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domingo, 9 de janeiro de 2022

Quid dicis de teipsum

 

Manuel Quintão

Quid dicis de teipsum (1)

por Manuel Quintão

Reformador (FEB) Fevereiro 1943

(1) Evangelho de João, I-22 

(Disseram-lhe, então: “Quem és, para darmos uma resposta aos que nos enviaram? Que dizes de ti mesmo?”)

 

Sou a voz do que clama no deserto,

Mas profeta não sou, nem sou Elias:

Entanto, digo: aparelhai as vias

Do Senhor anunciado, que vem perto.

Falo daquele de quem disse Isaías,

Que em virtude do Espírito a coberto,

Viria ao mundo de paixões liberto,

Sem da carne provar as tiranias,

Certo, em água eu batizo; mas, no entanto,

Tendes já entre vós, desconhecido,

Quem vos batize no Espírito-Santo.

O meu batismo é de arrependimento,

E quem nele se houver por menos fido (leal),

O de fogo haverá por escarmento (advertência).

 (Dedicado a Albino Ururahy.)


quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Casos e coisas

 

Casos e Coisas

por Manoel Quintão

Reformador (FEB) 1 º Janeiro 1937

             A tradição, que aqui guardamos de muitos anos, não nos permite condescender com muitas iniciativas e atitudes, possivelmente sinceras e bem intencionadas, mas, nem sempre compatíveis com a legitimidade e pureza da Doutrina, qual a entendemos e propugnamos, já haurida em suas fontes de codificação orogonal (perpendicular), já coligida no campo das experiências pessoais, exautivamente trabalhado.

            Por hoje, queremos nos referir a esse atordoante prurido de propaganda a toques de caixa e rufos de tambor, que a imprensa profana vai espalhando à feição de casos políticos e tragédias possionais, com o só fito, aliás explicável, de enricar o seu jornal.

            É o sensasionalismo, o impressionismo, o truísmo, elevado à máxima potência vibratória, sem meças de responsabilidade, por isso que praticados com alheiamento de causa e desconhecimento de efeitos.

            Certo, não vamos aqui averbar de inescrupulosa e mentirosa essa imprensa, por julgar da sua boa fé ou má fé, quando apenas nos parece que ela está no seu papel, que não é, nem poderia ser, neste caso, o de orientadora das massas, e sim de registradora de aspectos e movimentos sociais.

            A imprensa leiga descobriu que o proselitismo espírita é uma realidade apreciável em nosso meio e nesta época de renovamentos profundos, quer franquear-lhe a sua arena, com o mesmo critério e pela mesma razão por que o faz a outras correntes de idealismo político e de crenças religiosas.

            Até aí, muito bem; só haveria que lhe tecer louvores; mas a verdade é que, na maioria dos casos, o grande público não se benefia de conhecimentos idôneos através dessa propaganda, pois o que nela reponta, consueto, é um documentário esdrúxulo, bastardo e referto de fantasias pitorescas e até ridículas.

                                                                                   *

            Ultimamente, tivemos no cartaz o caso de Noemia Boldrin (*)  uma jovem que, dizem, dorme lá por S. Paulo há bons seis anos.

                 (*) Jovem que permaneceu adormecida por anos. Nossas pesquisas sobre o assunto se mostraram inconclusivas quanto ao desfecho do ‘caso’. Aparentemente um quadro de possessão. Mas, caro leitor, não tome esta opinião como definitiva. Quando tivermos esta matéria bem esclarecida retornaremos ao assunto neste blog. 

             Não se sabe quem, de chofre e só agora, se lembrou de enfrentar o Fantasio; mas, de fato é que surgiram logo confrades garraios e médiuns dispostos a examinar o caso para garantir-lhe o corretivo, se não fosse patológico, e afirmando ex-cathedra que, ao contrário, também a ciência humana o não curaria.   

            Até o presente, ignoramos o resultado da empresa, porque, subitamente, como nas mágicas teatrais, caiu o pano com o fracasso do tal Dr. Krumer da “Rosa Cruz” (branca) que, em ser homem de ciência, comprovou, afinal, que em ciência também há charlatanismo.

            Dos trabalhos mediúnicas que se lá fizeram do método utilizado; das observações recolhidas como elemento de estudo e crítica, absolutamente nada veio à tona, a não ser uma esfumada silhueta de médium a quatro, isto é, de gatinhas...

            De sorte que, concluímos, a moça paulista continua adormecida, como adormecidos continuam os leitores do diário que agitou e ajeitou a questão.

            Os nossos Protágoras, neurólogos, psiquiatras que podiam e até deviam intervir para firmar credenciais de boa polpa científica, chamaram-se às escolhas, e os espiritistas cônscios de suas responsabilidades apenas lastimam que a doutrina continue incompreendida e falseada, na teoria como na prática, não tanto pelos leigos, que nada têm com isso, mas pelos próprios adeptos, que se propõe interpretá-la e vivê-la.

