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sexta-feira, 30 de abril de 2021

Esnobismo revesso

 

Esnobismo revesso (que não está de acordo com a verdade ou com a moral)

por M. Quintão     Reformador (FEB) 16 de Maio de 1934

             Foi Comte (Auguste Comte) quem disse que os vivos seriam sempre e cada vez mais governados pelos mortos.

            No sentido positivo da doutrina comteana, o apotegma (dito ou palavra memorável, lapidar, proferida por personagem célebre) significa que não há solução de continuidade na evolução humana.

            Em política, em sociologia, em moral, a vida se perpetua por entrosagem (entrosamento) manifesta, de caráter subjetivo.

            A hereditariedade racional é um fato tão natural, como a hereditariedade biológica.

            O Espiritismo não confirma apenas, porque amplia, o conceito de veridicidade da lei.

            Os que se passam ao plano de outra vida não perdem, antes, presuntivamente, ampliam e aclaram os problemas desta vida e nela prosseguem colaborando.

            Não há duas humanidades estanques, não há lindes (limites) divisórias entre os que partem e os que ficam, para só haver uma humanidade que se permeia para a realização de um destino global, comum.

            Sendo assim, porque assim é, também não há conceber o que por aí se taxa de passadismo, à luz da doutrina espírita.  

            Por que?

            Porque, neste caso, toda a doutrina teria passado com o Cristo e Kardec teria sido um legitimo passadista (retrógrado), valendo-se dos ensinos de Erasto, Melanchton e vultos quantos, outros, amando-os, servindo-os, apontando-os à veneração dos pósteros.

            Passadistas assim somos todos os que ainda hoje preferimos ouvir e venerar um Bezerra, um Bittencourt, a entoar o hino das Ideologias Novas, que ninguém sabe qual lhe seja a clave, porque cada qual o canta, quando não regouga, (fala em tom áspero e gutural), a seu modo, com o registro de voz que Deus lhe deu.

            Se a Grande Guerra, como a Bastilha; se as Guerras Púnicas, como a Renascença, ou a descoberta da América constituem eventos aferíveis por marcos de referência na tela histórica da evolução planetária, também podemos e devemos coligir (chegar à conclusão) que não foram improvisados com e para exclusão dos que os precederam, ou neles foram parte.

            Destarte, vultos há cujos feitos, ideias, exemplos não prescrevem na consciência para a veneração dos pósteros.

            Não falaremos de Jesus, vigente para a eternidade dos evos (das eternidades)...

            Falamos dos que lhe viveram a doutrina em essência, a qualquer tempo, e têm, por isso, credenciais de atividade permanente.

            Pois assim é que cultivamos, queremos e veneramos a memória de um Bezerra ou um Bittencourt, cujas ideias, exemplos e atitudes se impõem a todas as ideologias, novas e velhas, por isso que culminaram na única ideologia real - a do amor a Deus e ao próximo, sem preocupações cronológicas.

            Que todos os chamados à sua hora venham colaborar oportunamente na transformação renovadora do planeta, é necessário, é previsto e é louvável; mas, que o façam sem visos (sinais) de maior fraternidade, para só valorizarem a própria atuação, espezinhando o passado e quantos nele sentem um ritmo de afinidades, isso é o que não podemos compreender, para só lamentar.

            Porque, no fim de contas, a obra espiritista é construtiva, é progressiva, é solidária e nunca revolucionária e demolidora. E passado, presente e futuro não podem valer, para nós outros, senão como índice de momentos na eternidade, para a eternidade.

            E tudo mais que aí lampeja, em fulgurações de fogo fátuo, vai por desafio ao clássico - sunt verba et voces, praetereaque nihil... (são palavras e vozes e nada mais...)

            Mas, vejam lá: - no idioma de Cícero e Virgílio, em testemunho de ranhosa (de má qualidade) confissão de abençoado passadismo.


quinta-feira, 29 de abril de 2021

Pensamentos de Jax

 

Pensamentos de Jax

Reformador (FEB) Janeiro 1920

             O arrependimento é neto da consciência que nos quer perdoar, não resultando, porém, deste impulso, o perdão; pois ainda nos resta alguma coisa do remorso. 

*

             O ódio cega, o amor alumia; o ódio aponta e arrasta para o abismo; o amor atrai e aponta para o céu.

 *

             Das palavras com que perdoamos formam os anjos alegres cânticos com que seremos recebidos no céu; as palavras com que condenamos voltam para dentro de nós e formam esse cântico fúnebre, que é - o remorso - inimigo da felicidade. 

*

             Quereis unir-vos pela ideia? Uni-vos primeiro pelo coração.

 *

             O orgulho é uma das formas do ódio e do egoísmo.

 *

O avaro tem o coração num cofre e o filantropo um cofre no coração. 

