Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador Doutrina Espírita. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Doutrina Espírita. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Quando eu não cria

 

Quando eu não cria

por Abel Gomes   (1877-1934)

Reformador (Outubro de 1945)

             Quando eu não cria na vida após a morte, o móvel do meu pensamento era o pessimismo; por toda parte na Natureza eu só via inutilidade, anulação final de todo o prazer.

             “A beleza da juventude bem cedo e inevitavelmente se perde; nela pensa com tristeza o ancião; a recordação da saúde só traz tristezas e amargas lágrimas de dor.

            "O amor de dois corações é uma bela sorte; mas, que desgraça! o golpe da morte vem rompê-la!

            É belo cultivar a luz do vero saber, mas nada resta dessa luz após a morte."

             Assim meditava eu com grande mágoa, quando trilhava o caminho da descrença. Mas a compassiva bondade da mão de Deus guiou-me à fonte do verdadeiro Conhecimento.

            A crença no Deus sábio e na Vida imortal é, na verdade, a forte âncora de nossa salvação. A luz do Espiritismo é a luz da Verdade que salva os homens do desespero.

sábado, 11 de dezembro de 2021

O Espiritismo é invencível

 


O Espiritismo é invencível

por I.G.B. (Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Setembro 1961

                 Vamos copiar alguns tópicos do livro “Hipnotismo e Espiritismo”, do Dr. José Lapponi:

             “Existem em nós e em torno de nós forças que não conhecemos e que podem dar movimento à matéria inerte, e não as devemos negar “a priori”, pelo único motivo de não sabermos dar a razão delas.

            “Quando se acreditava que o mundo terminava nas colunas de Hércules, ai daqueles que se abstivessem em sustentar que, para além delas, havia outros continentes e outros mares?

            “Antes da (em outro setor) descoberta do microscópio, que nos revelou a existência de milhões de seres viventes, indicavam-se por limite absoluto da escala zoológica aqueles  que se mostravam como tal aos nossos débeis sentidos. Porque, pois, agora, recaindo no antigo pecado da obstinação, negar que acima do homem e fora de sua percepção vivem seres inteligentes que podem, em determinadas condições, dar prova da sua existência?

            “Na narrativa de Virgílio, ao falar de Eneias, que desce ao inferno para consultar a sombra de Anquises, verossimilmente apenas se esboçam cenas espiritistas. (Eneida, livro VI). Claramente Cícero nos diz que seu amigo Ápio mantinha frequentissimas conversações com os mortos.  E acrescenta que, no lago Averno, nas vizinhanças de Arpino, se fazia bem frequentes vozes “aparecerem, no meio da trevas, as sombras dos mortos, todas ensanguentadas.”

            “Plínio, senior, conta que Libone Druso foi morto por Tibério, por havê-lo perturbado quandoeste atendia a evocações de Espíritos, e que o grmático Ápio evocou a sombra de Homero para indagar sobre a sua pátria e seus genitores (“História”, XXX, 6). Columela fez menção do feiticeiro Dardano. A encantamentos, Horácio, mais de uma vez, faz alusão. E Suetônio nos refere que Augusto, tornado pontífice, fez queimar publicamente mais de dois mil livros que tratavam sobre encantamentos. Lucano, condiscípulo e rival de Nero, no livro 4º da sua “Farsália”, recorda a famosa maga de Tessália,  Eraton Cruda, “que aos seus corpos as Almas retornavam”.  

            “Por intermédio dele, obteve Sexto Pompeu o fim da inimizade entre seu pai e César. O divino Alighieri acolhe a tradição segundo a qual a famosa maga evocou mais tarde, em alguns dos seus trabalhos, a Alma de Vergilio, entãorecentemente falecido (“Inferno”, IX, 25-27).

             Di poca era di me la carne nuda,

            Ch’ella mi fece entrar dentro a quel muro,

            Per trarne um spirito del cerchio di Giuda.”

             Mais adiante, lemos:

             “Os gnósticos, difundindo muitas idéias de seus mestres,notadamente de Fílon e dos compiladores da “Talmude”, deram singular impulso à difusão das práticas espiritistas, as quais longamente persistiram depois, através da Idade Média.

            “No decurso do século XI, por malévolos contemporâneos foram acusados também de necromancia, quiça por motivo de sua doutrina, os pontífices romanos Benedito IX (1033-1044), Gregório VI (1045) e Gregório VII (1073-1076), que, pela “Crônica Uspergense” (1076), é chamado o maior mago de todos.”

            Mais Além:

            “Cecca Stabili di Ascoli (1251-1328) deveu em grande parte à sua doutrinas espiritistas a pira sobre a qual lhe mandaram findar seus dias.”

            Depois:

            “O conhecimento das práticas espiritistas durante a Idade Média é demonstrado ainda nas muitas lendas e histórias coetâneas; que estão plenas de narrativas, de invocações, de evocações de Espíritos, de demônios e de falecidos, de encantamentos, sortilégios e coisas parecidas.”

             Igualmente o glorioso astrônomo Giordano Bruno, queimado em 27 de Fevereiro de 1600, na Praça das Flores, em Roma, era espírita. Lemos na página 43:

            “Giordano Bruno (1550-1600) no seu “Candelaio”, mostrou-se fervorosamente convicto do possível contato dos vivos com os Espíritos.”

            Esta informação é extraída de Cantu, vol. V página 233, informa José Lapponi.

            Por fim, Lapponi nos dá uma lista imensa de grandes homens  contemporâneos seus que são espíritas. Nessa lista aparece o nome de J. B. Roustaing.

             É um grande cientista e católico incondicional quem nos informa com toda a clareza que o Espiritismo é invencível: tudo tem sido feito contra ele, mas inutilmente: ele progride sempre e se aprimora sempre. Com alguns médiuns brasileiros de hoje dá-nos o Espiritismo a mais bela Revelação na mais encantadora forma, em lindos romances e harmoniosos poemas que parecem destinados a romper séculos e milênios. Cria um movimento social de grnde projeção. Conquista os mais cultos professores de Universidade e os corações mais simples do povo, porque é todo amor e beleza. Nasce e renasce em todos os meios sociais, com ou sem rótulo espírita, e sem respeito algum pelo sectarismo humano. Tem seus servidores em ambos os sexos e em todas as idades. É um movimento acima da vontade do homem e, portanto, invencível através dos tempos.


sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Ser Espírita

 

Ser espírita

(da ‘Tribuna Espírita’)

Reformador (FEB) 16 Outubro 1925

 

Ser espírita – é ser clemente,

Ter a alma de vero crente,

Sempre afeiçoada ao bem;

É ensinar a quem erra

E, entre os atrasos da Terra,

Não fazer mal a ninguém.