            Entretanto, a verdade é que nenhum espiritista estudioso fora capz de intervir em casos e coisas que tais, sem antes procederem a sondagens delicadas, minudentes e discretíssimas.

            O verdadeiro espiritista sabe que o mundo dos Espíritos, tanto quanto o dos homens, está repleto de embusteiros e que niguém há, na Terra como no espaço, capaz de algo garantir em caráter absoluto e fatalista.

            Todas as conquistas, todos os feitos são condicionais e subordinados a um rítmo providencial, cujas possibilidades e latitudes só Deus conhece.

            Não é contestar, em boa doutrina, possam os encarnados soba égide de seus Guias remediar, esclarecer e mesmo, sanar uns tantos males anômalos, entre os quais a obsessão.

            Mas, é que, em regra e a preceito, esses tentames requerem circunspecção, priudência e, mais que tudo, virtual merecimento de causa.

            Esse merecimento só os Espíritos de alta linhagem moral podem aprecia-lo.

            Só eles podem saber até que ponto não colidem a justiça e a misericórdia divinas.

            Não haveria de ser, portanto, pelo só critério humano, tumultuário, apressado e até eivado de egoísmo, bastas vezes, que se firmaria a legitimidade do recurso.    

            Depois, há convir que ainda este recurso não dispensa preliminares de tempo, organização, método e disciplina de trabalho  – fatores de ordem moral e temporal, em suma, que se não improvisam, máxime num ambiente de fogo  – o fogo das paixões que por aí lavra surdo, com ameaças de maiores incêndios, e que nos leva a concluir que nunca se fez mais recomendável a palavra do Divino Mestre, quando diz: sêde mansos como as pombas e prudentes como as serpentes.


sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Casos e Coisas

 

M. Quintão

Casos e coisas

por Manoel Quintão

Reformador (FEB) Janeiro 1940

                 Nota: Quem lê Quintão sabe que em seus textos são inseridas palavras de rara utilização. Se você se sente confortável para alterar nossas anotações feitas entre parênteses por favor, sinta-se à vontade. Envie-nos as devidas correções para o nosso email: gckauffman@gmail.com. e o texto será revisto. Grato. Gustavo

             Confrades solícitos e quiçá escandalizados escrevem-nos constantemente e nos enviam recortes de jornais, para que respondamos às críticas mais ou menos pitorescas, quando não parvas (pouco inteligentes), aí surgidas agora, como broto abortivo da campanha médico-clerical.

            Não se precatam (acautelam-se), esses amáveis confrades, de que o jogo é velho e feito sempre com as mesmas cartas. O que muda é a parceria, quando muda.

            Em se tratando do Parnaso de Além Túmulo, vale então dizer que essa crítica veio tarde e a más horas, pois esse livro, maravilhoso e único nos anais da bibliografia espírita, apareceu há oito anos, está na terceira edição quase esgotada e, por conseguinte, consagrado no conceito público.

            O público, é bem de ver, não se conta aqui pelas tasquinhas (pedacinhos) da peraltice literária, esfatiada ao gosto de mentalidades seminaristas e mais ou menos cavadoras de notoriedade, em achegas de revistas mais ou menos esportivas. Não é, tampouco, o que ajuiza de conta alheia. Esse público nós o damos sem ágio aos mercadores de roupas feitas, para que se vista à vontade e acompanhe o terço e a missa que melhor lhe saiba. Não temos a pretensão de aposentar Panurgo (designação irônica dos que só procedem por espírito de imitação.) Nosso público é de outra marca, não se improvisa, não se requesta. A convicção não se lhe faz ab extrinseco ( apresentar a fé impondo-se à alma unicamente do exterior e por via autoritária), mediante garabulhos (asperezas) de convicção, mas, ex intimis, (do mais íntimo...) em penhor de madureza espiritual, que os “Saint-Beuvesinhos” (Saint Beuve: crítico literário francês) de arribada (ato ou efeito de arribar, de chegar à margem) jamais poderiam conceber na sua psicologia materialista, salvo o paradoxo. Então, que querem os confrades missivistas? É deixa-los com a sua psicose e aguardar que o Tempo, o grande mestre da vida, se encarregar de lourejar (amarelecer) as searas, como quem sabe que não crê quem quer, mas, quem pode.

