com cuidado o sucinto relato do notável acontecimento, tal como está narrado na obra acima citada: "Grande júbilo marcou para nós a noite de 14 de outubro de 1954 - escreve o relator do "Grupo Meimei". Na fase terminal de nossas tarefas, o Espirito José Xavier, através dos canais psicofônicos, avisou-nos fraternalmente: "- Esforcemo-nos por entrelaçar pensamentos e preces, por alguns minutos, pois receberemos, na noite de hoje, a palavra, distanciada embora, de quem há sido, para muitos de n6s, um anjo e uma benfeitora. Nosso grupo, em sua feição espiritual, deve permanecer atento. Neste instante, aproximar-se-á de nós, tanto quanto possível, a grande Teresa d'Ávila e, assim como um grão de areia pode, em certas situações, refletir a luz de uma estrela, nosso conjunto receber-lhe-á a mensagem de carinho e encorajamento, através de fluidos teledinâmicos. A mente do Chico está preparada agora, qual se fosse um receptor radiofônico. Repetirá, automaticamente, com certa zona cerebral mergulhada em absoluta amnésia, as palavras de luz da grande alma, cujo nome não ousarei repetir."

            Mas, quem foi e que fez neste mundo aquele luminoso Espírito, para merecer tão elevada condição na hierarquia celeste? Antes, porém, de recordar, em ligeiros traços, a vida e a obra desse Ser de eleição, que ilumina, com o seu fulgor, o firmamento espiritual de nosso orbe, passemos em rápida revista a época em que ele viveu entre nós.

            O século XVI estava em seus começos e era um tempo de grandes contradições. Tempo de descobertas e da colonização de novos mundos - das Américas e das Índias. A imprensa era ainda recente e estava começando a rasgar horizontes inusitados ao espirito humano, enquanto novos impérios coloniais se formavam, sob o cetro de Portugal, da Espanha e da Inglaterra. Ao lado, porém, dessas fúlgidas conquistas, as trevas morais enegreciam as consciências humanas e mergulhavam toda a Europa em densa noite de obscurantismo e de violência. A Igreja de Roma tornara-se centro tão aberto e declarado de corrupção e de negocismo, que a Religião - única dominante no Ocidente - se tornara a grande desencaminhadora, ao invés de salvadora das almas. Do Papa Bonifácio VIII (que usava anel cabalístico, para invocar seu "demônio protetor", e tinha fama corrente de sodomista e de assassino), o poder eclesiástico passou aos Papas de Avinhão. Dante descreveu, então, os sete monstros dos pecados capitais atados ao carro da "Ecclesia triumphans". A Inquisição, revitalizada e desbordada, oprimia, matava, roubava e torturava impunemente, sob Clemente V; para depois encher de ouro simoníaco as arcas de João XXII, e de vinho as adegas de Benedito XII e de Clemente VI. Não foi por acaso que se espalhou em Avignon, em 1351, uma famosa "Carta de Lúcifer ao Papa, seu Vigário na Terra". Era a hora e a vez dos Petrarca e dos Boccacio. Depois, entre o temível Urbano VI e o excomungado Clemente VII, as mais tradicionais e respeitáveis Ordens religiosas entraram em sérios dissídios internos e em franca decadência moral. Após uma sequência
infausta de Papas e Antipapas, que mutuamente se condenavam ao inferno, o nepotismo e a ambição temporal se instalaram no trono pontifício, primeiro com Martinho V e depois com o deplorável Sisto IV, o incrível Inocêncio VIII, o Bórgia Alexandre VI e o guerreiro Júlio II, para finalmente encarnar-se na estranha figura do argentárío e epicurista Leão X.

            Era esse o Pontífice, essa a Igreja, esse o mundo, no ano em que Francisco I assumiu o trono de França. Era esse o ar que se respirava na Espanha do impiedoso Inquisidor Francisco Ximenes de Cisneros, quando, no dia 28 de março de 1515, nasceu, de família abastada, na famosa cidade de ÁviIa, a rica e nobre Teresa Cepeda Y Ahumada.

*

            O cenário humano da época bem refletia a grande batalha espiritual que a Luz e as Trevas travavam sobre a Terra. Não estavam na arena social somente os Angoulême, os Tudor e os Habsburgo; estavam também os Bórgia, o tenebroso Cardeal Cisneros, a sanguínária Maria da Inglaterra, a sombria Catarina de Médicis, o execrável Dom João III e estava, igualmente, InÁcío de Loiola. Era preciso que também estivessem, junto a muitos outros, Francisco Xavier, Tomás Morus, Nicolau CopérnIco, Teresa Ahumada. Aqueles eram os "tempos heroicos da Cavalaria", em que a Igreja presidia à solene "investidura" dos Cavaleiros e lhes entregava as armas, para fazê-los jurar publicamente que a defenderiam, tanto quanto aos suseranos que os patrocinavam.

            Era um revivescimento institucionalizado das antigas Cruzadas, sem gritos de guerra ou expedições contra os muçulmanos, mas com o mesmo ímpeto beligerante contra, generalizadamente, todos os infiéis. A ideia dominante era a de um Reino de Deus muito terreno, muito material e imediatista, a ser conquistado e defendido a ferro e fogo, ao tinir das moedas e das armas. Os romances aventurescos eram leitura geral e obrigatória dos adolescentes e das aristocratas, num cenário de sonho e de violência, onde a "valentia" era sempre o artigo primeiro de qualquer código de virtudes.

            Foi nessa atmosfera que Teresa passou a sua infância e os primeiros anos de sua juventude. O templo em que orava era a rica igreja do Mosteiro Real de São Tomás, mandado construir por Torquemada e sob cujo altar renascentista sobressaia o imponente túmulo de mármore do Príncipe Dom João, irmão de Joana, a Louca. Aos 19 anos, ela viu entrar triunfalmente em Ávila, no ano de 1534, o Imperador Carlos V, o gotoso monarca que, mais tarde, recolhido ao Mosteiro de Yuste, na Estremadura espanhola, assistiria a solenes ofícios fúnebres que, ainda em vida, mandava celebrar em sufrágio de si mesmo.