É sempre ter por divisa

Tudo que é nobre e suavisa

O pranto, a dor, a aflição.

Exercer a caridade

E resguardar a orfandade

Do abismo da perdição.

Em Deus ter sempre a crença

Profunda, sincera, imensa,

Consubstanciada na Fé.

É perdoar sempre a injúria,

É suavisar a penúria

De quem já não tem um pão.

É tornar-se complacente

Para o inimigo insolente,

Tendo por lema – o perdão.

Ser espírita – é ser clemente,

Ter a alma de vero crente,

Sempre afeiçoada ao Bem.

É ensinar a quem erra

E, entre os atrasos da Terra,

Não falar mal de ninguém.




segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O futuro pertence ao Espírito

 

O futuro pertence ao Espírito

Tasso Porciúncula (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Agosto 1977

           O psicólogo D. G. Jung advertiu, duma feita, “Não há uma Psicologia moderna, porém muitas. Isso é estranho, porque somente há uma Matemática, uma Geologia, uma Botânica, uma Zoologia, etc. Em troca, as psicologias são tantas que uma Universidade norte-americana publica todos os anos um grosso volume intitulado: “Psicologies of 1930”, etc. Creio que há tantas psicologias quanto filosofias e sucede com estas o mesmo que com aqueles: não há uma só, mas muitas.” E mais: “Não existe praticamente uma psicologia científica moderna que explique as coisas do ponto de vista do espírito.”  

            O Espiritismo é o maior repositório de estudo da alma e suas consequências, pois “tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível”, afirmou Kardec. É também “uma ciência que trata da Natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal”. Acontece, porém, e isso é uma tendência irresistível do homem, que, às vezes, a Doutrina é adulterada, sofre, de quem não a conhece ou não se identificou com ela, influências de teorias que pretendem igualmente esclarecer e explicar os fenômenos inerentes ao mundo espiritual em suas relações com o mundo material. Por isso mesmo, Kardec advertiu: “Por vender-se vinho falsificado, não se deve concluir que não existe vinho puro” (“O que é o Espiritismo”, 17º ed. FEB, 1976, pág. 58). Cabe-nos, na medida das nossas possibilidades, resguardar a pureza da Doutrina Espírita, pois sabemos que algumas pessoas, ainda não inteiramente desligadas de certas práticas, usuais em outras organizações espiritualistas, procuram, de boa-fé, sem dúvida, com uma candidez surpreendente, introduzir em seus Centros costumes incompatíveis com os princípios doutrinários do Espiritismo, conservados puros e intangíveis pela Casa de Ismael. Esquecem-se, tais “inovadores”, da asserção de Kardec: “Todo espírita é necessariamente espiritualista, mas nem todos os espiritualistas são espíritas.”

            Enquanto as psicologias se multiplicam e mostram certa diferença entre os postulados que adotam, o Espiritismo é uno, indivisível, tendo por estrutura a Doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec. Os que negam a alma em suas teorias... psicológicas, são vítimas infelizes da pior das cegueiras, porque tem olhos de ver e não veem. “O futuro pertence ao Espírito!” – exclamou uma entidade desencarnada. As psicologias sem alma são esforços materialistas destinados a aumentar a desorientação do mundo. Alguns procedem sinceramente, de acordo com os ensinamentos que lhe foram “inoculados”. Outros, movidos por preconceitos que serão destruídos pela evolução dos conhecimentos humanos. A verdade negada hoje esplenderá, livre, amanhã. “A vida corpórea é a síntese das irradiações da alma. Não há órgãos em harmonia sem pensamentos equilibrados, como não há ordem sem inteligência” – ponderou André Luiz em “Nos Domínios da Mediunidade”. “O Espírito, encarnado ou desencarnado, na essência, pode ser comparado a um dínamo complexo, em que se verifica a transubstanciação do trabalho psicofísico em forças mento-magnéticas, forças essas que guardam consigo, no laboratório das células em circulam e se harmonizam, a propriedade de agentes emissores  e receptores, conservadores e regeneradores de energia” (André Luiz – “Mecanismos da Mediunidade”, cap. V, edição FEB).

            A importância do estudo do perispírito tem sido subestimada pelos pesquisadores da Psicologia, ou das psicologias. Está ele sempre ligado à alma, durante sua união com o corpo ou depois de separar-se deste Portanto, faz parte integrante do Espírito (ou Alma), do mesmo modo que o corpo o faz do homem – esclarece Kardec. “Porém, o perispírito, só por só, não é o Espírito, do mesmo modo que só o corpo não constitui o homem, porquanto o perispírito não pensa. Ele é para o Espírito o que o corpo é para o homem: o agente ou instrumento de sua ação” (“O Livro dos Médiuns”, Segunda Parte, cap. I, nº 55). Embora fluídico, “o perispírito não deixa de ser uma espécie de matéria”, pois “o Espírito precisa de matéria para atuar sobre a matéria. Tem por instrumento direto de sua ação o perispírito, como o homem tem o corpo” (ibidem). O estudo do perispírito e de sua indispensável função na atividade da alma, encarnada ou desencarnada, é primordial para o estabelecimento seguro e definitivo, pelos conhecimentos daí derivados, de uma Psicologia legítima. Eis porque Emmanuel, em “Dissertações mediúnicas”, pondera que “a medicina do futuro terá de ser eminentemente espiritual, posição difícil de ser atualmente alcançada, em razão da febre maldita do ouro”. Em suma, “o corpo espiritual é a alma fisiológica, assimilando a matéria ao seu molde, a fim de materializar-se no mundo físico”.


domingo, 16 de agosto de 2020

Prá pensar



“Os abusos, como os dentes,
nunca se arrancam sem dores.”

Marquês de Maricá   in Reformador (FEB) 16.3.1917



Haja o que ouver, aconteça o que acontecer, seja o Evangelho o vosso bordão.

 Bittencourt Sampaio 
Reformador(FEB) 16.6.1915


O dever é a necessidade de
 cumprir uma obrigação moral.
 A alegria é a felicidade
 de a haver cumprido.

 Emile Christofle 
Reformador (FEB)  15.1.1914


Estudemos
que Deus nos iluminará.

Pedro Richard 
Reformador (FEB) 1.6.1914


Nascer, Morrer, Renascer ainda
e progredir sempre. Tal é a lei. 

Inscrição no túmulo de Allan Kardec


sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Dias Felizes



Dias  Felizes

            Não consideres feliz o dia que hajas empregado
 em teus gozos pessoais, que, por puros que sejam, 
estarão bem próximos do egoísmo, 
se tuas alegrias não refletirem a de outros seres,
 por tuas boas obras.