*

            Ha quem compre para um cão uma coleira de prata, e negue a um faminto os restos da mesa. 

*

             A altivez do grande chama-se - orgulho, a do pequeno - brio, pudor. 

*

             A história é uma tela imensa, onde a justiça do futuro retrata os mártires do passado. 

*

             Todos os homens gabam-se da sua honra, e criminam os vícios; se fôramos a dar crédito ao que dizem, há muito serviriam de papel do embrulho as páginas de todos os códigos penais.   

*

             Lembrar é sair de si para viver em alguém.

 *

             A lágrima é a seiva amarga ou doce vertida no pomo celeste - o coração.


quarta-feira, 28 de abril de 2021

Ernesto Bozzano

 


Ernesto Bozzano

A Redação

Reformador (FEB) Novembro 1943

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Nascimento: 9 de janeiro de 1862, Gênova, Itália 

Desencarne:   24 de junho de 1943, Gênova, Itália

             Dolorosíssima notícia foi para a família espírita, a do falecimento de Ernesto Bozzano. Custamos a dar-lhe crédito, visto que estavam cortadas as nossas comunicações com o Velho Mundo. Depois que estalou a guerra, foram diminuindo a pouco e pouco as correspondências com os nossos amigos de além-mar, principalmente com a França, em mão dos alemães, e com a Itália, até então em guerra com a nossa pátria.

            Nada sabíamos, pois, do estado de saúde do velho batalhador, nem dele tivemos mais notícias, até que nos chegou a triste nova de sua morte, através do noticiário das revistas estrangeiras.

            Profundo foi o abalo em nossos corações, aliás já tão experimentados ultimamente, desde que a catástrofe hedionda da guerra se abateu sobre o mundo inteiro.

            Bozzano, só por só, valia uma legião de pugnadores. Foi o maior polemista no campo do psiquismo. Defensor destemeroso e intemerato da doutrina espiritista, nunca deixou de pé um único argumento contra essa doutrina. Esgrimiu, cortesmente, com todos os grandes adversários do Espiritismo. Entre as suas réplicas célebres contam-se as que deu ao professor Morselli, atualmente traduzida pela Federação Espirita Brasileira, sob o título - A propósito da obra “Psicologia e Espiritismo”, do professor Henrique Morselli; a que fez por motivo da campanha promovida pelo Sr. René Sudre, e que se acha também traduzida pela Federação, sob o título - A propósito da “Introdução à Metapsíquica Humana”; a elegante e incisiva, dada ao seu eminente amigo Charles Richet, vulto assaz conhecido de todos os que se dedicam à metapsíquica. Muitas de suas monografias e grande número de artigos, publicados na Revue Spirite, na Revue Métapsychique, na “Luce e Ombro” e, posteriormente, na Ricerca Psichica., eram artigo de polêmica, que tinham por objetivo demonstrar o erro flagrante em que incidiam os propugnadores de várias teorias, mais ou menos científicas, e que procuravam com elas afugentar o espantalho da comunicabilidade dos mortos.

            Bozzano não os poupava. A sua linguagem era sempre elevada; nunca descaiu da linha impecável de um cavalheiro; os seus argumentos, porém, se tornavam arrasadores. Ninguém lhes resistia; raríssimos tinham a coragem de voltar à peleja para os afrontar. Ele foi a maior clava lançada contra o sofisma, os artifícios, as construções engenhosas, o jogo de palavras, a má fé, o conservantismo.

            Por vezes, sua pena era enérgica; entretanto, nunca foi contundente. Pelejou contra os maiores adversários do Espiritismo, sem que descesse jamais do terreno sereno, honesto da argumentação. Enfrentou o mais temível contraditor, o Dr. Eugène Osty, diretor do Instituto Metapsíquico Internacional, médico de inestimável valor, com grande poder de lógica, mas que não perdia a oportunidade de mostrar que os fenômenos supranormais tinham outras causas, que não aquelas apresentadas pelos espiritistas. E navegara este, desassombrado, durante vários anos nesse oceano tão do gosto dos antagonistas das “almas do outro mundo”, quando Bozzano lhe surgiu pela frente e deixou patente a inanidade do seu raciocínio e do seu esforço anti-espírita.  

            Foi um gigante nas letras psíquicas. Possuía todos os nobres requisitos de um polemista de escol: Inteligência, conhecimento, lógica, linguagem, polidez. 

            O professor Bragadini desejou um dia saber como Bozzano, filósofo materialista que era, se havia interessado pelas ciências psíquicas. E o mestre respondeu-lhe de bom grado, visto que, dizia ele, “as conversões filosóficas contém sempre ensinos preciosos.” E dizia bem, - conversões filosóficas, - porque, no seu caso,  “tratava-se de uma conversão, em toda a acepção do termo".