 *

             Pelo que nos diz respeito a nós, os do pariato (é um sistema de títulos da aristocracia, historicamente usado em muitos sistemas monárquicos de governo. O termo "pariato" tecnicamente se refere a um subconjunto do sistema completo de títulos da nobreza, e o significado varia de país para país.) intelectual no conceito deles detentores da ciência qye nem sempre é consciência e, menos ainda, consciência divina, o que importa é prismar a questão e fixá-la nos seguintes termos: Francisco Cãndido Xavier é uma criatura de carne e osso, não mítica, nascida, criada, educada ali assim em “Pedro Leopoldo”, onde vive pobre, modesta e virtuisamente. Todos os seus conterrâneos o estimam, exaltam-lhe as virtudes e sabem que ele não teve outra instrução além da rudimentar, ministrada em nossas escolas primárias, da roça. Precisando ganhar a vida, adolesceu (tornou-se adolescente), esfregando balcão de taverna e ainda hoje exerce um insignificante cargo de copista datilógrafo. Nunca teve dinheiro para comprar livros e, ainda que lhos ofertassem, não lhes sobraria tempo de os ler e, menos ainda, meditar.

            Não teve, outrossim, o convívio e o estímulo de rodas intelectuais e literárias, não foi tipógrafo, qual Machado de Assis, nunca fixou de plano qualquer problema filosófico, social, moral, científico ou religioso... Isso ele mesmo o diz, melhor que nós, no proêmio do Parnaso e é o que a crítica honesta competiria considerar antes de criticar.

            Pois bem: esse moço, que não escreve quando quer nem como quer, e nunca para ganhar dinheiro – pois que nada aufere da sua recolta (ato ou efeito de colher, recolher) mediúnica e os próprios elogios o constrangem e intimidam – esse moço nos vem dando de improviso, vertiginosamente, sem intermitência de quaisquer elucubrações embrionárias, ou de plano preconcebido, obras de relêvo literário, não somentte, mas de fundo filosófico e científico, só frutecentes ( que dê frutos) em cerebrações      (atividade mental) privilegiadas e adubadas de copiosa e intensa cultura.

            E na prosa como no verso afloram estilos, modismos, dialéticas, hermenêuticas pessoais inconfundíveis e mais – inconcebíveis, porque tudo isso ele ignora. É a História trabalhada em veios ricos de poderosa síntese, é o Romance entretecido em bastidores de fina tela psicológica, a preceito técnico, é a Filosofia condensada, pasteurizada à luz de todas as conquistas do pensamento humano.

            Em toda essa obra multifária (variada) e cambiante (modulada), desbordam teorias, fatos, doutrinas e conclusões, que o médium não ruminou, não poderia ter imaginado, induzido ou deduzido jamais. Alega-se que há falahs nessa obra? Perrfeitamente; mas, antes de tudo, é preciso focalizar no seu conjnto e atender às circunstâncias em que se nos ela oferece. Que nos dizem os críticos, por exemplo, desse alfabeto de cegos, coisa que o médium nunca viu, por ele grafado a ponta de alfinete? Que dizem da escrita invertida e, ao demais, em inglês, idioma desconhecido do médium? E das mensagens de caráter íntimo, concernentes a episódios remotos, totalmente ignorados do médium e esquecidos do consulente?

            Conosco mesmo, ainda há pouco, em sofrermos um acidente que nos levou ao leito por 30 dias, o médium vibrou a 650 km distante e deu o alarme com uma mensagem espontânea de Emmanuel (seu Guia-Espiritual), absolutamente sintonizada com o nosso estado de alma, reproduzindo ipsis verbis (literalmente) pensamentos nossos em face do acontecimento, quando, por si, nada sabia nem poderia presumir!

            São provas documentais, nítidas, incontáveis, que se não infirmam com paroleiras (imposturas) mais ou menos áticas (despojadas) e bizantinas (especulativas). Noutro país, elas seriam dignas de estudo conspícuo, qual o fizeram na Inglaterra a Sociedade Dialética de Londres e, na Frnaça, o Instituto Metapsíquico.

            Entre nós, com a nossa mentalidade moitante (brincalhona)-desportivo-carnavalesca, vai tudo à conta dos Pimentéis (?) e do ... “pastiche” (obra literária ou artística em que se imita abertamente o estilo de outros escritores, pintores, músicos etc.)

                Mas, como o “pastiche” pressupõe habilidade invulgar, cultura intelectual, tempo e, sobretudo, interesse, claro ou oculto, e nada disso ressalta da obra honesta do médium Xavier, já houve um preopinante que se saiu com esta: ou fenômeno genial inexplicável, ou pastiche inconsciente... Ouviram bem? – inconsciente! E aí tens, leitor confrade, uma charada sem conceito pata o teu conceito, que seria de lhe “dar com um gato morto até miar”, se o velho bichano não andasse por aí escondido com a cauda de fora. E que cauda, santo Deus!