            Não consideres feliz o dia
 em que não tenhas podido enxugar alguma lágrima, 
   dar um conselho útil, reparar alguma falta  
ou perdoar de coração a uma ofensa.

      Não consideres feliz o dia
 em que ainda existam em teu coração as más paixões, 
sem lutares por vencê-las.

El Siglo Espírita

Reformador (FEB) 15.11.1906

terça-feira, 16 de junho de 2020

O objetivo da vida



        O objetivo da vida é conquistar a perfeição. Nosso campo de operações, por agora, é a Terra e as armas que temos de esgrimir o amor e a sua filha: a caridade. A lei que nos deve regular a vida está no Evangelho. Cristalizar na prática a sua santa doutrina é estar no caminho reto. Chegar ao termo deste, sem nos desviarmos, deve ser a nossa mira. Quem isso consegue corresponde perfeitamente ao objeto da vida.
 Reformador (FEB) Dezembro 1942

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Lição do Gólgota



Lição do Gólgota
Redação 
Reformador (FEB) 1 de Maio de 1903

            A derradeira fase da vida de Jesus, em sua missão messiânica na Terra, essa apoteose final dos seus ensinos, ainda há poucos dias - na semana denominada propriamente santa - relembrada ao coração da cristandade, pouco preparada, todavia, para compreender a sua significação e a verdadeira forma de a comemorar, encerra tão profunda lição que bem merece este comentário especial, e justifica o parênteses que por esse modo abrimos na nossa série sobre a personalidade do Divino Mestre, assunto de que ao demais não nos afastamos, limitando-nos unicamente a apresenta-lo sob essa luz particular.

            Transportando-nos pelo pensamento a essa afastada época, o nosso espírito penetra novamente naquele trágico cenário da Judeia, e aí assistirmos, com um estremecimento de horror ainda hoje, ao mais espantoso atentado com que até então se carregou a consciência humana. Aí vemos Aquele, que personificava as doçuras do amor celeste, a quem jamais alguém arguiria de pecado, conduzido como o último dos criminosos à ignominia do madeiro infamante, que, todavia, ao contato do seu espírito puríssimo, se devia de então em diante transformar em instrumento simbólico de redenção.

            Vemo-lo, no testemunho supremo de humildade, recebendo as mais duras e cruéis afrontas - ele que sobre o nosso mundo dispunha de todos os poderes, - numa edificante renúncia a todos eles, submeter-se à iniquidade das próprias leis humanas, imolar-se, voluntariamente, para nos legar esse sublime e derradeiro exemplo.

            É essa realmente a lição do Gólgota, fecho lógico e triunfal do tocante poema de humildade contido no presépio de Belém.

            Jesus que, no uso de suas atribuições excepcionais, poderia ter escolhido, para aparecer na Terra, o trono dos césares, preferiu dos povos da terra o mais humilde, aquele que jazia sob a opressão política de um poderoso império, e dentre as cidades desse povo escolhe a mais obscura e pequenina, assim nos dando o primeiro exemplo de desprendimento das grandezas e das posições mundanas. Semeia a sua palavra de redenção nos corações aflitos, entorna as magnificências de sua alma amantíssima sobre os necessitados do corpo ou do espírito; centelha puríssima irradiada do seio imenso do Criador, astro de peregrina grandeza, eleva-se nas trevas da consciência popular, constelando-a de divinas promessas; quando tem de escolher os seus continuadores e discípulos, vai busca-los às mais humildes e obscuras camadas sociais - preferencia que ainda encerra uma lição - e por fim, chegado ao termo da sua jornada gloriosa, abandona-se submisso à sanha dos seus algozes insensatos. Podendo aniquila-los ao simples impulso de sua poderosíssima vontade, prefere deixar-lhes o triunfo efêmero da sua iniquidade.

            Em sua penetração clarividente, em seu profundo conhecimento desta pobre humanidade, compreendera que a vitória decisiva de uma causa - triste contingência que marca o nosso atraso! – necessita do martírio e da imolação dos seus apóstolos. Daí essa submissão sem um queixume, para que nela aprendêssemos, os que - eternos revoltados - vivemos a nos insurgir constantemente por toda a sorte de lamentações e de protestos, contra as provações e sofrimentos, que são, entretanto, a par de consequências lógicas dos nossos erros do passado, e salutar aguilhão do nosso progresso espiritual, aprendêssemos - dizemos - a curvar a cabeça, mesmo à iniquidade das humanas leis.

            E assim, pondo sempre as suas palavras e os seus atos de harmonia com as leis do Criador, sem cuja vontade nada acontece, - vontade que só ele conhecia - quando Pilatos, depois de lhe haver perguntado “de onde és tu?” Sem obter resposta, insiste: “tu não me falas? Não sabes que tenho poder para te crucificar e que tenho poder para te soltar? responde humildemente : “tu não terias sobre mim poder algum se ele te não fosse dado lá de cima.”

            E a este testemunho de docilidade não tarda a acrescentar, uma vez mais, as demonstrações do seu amor imenso. Contra a turba ululante, que em altos brados reclama o seu suplício, preferindo lhe iniquamente a libertação de Barrabás, não só não profere a menor queixa mas, ao contrário, levantando o pensamento ao Pai, suplicando lhe a absolvição dos seus algozes.

            Sublime e coerente ensinamento daquele que, a exemplo do Criador que faz o seu sol se levantar sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos, assim repartia indistintamente os tesouros da sua graça sobre os que o amavam, como sobre os seus perseguidores.

            Imitemo-lo, pois, os que desejamos ser seus discípulos, e nestes dias que assinalam e relembram a espantosa tragédia que se desenrolou há cerca de mil e novecentos anos, fixemos bem no nosso espírito a lição que encerram tais sucessos. Há nisso, além de tudo, para nós, uma razão particular.

            Partindo do princípio, evidenciado nas revelações do Espiritismo, de que por um equitativo retorno das coisas, e segundo as exigências da lei divina de justiça, aos culpados arrependidos é sempre oferecido por Deus o meio de reparação de suas faltas, é lógico supor que os que hoje nos apresentamos a levantar o estandarte do Evangelho sobre a cidadela da Nova Revelação, fomos do número daqueles que lhe moveram a mais crua hostilidade. Quem sabe mesmo quantos de nós, confundidos naquela turba amotinada contra o mais puro dos espíritos, cujo único delito foi amar muita os seus desgraçados irmãos deste planeta, não teria vociferado o “crucificai-o?!” Que esta ideia, porém, lançando a consternação em nossas consciências, fazendo-nos estremecer de horror sagrado, não seja só motivo de acabrunhamento. Que o espectro desse provável e hediondo crime nos não reduza à imobilidade, limitando-nos a curvar a fronte na desolação de aparências farisaicas; não.