            A esse tempo, o pai de Teresa, agindo como era de hábito da boa sociedade da época, já a internara, por um ano, no Mosteiro de "Santa Maria de Gracia", das agostinianas, onde a jovem não encontrou maiores alegrias. Sua vocação religiosa era muito clara, mas o seu coração não podia entender e amar a Cristo senão de um modo alegre, puro, verdadeiro, íntimo e poético, e jamais nos termos convencionais das fórmulas frias e estreitas que eram praticadas. Além disso, já lhe repercutiam na alma os ecos da tempestade que sacudia a Igreja e o Império. Os protestos de Lutero, abrindo a "Questão das Indulgências", haviam resultado na sua excomunhão, mas a dura repressão eclesiástica à Reforma acabou provocando o morticínio de cem mil pessoas, nas "guerras dos camponeses" da Alemanha do Sul, da Suábia e da Francônia, a "Dieta de Spira" e a "Confissão de Augsburgo", O mundo "cristão" estava mergulhado na maior crise interna de sua história. Henrique VIII já havia rompido com o Papa e fundado o Anglicanismo quando, conforme conta Emmanuel ("A Caminho da Luz", FEB, página 176) "os Espíritos tenebrosos e pervertidos, que mostraram ao europeu outras aplicações da pólvora, além daquelas que os chineses haviam enxergado na beleza dos fogos de artifício, inspiraram ao cérebro obcecado e doentio de Inácio de Loiola a fundação do jesuitismo, em 1534, colimando reprimir a liberdade das consciências".

            Teresa não pôde esperar mais. Era preciso ajudar a salvar o espírito do Cristianismo e a reformar a Igreja. Fugida de casa, bateu à porta do Mosteiro da Encarnação e pediu para ser carmelita. Era o dia 2 de novembro de 1535.

*

            A Igreja a cujo seio Teresa agora se acolhia não era mais a Igreja primitiva e simples do "Caminho". "Cooperando com o Estado - diz Emmanuel, ob. cit., página 138 -, faz sentir a força das suas determinações arbitrárias. Trezentos anos lutaram os mensageiros do Cristo, procurando ampará-la no caminho do amor e da humildade, até que a deixaram
enveredar pelas estradas da sombra, para o esforço de salvação e de experiência; e, tão logo a abandonaram ao penoso trabalho de aperfeiçoar-se a si mesma, eis que o imperador Focas favorece a criação do Papado, no ano 607. A decisão imperial faculta aos bispos de Roma prerrogativas e direitos até então jamais justificados. Entronizam-se, mais uma vez, o orgulho e a ambição na cidade dos Césares. Em 610, Focas é chamado ao mundo dos invisíveis, deixando no orbe a consolidação do Papado. Dessa data em diante, ia começar um período de 1260 anos de amarguras e violências para a civilização que se fundava."

            No ano de 755, Pepino, o Breve, rei dos Francos, forçou os Lombardos a doarem ao Papa Estêvão II os ricos territórios do Exarcado de Ravena e da Pentápole, que passaram a formar, no ano seguinte, o chamado "Patrimônio de São Pedro". Assim, o Papa se tornou rei e a Igreja passou a ser Estado. "Instalada nas suas imensas riquezas e dispondo de todo o poder e autoridade, a Igreja poucas vezes compreendeu a tarefa de amor, que competia à sua missão educativa - assinala Emmanuel (ob. cit., pp. 157/161). Habituada a mandar sem restrições, muitas vezes recebeu as advertências de Jesus à conta de heresias condenáveis, que era preciso combater e profligar. As exortações do Alto não se faziam sentir tão somente no seio das ordens religiosas, onde penitentes humildes proporcionavam aos seus orgulhosos superiores eclesiásticos as mais santas lições da piedade cristã. Também na sociedade civil as sementes de luz deixavam entrever os mais esperançosos rebentos de compreensão e de sabedoria, a cerca do Evangelho e dos exemplos do Cristo. Neste caso está Pedro de Vaux, que, embora sendo um homem de negócios, em Lião, desligou-se de todos os laços que o prendiam às riquezas humanas, despojando-se de todos os bens em favor dos pobres e necessitados, comovido com a leitura da exemplificação de Jesus no seu Evangelho de amor e redenção. Esse homem extraordinário, a quem fora cometida a missão de instrumento da vontade do Senhor, mandou traduzir os livros sagrados para leitura pública e, junto de outros companheiros que passaram à História com o nome de valdenses, iniciou amplo movimento de pregações evangélicas, à maneira dos tempos apostólicos. Os Pobres de Lião foram excomungados, primeiramente pelo arcebispo da cidade e mais tarde, em 1185, pelo pontÍfice do Vaticano. A Igreja não poderia tolerar outra doutrina que não a sua, feita de orgulho e mal disfarçada ambição. Qualquer lembrança verdadeira e sincera, do seu divino Fundador, era tomada como heresia abominável e suscetível das mais severas punições. A verdade, porém, é que, se os valdenses foram caluniados pelas forças católicas, suas pregações e apelos nunca mais desapareceram do mundo, desde o século XI, porque, com vários nomes, as suas organizações subsistiram na Europa até à Reforma, não obstante os guantes de ferro da Inquisição. -Os apelos do Alto continuaram a solicitar a atenção da Igreja romana em todas as direções. As chamadas "heresias" brotavam por toda parte onde houvesse consciências livres e corações sinceros, mas as autoridades do Catolicismo nunca se mostraram dispostas a receber semelhantes exortações. Havia terminado, em 1229, a guerra contra os hereges, cujos embates atravessaram o espaço de vinte anos, quando alguns chefes da Igreja consideraram a oportunidade da fundação do tribunal da penitência, cujos projetos de há muito preocupavam o pensamento do Vaticano. Mascarar-se-ia o cometimento com o pretexto da necessidade de unificação religiosa, mas a realidade é que a instituição desejava dilatar o seu vasto domínio sobre as consciências. Todavia, se a lnquisição preocupou longamente as autoridades da Igreja, antes da sua fundação, o negro projeto preocupava igualmente o Espaço, onde se aprestaram providências e medidas de renovação educativa. Por isso, um dos maiores apóstolos de Jesus desceu à carne com o nome de Francisco de Assis. Seu grande e luminoso Espírito resplandeceu próximo de Roma, nas regiões da Úmbria desolada. Sua atividade reformista verificou-se sem os atritos próprios da palavra, porque o seu sacerdócio foi o exemplo na pobreza e na mais absoluta humildade. A Igreja, todavia, não entendeu que a lição lhe dizia respeito e, ainda uma vez, não aceitou as dádivas de Jesus. (...) Muito pouco valeram as lições do bem, diante do mal triunfante, porque em 1231 o Tribunal da Inquisição estava consolidado com Gregório IX. Esse instituto, ironicamente, nesse tempo não condenava os supostos culpados diretamente à morte - pena benéfica e consoladora, em face dos martírios infligidos aos que lhe caíssem nos calabouços -, mas podia aplicar todos os suplícios imagináveis. A repressão das "heresias" foi o pretexto de sua consolidação na Europa, tornando-se o flagelo e a desdita do mundo inteiro."

