Luciano dos Anjos, jornalista e escritor, sem dúvida um dos 5 maiores nomes do movimento espírita hoje encarnados entre nós, nos lega o esplêndido trabalho que transcrevemos abaixo:
As 5 (?) Encarnações do Codificador
Luciano dos Anjos
Reformador (FEB)
Agosto 1974
Não tendo sido um agênere, como Jesus o foi, é curial que Kardec houvesse tido várias outras encarnações, antes de renascer pela última vez, em Lyon, no ano de 1804. É precisamente no rastro delas que segui, visando à redação deste artigo. O que se sabe vulgarmente é que o Codificador fora um sacerdote druida, na Gália antiga, ao tempo em que Júlio César imperava no mundo. Essa notícia, quem no-la dá é Henri Sausse, aliás, o melhor biógrafo de Kardec, seu contemporâneo. As duas biografias são muito curtas e pouco nos dizem do biografado: uma, de Camille Flammarion, constante do discurso que pronunciou à beira do túmulo do mestre (‘Obras Póstumas’, págs. 17 a 26 da 11ª edição da FEB); e a outra, divulgada pela ‘Revue Spirite’, de maio de 1869 (apud ‘Obras Póstumas’, págs. 9 a 16, idem, ibidem). Henri Sausse, porém, fez excelente trabalho, agora inserto na obra ‘O que é o Espiritismo’, à págs. 7 e segs. da 11ª edição da FEB. A certa altura, afirma o biógrafo:
“Uma noite, seu espírito protetor, Z., deu-lhe, por um médium, uma comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia, entre outras coisas, tê-lo conhecido em precedente existência, quando, ao tempo dos Druidas, viviam juntos nas Gálias. Ele se chamava, então, Allan Kardec, e, como a amizade que lhe havia votado só fazia aumentar, prometia-lhe esse Espírito secundá-lo na tarefa muito importante a que ele era chamado, e que facilmente levaria a termo.”
Isto ocorreu na casa de Emilie Charles Baudin, e Z., como se sabe, era a abreviatura de Zéfiro. Àquela época, nas Gálias, Allan Kardec era superior a Zéfiro, na hierarquia sacerdotal. Em termos de evolução espiritual, Kardec também lhe estaria acima, conforme se lê em ‘Obras Póstumas’.
Noutro trecho de seu trabalho biográfico, Henri Sausse registra:
“Sendo o seu nome muito conhecido do mundo científico, em virtude dos seus trabalhos anteriores, e podendo originar uma confusão, talvez mesmo prejudicar o êxito do empreendimento, ele adotou o alvitre de o assinar com o nome de Allan Kardec que, segundo lhe revelara o guia, ele tivera ao tempo dos Druidas.” (apud ‘O que é o Espiritismo’, pág. 19, 11ª edição da FEB).
E aqui chamo a atenção do leitor para um fato bastante curioso e ignorado de muitos. Ele mesmo, Kardec, parece não haver deixado nada escrito sobre essa encarnação entre os druidas. Digo parece, por questão de prudência, mas a rigor eu a afirmaria. A revelação, porém, sabe-se que foi feita em 1856, através da cestinha escrevente de Baudin, com a médium Caroline. As notas sobre o fato estavam, em 1921, na Livraria de Leymarie. Em 1925 eram transferidas para o arquivo da ‘Maison des Spirites’, onde em 1940 foram afinal destruídas pelos alemãos, durante a invasão de Paris. Entretanto, enquanto estiveram na Livraria de Leymarie, chegaram a ser copiadas quase totalmente pelo nosso estudioso confrade Canuto Abreu.
Outro fato curioso; ignora-se completamente quem alvitrou a Kardec subscrever seus livros com aquele nome. A respeito, meu particular amigo e colega Indalício Mendes escreveu no ‘Reformador’ de outubro de 1954, pág. 227 (“Tri-Cinquentenário do Codificador”):
‘Ignora-se, porque isto não consta das obras que tratem da vida do Codificador, quem deu o alvitre, se a idéia foi sua ou se a recebeu de alguém encarnado ou desencarnado. Todavia, não há negar que foi felicíssima a sugestão, por se tratar de dois nomes curtos e eufônicos, de pronta retenção pela memória.’