            E, pois que, em sua magnanimidade, nos tem o Criador, depois disso, concedido, porventura numerosas, posto que impenitentes, existências, é tempo de provarmos a sinceridade do nosso arrependimento, lançando-nos com acrisolado zelo à obra de reparação. Vencendo os arrastamentos do mal que está em nós, como triste herança do passado - único inimigo que realmente devemos combater - dediquemo-nos com o maior ardor à tarefa nobilitante do apostolado da Verdade; e de Evangelho em punho, abraçados à cruz da redenção, resignados e contentes, através das amargura e sofrimentos desta vida, sigamos corajosamente rumo do futuro. Lá, nos aguarda, braços abertos para nos acolher, nas alegrias vitoriosas do resgate. Aquele de cujos lábios jamais gotejaram palavras que não fossem de amor e de perdão.

            Eis o que nos cumpre fazer; eis a lição que encerra o Gólgota e em que nos devemos para sempre edificar.


terça-feira, 19 de maio de 2020

Essência de Deus



Essência de Jesus
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Janeiro 1907

            Sr. Redator,

            Acabo de ser honrado com uma longa missiva procedente de S. Paulo em a qual um nosso confrade o Sr. Arthur Baptista, me pede o elucide acerca da minha opinião sobre a natureza de Jesus.
            Diz o aludido missivista:
            Em certo lugar de sua apreciada dissertação ‘O Sermão do Monte’ diz V. Sa.:
            “Ante esta admoestação do meigo pupilo de José - o carpinteiro...”
            - “...pergunto a V.S.: Que origem empresta V.Sa. ao Cristo? Divina ou humana? Naturalmente divina, porque, do contrário V.Sa. diria .. Ante esta admoestação do meigo filho de José o carpinteiro...”
            E, continuando, pondera o Sr. A. Baptista:
            “Se Jesus não é filho de José, pelo seu modo de dizer, tem origem em Deus, isto é, é “Deus”.
            E, em seguida, pergunta-me:
            “- Interpretou mal o que V.Sa. quis dizer?”  
            Agora minha resposta:  
            Interpretou mal.
            Nem Jesus é filho de José nem é Deus, mas um espírito superior que veiou à Terra como enviado plenipotenciário do Rei da Criação. Pelo fato de ter Jesus origem imediata em Deus, não se segue que seja ele Deus. Todas as almas nasceram de Deus, que as criou. Elas são umas como chispas que repincham do ilimitado Foco de luz, ou, por outra, do infinito sol espiritual chamado Deus. Todas elas ignaras ou sábias, medíocres ou superiores, encerram em si um fúlgido cristal que reflete os raios da Divindade. Esse cristal brilhante chama-se Consciência, que, sem contradita, foi criada por Deus, ou (o que equivale dizer o mesmo) tem origem n’Ele; porém concluir desse fato irrefutável que a nossa alma seja Deus, seria incontestavelmente paradoxal pretensão.
            Vê, pois, o meu amável consulente que é sofístico o seu silogismo.
            Desfeita assim a sua objeção, entro a expor o que penso acerca da personalidade de Jesus.
            Eu creio firmemente que Jesus é um espírito superior, enviado, como Ele mesmo declarou inúmeras vezes, por Deus ao nosso globo, afim de esclarecer e guiar a humanidade na vereda do bem e da virtude – carreiro único que nos conduz à perfeição e a felicidade. Ele veio implantar no coração dos homens a mais edificante moral que se tem refletido no mundo. De feito, assentou o suntuoso edifício de seus ensinamentos, de sua imperecível religião sobre o mais sólido alicerce constituído por estes variegados e  inquebrantáveis mármores: caridade e amor. Como consequência, ensinou o perdão e o esquecimento das ofensas e injúrias, o auxílio mútuo dos homens, sem distinção de raças, o congraçamento de todos, a paz, a reconciliação, em uma palavra, a fraternidade universal!
            Era então estranha essa doutrina, que desabrochava na alma popular, como alvissareira e esplêndida alvorada a dissipar a densa treva do paganismo que eclipsava a ideia do verdadeiro Autor da Criação. Ao implacável Jeová, rubro de cólera e vingança, ele vinha opor o tolerante e misericordioso Deus, que relanceia o seu olhar cheio de doçura e complacência sobre a pobre humanidade - miserável calceta chumbada ao pelourinho ignominioso dos mais sórdidos vícios, dos mais revoltantes e monstruosos crimes! Ele veio ao mundo, a mandado de seu Pai, não para ameaça-lo com imprecações e raios, mas para oferecer-lhe uma dádiva primorosa: - o viridente (viçoso) ramalhete da esperança, que nos faz prelibar o gozo inefável da ventura eternal. Ele veio nos assegurar que a dor é necessária para as delícias futuras; que a lágrima é um orvalho santo que faz abrir em nossos lábios a flor primaveril do sorriso feliz!
            Não é crível que Jesus, espírito superior, existindo já antes de Abraão, como ele mesmo o revelou, tivesse necessidade de se reencarnar em um corpo grosseiro, como o nosso, para realizar a missão nobilíssima de que fora investido por seu Pai e nosso Pai. 
            Raciocinemos: Em primeiro lugar, não repugna a nenhum crente do Espiritismo o fato da materialização dos espíritos, que, por um simples ato de sua vontade, podem imprimir ao perispírito modificações que o tornam perceptível aos nossos sentidos. Muitas vezes o perispírito se condensa de tal maneira que pode adquirir as propriedades da solidez e da tangibilidade, podendo também instantaneamente reassumir o seu estado etéreo e invisível, como diz Epes Sargent na sua obra “Bases Científicas no Espiritismo”.
            Ora, se o perispírito pode, a seu talante, tornar-se sólido e tangível e reassumir o seu estado etéreo, qual o motivo por que não havemos de compreender que Jesus - espírito superior - dispusesse dessa faculdade?  
            Pois não é mais nobre tal concepção a respeito de Jesus, do que figurarmo-lo chumbado a uma carne grosseira e esquecida, como é o corpo humano?
            Pois não é verdade que, depois de sepultado, apareceu Jesus à Magdala e aos seus discípulos com a mesma aparência material que tinha antes do enterramento?
            Não é verdade que, depois de sepultado, apareceu Jesus à Magdala e aos seus discípulos com a mesma aparência material que tinha antes do enterramento.
            Não é verdade que S. Tomé só acreditou que era realmente Jesus, quando tocou com os próprios dedos as chagas do Mestre?
            A verdade é que Jesus materializava-se e tornava-se etéreo e invisível todas as vezes que lhe aprazia.  
            Se acaso o meu ilustre consulente e confrade acredita que o corpo de Jesus era idêntico ao nosso corpo humano, ramo pode explicar o seu desaparecimento do interior do túmulo encontrado vazio?
            Podeis acreditar que o tenha Jesus levado para as regiões etéreas onde vivem os espíritos superiores, e onde tudo é puro, leve, imponderável e imaterial?
            Eu acredito piamente que sobre ser paradoxal, é fazer uma ideia somenos de Jesus, crê-lo sepultado na carne humana que, segundo a sua própria expressão, para nada aproveita.
            Para provar ainda que o corpo de Jesus não era carnal, apresento o seguinte texto evangélico:
            “- E transfigurou-se diante deles (que eram Pedro, Tiago e João). E o seu rosto ficou refulgente como o sol e as suas vestiduras se fizeram brancas como a neve.” (Mateus, Cap. XVII, v.2)
            Pode-se porventura conceber que o corpo humano tenha a prerrogativa de assumir essa refulgência, esse resplendor de que fala o Evangelista?
            Seguramente não.
            Vejamos, em favor de nossa asserção, mais uma prova colhida nas palavras próprias de Jesus:
            “Vós me buscareis, e não me achareis: nem vós podeis vir aonde eu estou.” (João, cap. VII, v. 34).
            Considere-se bem que Jesus não diz: ir, mas sim, vir, e nem tão pouco: aonde eu estarei, mas sim: aonde eu estou.
            Jesus, exprimindo-se desta maneira aos seus discípulos, antes de sua pretendida morte, queria certamente significar que não residia, no momento mesmo em que falava, neste mundo, mas sim nas etéreas excelsitudes, de onde vinha e para onde voltava com celeridade maior que a do relâmpago.
            Concluindo, opino, em virtude das reflexões acima emitidas, que corpo com que Jesus se apresentava não era um corpo análogo ao, mas sim um corpo fluídico, astral, que, na clássica linguagem espírita, se traduz pelo termo: perispírito.
            Eis aí tem o meu ilustre consulente a minha resposta a questão que me apresentou acerca da natureza do sublime Enviado de Deus sobre o planeta em que estamos hospedados.  
            Considerando-me feliz, caso este meu parecer seja benevoladamente acolhido pelo meu distinto confrade, aproveito o ensejo para apresentar lhe a expressão de meu profundo reconhecimento pela distinção com que me honrou, e da minha inteira consideração, estima e amizade.