            Desde 1231, haviam transcorrido trezentos anos de sombra e de violência. Agora, em 1535, Teresa de Jesus ia tentar acender, de novo, o fogo santo do amor e da verdade, na penumbra dos claustros medievais. Durante trinta e oito anos, travou, na humildade e no trabalho, uma luta silenciosa e terrível contra os vícios e a hipocrisia que a rodeavam. A História batizou essa batalha heroica de "Reforma do Carmelo", Mas, que reforma foi essa? Em que consistiu e que teve de extraordinário? Na realidade, nada mais foi do que um esforço imenso, honesto, contínuo e decidido, para a vivência do Evangelho de Jesus, em espírito e verdade, para o retorno sincero ao puro Cristianismo. Isso foi tão difícil, suscitou tanta oposição e tantas perseguições, que Teresa, já com 62 anos e desde muito tempo responsável por suas Irmãs Descalças, foi obrigada a se dirigir quatro vezes ao rei Filipe II. A última dessas quatro cartas é tão esclarecedora e tão dramática, que me permito transcrevê-la aqui, integralmente. Ela consta do livro "Cartas", de Teresa, editado em
português (como todos os demais escritos da Autora) pela Editora Vozes e foi reproduzida na obra "A Porta de Ávila", do carmelita italiano Luigi Carlo Di Muzio, que me foi valiosa para este artigo.

            Eis a carta:

            "A graça do Espírito Santo esteja sempre com Vossa Majestade. Amém. Creio muito firmemente que houve por bem Nossa Senhora valer-se de vossa Majestade e toma-lo por amparo e remédio de sua Ordem, e assim não posso deixar de acudir a Vossa Majestade no que nos diz respeito. Por amor de Nosso Senhor, suplico a Vossa Majestade perdoar-me tanto atrevimento.

            Bem creio tem Vossa Majestade conhecimento de como estas monjas do mosteiro da Encarnação têm provado levar-me para lá, pensando por este meio achar algum remédio para liberar-se dos Frades (os Calçados); pois, é certo, lhes servem de grande estorvo para o recolhimento e a religião que elas têm em vista, e são responsáveis por toda a culpa das faltas de observância no passado. Estão, porém, muito enganados, porque enquanto lhes estiverem sujeitas, tendo-os por confessores e visitadores, de nenhum proveito, ao menos duradouro, é minha ida para lá. Assim o afirmei sempre ao visitador dominicano, e ele estava bem convencido disto.

            Para melhorar a situação, enquanto Deus fazia sua obra, pus ali numa casa um Frade Descalço (Frei João da Cruz), tão grande servo de Nosso Senhor, que as tem edificado muito, juntamente com um seu companheiro. Espantada está a cidade com o grandíssimo proveito que resultou, de modo que o têm por santo; e em minha opinião o é, e o tem sido toda a sua vida.

            Informado disto o Núncio passado, e também do prejuízo que faziam os do Pano - por larga informação que lhe foi apresentada por parte da cidade -, promulgou um mandamento com excomunhão para que fizessem voltar os confessores descalços, que haviam expulsado com muitos insultos e escândalo do povo. Além disso, mandou, sob pena de excomunhão, que nenhum Padre do Pano fosse à Encarnação a tratar de algum negócio, ou a dizer Missa, ou a confessar, só o permitindo aos Descalços e Padres seculares. Com isto ficou em bom estado a casa, até que morreu o Núncio, e voltaram os Calçados sem mostrarem com que autoridade o podiam fazer. Com eles voltou a inquietação.

            E agora, um frade (fr. Maldonado, por comissão recebida do Padre Tostado) que veio absolver as monjas, tanto as maltratou, e tão sem ordem e justiça, que estão bem aflitas, e não livres das penas que antes tinham, segundo me disseram. Ainda por cima, tirou-lhes os confessores descalços, dizendo-se nomeado Vigário provincial - e assim deve ser, porque tem mais capacidade do que os outros para fazer mártires -,e levou-os presos ao seu mosteiro, depois de arrombadas as celas e tomados os papéis que tinham.

            Está todo o lugar bem escandalizado, por verem como, não sendo Prelado nem mostrando com que autoridade assim agiu - pois os Calçados estão sujeitos ao Comissário Apostólico -, atrevem-se a tanto, nesta cidade que tão perto está de onde reside Vossa Majestade. Dir-se-ia não temem a justiça, nem a de Deus. Da minha parte fico muito aflita por ver os nossos em mãos de seus contrários, que há bastante tempo o premeditavam; mais quisera eu vê-los entre mouros, pois talvez usassem de mais piedade. E esse Frade, tão servo de Deus, está de tal modo fraco, do muito que tem padecido, que temo por sua vida.

            Por amor de Nosso Senhor suplico a Vossa Majestade mande que o mais breve possível o libertem, e que se deem providências para que não sofram tanto, com os de Pano, todos estes pobres Descalços, que não fazem senão calar e padecer. Ganham muito, mas de tudo isto resulta escândalo entre o povo. Este mesmo Calçado (Frei Maldonado) que aqui está, neste verão prendeu sem nenhuma causa, em Toledo, Frei Antônio de Jesus, que é um bendito velho, o primeiro que professou. E andam dizendo, por ai, que hão de perder a todos, porque assim lhes mandou o Tostado. Seja Deus bendito, pois os que haviam de servir de meios para impedir que o Senhor fosse ofendido, são ocasião de tantos pecados; e cada dia procederão pior.