            Nascido em Genova, em 1862, teve uma vida vazia de acontecimentos sensacionais. Estudava sempre. Já na adolescência, sentia que os ramos do saber humano tinham sobre seu espírito fascinação irresistível. Desde cedo, procurou penetrar no mistério do ser humano, e isto se tornou para ele uma paixão absorvente. Aos 15 anos, sua razão rebelava-se contra toda à crença proveniente de um ato de fé. Procurou penetrar no pensamento dos grandes filósofos como PIatão, Hegel, Descartes, Lotze, Rosmini, Giobertl.

            Tomava-o o abismo da dúvida, e os postulados da metafisica lhe pareciam outros tantos atos de fé; voltou-se para a filosofia científica e releu Buchner, Moleschott, Vogt, Feuerbach, Haeckel, Comte, Taine, Guyau, Le Dantec, Morselli, - com quem viria contender mais tarde, - Sergi, Ardigo, Herbert Spencer e outros.

            Este último empolgou-o; pareceu-lhe que o positivismo mecanicista de Spencer continha toda a verdade que ele sofregamente buscava. Tornou-se um positivista, e discutia com os que ousavam contestar os postulados mecanicistas. Parecia-lhe impossível houvesse pessoas de senso, medianamente cultivadas, capazes de crer na sobrevivência da alma. E não só assim pensava, como o dizia e escrevia.

            Esse passado filosófico, em que mergulhou durante 10 anos - diz Bozzano - tornou-o indulgente e tolerante para uma classe especial de adversários que supõem poder refutar as conclusões rigorosamente experimentais extraídas dos fatos estudados pelos espiritistas  de hoje, lhes opondo os preceitos da biologia, da fisiologia, da psicologia e a sua pretendida eficácia demonstrativa, na qual também ele acreditara, e o acreditaria ainda, “se no horizonte do saber humano não tivesse surgido a aurora de uma ciência nova, que dominava as demais, - a metapsíquica, denominada pelo prof. Richet - a “Rainha das Ciências”, mas que a posteridade chamará - a “Ciência da Alma”.

            Ribot lhe enviou certa vez uns números dos Anais das Ciências Psíquicas; os primeiros fascículos produziram-lhe desastrosa impressão; mais tarde vira um artigo do prof. Rosembach, que se revoltava contra a intrusão, na ciência, de um novo misticismo, e explicava ele os novos fatos pela hipótese alucinatória, combinada com as coincidências fortuitas, as imaginações exaltadas e assim por diante.

            Tão insustentável lhe pareceu essa refutação, que produziu no filósofo o efeito contrário a que se propunha o refutador.

            Começou, então, a interessar-se pelo psiquismo, ”e, sem disso ter consciência, estava na estrada de Damasco.”

            O volume de Aksakoff foi a primeira obra a abalar profundamente a solidez da sua fé positivista; seguiram-se outras; foi uma época penosa de perturbação moral, “porque ele assistia, desencorajado, ao desabamento dum sistema de convicções filosóficas adquiridas à custa de longas meditações, e às quais a adaptação psicológica e ética do seu espírito já se tinha afeito.”

            Procurou remontar às origens do movimento espírita. Pediu as principais obras, nos grandes centros. Catalogava, então, o conteúdo das obras por meio de um repertório alfabético com a intenção de se servir desses índices para a análise comparada dos fatos e dos quadros sintéticos, os quais deveriam conduzi-lo à convergência das provas, - critério superior de qualquer inquérito científico.

            E foi nessa base que ele assentou suas novas convicções espiritualistas.

            Estabelecida uma sólida cultura no assunto, entregou-se às pesquisas experimentais. Fundou com Venzano, Peretti e Arnaldo Vassalo, em Gênova, a Sociedade de Estudos Psíquicos, mais tarde Centro Científico Minerva. Eram 70 os membros, e não foi difícil descobrir que, entre eles, havia poderosos médiuns. Vieram depois as experiências com Eusápia Paladino, onde foram obtidos, em onze meses, “o que a médium pode oferecer de melhor em sua vida”. O resultado desses trabalhos expô-los Bozzano na sua obra “A Hipótese Espírita e as teorias científicas”.

            Chegou Bozzano, finalmente e firmemente, à seguinte conclusão:

 

            “Todo aquele que, em lugar de perder-se em discussões ociosas, empreender pesquisas sistemáticas e nelas perseverar, acabará por se convencer que os fenômenos supranormais constituem um complexo de provas animistas e espiritistas, que todas convergem para uma demonstração rigorosamente científica da existência e da sobrevivência da alma humana.”

             Tal é, em resumo, a resposta de Bozzano ao seu inquiridor, espécie de autobiografia, que foi publicada em Milão, no Ali del Pensiero, e em Paris, na Revue Spirite, em 1939.