            Portanto, convenhamos: é deixá-los examinar, até que lhes possamos repetir evangelicamente o quoerite et invenietis... (procure e você encontrará...)

            Mas até lá...


domingo, 19 de setembro de 2021

AB IMO PECTORE

 


AB IMO PECTORE (com profundo sentimento)

 por M. Quintão

Reformador (FEB) 1º Março 1918

             Se o valor da Doutrina espírita estivesse circunscrito à sua fenomenologia (tão velha quanto o mundo, diga-se de passagem) como querem alguns adeptos, tudo ao presente estaria feito ou pouco restaria fazer, uma vez que os fatos aí estão ao alcance do primeiro observador de boa vontade e, o que mais é para todos os paladares e capacidades.

            Nem mesmo para ser espiritista importaria estudar as obras fundamentais, porquanto a história de todas as religiões, a própria mitologia neles se radicam e os evidenciam à saciedade.

A imortalidade da alma, a possibilidade de sua comunicação “post-mortem” e a própria teoria da reencarnação, não constituem novidades para os estudiosos de todos os tempos.

E isso se dá nas camadas esclarecidas cuja cultura literária ou filosófica vai um pouco além de mero ornato social em revérberos de pura ficção; nas mais rústicas ou menos lavradas predominam os laivos da origem comum, de mistura à fantasia e à superstição, que o tempo e a educação modificam, colorem, mas não extinguem.

A que propósito viria pois, a doutrina espírita reivindicar a diretriz das consciências, prometer-lhes mais sólido pábulo (alarde), se de fato não trouxesse no conjunto de suas demonstrações positivas algo mais que essas velharias de todos os credos?

Decididamente os que assim pretendem não procuram abstrair do problema esse prisma pessoal tão coercitivo à elucidação da verdade, ainda mais quando ela se faz para gerações inteiras.

Não querem seja o espiritismo uma religião. E daí? Encerrados nesse preceito, ou melhor, nesse preconceito, fazendo simples jogo de palavras, esquecem-se que as coisas são o que são não o que desejamos que elas sejam ou nos pareçam ser.

No caso vertente, da nossa doutrina, precisamos atender a que ela gira em torno de verdades capitais, que são a estrutura integral de todo o sistema filosófico. Estas verdades são: Deus - princípio imanente, causa originária; Espirito - criatura inteligente, eternamente perfectível; - Matéria - cabedal do espírito, eterna como ele e variável ao infinito. Ora, em boa tese, ninguém dirá não haver aí o essencial de todas as religiões como de todas as ciências e com perfeita correlação de causas e efeitos.

Procurar Deus no templo do universo, perquirir as suas leis de sabedoria, ama-lo nas suas obras é tão religiosamente religioso como busca-lo através de fórmulas e símbolos, que não deixam de ter o seu valor relativo, concernentes ao itinerário gradativo da inteligência e da razão humana.

Emmanuel Vauchez imaginou na sua bela obra “La Terre” uma religião sem Deus, calcada nos fatos da Nova Revelação, mas a verdade é que Deus não deixaria de existir por não pensarmos na sua existência, seja qual for o sincretismo que nos obrigue o raciocínio.

Depois, convenhamos os próprios espíritos desencanados e da mais alta envergadura moral, têm vindo falar da existência real desse Deus, em que pese a incapacidade dos nossos sentidos para defini-lo; portanto, se somos coerentes, aceitando a manifestação dos espíritos, devemos aceitar os seus ensinamentos, tendentes todos ao princípio da religiosidade bem entendida, isto é, baseada num amor ativo que não em liturgias mortas, em dogmas abstrusos, já agora incompatíveis com o senso comum.  

Tocamos aqui no ponto principal, que é provar o ascendente moral sobre o especulativo, quando este não tenha outro móvel que o da constatação de um fenômeno naturalíssimo e, porque não dizê-lo? – já agora corriqueiro pela sua frequência em todos os meios sociais.

Ver espíritos, confabular com espíritos, nada adianta se não estivermos moralmente preparados para tirar desses fatos as premissas dele decorrentes para o progresso da humanidade, progresso que, seja dito, há de se fazer partindo do simples para o complexo, isto é, melhorando o indivíduo para melhorar a sociedade.

Mas melhorar o indivíduo não é sequestra-lo da sociedade, isola-lo ou sequer desloca-lo, porque a ninguém fora dado frustrar a grande lei da prova que, coletivamente se afirma na multiplicidade dos seus aspectos, na variedade das condições sociais, gerando o esforço, o trabalho, o mérito de cada qual.

Não vem, pois o espiritismo melhorar a posição terrena dos seus prosélitos, mas melhorá-los a eles na posição que ocupam por força das provas que escolheram e da sua própria capacidade.   