Nada obstante, o próprio Indalício Mendes admite, mais adiante, que o alvitre partira do Espírito Zéfiro, mentor do Codificador:
‘A revelação de Zéfiro, Espírito guia de Rivail, fora altamente benéfica ao movimento que se iniciava. Talvez dele tenha partido o toque intuitivo que levaria o famoso discípulo de Pestalozzi a adotar o nome que usara em encarnação precedente: Allan Kardec.’
Pretendendo homenagear o movimento druídico, Allan Kardec escreveu, um ano depois do aparecimento de ‘O Livro dos Espíritos’, interessante artigo sobre o Espiritismo entre os druidas, divulgado na ‘Revue Spirite’ de abril de 1858. André Moreil também chama a atenção do Codificador ao druidismo ( vide ‘Vida e Obra de Allan Kardec, pág. 67 da tradução brasileira de Miguel Maillet).
Antes de passarmos ao exame de outra encarnação do grande missionário de Lyon, vejamos rapidamente quem eram os druidas. Professavam eles uma doutrina muito semelhante à cristã. Os autores da Antigüidade consideravam-nos muito mais sábios do que propriamente sacerdotes. Não chegavam a formar uma casta. Para tornar-se druida eram necessários estudos especiais; mas a condição sacerdotal não proibia a participação ativa na vida pública de relações. Apenas ficava dispensado de fazer o serviço militar e de pagar impostos. A função religiosa dos druidas consistia em presidir aos sacrifícios. Acredita-se que dessas funções também fazia parte o exercício da magia. A eles recorrias inclusive as autoridades, a fim de julgar processos. Quem recusasse submeter-se a seus laudos era ameaçado de excomunhão religiosa e social. Os druidas praticavam o voto eletivo para escolha de seu chefe. Disputavam a dignidade, não raro pelas armas. Só existiram druidas, segundo atesta a História, na Grã-Bretanha, na Irlanda e numa parte da Gália. Nesta última, o druidismo foi abolido pelo Imperador Tibério, persistindo porém ainda por muito tempo na Irlanda e no País de Gales.
Allan Kardec era um dos sacerdotes druidas. Considerando que Júlio César imperou na Gália de 58 a.C. a 44 a.C., é nessa faixa que temos de localizar a encarnação do Codificador, àquela época. Isto porque, conforme esclareci antes, pela médium Caroline fora revelado que tal existência ele a vivera ao tempo em que aquele notável guerreiro imperava sobre o mundo, inclusive a Gália.
Vejamos agora a sua existência no século XIV, encarnando a figura estóica e varonil de Jean de Husinec (Jan Hus, que em tcheco quer dizer ganso ou pato). A notícia dessa outra encarnação foi dada psicograficamente, através do médium Ermance Dufaux, no ano 1857. O registro do fato também se achava na Livraria de Leymarie e foi copiado por Canuto Abreu. Teve, com a invasão nazista, o mesmo destino da outra nota.
João Huss foi um reformador tcheco. Filho de camponeses, nasceu em Husinec, cerca de 1369. Após ser queimado vivo pela Igreja, em Constança, no ano de 1415, acabou tornando-se herói da Boêmia Herética. Sua fama não é apenas literária, decorrente das suas preciosas obras. João Huss simboliza o ponto de partida dum movimento de idéias. Muitas de sua obras foram escritas em latim, deixando porém alguns tratados e algumas cartas em língua tcheca. Essas cartas (sobretudo as últimas, que escreveu na prisão, em Constança) são duma comovedora singeleza. João Huss foi ainda o simplificador e normatizador da ortografia tcheca, estabelecendo o uso dum alfabeto quase completamente fonético. Seu estilo inaugura uma época nova e suas frases, secas e precisas, vão direto ao alvo.
Duas principais obras escritas em tcheco objetivaram a reforma dos costumes, do Clero e do povo: ‘O Espelho do Pecado’ e ‘Tratado da Simonia’. Nesta, o próprio papa é violentamente atacado.
Petr Chelcicky (cerca de 1390-1460), camponês livre do Sul da Boêmia, levou as idéias de João Huss ao extremo da lógica, despojando-as de toda teologia especulativa. Seu programa era a volta ao Cristianismo primitivo, o que lhe representava a não resistência ao mal e a abolição do direito de propriedade. Foram ainda as idéias de João Huss que inspiraram as obras do bispo Rokytsana (1397-1471), célebre pregador e comentador dos Evangelhos. Também o ‘Regulamento do Exército’, de Jan Jijka de Trotsnov, general dos exércitos taboritas (nome dos partidários de João Huss), no qual se encontram amalgamados preceitos religiosos e instruções militares, sofreu grande influência das idéias de João Huss.