                                                                                  *

             O poder mágico da argumentação do pranteado filósofo deriva precisamente dessa “convergência de provas", verdadeira catapulta, contra a qual faziam risível figura as fragílimas razões que costumam apresentar os opositores.

            Bozzano, durante mais de 40 anos, acumulara os fatos do psiquismo e neles é que assentava sua vigorosa construção. Era sulla base dei fatti, como se exprimia, que repousava a sua crença, e daquela base inexpugnável não havia forças capazes de o desalojarem.”

            Durante sua vida, acumulou e classificou as provas que constituem hoje o alicerce de sua obra monumental. Ele deixou para mais de 70 monografias e cada uma delas constitui demonstração irrecusável da sobrevivência. Todas reunidas formam um feixe irresistível, uma documentação cerrada, um desses trabalhos imperecíveis, que atravessam os séculos, lançando o mesmo brilho que as estrelas fulgurantes lançam através do espaço, muitos milênios depois de sua morte.

            Poucos lutadores tiveram o fôlego de Bozzano, sua capacidade de trabalho, seu poder de indução e dedução, sua paciência de pesquisador, sua dedicação ao estudo, seu amor à boa causa, sua fé de apóstolo.

            Queremos tratar, ainda, de um feitio especial de seu espírito: - o desinteresse, o desprendimento dos bens materiais. Poderia ganhar uma fortuna com seus escritos. 

            Era conhecido em todas as partes do mundo; todos os espíritas o estimavam e  admiravam; os adversários reverenciavam-no; os inimigos da doutrina temiam-no. Teria, se quisesse, auferido grandes lucros. Mas tudo ele dava. Concedia direitos de tradução e impressão do inesgotável documentário que eram os seus livros sem nada pedir em troca. Era a cessão gratuita, era o desprendimento evangélico, era o altruísmo que leva as almas ao Senhor. Seu trabalho mental, seu esforço intelectual, o labor ininterrupto de vários decênios tornou-se patrimônio da humanidade.

 *

             Seu amor aos fatos, seu apego às provas, seu espírito científico, sua atividade no terreno exaustivo da documentação, levaram muitos a supor que ele era pouco dado à feição religiosa do Espiritismo, ou a ela nenhuma simpatia votava.

            Nada menos certo. Ele apenas se opunha a que o Espiritismo se confinasse numa única religião, ou dela adotasse os princípios formalísticos. O que ele achava e até foi motivo de uma tese, é que era tal a amplitude do Espiritismo, que abrangia todas as religiões, sendo como um imenso vestíbulo por onde podiam entrar os grandes princípios e as leis imutáveis do Criador, qualquer que fosse a doutrina religiosa donde emanassem.

 *

             Havia um gênero de oponentes, para os quais Bozzano tinha muita complacência e não discutia: eram os homens de fé. Estes se assemelhavam a uns tantos grupos, em que ele classificava os escritores de assuntos psíquicos. E assim referia:

             “O menos esclarecido dos grupos em questão é, indubitavelmente, o dos negadores irredutíveis, que não se detém nunca na ideia de que possam estar errados. Assiste-se, então, a um fenômeno curioso e é que, quando os defensores da hipótese espírita os refutam, baseando-se nos fatos, eles nada respondem, porque nada podem responder, mas continuam, imperturbáveis, a sustentar a doutrina materialista, tal como se tivessem respondido ao contraditor e pulverizado o.” (“Revue Spirite”, 1929).

             É realmente fato comum e a que estamos habituados por uma convivência continua, diuturna.

            Finalizando este artigo, conviria lembrar um rápido esboço da obra de Bozzano, e umas rápidas vistas sobre o autor, feita por Ismael Gomes Braga na “Luz deI Porvenir”, em Maio de 1934.

             Dizia esse nosso confrade e amigo:

             “Todas as objeções, por melhor formuladas, todos os sofismas engenhosos, todo o fanatismo cego, esmaecem inteiramente diante dos livros de Bozzano, diante dos fatos inteligentemente acumulados e expostos com paciente habilidade pelo velho Mestre.

            Autêntico homem de ciência, incansável compilador e classificador de fatos, nada parece indigno de estudo meticuloso, de análise atenta ao espírito perspicaz do campeão da tese - O animismo prova o Espiritismo.

            Vemo-lo reunir fatos tomados nos povos primitivos, aos animais, às coisas mais desconcertantes: psicometria, licantropia, precognição, obsessão e assombração, pensamento e vontade, como forças modeladoras e organizadoras da matéria, profecias.

            Simultaneamente, refuta, de maneira definitiva, as obras dos inimigos do Espiritismo, em todos os domínios do pensamento, e sempre com admirável generosidade. Sabe reconhecer o mérito dos adversários, característica dos grandes espíritos que entrevem horizontes insuspeitos do homem vulgar.