            Se Vossa Majestade não manda remediar o mal, não sei onde iremos parar, porque nenhum outro apoio temos na Terra. Praza a Nosso Senhor conservá-lo muitos anos no nosso meio... Nele espero que nos fará esta mercê, pois se vê este Senhor destituído de quem olhe por sua honra. Continuamente Lho suplicamos, todas nós, estas servas de Vossa Majestade, e eu. Feita em S. José de Ávila, a 4 de dezembro de 1577. Indigna serva e súdita de Vossa Majestade, Teresa de Jesus, Carmelita."

            Valeram, porém, os excelentes resultados espirituais do trabalho evangélico de Teresa, tão cheio de duras provações e sacrifícios. O exemplo da grande carmelita
frutificou na Espanha e no mundo, consolando e salvando muita gente. Ela, entretanto, não lutou só. Alguém foi, sobre a Terra, o seu "alter ego", companheiro amado e inseparável, alma eleita, como ela, a serviço do Senhor. Chamou-se João Alvarez Yepes, ou, como ficou conhecido, João da Cruz (Juan de Ia Cruz).

*

            "Dou-vos por confessor um padre que é um santo" - escreveu Teresa de Jesus, ao apresentar seu amigo às suas monjas. "é o padre de minha alma, um daqueles que me fizeram maior bem. Minhas filhas, recorram a ele com muita confiança; considerem-no como uma outra eu mesma e terão muita satisfação, porque é muito espiritual, douto e cheio de experiência."

            Tinha João da Cruz quatro ou cinco anos de idade quando, quase a afogar-se num pântano, viu, de repente, lindíssima Senhora, que lhe disse: "Filhinho; dê-me a sua mão e eu tiro você daí." Mesmo estando para morrer, hesitou em obedecer, para não sujar a nobre Dama com a sua mão enlameada, mas depois entendeu que a lama da terra não afeta os Espíritos e tornou-se devoto da Mãe Santíssima, até o fim dos seus dias.

            João nasceu paupérrimo, filho de um nobre, Gonzalo de Yepes, deserdado por casar-se com a plebeia Catalina Alvarez. Recolhido pelo "Colegio de Ia Doctrina", para quem passou, desde cedo, a mendigar, tornou-se enfermeiro voluntário dos indigentes do Hospital da Conceição, enquanto frequentava as aulas noturnas dadas pelos jesuítas. Sua brilhante inteligência valeu-lhe a proteção de Dom Alonso Alvarez de Toledo, à qual João renunciou para ingressar, aos vinte e um anos, no convento carmelita de Medina del Campo. Daí, mandaram-no estudar em Salamanca, onde foi ordenado sacerdote em 1568. De regresso a Medina del Campo; abriu mão de todas as ofertas para uma brilhante carreira eclesiástica e se uniu a Teresa de Jesus, que desde 1562 fundara o primeiro mosteiro das Descalças, em San José de Ávila, para a difícil e genuína experiência de viver integralmente o Evangelho. Ampliando para o setor masculino o trabalho renovador de Teresa, João da Cruz fundou, em Duruelo, o primeiro convento dos Carmelitas Descalços.

            A experiência de Teresa e de João foi essencialmente a mesma. Os dois mantiveram, durante anos a fio, contatos íntimos e diários com os "fantasmas", que nada mais eram do que Espíritos, mas nem sempre Espíritos bons. Ela esteve quase à morte, por diversas vezes, e nunca gozou de uma perfeita saúde, mas sua vida espiritual dia a dia tornava-se mais bela. Seus poemas, doces e ardentes, suas cartas, meditações e exercícios, multiplicavam-se, cheios de inspiração. Escreveu sua autobiografia, o "Livro da Vida", o "Caminho da Perfeição", o "Castelo Interior", "Cartas", "Fundações", "Conceitos do Amor de Deus", "Relações Espirituais".

            Esplêndido é o seu poema "Muero porque no muero".

"MUERO PORQUE NO MUERO"

Vivo sin vivir en mí,
y tan alta vida espero,
que muero porque no muero.

GLOSA

Aquesta divina unión,
del amor con que yo vivo,
hace a Dios ser mi cautivo,
y libre mi corazón;
mas causa en mí tal pasión
ver a Dios mi prísíonero,
que muero porque no muero.

iAy! i Qué larga es esta vida!
i Qué duros estos destierros,
esta cárcel y estos hierros
en que el alma está metida!
Sólo esperar Ia salida
me causa um dolor tan fiero,
que muero porque no muero.

i Ay! i Qué vida tan amarga
do no se goza el Sefior!
Y si es dulce el amor,
no lo es Ia esperanza larga;
quíteme Dios esta carga,
más pesada que el acero,
que muero porque no muero.

Sólo con Ia confianza
vivo de que he de morir;
porque muriendo, el vivir
me asegura mi esperanza:
muerte do el vivir se alcanza
no te tardes que te espero,
que muero porque no muero.

Mira que el amor es fuerte;
vida, no seas molesta;
mira que sólo te resta,
para ganarte, perderte;
venga ya Ia dulce muerte,
venga el morir muy Iigero,
que muero porque no muero.

Aquella vida de arriba
es Ia vida verdadera:
hasta que esta vida muera,
no se goza estando viva;
muerte no seas esquiva;
vivo muriendo primero,
que muero porque no muero.

Vida, qué puedo yo darle
a mi Dios que vive en mí,
si no es perderte a ti,
para mejor a El gozarle?
Quiero muriendo alcanzarle,
pues a El solo es el que quiero,
que muero porque no muero.

Estando ausente de ti,
qué vida puedo tener,
sino muerte padecer
Ia mayor que nunca vi?
Lástima tengo de mí,
por ser mi mal tan entero,
que muero porque no muero.
  
            João da Cruz, a quem a Academia de Língua Espanhola considera um mestre de estilo, a ponto de proclamá-lo, em 1952, o Patrono dos Poetas de Língua Espanhola,
também produziu, na mesma época, obras imortais: "Cântico Espiritual", "Máximas", "A Subida do Monte Carmelo", "Noite Escura", "Chama Viva de Amor", "Palavras de Luz".