Eis porque, a ciência espírita como tal exclusivamente considerada, jamais congraçaria os homens, dando-lhes desde já essa paz, que os mensageiros de Jesus tão bem simbolizam na promessa do seu reinado.

Mas, o que a ciência não faria jamais pode fazê-lo o amor, esse humaníssimo amor de que são suscetíveis todos os homens, desde o humilde e probo operário ao mais elevado burocrata.

E é por assim compreendermos, que sobrepomos à ciência impassível dos fatos a religião sublime do amor.

Aliás disse-o aquele sobre cuja autoridade não pendem controvérsias  - “amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos”.

            Toda a lei e os profetas aí estão contidas nestas palavras, ditas não para uma confraria nem para uma geração, mas para a humanidade inteira no seu ascenso eterno para Deus.

“Qui habet aures audiendi audiat ...” (Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.)

 

1-3-916.

M. QUINTÃO.


sexta-feira, 30 de abril de 2021

Esnobismo revesso

 

Esnobismo revesso (que não está de acordo com a verdade ou com a moral)

por M. Quintão     Reformador (FEB) 16 de Maio de 1934

             Foi Comte (Auguste Comte) quem disse que os vivos seriam sempre e cada vez mais governados pelos mortos.

            No sentido positivo da doutrina comteana, o apotegma (dito ou palavra memorável, lapidar, proferida por personagem célebre) significa que não há solução de continuidade na evolução humana.

            Em política, em sociologia, em moral, a vida se perpetua por entrosagem (entrosamento) manifesta, de caráter subjetivo.

            A hereditariedade racional é um fato tão natural, como a hereditariedade biológica.

            O Espiritismo não confirma apenas, porque amplia, o conceito de veridicidade da lei.

            Os que se passam ao plano de outra vida não perdem, antes, presuntivamente, ampliam e aclaram os problemas desta vida e nela prosseguem colaborando.

            Não há duas humanidades estanques, não há lindes (limites) divisórias entre os que partem e os que ficam, para só haver uma humanidade que se permeia para a realização de um destino global, comum.

            Sendo assim, porque assim é, também não há conceber o que por aí se taxa de passadismo, à luz da doutrina espírita.  

            Por que?

            Porque, neste caso, toda a doutrina teria passado com o Cristo e Kardec teria sido um legitimo passadista (retrógrado), valendo-se dos ensinos de Erasto, Melanchton e vultos quantos, outros, amando-os, servindo-os, apontando-os à veneração dos pósteros.

            Passadistas assim somos todos os que ainda hoje preferimos ouvir e venerar um Bezerra, um Bittencourt, a entoar o hino das Ideologias Novas, que ninguém sabe qual lhe seja a clave, porque cada qual o canta, quando não regouga, (fala em tom áspero e gutural), a seu modo, com o registro de voz que Deus lhe deu.

            Se a Grande Guerra, como a Bastilha; se as Guerras Púnicas, como a Renascença, ou a descoberta da América constituem eventos aferíveis por marcos de referência na tela histórica da evolução planetária, também podemos e devemos coligir (chegar à conclusão) que não foram improvisados com e para exclusão dos que os precederam, ou neles foram parte.

            Destarte, vultos há cujos feitos, ideias, exemplos não prescrevem na consciência para a veneração dos pósteros.

            Não falaremos de Jesus, vigente para a eternidade dos evos (das eternidades)...

            Falamos dos que lhe viveram a doutrina em essência, a qualquer tempo, e têm, por isso, credenciais de atividade permanente.

            Pois assim é que cultivamos, queremos e veneramos a memória de um Bezerra ou um Bittencourt, cujas ideias, exemplos e atitudes se impõem a todas as ideologias, novas e velhas, por isso que culminaram na única ideologia real - a do amor a Deus e ao próximo, sem preocupações cronológicas.

            Que todos os chamados à sua hora venham colaborar oportunamente na transformação renovadora do planeta, é necessário, é previsto e é louvável; mas, que o façam sem visos (sinais) de maior fraternidade, para só valorizarem a própria atuação, espezinhando o passado e quantos nele sentem um ritmo de afinidades, isso é o que não podemos compreender, para só lamentar.

            Porque, no fim de contas, a obra espiritista é construtiva, é progressiva, é solidária e nunca revolucionária e demolidora. E passado, presente e futuro não podem valer, para nós outros, senão como índice de momentos na eternidade, para a eternidade.

            E tudo mais que aí lampeja, em fulgurações de fogo fátuo, vai por desafio ao clássico - sunt verba et voces, praetereaque nihil... (são palavras e vozes e nada mais...)