            Vemo-lo reconhecer, ainda, a probidade do negativista obstinado René Sudre, admirar a profundeza de Morselli, reconhecer a erudição de AIfano, encantar-se com a filosofia de Spencer. Ele vê em tudo uma parte do belo, como acontece aos que se elevam acima da mediocridade.

            A Inteligência prodigiosa de que é dotado permite-lhe ter em mãos a mais espantosa classificação de fatos produzidos no mundo inteiro, durante mais de 80 anos, e poder com eles responder a todos os ataques contra o Espiritismo, venham de onde vier.”

             Assim se referia ao Mestre, Ismael Braga, quando ainda vivia ele no seu castelo da Itália, nesse estudo que nunca abandonou e que, certamente não abandonará, apesar de transpostos os umbrais que nos conduzem à outra vida.

            Deixa em língua portuguesa, além das monografias citadas, ‘Os Fenômenos de Bilocação’, ‘A Crise da Morte’, ‘Xenoglossia’, ‘Os Fenômenos psíquicos no momento da morte’, todos traduzidos pela Federação, além de outros trabalhos traduzidos por diversos confrades.

            A morte de Bozzano causou sincera tristeza entre os espíritas brasileiros, que não cansavam de admira-lo como trabalhador, de segui-lo como mestre de estimá-lo como confrade.

            Conforta-nos a certeza de que ele continuará no Espaço a gloriosa missão que tão bem manteve na Terra, mas o seu desaparecimento produz em nossos olhos uma espécie de escuridão, como aquela que nos é deixada depois da visão deslumbrante de um meteoro.




terça-feira, 27 de abril de 2021

Pontos de vista

 

Pontos de Vista 

por M. Quintão      Reformador (FEB) 16 Dezembro 1934

             Sempre tivemos, para nós, que a preponderância do Ideal espirita no plano das objetivações terrenas não se pode atingir a golpes de força, mercê de processos e recursos meramente humanos.

            Pretende-la assim seria desvirtuar lhe a índole essencialmente evangélica, para flutuar na mesma esteira de erros e falsícias (falsidades) do romanismo prepotente e dogmático, antes nocivo, seja dito, do nosso ponto de vista, aos seus corifeus e caudatários de todos os tempos, do que a humanidade irremissa (?), que há tido nele, como em todos os sistemas político-sociais e religiosos, o termômetro da sua providencial evolução.

            Certo, é belo e nobre, é mais que justo e indeclinável, imaginar e propugnar, a qualquer tempo, um estágio melhor para a humanidade que vivemos, de vez que o progresso é indefectível e incoercível, e aqui havemos de voltar por colher o fruto semeado.

            Mas, preciso é convir e concluir, também, em última análise, que, nessa obra de realizações e realidades complexas e indefinitas, a nossa visão e livre arbítrio de toupeiras confinadas e obstringidas (muito apertadas) em lodosas luras (esconderijos) não devem, porque podem colidir no determinismo universal, ser irrestritos e arbitrários.

            Nem por menos nos seria dada, agora, em maiores aclaramentos, a confirmação da lei e dos profetas.

            Ora, a verdade, neste caso, é que a lei nada sofre na isocronia (Técnica narrativa que consiste na sincronização entre o tempo narrativo e o tempo da história) do seu ritmo, no evolutir dos seus planos, com as nossas infracções. 

            O operário trêfego ou imprudente, não travaria de um segundo a roda mestra, em detrimento da manufatura perfeita, para só pagar com a repetição da tarefa o distúrbio cometido.  

            Assim, tudo se reduz, por conseguinte, na perfeita, ou por melhor dizer - menos imperfeita euritimia (regularidade) de um limitadíssimo e condicional arbítrio, em função e amálgama de atividades e deveres complexos, constitutivos de provações individuais e coletivas.

            Pois, se a ninguém é licito, racionalmente, negar uma fatalidade cósmica, uma fatalidade biológica, com todos os seus corolários, lícito não fora negar também uma fatalidade sociológica.

            Somente, o que o mudo averba de fatalidade, na inconsciência ou na incerteza de uma sobrevivência e destinação eterna e consciencial, chamamos nós determinismo divino.

            Deus é a Lei total, integral e absoluta. Entretanto, para o homem, o conhecimento da Lei é sempre relativo. Esta a lição dos Espíritos, criaturas de Deus também, hierarquizadas no conhecimento e execução da Lei.

            Esse conhecimento é imanente e baixa em séries parcelares, proporcionais ao grau de receptividade de cada humanidade para cada mundo, e de cada indivíduo para cada grupo de indivíduos, nação ou sociedade.