Estudante em Praga, onde se bacharelou em Artes e Teologia, João Huss acabou sendo nomeado deão da Faculdade de Filosofia e, mais tarde, reitor da Universidade. Deixou-se empolgar pelo escritor Wycliffe, professor da Universidade de Oxford, considerado um dos maiores sábios da sua época e autor da obra ‘De Domínio Divino’, na qual procurava provar que a autoridade é Deus, com Quem a criatura entrava em relação direta, sem necessidade da intermediação da Igreja. Combateu e ironizou o papa, negou os dogmas, criticou os santos. Só não acabou também na fogueira, qual João Huss, dada a sua grande habilidade e astúcia.
Por volta de 1400, João Huss sofreu terrível crise religiosa, com o que aprofundou os seus estudos do Cristianismo. Foi nomeado então pregador da Capela de Belém, em Praga, capital da Boêmia. Carlos IV subiu ao poder e, alimentando as aspirações dos tchecos, acabou favorecendo a revolta de Praga contra os abusos eclesiásticos. João Huss era abertamente pela reforma e pela preponderância nacional da Boêmia, embora sem entrar em conflito com o Clero. Decidiu, porém, publicar um tratado no qual a tese de que um cristão não deve correr atrás de milagres. O Clero irritou-se e tomou-lhe o cargo que lhe havia dado, de pregador sinodal. A rainha Sofia, porém, gostava dele e daí ter-se João Huss transformado em chefe do partido nacional. O rei Vaclav, filho de Carlos IV, decidiu ficar neutro entre os dois papas que aspiravam à chefia do mundo católico: Gregório XII e Alexandre V. Este último acabou sendo eleito pelo Concílio de Pisa, e então, pela bula de 1409, exigiu a retratação dos wiclifitas e a apreensão dos livros de Wycliffe. Mas o Clero inferior, a Universidade, o rei e o povo ficaram com João Huss, que continuou suas prédicas na Capela de Belém, apesar da bula.
O tempo correu. Mais tarde João Huss vai entrar em luta contra o papa João XXIII, atacando a venda das indulgências e a política agressiva do Vaticano. Jerônimo de Praga se engajou também na liça, mas o rei de Nápoles estabeleceu a pena de morte para quem ofendesse o papa. Os hussitas (seguidores de João Huss) fizeram, em represália, um enterro simbólico do papa, que ameaçou a Boêmia de excomunhão. João Huss foi aconselhado a deixar a capital e obedeceu. Mas fez uma apelação (Apellatio), enquanto em seu retiro escrevia o tratado ‘De Ecclesia’. A situação se agravou. O imperador Sigismundo prometeu um salvo-conduto a João Huss, se ele consentisse em comparecer ao Concílio de Constança, convocado para a pacificação religiosa da Boêmia. João Huss acedeu. Ao chegar a Constança, recebeu de fato o salvo-conduto onde se lia que ele podia ‘transire, stare, morari et redire libere’. Não obstante, foi traiçoeiramente preso e internado no Convento dos Dominicanos. Instauraram processo contra ele, cabendo a Etienne Palec a acusação. Como medida de maior segurança, transferiram-no para o Castelo de Gottlieben, e deste para o Convento dos Franciscanos. O Concílio condena as teorias de Wycliffe e de João Huss. Não o deixaram sequer defender-se. Em meio ao tumulto, Huss mantém corajosamente as suas idéias e se compadece dos seus inimigos, escrevendo-lhes cartas de devotamento. No dia 6 de fevereiro de 1415, foi afinal condenado e logo executado, mas antes o degradaram publicamente, colocando-lhe à cabeça um chapéu de papel com a inscrição: ‘Hic est hoeresiarcha’. Conduzido a um terreno baldio, despiram-no, amarraram-no a um poste e queimaram-no vivo. Ouviram-no cantar a litania: ‘Christo, Fili Dei vivi, miserere nobis’. Quando ia entoar o segundo verso ‘Qui natus es ex Maria’, foi envolvido pelas chamas e pela fumaça. Suas cinzas foram lançadas no Reno.