*

            As piores provações para a reforma do Carmelo haviam sido vencidas. A prisão de João da Cruz, em Toledo, as calúnias, as humilhações, as perseguições a Teresa e suas Descalças. O mundo, porém, ia de mal a pior. Em 1562, explodiam na França as guerras religiosas e Catarina de Médicis ordenava o "Massacre de São Bartolomeu". "Os mensageiros do Cristo deploram tão dolorosos acontecimentos - registra Emmanuel (obra citada, pp. 180/1) -, trabalhando por despertar a consciência geral, arrancando-a daquela alucinação de morticínio e sangue, mas precisamos considerar que cada homem, como cada coletividade, pode cumprir seus deveres ou agravar suas responsabilidades próprias, na esfera de sua liberdade relativa. As lutas na Europa, em todo o século XVI, longe de colimar um fim, dilatavam-se em guerras tenebrosas, mergulhando os povos do Velho Mundo num terrível círculo vicioso de reencarnações e resgates dolorosos."

            Teresa regressou aos braços do Cristo na tarde de 4 de outubro de 1582, aos 67 anos de idade terrestre. João da Cruz volveria, por seu turno, ao mundo espiritual, na madrugada de 14 de dezembro de 1591, com 49 anos bem vividos. Agora, é do Carmelo Celeste que, em nome de Jesus, eles dois piedosamente nos contemplam, nos abençoam e nos ajudam. 

domingo, 6 de janeiro de 2013

9. 'Guia Prático do Espírita'





9
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 VIDÊNCIA


            Estando a médium em oração, viu Teresa D’Ávila, muito formosa, a qual disse:

            “Segundo as virtudes que praticais na vossa vida terrestre, ocupais um estado mais feliz ou mais desgraçado no espaço. O ser que na Terra foi virtuoso, caritativo, sofredor, resignado e amoroso, quando desaparece da Terra é semelhante ao viajante que empreende uma viagem num dia de primavera, e que, á medida que avança em seu caminho, o sol sobe majestoso no espaço e a sua viagem é cheia de luz e de formosura; pois o espírito que pratica o bem, ao desaparecer da Terra, vai abrindo suas faculdades à luz e, quando desperta, encontra tudo iluminado e compreende então onde se acha e sabe que é feliz.

            “O espírito, porém, que na Terra foi egoísta e avaro, que tudo esperou do vosso mundo, que não foi nem misericordioso, nem caridoso, nem virtuoso, entra no mundo espiritual quando o sol está no ocaso; à medida que vai despertando, as trevas vão aumentando e, quando está completamente desperto, tudo vê tenebroso e terrível; quer saber onde está, mas não lhe é possível averiguar; vai de uma parte a outra e não encontra mais do que trevas, deserto e espanto; no espaço tudo é lúgubre; e então começa a desesperação.”

            Habitantes da Terra, apressai-vos a atrair a luz sobre vós, com boas obras; mudai de vida, os que praticais o mal; quando não a vossa última hora será terrível e o vosso despertar horroroso.




quarta-feira, 29 de junho de 2011

'Tereza D'Ávila'



A Monja “Inquieta e Andeja” (*)

Kleber Halfeld
Reformador (FEB), pág. 80 -  Março 1987

               
              Aos 7 anos, a filha de Dom Alonso Sanches de Cepeda e de Dona Beatriz d’Ávila Y Ahumada, convence seu irmão predileto, Rodrigo, quatro anos mais velho, a ir com ela para o continente africano onde combaterão os mouros. Pretendem morrer, caso necessário seja, por amor ao Cristo. Um tio que os encontra em local já distanciado da cidade, leva-os de volta ao palácio paterno.
            Um sonho inocente de duas crianças.
            Mas é um ideal - este de oferecerem a vida a uma causa - que se concretizará anos mais tarde, embora através de uma luta diferente: o trabalho difícil e perseverante junto às consciências humanas.
            Principalmente da parte de Teresa d’Ávila.
            Tarefa que fará da mística e escritora dessa cidade espanhola[1]  um dos nomes mais respeitados no mundo cristão.                                  

  ***

            Na noite de 14 de outubro de 1954, no “Grupo Meimei” [2], o Espírito José Xavier [3], através da psicofonia, avisa aos presentes:
            “Esforcemo-nos por entrelaçar pensamentos e preces, por alguns minutos, pois receberemos, na noite de hoje, um anjo e uma benfeitora. Nosso Grupo, em sua feição espiritual, deve permanecer atento. Neste instante, aproximar-se-á de nós, tanto quanto possível, a grande Teresa d’Ávila e, assim como um grão de areia pode, em certas situações, refletir a luz de uma estrela, nosso conjunto receber-lhe-á a mensagem de carinho e encorajamento, através de fluidos teledinâmicos. A mente de Chico está preparada agora, qual se fosse um receptor radiofônico. Repetirá, automaticamente, com certa zona cerebral mergulhada em absoluta amnésia [4], as palavras de luz da grande alma, cujo nome não ousarei repetir [5]. Rogamos aos companheiros se mantenham em oração e silêncio, por mais dois a três minutos.”(Grifei.)

                A mensagem ditada por Teresa d’Ávila - “Palavras de Luz” -[6] na verdade não constituía a primeira de que o mundo espírita tomava conhecimento. Quem folhear a obra “Falando à Terra” [7], editada em 1951, encontrará outra página da mesma autora, com o título “Lembrete”. Como o “grupo Meimei” seria fundado somente três anos mais tarde, é de se acreditar tenha sido a mensagem recebida por Francisco Cândido Xavier na intimidade de outra agremiação. Em ambiente adequado e após preparo, inclusive, do próprio médium, tal o quilate da Entidade comunicante.