            As objetivações terrenas, de caráter temporal e sempre transitório, só se justificam, portanto, a título precário, como meio e não fim, de vez que o destino do ser não se concentra na Terra, nem em mundo outro, qualquer, mas na eternidade extreme de vicissitudes e contingências de tempo e espaço.

            Será, assim, que, só por uma estreitíssima visão angular, o homem sobrelevará em confusões e inversões lamentáveis os seus deveres e atitudes de peregrino acidental de uma estrada finita, pelos que lhe decorrem da consciência integral dos seus destinos superiores, perante os quais as pátrias são expressão de humanidades planetárias, para que estas o sejam de uma só Pátria Universal, ou melhor - aquela Casa do Pai, de diversas moradas, a que aludia Aquele que disse existir antes que o mundo fosse...

 *

             Considerações são estas que nos ocorrem ao fixarmos o panorama das nossas diretrizes no cenário do mundo e, principalmente, da nossa pátria.

            Diante do êxito, a nosso ver, efêmero, que, no terreno sáfaro (árido) da política nacional, tiveram os nossos irmãos católicos, com as chamadas emendas religiosas, logo uma onda de alarma invadiu nossas, fileiras para, dizem, organizar o revide no xadrez tumultuário das aventuras partidárias.

            Ora, todos nós sabemos que o romanismo, assim procedendo, não fez mais do que aproveitar habilmente um estado de coisas não fictício, nem artificial, mas natural e lógico, porque estratificado na ignorância das massas passivas e displicentes, quanto na cegueira inteligente dos céticos epicuristas (os que se entregam aos prazeres mundanos) e falsos crentes de todos os tomos (fundamentos) e matizes.

            Se considerarmos que, em países de mais extensa e intensa cultura, o catolicismo tem mantido forais (foros) de predomínio e regalias, haveremos de concordar que só por um paradoxo se mantivesse neutro e apolítico, num país que ele se orgulha de haver catequisado e que, sob o seu jugo “civilizador” de quatro séculos, ainda conserva 80% de analfabetos e, como florão melhor de “cristandade”, o fato de ser o último reduto, na América, da escravidão e da monarquia.

            Colhido de surpresa nas malhas de uma revolução também artificial, à falta de preparação cívica e graças ao idealismo superior de alguns iluminados da primeira hora, é claro que o nosso Brasil não haveria de maturar no gozo das prerrogativas de liberdade que lhe outorgavam e o clero, tradicionalmente parasitário e regalista (que defende regalias), não renunciaria à partida, para só aguardar o momento de remarcar os pontos perdidos.

            O momento veio, todos sabemos como ele veio e porque veio, e os pontos aí estão, marcados no quadro negro do nosso futuro político-social.

            Tínhamos uma constituição libérrima e ela morreu de inanição. Nunca foi executada, nem compreendida.

            Para que o fosse, precisavam os nossos estadistas formar uma consciência política acima de todo e qualquer partidarismo.

            Assim, nós, que presumidamente temos um regime cristão a defender, para implantar, deveríamos, antes de tudo, para ser coerentes e eficientes, formar o bloco impermeável de uma consciência doutrinaria, do qual derivasse a unidade espontânea de métodos, diretivas e realizações.

            O romanismo, convenhamos, não assume atitudes novas, nem imprevistas, porque apenas desfralda a sua bandeira histórica. Tem por si uma disciplina férrea, uma organização poderosa, tradicional, que só recua para melhor poder avançar. E leva entre as hostes, compactas e aguerridas, porque fanatizadas, a sua “Arca-Santa”, que guarda e comporta, qual sabemos, todos os tesouros que a traça rói.

            Acompanha-lo nessa marcha, com tal estratégia, para terçar (dividir em três partes) armas no mesmo campo, seria mais que temeridade, porque seria loucura inútil e mais que inútil - prejudicial a nós mesmos. Ele tem, seja como for, uma consciência comum na inconsciência das massas, que não escrupulizam (que não tem escrúpulos) os meios para atingir os fins. Está no seu clima.

            Nós não temos, sequer, o amparo teórico dessa unidade consciencial, que atualiza a força e uniformiza a ação.

            Não temos o lastro, o elo, a pedra de toque de todas as conquistas coletivas, que é a consciência coletiva, a afirmação psíquica, que se conquista mas não se improvisa, sob a égide dos nossos guias e, quantas vezes, a rubro, na incude (bigorna?) das provações e testemunhos os mais dolorosos.

            Preciso é, pois, primacialmente, busca-la, essa consonância coletiva, no amor e na renúncia, no espírito de abnegação e sacrifício, que lindou (enfrentou) a via doloris (via dolorosa) dos pescadores de almas. 

            E porque essa conquista, hoje como outrora, e como sempre, não é de tesouros que a traça rói, mas de almas identificadas na Fé e pela Fé, conscientes e autônomas, não será com a força, mas com a razão, que havemos de prosseguir para triunfar.