       Dr. Fernando de Alencar
Estação de Henrique Galvão, Minas, 10 de dezembro de 1906

Ainda a essência de Jesus
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Março de 1907

Ilmo Sr. Arthur Baptista:

            Cordiais saudações,
            Só ontem é que recebi a Verdade e Luz de 31 de Janeiro, em cujo número li a vossa carta em resposta ao meu escrito “Essência de Jesus”.
            Permiti que encete, sem mais preâmbulo, as reflexões que ela me sugeriu.
            Dizeis que na existência do corpo carnal de Jesus é justamente onde entrevedes o seu maior merecimento, porque, irmanando-se conosco, nos ensina a darmos mais uma passada no caminho do progresso.
            De sorte que, consoante o vosso modo de pensar, são os sofrimentos físicos, senão os únicos, ao menos os mais de molde a nos encaminharem na vereda do progresso, os mais próprios a nos fazerem atingir à perfeição. Entendo que vos achais iludido.
            Dais a sorte que a perceber que as dores físicas são mais intensas ou torturam mais que os sofrimentos morais. Ora, é esta uma asserção de todo o ponto injustificável. Quantas pessoas, a quem nenhum mal físico zurze, e que se encontram mergulhadas no mais confortável aconchego, impulsionadas por uma tempestade de emoções violentíssimas, arremessam-se à voragem do suicídio, menosprezando muitas vezes os mais dolorosos e cruciantes gêneros de morte, como sejam os tóxicos corrosivos, a combustão, etc., que despertam necessariamente os mais lancinantes tormentos, as mais aflitivas contorções ?!..
            E isso porque? Evidentemente, com o intuito de se desvencilharem de um sofrimento moral penosíssimo, de um ciúme atroz, de uma injustiça revoltante, do abatimento em que as deixa a extinção de uma esperança sedutora, que lhes coloria a existência com as cores mais brilhantes do caleidoscópio das ilusões?
            Se, como vedes, há paixões aflitivas tão insuportáveis ao ponto de se lhes preferirem as mais torturantes dores físicas, porque não compreendeis que Jesus tivesse sofrido mais no íntimo de seu ser espiritual, diante das desgraças da humanidade que Ele tanto amava e ama, do que com as dores de seu suplício?
            Dizeis que Jesus experimentou fome e sede – sofrimentos esses inerentes à carne.
            Nego a veracidade desta proposição.
            De feito, os Evangelhos afirmam que Jesus, durante quarenta dias e quarenta noites, jejuou no deserto.
            Não há ser humano que, no estado fisiológico, assevero-o em nome da ciência médica de que sou humilíssimo representante, possa realizar esse feito assombrante.  
            Continuemos.
            Ponderais: - Se Jesus, trazendo um corpo fluídico... se houvesse conduzido de forma que iludia a atenção geral... essa burla teria sido o maior escárnio atirado à face de um povo, etc.
            Esquecido deste vosso argumento, quase no fim de vossa dissertação, na impossibilidade de explicardes plausivelmente o desaparecimento do pretendido corpo de Jesus, perguntais como uma tal ou qual ingenuidade, aliás bem respeitável por nascer de uma séria e intrincada dificuldade.
            - Porque não podia Jesus ter transportado seu corpo carnal para um sítio deserto, para uma voragem desconhecida, para o fundo do mar?
            Se julgais, meu ilustre confrade, ser burla o fato de Jesus ter comunicado ao seu períspirito a propriedade de solidez e tangibilidade (o que Ele fez com o intuito mui justificável de conseguir impressionar o meio social em que apareceu e que, como sabemos, era constituído por espíritos ignaros e atrasados, e em quem os sentidos falavam mais alto o que o raciocínio) de outro lado, não considerais, porventura, indigno desse Espírito superior o embuste de arremessar para o fundo do mar, para uma voragem ou para um deserto o seu corpo carnal? E com que fim?
            Porque preferira Ele algum desses lugares que nomeais ao sepulcro em que o depositou José de Arimatéia, o qual certamente não seria violado?
            E depois... esta hipótese, parece, seria uma traça de arte mágica incompatível com a gravidade de um ente como Jesus.
            Perguntais qual o motivo por que discípulos de Jesus experimentaram surpresa ao tornarem a vê-lo, depois de sua morte aparente?
            Eu vos respondo que tal surpresa era inteiramente natural, porque eles estavam persuadidos de que, efetivamente, o seu Mestre tinha morrido.
            Respondidas assim as objeções que se me afiguraram de mais peso, passo a aduzir outras provas em favor de minha tese, e vou colhe-las na fonte inexaurível do Evangelho.
            Lede estas palavras de Jesus:
            “-Na verdade vos digo que, entre os nascidos de mulheres, não se levantou outro maior do que João Batista.” (Mateus, XI v.11)
            Uma de duas: ou Jesus não era maior do que João Batista ou Ele Jesus não era filho de mulher, o que vale dizer, da carne. Ora, indiscutível que Jesus era Espírito superior ao de João Batista. A conclusão ressalta, pois, a meu favor.
            Não há um só texto evangélico em que Jesus declare que houvesse tido mãe, nem pai, carnal. Ao contrário, tudo leva a crer que Ele não considerava Maria como sua mãe.
            Nas bodas celebradas em Canaã, faltando vinho, Maria, dirigindo-se a Jesus, chamou-lhe a atenção sobre essa ocorrência, e Ele lhe respondeu:
            - Mulher, que me vai a mim e a ti isso?
            Espírito sumamente benévolo e cheio de brandura se Jesus reconhecesse a Maria como sua mãe, em vez de dizer: - Mulher... certamente teria diria: Mãe.... o que seria mais consentâneo, mais de acordo com a sai inigualável mansidão e com a humildade que preconizava e de que deu edificantes exemplos.
            Vejamos mais os seguintes textos:
            - ... porque eu saí de Deus e vim (João, VIII, v. 42)
            - Eu saí do Pai e vim ao mundo: outra vez deixo o mundo e torno para o Pai. (João, . XVI, v. 28)
            Mas Jesus lhes respondeu: - Vós sois cá de baixo e eu sou lá de cima. Vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo. (João, VIII, v. 23)
            Eis aí bem explícito, Jesus confessa claramente que não pertence ao nosso mundo. E quando afirma que saía de Deus, que saiu do Pai, com certeza quis significar que veio diretamente ao nosso globo, a mandado de Deus, sem que para isso precisasse alojar-se num corpo esquálido e imundo, como é o corpo humano.
            Ainda um outro fato vem em favor da incorporeidade de Jesus: é o seu passeio sobre a superfície do mar sem que Ele submergisse.          
            Para terminar, eu vos faço a seguinte pergunta:
            Por onde vagava Jesus durante o lapso decorrido entre o dia de sua discussão no Templo com os doutores, quando então contava 12 anos de idade, e a época em que começou a pregação de sua doutrina, fato que se realizou nos três últimos anos de sua passagem pelo nosso planeta?
            Acaricia-nos a veleidade de supor que estas reflexões, que acabo de exarar, são dinas de atenção, e que a vossa esclarecida inteligência lhes fará justiça, dando-lhes o valor eu elas, porventura, tenham.
            Aceitai o amplexo fraternal do vosso confrade e amigo                        
    