                                   ***

            É realmente considerável o número de obras que descrevem a vida de Teresa d’Ávila, a única “santa” do Catolicismo que mereceu o título de doutora da Igreja, título que no caso foi outorgado pela Universidade de Salamarca.
            Para se ter uma visão dos autores que se ocuparam dessa respeitada figura da Espanha basta tomar do volume que a ÊMECE Editores S.A. (Buenos Aires) imprimiu, contendo duas obras da autora espanhola: “Camiño de Perfección” e “Libro de las Funciones”. É exatamente na Nota Preliminar que se identifica a relação desses três autores.
            A verdade, porém, é que o primeiro que se propôs escrever algo sobre Teresa d’Ávila foi o conhecido Frei Luís de León, apelido da irmã de Felipe II, a Imperatriz viúva da Maximiliano da Áustria. Entretanto, somente pode redigir algumas páginas, porquanto a desencarnação o surpreendeu em plena tarefa.
            O trabalho, incompleto embora apareceu em 1883, na “Revista Augustianiana”.
            Mas, se muitos escreveram sobre ela, por outro lado também escreveu Teresa d’Ávila.
            Além das duas obras citadas, merecem destaque: - “A Vida” - encomendada pelo Padre Gracián, no sentido de fornecer dados ao Inquisidor (!) encarregado de proceder a uma investigação sobre a monja.
- “As Invocações” e os “Cânticos” - que constituem exclamações de amor, espontâneas e diretas, delas extravasando o ardor místico de sua autora. - “Castelo Interior” ou “As Moradas” - que são crônicas leais da única experiência de vida que poderia interessar a Teresa: as diversas etapas que a alma percorre, ao longo da estrada que conduz ao Pai. Aliás, outra obra, “O Caminho da Perfeição”, enquadra-se, igualmente, nesse aspecto.
            Quanto ao trabalho “O Livro das Fundações”, o próprio título denuncia seu conteúdo.
            É toda essa produção literária, aliada ao amplo trabalho de fundação de conventos, que lhe granjeará um certo temor não apenas das religiosas de seu tempo, mas dos próprios Superiores [8], que anos mais tarde acabam por beatificá-la e canonizá-la, conscientes de sua “santidade”.

                                   ***

            Entre tantos e tão singulares fenômenos da vida de Teresa d’Ávila, dois podem ser citados como os mais singulares: os êxtases e a levitação.
            Sobre o primeiro, é a própria monja que confessa:
            “É ele o reflexo exterior de um ímpeto de amor da alma”.
            E um dia revelaria mais minuciosa:
            “Dali a pouco cresceu em mim um amor de Deus tão grande que eu não sabia quem me infundia; por ser muito sobrenatural, nem eu o procurava para mim. Sentia-me morrer do desejo de ver a Deus; e não sabia onde buscar essa vida verdadeira, senão na morte... Às vezes, o ímpeto é tão violento que o corpo parece sem vida e não se podem mover os pés nem os braços; a o contrário, quando estou de pé, caio sobre mim mesma, como que inanimada...” [9]
            A descrição feita coincide perfeitamente com o estudo que vamos localizar em “O Livro dos Espíritos”.
            Quando Kardec indagou:
            “O Espírito do estático penetra realmente nos mundos superiores?” Eis a resposta que recebeu:
            “Vê esses mundos e compreende a felicidade dos que os habitam, donde lhes nasce o desejo de lá permanecer.” (...) [10]
            Mais à frente perguntou o Codificador: “Se se deixasse o estático entregue a si mesmo, poderia sua alma abandonar definitivamente o corpo?” O esclarecimento da Espiritualidade não poderia ser mais claro:



Lembrete

Mensagem do Espírito Teresa D’Ávila

O mundo é cerâmica sublime, 
em pleno cosmos.
A carne é o barro; o espírito é o oleiro.
Cada homem plasma 
seu destino de acordo
com a própria vontade.
Há quem fabrique ânforas
 para o vinho do Senhor, 
e há os que modelam crateras
para a cicuta do espírito.
  Companheiro da Terra,
 faze da existência um vaso sagrado,
em que a Divina Bondade 
se manifeste.
Na pobreza ou na abastança, 
na felicidade ou na desventura, 
não te esqueças 
de que a vida corpórea é 
divina argila em tuas mãos.

“Falando à Terra”.
Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
        (3ª Ed. FEB)   


            “Perfeitamente, poderia morrer. Por isso é que preciso se torna chamá-lo a voltar, apelando para tudo o que o prende a esse mundo, fazendo-lhe sobretudo compreender que a maneira mais certa de não ficar lá, onde vê que seria feliz, consistiria em partir a cadeia que o tem preso ao planeta terreno.” [11]
            Nesse particular, sou levado a imaginar que nos repetidos êxtases experimentados por Teresa d’Ávila não deve ter faltado a assistência das próprias monjas de seu convento, buscando despertá-la, embora agindo sem a devida compreensão do fenômeno.
            É possível mesmo que algumas chegassem a mentalizar a repetição das crises que ela apresentara algum tempo antes.
            A esse propósito, a própria Teresa d’Ávila em sua autobiografia revela:
            “Comecei a ter delíquios contínuos e, pouco depois, sobreveio um mal do coração tão violento que eu incutia pavor a quantos me viam. A isto se ajuntaram muitos outros males.”
            De fato, houve na vida dessa monja períodos de contínuos padecimentos. O mais sério parece ter ocorrido em 1537, quando contava ela 22 anos. Neste ano, após muitos dias de sofrimento foi dada como morta. Dom Alonso, entretanto, recusava acreditar em sua desencarnação, mantendo-se junto à filha durante três dias, prazo em que a moça voltou ao normal.
            Teresa explica em sua autobiografia:
            “Na Páscoa desse mesmo ano, eu só tinha ossos. Assim permaneci oito meses e, se bem melhorasse gradativamente, continuei encolhida durante três anos. Quando comecei a arrastar-me de gatinhas pelo chão, agradeci a Deus.”
            Foi nesta fase de vida que ocorreu um fato curioso, sem explicação para aqueles que a rodeavam. Ou melhor, o caso foi levado à conta de milagre, uma vez que ninguém encontrou explicação conhecida. Tanto médicas, quanto religiosas.
            Um dia, de repente, ergueu-se Teresa e saiu da enfermaria, tão saudável quanto suas companheiras de convento. A partir desse instante retornou às suas atividades regulares: quer às tarefas de sentido puramente espiritual, quanto às de ordem funcional propriamente dita.
            Alguns de seus biógrafos explicam que os delíquios de que era vítima poderiam produzir “ausências” recorrentes, de natureza epiléptica e que o “mal do coração” por ela citado tenha correlação com a dor que se difundia do peito a todo o corpo. Mas, eles mesmos, os biógrafos, acrescentam por prudência que ‘tudo isto são simples hipóteses”.
            Na verdade, Teresa d Ávila não tinha saúde boa, bastando lembrar que em certo período foi dada como tísica irrecuperável. Mas não se pode alijar a decisiva influência do mundo espiritual sobre sua organização, fazendo surgir quadros patológicos que aos facultativos da época traduziam doenças tipicamente de fundo extrafísico.
            Por essa razão, não acredito fossem todos seus delíquios “ausências” recorrentes de natureza epiléptica.
            Não devemos nos esquecer de que muitas vezes fenômenos epilépticos têm sido responsáveis por casos em que a Ciência não dispõe de melhores explicações.
            É muito mais simples diante da complexidade de determinados casos tomar-se a epilepsia como a melhor porta de saída...
            Com referência à levitação, era um fenômeno que a molestava sobremodo, consoante sua própria confissão:
            “É uma coisa terrivelmente extraordinária, que dá azo a muitos falatórios.”
            Tudo acontecia inopinadamente. Ela era como que “aspirada” para o teto, de nada valendo seu esforço para manter-se no chão, diante das atônitas irmãs do Convento da Encarnação.
            Passado o fenômeno e já refeita do susto, costumava candidamente exclamar que “Sua Majestade” [12] assim procedia, porquanto desejava atraí-la para Si...
                                   ***
            A pesquisa sobre a vida e a obra de Teresa d’Ávila nos propicia ensejo de concluir que não obstante ter sido religiosa católica vinculada a um sistema de clausura; apesar de viver em um país dominado pelo clero e, ainda, curvada ao jugo de múltiplas enfermidades, tornou-se, ao cabo de longas reflexões e contínuas interpenetrações no mundo dos Espíritos, símbolo de trabalho dinâmico, consciência livre e mentalidade otimista.
            Justifico, embora resumidamente, essa assertiva.