            O elemento de convicção por excelência é o fato; e para que ele se intensifique em qualidade, mais que em quantidade, desejável, é forçoso sejamos menos da Terra que do céu; que busquemos, antes da comunhão de vistas meramente humana, a dos Espíritos nossos maiores, no conhecimento e na verdade, porque, se é certo que  “o cavalo se prepara para a batalha, só de Jeová vem a vitória.” (1)

                (1) Salomão, Provérbios

            O bom é que, no afã da hora que passa, assomados de roldão no ardor da refrega, não deslembremos o maquiavélico divide ut imperes, (divides para que possas reinar) para lembrar que o Divino Mestre também sentenciou: - todo reino que se divide é condenado.


segunda-feira, 26 de abril de 2021

Recusa significativa

 

Recusa significativa

por Vianna de Carvalho           Reformador (FEB) Fevereiro 1920

             Causou péssima impressão, entre estudiosos de questões religiosas, o ofício que o Cardeal Arco Verde fez dirigir ao esforçado campeão de Teosofia - Coronel Raymundo Seidl - explicando o não comparecimento de representante do Catolicismo na festa da fraternidade.

            Os termos daquele documento, a despeito da insinuação de polidez fingida que aparece aqui e ali como disfarce à prepotência do pensamento geral da tese jesuítica, acusam o espírito estreitíssimo da seita e sua absoluta divergência dos modelos expostos no Evangelho.

            A teologia continua adotando - ao menos na parte teórica - os mesmos processos em voga nos ominosos (sinistros) séculos da idade medieval.  

            Anquilosou-se (cristalizou-se) na irredutibilidade do dogma.  

            E, enquanto tudo progride dentro da civilização ambiente, ela teima no propósito esdrúxulo de permanecer intangível apesar dos erros que a ciência positiva lhe vem descobrindo a cada passo.

            É óbvio que, com semelhantes disposições, a igreja estará sempre em campo oposto às iniciativas liberais.  

            Conscientemente reage contra a lei de evolução e prega o imobilismo como preceito imposto essencialmente à grei (rebanho) de seus fiéis.  

            Daí o rol de proibições regulamentadas, de vez em quando, nos conciliábulos do Vaticano.

            Ao católico não assiste o direito de se pertencer intelectualmente, nem de dispor da própria individualidade no intercâmbio da vida social.

            Não pode examinar livros escapos (isentos) à rubrica da autoridade eclesiástica; não se lhe consente frequência nos templos de outros credos, às sessões de Espiritismo nem às assembleias, fundamentalmente amorosas, organizadas pelos teosofistas.

            E porque esta disciplina rígida, absorvente e ridícula ao mesmo tempo?

            Para evitar confrontos prejudiciais às doutrinas do papado.

            Ah! Se os católicos raciocinassem sobre qualquer assunto da crença que receberam, desde o berço, mecanicamente!

            O prestígio do clero dissolver-se-ia como por encanto e cessaria a avalanche de dinheiro que corre para os palácios dos bispados e demais ramos da grande empresa cujo giro de capitalismo egoísta assume proporções assustadoras.

            Ora, um cardeal que se preza deve ser, antes de tudo, um homem de negócio.

            A presença dos devotos da Santa Sé na reunião promovida por nossos irmãos teosofistas, daria talvez ensejo a que alguns, menos carolas, viessem a inutilizar grilhetas (argolas presas as pernas de condenados) de credulidade rendosa que os trazem manietados aos interesses da cúria romana.  

            Logo, anátema seja lançado sobre os intuitos sãos dos discípulos de Blavatsky e se imprima ordem categórica para conseguir o máximo de redução no coeficiente da assistência ao prélio ferido harmoniosamente em prol da fraternidade universal.

            É assim que o catolicismo procede com relação às ideais nobres: repele-as sem análise e sonega lhes conhecimento aos escravos de suas arbitrariedades inquisitoriais.


domingo, 25 de abril de 2021

Espiritismo Cristão

 

Espiritismo cristão 

por M. Quintão

Reformador (FEB) 16 Outubro 1936

 

            Reiteradamente temos asseverado que, sendo o Espiritismo a Doutrina dos Espíritos, tal como o definiu Allan Kardec, e manifestando-se eles, os Espíritos, de todos os tempos e por toda parte, a sua doutrina não poderia deixar de ser universal.

            E como, por outro lado, manifesto e incontroverso é que os homens de todos os tempos, ao desencarnarem, levam para o plano espiritual as suas ideias e prejuízos terrenos, é também manifesto, incontroverso e natural que de lá continuem a transmitir e sustentar ideias e prejuízos, que tiveram na Terra.