            Mas, vejam lá: - no idioma de Cícero e Virgílio, em testemunho de ranhosa (de má qualidade) confissão de abençoado passadismo.


terça-feira, 27 de abril de 2021

Pontos de vista

 

Pontos de Vista 

por M. Quintão      Reformador (FEB) 16 Dezembro 1934

             Sempre tivemos, para nós, que a preponderância do Ideal espirita no plano das objetivações terrenas não se pode atingir a golpes de força, mercê de processos e recursos meramente humanos.

            Pretende-la assim seria desvirtuar lhe a índole essencialmente evangélica, para flutuar na mesma esteira de erros e falsícias (falsidades) do romanismo prepotente e dogmático, antes nocivo, seja dito, do nosso ponto de vista, aos seus corifeus e caudatários de todos os tempos, do que a humanidade irremissa (?), que há tido nele, como em todos os sistemas político-sociais e religiosos, o termômetro da sua providencial evolução.

            Certo, é belo e nobre, é mais que justo e indeclinável, imaginar e propugnar, a qualquer tempo, um estágio melhor para a humanidade que vivemos, de vez que o progresso é indefectível e incoercível, e aqui havemos de voltar por colher o fruto semeado.

            Mas, preciso é convir e concluir, também, em última análise, que, nessa obra de realizações e realidades complexas e indefinitas, a nossa visão e livre arbítrio de toupeiras confinadas e obstringidas (muito apertadas) em lodosas luras (esconderijos) não devem, porque podem colidir no determinismo universal, ser irrestritos e arbitrários.

            Nem por menos nos seria dada, agora, em maiores aclaramentos, a confirmação da lei e dos profetas.

            Ora, a verdade, neste caso, é que a lei nada sofre na isocronia (Técnica narrativa que consiste na sincronização entre o tempo narrativo e o tempo da história) do seu ritmo, no evolutir dos seus planos, com as nossas infracções. 

            O operário trêfego ou imprudente, não travaria de um segundo a roda mestra, em detrimento da manufatura perfeita, para só pagar com a repetição da tarefa o distúrbio cometido.  

            Assim, tudo se reduz, por conseguinte, na perfeita, ou por melhor dizer - menos imperfeita euritimia (regularidade) de um limitadíssimo e condicional arbítrio, em função e amálgama de atividades e deveres complexos, constitutivos de provações individuais e coletivas.

            Pois, se a ninguém é licito, racionalmente, negar uma fatalidade cósmica, uma fatalidade biológica, com todos os seus corolários, lícito não fora negar também uma fatalidade sociológica.

            Somente, o que o mudo averba de fatalidade, na inconsciência ou na incerteza de uma sobrevivência e destinação eterna e consciencial, chamamos nós determinismo divino.

            Deus é a Lei total, integral e absoluta. Entretanto, para o homem, o conhecimento da Lei é sempre relativo. Esta a lição dos Espíritos, criaturas de Deus também, hierarquizadas no conhecimento e execução da Lei.

            Esse conhecimento é imanente e baixa em séries parcelares, proporcionais ao grau de receptividade de cada humanidade para cada mundo, e de cada indivíduo para cada grupo de indivíduos, nação ou sociedade.

            As objetivações terrenas, de caráter temporal e sempre transitório, só se justificam, portanto, a título precário, como meio e não fim, de vez que o destino do ser não se concentra na Terra, nem em mundo outro, qualquer, mas na eternidade extreme de vicissitudes e contingências de tempo e espaço.

            Será, assim, que, só por uma estreitíssima visão angular, o homem sobrelevará em confusões e inversões lamentáveis os seus deveres e atitudes de peregrino acidental de uma estrada finita, pelos que lhe decorrem da consciência integral dos seus destinos superiores, perante os quais as pátrias são expressão de humanidades planetárias, para que estas o sejam de uma só Pátria Universal, ou melhor - aquela Casa do Pai, de diversas moradas, a que aludia Aquele que disse existir antes que o mundo fosse...

 *

             Considerações são estas que nos ocorrem ao fixarmos o panorama das nossas diretrizes no cenário do mundo e, principalmente, da nossa pátria.

            Diante do êxito, a nosso ver, efêmero, que, no terreno sáfaro (árido) da política nacional, tiveram os nossos irmãos católicos, com as chamadas emendas religiosas, logo uma onda de alarma invadiu nossas, fileiras para, dizem, organizar o revide no xadrez tumultuário das aventuras partidárias.

            Ora, todos nós sabemos que o romanismo, assim procedendo, não fez mais do que aproveitar habilmente um estado de coisas não fictício, nem artificial, mas natural e lógico, porque estratificado na ignorância das massas passivas e displicentes, quanto na cegueira inteligente dos céticos epicuristas (os que se entregam aos prazeres mundanos) e falsos crentes de todos os tomos (fundamentos) e matizes.