1. Trabalho Dinâmico
            A organização do Carmelo, primitivamente subordinada a um regime de severidade, sobretudo no que dizia respeito ao voto de pobreza, afastara-se ao tempo de Teresa d ‘Ávila de tal preceito. Uma das provas eram os “parlatórios-salões” dos conventos, transformados em salões mundanos onde as monjas adereçadas como grandes damas da sociedade e aqueles tidos como benfeitores das “servas de Deus” se distraíam em conversas fúteis, malbaratando o tempo, com o que não se conformava Teresa. Por isso mesmo, em companhia de algumas religiosas com ela identificadas no mesmo pensamento, retirou-se para um pequeno mosteiro, iniciando então o movimento pela reforma da obra do Carmelo.
            Aliás, esse desejo de reforma no seio de uma ordem religiosa me faz recordar uma visita que Francisco Cândido Xavier fez a Juiz de Fora em 1945, quando em um grupo de confrades teve a oportunidade de esclarecer que diversos Espíritos evoluídos, de época em época, descem à Terra para a renovação dos costumes, até mesmo no campo religioso. Adiantou, ainda, que não demoraria muito para que um grande número de Entidades devidamente preparadas no Espaço encarnassem em nosso Planeta visando a operar sensíveis transformações no seio de congregações tidas como “muito fechadas”.
            O trabalho de Teresa, é óbvio, encontra forte resistência, não só da parte do padre provincial da Ordem, do Governador da cidade de Ávila, dos magistrados do Conselho, como dos membros do Capítulo. Uma discussão agita todas as camadas religiosas ao ponto de o núncio apostólico, Felippo Sega, exclamar certa feita:
            “-Não lhe pronuncieis o nome! (referindo-se a Teresa) É uma monja inquieta e andariega (uma monja inquieta e andeja), desobediente, obstinada, que propaga doutrinas perniciosas a pretexto da devoção e deixa o seu convento contra as ordens superiores e os decretos do Concílio de Trento.
            E arrematava mal-humorado:
            “-É uma ambiciosa que tem a pretensão de ensinar Teologia como se fosse um doutor da Igreja, desprezando os ensinamentos de São Paulo, que ordena às mulheres que se abstenham de ensino.” [13]
            Essa é uma característica dos renovadores.
            De nada receiam.
            A própria vida entregam por amor a uma causa que julgam justa.
            Em troca, invariavelmente, recebem a perseguição, os apodos, as calúnias!
            Teresa, porém, não se dá por abatida. E a continuidade de seu esforço persistente acaba por propiciar-lhe, anos mais tarde, assistir à multiplicação dos conventos dentro de um esquema de ação como houvera sonhado.
            Era o triunfo de uma monja sobre um sistema organizado.
            Constituía a vitória da severidade sobre a futilidade.
            Para sustentá-la em sua jornada reformadora, houve por bem a Espiritualidade Maior colocar-lhe ao lado um grupo de dedicadas monjas. Eis por que certa vez escreveu:
            ‘O ver-me encerrada nesta casa, com almas tão dedicadas, é para mim grandíssima consolação.”
            Sem mencionarmos aqui o trabalho propriamente dito de reforma dos conventos, é de ser destacado igualmente o número daqueles que criou: 17 para freiras e 15 para frades, totalizando, desta forma, 32! Isso, ao longo de 20 anos de um trabalho decididamente penoso, porquanto sem qualquer descanso!

2. Consciência Livre

            É Teresa d’Ávila quem escreve jamais ter obedecido cegamente às autoridades eclesiásticas constituídas de seu tempo.
            E a conscientização de que não devia temer qualquer reação parece ter surgido no dia em que um Espírito se lhe apresentou (que julgou ser o próprio Cristo) indagando-lhe:
            -Não sabes que sou onipotente? De que te arreceias?
            A partir desse momento uma autoconfiança a sustentará perante a fadiga, o sofrimento e a própria fome - que não raro experimentou em sua caminhadas. E mais do que isso: dar-lhe-á coragem para manter independente sua consciência, não se submetendo às normativas vigentes no seio da Igreja, e com muitas das quais, não concordava.
            Parece mesmo que Teresa pouco ou nada acreditava em sermões. E muito menos nos pregadores:
            “por que razão as suas prédicas induzem tão pouca gente a deixar os vícios públicos?” - perguntava a si mesma enquanto levantava a correspondente resposta:
            “Porque os que pregam têm demasiada prudência humana e não ardem com aquele grande fogo do amor de Deus com que ardiam os apóstolos: por isso mesmo a chama deles aquece pouco.”
            Essa coragem chegava às vezes a um grau jamais imaginado pelas companheiras. Porque não tinha receio de advertir:
            -Os senhores da Terra colocam toda a sua grandeza  num aparato exterior de autoridade. Com eles só se fala em horas determinadas, e somente algumas pessoas podem fazê-lo. Se, portanto, quem deseja tratar com eles for um pobrezinho, terá de dar voltas e esperar nas antecâmeras, implorar favores e afadigar-se para obter uma audiência... Os que têm o mundo debaixo dos pés dizem a verdade, não têm medo de nada e nem devem tê-lo. Por isso não são feitos para as cortes, onde não se pode agir com sinceridade e onde é necessário dissimular o mal que se vê, pensando que não é mal para não cair em desgraça.
            Apenas quem conhece a história da Inquisição pode avaliar do destemor dessas expressões!...