 Dr. Fernando de Alencar   
    Henrique Galvão, 19 de Fevereiro de 1907

De novo a essência de Jesus
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Junho 1907

Ilmo. Sr. Arthur Baptista:

            Acabo de ler a vossa carta, que mereceu as honras de artigo de fundo da ‘Verdade e Luz’ de 15 de abril a que somente agora me vem às mãos, juntamente com o nº de 30 do aludido mês, não sabendo a que atribuir semelhante protraimento (demora), que me impediu de vo-la responder com mais brevidade.
            Encetais a vossa argumentação, arvorando, com pretensões a axioma, a seguinte proposição:
            “O sofrimento físico deve ser o único caminho para a perfectibilidade, para nós habitantes do planeta Terra. Aquilo que se faz na carne, só pela carne se redime.”
            Infiro daqui, com o império da mais insofística (não capciosa?) e pura dialética que, consoante este vosso estranho princípio, os sofrimentos que experimentamos, quando enclausurados nesta asfixiante penitenciaria da carne, nenhuma influência possuem para o nosso progresso moral, absolutamente não concorrem para a nossa perfectibilidade.  
            De sorte que a suprema Bondade e Justiça só levará em linha de conta, para aquele progresso, o sofrimento físico, único caminho, como vos exprimis, para que nós - encarnados neste planeta - possamos atingir aquela perfectibilidade.
            Será crível que os sofrimentos morais, como sejam as angústias do remorso, as impressões dolorosas dão, a saudade intensa que tantas almas crucia, a mágoa pungentíssima que lacera o peito dos pais diante da desgraça dos filhos, a hipocondria que amortalha o coração daqueles cujas ambições frustraram-se, e a quem não sorriem, no horizonte do futuro, os astros cintilantes da esperança, e no Saara da vida os oásis virentes (verdejantes?) de encantadoras ilusões... será crível que todos esses sofrimentos, que se não podem chamar materiais, sejam completamente inúteis, não concorram, e muito poderosamente, para redimir as nossas culpas, para resgatar o nosso passado ignominioso, inçado de erros e crimes?
            Não. Não é só na masmorra da carne, chumbado ao corpo material, que a vossa alma experimenta provações, às vezes terribilíssimas, e é o meu ilustre contendor o mesmo que vem, malgrado seu, apoiar a minha opinião, quando, poucas linhas abaixo, confessa: “No plano astral há sofrimentos morais (já se vê) de muita intensidade...
            Concordais assim comigo que, separado do corpo material, o espírito é suscetível de intensas dores morais; mas asseverais que não há progresso para o espírito sofredor errante no espaço.
            Em que vos fundais para tal afirmação.
            Eu a contesto, apoiado na opinião do fulgurante autor espírita - Léon Denis - que na sua monumental obra - Depois da morte - no capítulo “Erraticidade”, diz que “em certo pontos do espaço vê-se grande número de ouvintes recebendo instruções de espíritos adiantados.”
            Ora, é de se presumir que quem recebe instruções, progrida.
            Vê, pois, o meu amigo que deve haver progresso na erraticidade e que não é só na carne que sofre, o que vale dizer que se progride.
            A objeção que apresentei com as palavras de Jesus:
            Na verdade vos digo que, entre os nascidos de mulheres, não se levantou outro maior do que João Batista”, vós respondeis que Jesus proferiu essas palavras impulsionado pelo sentimento da humildade.
            Mas eu rebato essa hipótese, dizendo que a humildade de Jesus não descia ao ponto de obumbrar a verdade; e tanto isso é irrefutável, que Jesus inúmeras vezes se declarou Enviado do Pai, isto é, a sua humildade não o impediu de fazer essa revelação que importava em excelsa honra, e isso porque, acima de um pseudo sentimento de humildade ou modéstia, Ele colocava, muito justificavelmente, a verdade, que em caso nenhum devia ver imolada.
            Respondendo à objeção que ofereci com o fato de se não encontrar nos Evangelhos uma só palavra de Jesus, da qual se pudesse inferir que Ele tinha a Maria por sua progenitora, vós dizeis que Jesus não ligava importância à sua filiação.
            Não ê verossímil que Jesus, que deu as mais exuberantes provas de cordura e amor, não tivesse pronunciado uma só vez sequer, dirigindo-se a Maria, a suavíssima expressão – mãe – se Ele a considerasse na realidade a autora de seus dias.
            Além do texto evangélico por mim citado no precedente escrito, em o qual vos mostrei que Jesus, dirigindo-se a Maria, dissera: -“Mulher”... ainda eu vos recordo a as palavras do mesmo Jesus na ocasião em que, do alto da cruz, prestes a evolar-se deste mundo, exclamou:
            - “Mulher, eis aí o teu filho.”
            E, depois, volvendo-se para João, disse a este: - Eis aí tua mãe.
            Causaram-me, deveras, certo pasmo estas vossas palavras:  
            - “Jesus, para mim, foi um homem como outro qualquer, um reformador como muitos.”
            E, explanando o vosso pensamento, citais Confúcio - o célebre filósofo chinês - e Hilel, o doutor judeu, nascidos ambos antes de J.C..
            Relevai que eu estranhe essas palavras escritas pelo punho de um sectário do Espiritismo –religião ou filosofia - que fez da doutrina de Jesus a pedra angular em que assenta o majestoso edifício da sua moral e dos seus ensinamentos.
            Comparai esse conceito, que externais em relação a Jesus, com o que Léon Denis expende em sua obra “Cristianismo e Espiritismo”:
            Veio Jesus, espírito poderoso, divino missionário, médium inspirado.”  
            E mais adiante:  
            “A grande figura de Jesus ultrapassa todas as concepções do pensamento.”
            Notai bem: Notai bem: assim se exprime, com relação ao Enviado de Deus, um do cérebro mais salientes, um dos filósofos mais profundos, um dos escritores mais elegantes do moderno Espiritualismo.
            Para ele, é Jesus um divino missionário. Atentai bem: divino missionário. O que equivale a dizer: um propagandista que Deus enviou ao nosso planeta para, expressamente, neles difundir a mais perfeita e excelsa moral, a doutrina por excelência que, consoante afirma o próprio Jesus, não é d’Ele Jesus, mas d’Aquele que o enviou, como se depreende do seguinte texto:
            - Respondeu-lhe Jesus e disse: A minha doutrina não é minha, mas d’Aquele que me enviou. (João VII, 16).
            Jesus foi enviado diretamente por Deus: a “sua doutrina ultrapassa todas as concepções do pensamento;” entretanto, meu ilustre confrade, deixais escapar de vossa pena estas irreverentes palavras: - “Jesus foi um homem como outro qualquer!”.
            Confessai-o: esta é antes a linguagem de um André Lefrèvre do que a de um verdadeiro espírita.
            Para provar que Jesus tinha corpo material, evocais as palavras de Mateus e Lucas, que dizem:
            E tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome
            Não duvido que esses evangelistas tivessem acreditado que Jesus tivera realmente fome, porque, em verdade, eles, convictos como estavam, não podiam, de todo, duvidar que o Mestre, depois de tão longa abstinência, não houvesse experimentado fome - consequência, naturalíssima e fatal - da prolongada privação de alimentos em qualquer pessoa no estado fisiológico que, como já escrevi, não pode absolutamente suportar tão extraordinário sacrifício por tão longo espaço de tempo.
            Apelais ainda para as palavras que, geralmente se pretende, foram proferidas por Jesus e que vem inserta no Evangelho de João: “-Tenho sede.”        
            Esta versão não é confirmada pelos outros três evangelistas, o que autoriza a pensar que fosse adulterada aquela expressão.
            Além disso, ilustre amigo, é quase impossível depositar cega e inteira confiança em todos os textos evangélicos, e isso porque há, entre eles, em alguns pontos, flagrante contradição. Assim é que, na descrição do suplício de Jesus na cruz, no evangelho de João está escrito: “Jesus, porém, havendo tomado o vinagre” (XIX – 30), ao passo que no evangelho de Marcos se lê: “E davam lhe a beber vinho misturado com mirra: e não a tomou (XV-23).
            Diante deste fato que podeis averiguar (e eu insistentemente vos peço que o façais) , que haveis de concluir senão que nem sempre é possível aceitarem-se como autênticos alguns textos evangélicos?
            Incontestavelmente, um desses dois evangelhos nesse ponto não está com a verdade. Que concluir daqui? Que um dos dois mentiu? De modo algum.
            Houve apenas, como creio, adulteração nos primitivos textos, e isso é tanto mais crível quanto é certo que o de Mateus, o primitivo, segundo Léon Denis, perdeu-se. O evangelho de João, segundo o autor citado, só apareceu do ano 98 a 110.
            Não achais plausível acreditar que tivesse havido qualquer modificação nos evangelhos, por ocasião das diversas traduções que deles se tem feito e em diferentes épocas?
            Continuemos:
            Não devemos interpretar ao pé da letra certas palavras de Jesus, e assim penso estribado na opinião de S. Paulo, que diz: a letra mata e o espírito vivifica, palavras que encontrareis na 2 ª Epístola aos Coríntios, cap. III vers. 6
            Examinemos alguns conceitos de Jesus, expressos em verdadeiras figuras, consoante seu estilo metafórico.
            Jesus disse por exemplo:
            - Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; e ele entrará e sairá e achará pastagens. (João, X,9).
            - Eu sou a videira verdadeira e meu pai é o agricultor (João XV,1).
            Dizei-me: é possível interpretar estas palavras em sua significação literal? Vejamos mais; leiamos este vosso tópico:
            “- Eu o admiro, eu pasmo diante de sua pessoa, mas do Jesus filho do homem... e não do Jesus fantástico, incorpóreo, insensível, etc.”  
            - De sorte que ser incorpóreo é ser insensível ?!.. Mas nesse caso deveis concluir que todos os espíritos, maus, medíocres, bons e superiores, são insensíveis, o que é incontestavelmente paradoxal.
            Interpretais o deslize de Jesus sobre as ondas como sendo um efeito da levitação.  
            Não vejo em que este fenômeno seja, aos olhos de um espírita, mais natural do que a materialização do espírito já hoje fora de qualquer controvérsia entre nós outros sectários do moderno Espiritualismo.
            Agora, permiti um ligeiro reparo:
            Tenho notado, meu amável confrade e amigo, que demasiado vos deixais impressionar pelos sofrimentos da matéria, relegando para um plano somenos as dores morais, como se estas não pudessem abalar tão profundamente o nosso espírito, ao ponto de nos roubaram a mais ligeira parcela de tranquilidade, atirando-nos muitas vezes ao precipício hiante do desespero, da alucinação, da loucura!...
            É o caso de vos perguntar:  
            - Qual das duas insônias preferis: a insônia produzida por uma nevralgia ou a motivada por um remorso voraz?
            Que escolheis? A retenção, por moléstia, em vossa casa, bafejado pelas carícias e solicitude de vossa família, ou a detenção em lôbrego cárcere, fruindo a mais invejável e robusta saúde?
            O cerceamento da liberdade é um castigo moral, não só experimentado pelos encarnados, mas ainda pelos espíritos sofredores no espaço, aos quais é vedado o acesso às regiões em que volitam os espíritos superiores, numa atmosfera de delícias e felicidade.
            Não, meu confrade, não somente são os sofrimentos físicos que concorrem para o nosso progresso; os morais, muitas vezes mais do que aqueles, nos impulsionam à perfectibilidade, mormente se os aceitarmos com resignação e paciência.
            As lágrimas que Jesus, segundo a lenda, derramou no horto de Getsêmani, antes do seu pretendido suplício material, foram a expressão de um padecimento muito mais vivo e intenso do que as dores físicas traduzidas pelas gotas de sangue que rolaram de suas aparentes chagas.
            Ainda uma pergunta, ao terminar este escrito que já vai longo:  
            Podeis acreditar que se desse a ressurreição de Jesus, isto é, de um homem como outro qualquer, consoante vossa expressão... podeis acreditar, repito, que essa ressurreição se tivesse efetuado “com a própria carne grosseira” que, como diz o Reformador de 13 de Abril de 1903, ao fim de três dias estaria forçosamente m franca decomposição?
            Não seria isso uma violação das Leis naturais?
            Mas semelhante violação importaria no tal milagre que nós espíritas repelimos.
            Vosso confrade e amigo