            Se considerarmos que, em países de mais extensa e intensa cultura, o catolicismo tem mantido forais (foros) de predomínio e regalias, haveremos de concordar que só por um paradoxo se mantivesse neutro e apolítico, num país que ele se orgulha de haver catequisado e que, sob o seu jugo “civilizador” de quatro séculos, ainda conserva 80% de analfabetos e, como florão melhor de “cristandade”, o fato de ser o último reduto, na América, da escravidão e da monarquia.

            Colhido de surpresa nas malhas de uma revolução também artificial, à falta de preparação cívica e graças ao idealismo superior de alguns iluminados da primeira hora, é claro que o nosso Brasil não haveria de maturar no gozo das prerrogativas de liberdade que lhe outorgavam e o clero, tradicionalmente parasitário e regalista (que defende regalias), não renunciaria à partida, para só aguardar o momento de remarcar os pontos perdidos.

            O momento veio, todos sabemos como ele veio e porque veio, e os pontos aí estão, marcados no quadro negro do nosso futuro político-social.

            Tínhamos uma constituição libérrima e ela morreu de inanição. Nunca foi executada, nem compreendida.

            Para que o fosse, precisavam os nossos estadistas formar uma consciência política acima de todo e qualquer partidarismo.

            Assim, nós, que presumidamente temos um regime cristão a defender, para implantar, deveríamos, antes de tudo, para ser coerentes e eficientes, formar o bloco impermeável de uma consciência doutrinaria, do qual derivasse a unidade espontânea de métodos, diretivas e realizações.

            O romanismo, convenhamos, não assume atitudes novas, nem imprevistas, porque apenas desfralda a sua bandeira histórica. Tem por si uma disciplina férrea, uma organização poderosa, tradicional, que só recua para melhor poder avançar. E leva entre as hostes, compactas e aguerridas, porque fanatizadas, a sua “Arca-Santa”, que guarda e comporta, qual sabemos, todos os tesouros que a traça rói.

            Acompanha-lo nessa marcha, com tal estratégia, para terçar (dividir em três partes) armas no mesmo campo, seria mais que temeridade, porque seria loucura inútil e mais que inútil - prejudicial a nós mesmos. Ele tem, seja como for, uma consciência comum na inconsciência das massas, que não escrupulizam (que não tem escrúpulos) os meios para atingir os fins. Está no seu clima.

            Nós não temos, sequer, o amparo teórico dessa unidade consciencial, que atualiza a força e uniformiza a ação.

            Não temos o lastro, o elo, a pedra de toque de todas as conquistas coletivas, que é a consciência coletiva, a afirmação psíquica, que se conquista mas não se improvisa, sob a égide dos nossos guias e, quantas vezes, a rubro, na incude (bigorna?) das provações e testemunhos os mais dolorosos.

            Preciso é, pois, primacialmente, busca-la, essa consonância coletiva, no amor e na renúncia, no espírito de abnegação e sacrifício, que lindou (enfrentou) a via doloris (via dolorosa) dos pescadores de almas. 

            E porque essa conquista, hoje como outrora, e como sempre, não é de tesouros que a traça rói, mas de almas identificadas na Fé e pela Fé, conscientes e autônomas, não será com a força, mas com a razão, que havemos de prosseguir para triunfar.

            O elemento de convicção por excelência é o fato; e para que ele se intensifique em qualidade, mais que em quantidade, desejável, é forçoso sejamos menos da Terra que do céu; que busquemos, antes da comunhão de vistas meramente humana, a dos Espíritos nossos maiores, no conhecimento e na verdade, porque, se é certo que  “o cavalo se prepara para a batalha, só de Jeová vem a vitória.” (1)

                (1) Salomão, Provérbios

            O bom é que, no afã da hora que passa, assomados de roldão no ardor da refrega, não deslembremos o maquiavélico divide ut imperes, (divides para que possas reinar) para lembrar que o Divino Mestre também sentenciou: - todo reino que se divide é condenado.


domingo, 25 de abril de 2021

Espiritismo Cristão

 

Espiritismo cristão 

por M. Quintão

Reformador (FEB) 16 Outubro 1936

 

            Reiteradamente temos asseverado que, sendo o Espiritismo a Doutrina dos Espíritos, tal como o definiu Allan Kardec, e manifestando-se eles, os Espíritos, de todos os tempos e por toda parte, a sua doutrina não poderia deixar de ser universal.

            E como, por outro lado, manifesto e incontroverso é que os homens de todos os tempos, ao desencarnarem, levam para o plano espiritual as suas ideias e prejuízos terrenos, é também manifesto, incontroverso e natural que de lá continuem a transmitir e sustentar ideias e prejuízos, que tiveram na Terra.

            Entretanto, acima desta lei contingente, há uma lei imanente, providencial, absoluta e incoercível, que articula, aciona e ritma a evolução e o progresso da humanidade, mercê de reencarnações alternativas e sucessivas.