3. Mentalidade Otimista

            Embora fosse Teresa d’Ávila uma grande contemplativa, sabia perfeitamente nos momentos de necessidade comportar-se como uma criatura de ação. Essa maneira de ser ficou provada quando sentiu que devia sair da sua clausura para o trabalho que sua consciência determinava.
            Desenvolvia sua tarefa com verdadeiro espírito de alegria, o que deixava muita gente espantada.
            Seria tal exteriorização uma qualidade inata em seu Espírito?
            Seria influência de João da Cruz a quem nomeara seu confessor e pai espiritual assim que fora eleita Superiora do Convento da Encarnação? Porque este não cansava de repetir: “A primeira das paixões da alma é a alegria.” [14]
            Muitas vezes sua alegria, seu otimismo, sua descontração diante da situação deixavam desconcertados os circunstantes.
            Quando, no dia 4 de outubro de 1582, caiu desfalecida em Alba de Tormes, após mais uma de suas costumeiras e longas viagens, abatida por um sem-número de padecimentos, indagaram-lhe as piedosas irmãs se desejava ser conduzida de volta a Ávila. De semblante descontraído e com voz sem qualquer embaraço respondeu:
            - Não acreditais que me darão um pouco de terra aqui também?...

                                   ***

            Não seria necessário maior extensão a este trabalho para concluir-se dos justificados adjetivos outorgados pelo núncio apostólico Felippo Sega a Teresa d’Ávila - monja inquieta e andeja. Muito embora emprestemos a esses mesmos adjetivos sentido emoldurado por vibrante positividade!

            Inquieta, buscou penetrar no âmago das questões de caráter teológico, conseguindo dessa incursão corajosa extrair uma normativa de conduta para seus passos.

            Andeja, apesar de toda uma série de barreiras levantadas pelo Clero, foi responsável, conforme vimos, pela fundação de mais de três dezenas de agremiações religiosas!

            Um trabalho para o qual muitos não darão sua concordância, alegando não possuir ele maior objetividade prática, mas que de qualquer forma reflete o dinamismo de uma criatura que, sacrificada por enfermidades, ameaçada pelo poder constituído, não se deteve na tarefa que julgava justa e certa.
            Talvez pudéssemos relacionar sua maneira de agir com a de Saulo de Tarso, que na defesa do mosaísmo julgava - com pureza e sinceridade - estar agindo corretamente.
            E como o grande apóstolo dos gentios, agora já como defensor do Cristo, também Teresa d’Ávila possui outro denominador comum: o gosto pelas repetidas caminhadas por amor Àquele que cognominara - “Sua Majestade”...
           


(*)  Não pretende o presente trabalho traçar dados biográficos completos a respeito de Teresa d’Ávila. O escopo principal é de sua própria biografia extrair passagens que se correlacionem com o que temos estudado na Doutrina Espírita, aproveitando-se ainda o ensejo para tecer apreciações em torno de fatos que, possivelmente, terão passado despercebidos daqueles que lhe analisaram a vida e a obra.
[1]  Ávila, cidade espanhola, é Capital da Província do mesmo nome. Está situada às margens do rio Adaja.
[2]  O “Grupo Meimei”, localizado em Pedro Leopoldo, consoante esclarecimentos do confrade Arnaldo Rocha na obra “Instruções Psicofônicas”, realizou sua primeira reunião na noite de 31 de Julho de 1952.
  Meimei, pseudônimo de D. Irma de Castro Rocha, foi, quando encarnada, esposa de Arnaldo.
[3]  Irmão de Francisco Cândido Xavier, à época de sua última encarnação.
[4]  Observa-se aqui o preparo realizado pela Espiritualidade Maior em Francisco Cândido Xavier, para captação da mensagem de Teresa d’Ávila.
[5]  José Xavier evidencia em suas palavras o grau evolutivo do Espírito que logo após daria sua comunicação.
[6]  Título dado à página pelo organizador da obra “Instruções Psicofônicas”
[7]  Tanto esta obra como “Instruções Psicofônicas“ foram editadas pela FEB.
[8]  A grande reformadora do Carmelo nasceu em Ávila em 28 de março de 1515 e desencarnou em Alba de Tormes em 4 de outubro de 1582. Foi beatificada pelo Papa Paulo V em 24 de abril de 1614 e canonizada por Gregório XV em 12 de março de 1622.
 Conforme lemos na súmula biográfica dos autores que compõem a obra “Falando à Terra”, os escritos de Teresa d’Ávila são “singelos, humildes, cândidos, e tidos como os mais belos monumentos da língua castelhana”.
 Constituíam, por um lado, a manifestação de sua própria sensibilidade; por outro, a expressão das entidades espirituais que, por seu intermédio, se faziam presentes na literatura católica. Mas, médium que era, não conviveu ela somente com a psicografia. Teve êxtases e visões, assim como experimentou os fenômenos da levitação e transporte.      
[9]  “Mulheres Imortais”, ed. Cia. Melhoramentos de São Paulo.
[10]  Questão nº 440.
[11]  Questão nº 442.
[12]  Assim gostava Teresa d ‘Ávila de chamar a Jesus.
[13]  Há que considerar a época em que semelhante preceito foi instituído, porquanto a realidade é que os costumes vão sendo modificados com o passar dos anos.
[14]  João da Cruz, escritor místico, deixou: “Subida ao Monte Carmelo”, “Noite Escura”, “Cântico Espiritual”, “Chama de Amor Viva”. Sofreu muito em decorrência das contínuas perseguições movidas contra ele.