                                                           Dr. Fernando de Alencar
                                               Estação do Carmo da Matta, 31 de maio de 1907  

Essência de Jesus – Os Agêneres
por Fernando de Alencar
Reformador (FEB) Julho 1907

Ilmo. Sr. Arthur Baptista:

            Em aditamento ao meu último artigo, escrevo as presentes linhas, para apresentar cabal refutação ao vosso argumento estribado sobre a teoria dos agêneres, argumento que considerais estar de pé pelo fato, até certo ponto plausível, de me não haver eu pronunciado sobre ele, e isso porque – ingenuamente o confesso – julguei necessário estudar a questão com critério, de maneira a vos te poder, sem laivos de sofisma, com toda segurança, como ides ver.
            Na ‘Verdade e Luz’ de 31 de janeiro do ano fluente, insertou em a “Carta aberta” que me endereçastes, se leem os seguintes períodos:
            “Se Jesus não teve corpo carnal ... não foi mais que um agênere.
            “Ora, de tudo que se conhece sobre as leis fluídicas, atualmente, nenhum exemplo,
Nenhum fato vem em abono dessa asserção.
            Essas leis ensinam que tais materializações se fazem e se desfazem repentinamente, sem longa duração, apresentando tipos diferentes do natural, de um timbre de voz diverso, e insensíveis à dor, à fadiga e a toda espécie de sentimento físico – Gênese – Allan Kardec.
            Depois desta citação, acrescentais:
            “A permanência de Jesus sobre a Terra foi muito longa, etc.”
            Agora lede a minha impugnação, inspirada no artigo “Les Agéneres” inserto em o número de fevereiro de 1859 da Revue Spirite, “Journal d’Études Psychologiques, publié sous la direction de – Allan Kardec.”
            Aí se lê:
            ...”tandis que l’agénere proprement dit ne revèle pas sa nature, et n’est à nos yeux qu’um homme ordinaire; son apparition corporelle peut au besoin être d'assez longue durée, pour pouvoir établir des relations sociales avec un ou plusieurs individus.”
            Eis aí: a aparição corpórea do agênere pode, quando o é preciso, ser de mui longa  duração, de maneira a poder estabelecer relações sociais com um ou alguns indivíduos.
            Ora, sendo isso uma verdade, como eu firmemente creio, (e não podeis também deixar ele o admitir, atenta à fonte insuspeita que apresento) que dificuldade tendes em conceber a ageneridade - se me posso exprimir assim - de Jesus?
            Ainda no mesmo artigo da citada Revue Spirite, vemos que, invocado, o espírito de  S. Luís, entre outros conceitos, afirmou o seguinte:
            - Mais je vous dirai une chose, c’est qu’il existe quelquefois sur Ia terre des esprits qui ont revêtu cette apparence (corporelle) et que l’on prend pour des hommes... Ce sont des faits rares. Vous en avez des exemples dans la Bible.”
            Do estudo que fiz sobre os agêneres, vim a saber que a Sociedade Parisiense dos Estudos Espíritas, designou sob essa denominação os seres espirituais que se podem revestir a forma humana; a esses entes deu o nome de agêneres, para indicar que sua origem não é o resultado de uma geração.
            Jesus, consoante meu modo de pensar, é um agênere que revestiu uma  
aparência corporal, e que foi tomado como homem: essa aparência, que pode ser de  longa duração, contrariamente ao que afirmastes, como já mostrei, não vai de encontro às propriedades do agênere, cuja aparição corpórea, segundo a aludida Revue Spirite, pode ser d’assez longue durée, de modo a estabelecer des relations sociales avec un ou plusieurs individus.
            Já vedes, pois, que a teoria dos agêneres, bem longe de vir em vosso auxílio, fala, no contrário, bem alto, em prol de minha opinião...
            Terminando, cordialmente eu vos agradeço haverdes me proporcionado ensejo para  um estudo que ainda mais inabalável e seguro veio ternar o meu juízo sobre a personalidade de Jesus, que considero, na sua passagem mesmo sobre a terra, como um ser excepcionalmente imaterial, fluídico, puramente espiritual, tendo a faculdade de  apresentar, quando o julgava necessário, formas tangíveis que desapareciam subitamente, como vaporosa e diáfana exalação, ou ainda como louro raio de luz se recolhendo, célere, no infinito seio de Deus, depois de irisar os corações de seus ouvintes com os raios coruscantes da fé, e de envolver as almas gélidas dos infelizes com a flama suavemente tépida da esperança e alma!

Dr. Fernando de Alencar
Carmo da Matta, 3 de Junho de 1907
Foto de Fernando AlencarFernando de Alencar