            Lei iniludível, ela forma, ostensiva ou latente, o lastro de todas as consciências, para cristalizar-se em sínteses filosóficas, religiosas, científicas, correspondentes a gradações de nível, ou ciclos de evolução coletiva.

            Variante nas fórmulas, nela se identificam, fundamentalmente, os princípios essenciais e dominantes de uma Proto Síntese, a integralizarem-se na existência de um DEUS, PRINCÍPIO CAUSAL, INTELlGÊNCIA SUPREMA, em função de atualidade na eternidade.

            Dizer que essa ideia provém da ignorância e do terror dos primitivos terrícolas, abrolhados para a vida consciencial do planeta; em face dos fenômenos cósmicos, não passa de mera hipótese simplista, incapaz de explicar, só por só, a evolução da consciência e inteligência humanas.

            De fato, ninguém atina como pudesse alguém sondar agora, para surpreender in natura, o pensamento Incipiente e brumoso de um troglodita do Cró-Magnon ou de... Furfooz (os primeiros humanos anatomicamente modernos do Paleolítico Superior europeu, ao lado do Cro-Magnon.).

            São teorias, pois, e teorias nebulosas, que nada ilustram, nem justificam, no dirimir a causa.

            Nós, os espiritistas, os que acreditamos, ou melhor - temos a certeza da imortalidade na eternidade, pela Revelação, só a Revelação podemos e devemos pedir meças (pedir explicações) para aclaramento do nosso raciocínio.

            E o que a Revelação nos diz, com Allan Kardec, aliás ratificado por todos os instrutores do plano espiritual, prepostos à prossecução (prosseguimento) da sua obra, progressiva ao indefinito, no tempo e no espaço, é que o Cristo, em não ser único no Universo, é único para nós, em relação a Deus, pela sua hierarquia de DIRETOR ESPIRITUAL do nosso planeta e da sua humanidade.

            Aliás, é o que se deduz, entre muitas outras passagens, desta que se encontra em João, cap. XVII, v. 5: E agora glorifica-me tu, Pai, em ti mesmo, com a glória que tive em Ti, antes que o mundo fosse.

            Nesse caráter, superintendeu Jesus a formação e evolução do nosso mundo, provendo-o de missionários oportunos e adequados a cada fase de sua história. Daí a fonte das ideias e sistemas religiosos, variantes na forma, mas sempre idênticos no fundo.

            E daí porque o Cristianismo, em ser Religião, no sentido etimológico da palavra, não será nunca uma religião, no sentido comum da ortodoxia sectária, com disciplinas mentais estritamente dogmáticas.

            Precisamos atender à circunstância de que, quando os desencarnados nos vêm redizer estas e outras coisas, em unanimidade de planos e de fins, nem por isso violentam a nossa consciência, senão que o fazem menos autoritariamente do que os nossos humaníssimos pontífices de batina ou de casaca, indigestados de quimeras para eructações (arrotos) mateológicas (conversas inúteis).

            Não, mil vezes não: o Espiritismo é simplesmente a confirmação do Cristianismo; mas, por isso mesmo que o Cristianismo não é, nem poderá ser nunca uma religião formalística e temporal, o Espiritismo só pode ser religioso no sentido que lhe atribuem os arautos de Jesus, fluente da fórmula única e iniludível, que não é apanágio de nenhum credo: - amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

            Há, certamente, preceitos outros que podem inquinar (poluir) de religiosidade o Espiritismo, pelo que de comum apresenta com os preceitos de todas as confissões sistematizadas.

            Nesse número estão a concentração e a prece; mas, é preciso convir em que estes atos cultuais, para o espírita esclarecido, não são requisitórios de uma convenção e sim consequentes de uma lei inelutável - a comunhão universal.

            Para resumir, diremos: espírita cristão, buscando nos Evangelhos a seiva que vivifica, em detrimento da letra que mata, feliz nos sentimos em praticar a Religião divina.

            Por templo - o universo; por altar - o coração; por Mestre - Jesus; por ídolo - Deus, na acepção de quanto podemos, através da sua obra, em nós e fora de nós manifestada, ver, sentir, compreender, amar, admirar e servir.

            E, em que pese a pequice (teimosia) do nosso entendimento, esta foi, em linhas gerais, a doutrina que aprendemos de Kardec, Denis, Delanne, Bellemare, Roustaing, Bezerra, Bittencourt Sampaio, Sayão, Gerniniano Brasil, Richard e tantos e quantos outros, que nos legaram, ainda melhor que a sanidade das suas ideias, o padrão das suas virtudes evangélicas.

            Honremo-lhes, assim, a memória, na esteira das suas pegadas.