            Entretanto, acima desta lei contingente, há uma lei imanente, providencial, absoluta e incoercível, que articula, aciona e ritma a evolução e o progresso da humanidade, mercê de reencarnações alternativas e sucessivas.

            Lei iniludível, ela forma, ostensiva ou latente, o lastro de todas as consciências, para cristalizar-se em sínteses filosóficas, religiosas, científicas, correspondentes a gradações de nível, ou ciclos de evolução coletiva.

            Variante nas fórmulas, nela se identificam, fundamentalmente, os princípios essenciais e dominantes de uma Proto Síntese, a integralizarem-se na existência de um DEUS, PRINCÍPIO CAUSAL, INTELlGÊNCIA SUPREMA, em função de atualidade na eternidade.

            Dizer que essa ideia provém da ignorância e do terror dos primitivos terrícolas, abrolhados para a vida consciencial do planeta; em face dos fenômenos cósmicos, não passa de mera hipótese simplista, incapaz de explicar, só por só, a evolução da consciência e inteligência humanas.

            De fato, ninguém atina como pudesse alguém sondar agora, para surpreender in natura, o pensamento Incipiente e brumoso de um troglodita do Cró-Magnon ou de... Furfooz (os primeiros humanos anatomicamente modernos do Paleolítico Superior europeu, ao lado do Cro-Magnon.).

            São teorias, pois, e teorias nebulosas, que nada ilustram, nem justificam, no dirimir a causa.

            Nós, os espiritistas, os que acreditamos, ou melhor - temos a certeza da imortalidade na eternidade, pela Revelação, só a Revelação podemos e devemos pedir meças (pedir explicações) para aclaramento do nosso raciocínio.

            E o que a Revelação nos diz, com Allan Kardec, aliás ratificado por todos os instrutores do plano espiritual, prepostos à prossecução (prosseguimento) da sua obra, progressiva ao indefinito, no tempo e no espaço, é que o Cristo, em não ser único no Universo, é único para nós, em relação a Deus, pela sua hierarquia de DIRETOR ESPIRITUAL do nosso planeta e da sua humanidade.

            Aliás, é o que se deduz, entre muitas outras passagens, desta que se encontra em João, cap. XVII, v. 5: E agora glorifica-me tu, Pai, em ti mesmo, com a glória que tive em Ti, antes que o mundo fosse.

            Nesse caráter, superintendeu Jesus a formação e evolução do nosso mundo, provendo-o de missionários oportunos e adequados a cada fase de sua história. Daí a fonte das ideias e sistemas religiosos, variantes na forma, mas sempre idênticos no fundo.

            E daí porque o Cristianismo, em ser Religião, no sentido etimológico da palavra, não será nunca uma religião, no sentido comum da ortodoxia sectária, com disciplinas mentais estritamente dogmáticas.

            Precisamos atender à circunstância de que, quando os desencarnados nos vêm redizer estas e outras coisas, em unanimidade de planos e de fins, nem por isso violentam a nossa consciência, senão que o fazem menos autoritariamente do que os nossos humaníssimos pontífices de batina ou de casaca, indigestados de quimeras para eructações (arrotos) mateológicas (conversas inúteis).

            Não, mil vezes não: o Espiritismo é simplesmente a confirmação do Cristianismo; mas, por isso mesmo que o Cristianismo não é, nem poderá ser nunca uma religião formalística e temporal, o Espiritismo só pode ser religioso no sentido que lhe atribuem os arautos de Jesus, fluente da fórmula única e iniludível, que não é apanágio de nenhum credo: - amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

            Há, certamente, preceitos outros que podem inquinar (poluir) de religiosidade o Espiritismo, pelo que de comum apresenta com os preceitos de todas as confissões sistematizadas.

            Nesse número estão a concentração e a prece; mas, é preciso convir em que estes atos cultuais, para o espírita esclarecido, não são requisitórios de uma convenção e sim consequentes de uma lei inelutável - a comunhão universal.

            Para resumir, diremos: espírita cristão, buscando nos Evangelhos a seiva que vivifica, em detrimento da letra que mata, feliz nos sentimos em praticar a Religião divina.

            Por templo - o universo; por altar - o coração; por Mestre - Jesus; por ídolo - Deus, na acepção de quanto podemos, através da sua obra, em nós e fora de nós manifestada, ver, sentir, compreender, amar, admirar e servir.

            E, em que pese a pequice (teimosia) do nosso entendimento, esta foi, em linhas gerais, a doutrina que aprendemos de Kardec, Denis, Delanne, Bellemare, Roustaing, Bezerra, Bittencourt Sampaio, Sayão, Gerniniano Brasil, Richard e tantos e quantos outros, que nos legaram, ainda melhor que a sanidade das suas ideias, o padrão das suas virtudes evangélicas.

            Honremo-lhes, assim, a memória, na esteira das suas pegadas.