Atestam os historiadores que João Huss era uma alma boa, sensível, piedosa, pulcra e honesta. Dera grande importância à pureza do Cristianismo, pregando sempre que a verdadeira Igreja era a do Cristo. Tinha rara inteligência e sua lógica era impressionante.
Terminado esse breve escorço biográfico do pregador religioso João Huss, convido o leitor a meditar nos muitos pontos de correlação entre suas idéias, suas reações, suas lutas, e as de Allan Kardec. Não há por que duvidar da estreita ligação entre as duas figuras, no que obviamente nenhum reencarnacionista se surpreende, já que o espírito de ambos seria ou era um só...
Mas, e as outras vidas do professor Hippolyte-Léon Denizard Rivail? A rigor, nada ou quase nada se sabe. Entretanto, vejamos algumas interessantes referências que merecem ser meditadas, tendo em vista as fontes onde fui buscá-las. São registros que passam despercebidos a muita gente, mas que me proponho a ressaltar, embora sem nenhuma preocupação de coonestá-los.
Remontemos ao pequeno período que vai do ano 30 ao ano 33 de nossa era. Período curto, é bem verdade, mas que encerra as mais profundas e gratas recordações de toda a cristandade. De 30 a 33 Jesus exerce seu celeste mandato. (Mantenho aqui os anos 30/33 apenas por tradição, pois hoje é sabido que nosso calendário gregoriano tem um erro de 4 anos para trás.) Foram 3 anos de surpresas, de deslumbramento, de paixão e de glória. Ter podido reencarnar nesse período, nessa faixa histórica, é merecimento e prêmio até mesmo para os que houveram de suportar terríveis provações. É natural também que se aceite como apanágio razoável a importância de terem os principais Espíritos responsáveis pela Terra participado dum modo ou doutro da pregação de Jesus, da época de Jesus. Em outras palavras: é muito sensato que Kardec, Ghandi, Francisco de Assis, Emmanuel (este, com certeza), etc. tenham tido a ‘sorte’ de estar na Terra quando o Cristo nela se materializou, embora, evidentemente, isto não seja essencial à evolução de ninguém. Certo é que, se me afirmarem que Kardec viveu aqui no tempo de Jesus, em princípio aceito-o de bom grado.
Ora muito bem. Entre 30 e 33 teria reencarnado neste planeta um Espírito que se chamou Quirílius Cornélius. Seu pai fora soldado. A mãe e os tios habitavam a casa do avô, um rico e sábio filósofo. Esse avô quis fazer de Quirílius Cornélius um sábio também, mas o pai acabou conduzindo-o à carreira das armas. Estagiou pela primeira vez em Massília, nas Gália. Dali foi destacado para servir em Jerusalém, na Judéia, província então governada, como é sabido, pelo procurador romano Pôncio Pilatos. Quirílius Cornélius tinha grande facilidade de aprender línguas. Em Jerusalém, passou a ocupar um cômodo na casa de certo galileu, homem pobre, de numerosa família, mas muito honesto. Uma de suas filhas, jovem muito bonita chamada Abigail, veio a agradar sobremaneira a Quirílius. Foi ali, naquela casa e naquele ambiente, que ele ouviu falar pela primeira vez em Jesus, com quem irá posteriormente ter contato pessoal. Quem era Quirílius Cornélius? Seria Allan Kardec. Onde se encontram essas informações? Numa obra seríssima, muito bem feita, de grande repercussão mundial, ditada por respeitável autor espiritual, psicografada por médium de excepcionais recursos e, finalmente - o que é importantíssimo - editada sob a chancela da Federação Espírita Brasileira, em tradução de Manuel Quintão. Trata-se do livro ‘Herculanum’, do conde J. W. Rochester (na realidade, o poeta inglês John Wilmot, desencarnado em 1680, boêmio e cortesão de Carlos II, da Inglaterra), livro recebido pela médium mecânica Wera Krijanowsky, de nacionalidade russa. A informação sobre Allan Kardec é apresentada de forma muito clara e muito explícita. O ponto essencial se contém à pág. 351, da 4ª edição, e está vazado nos seguintes termos:
‘A esses, como conquistá-los? Como encontrar a pista de suas almas? Tu mesmo, tu, valoroso centurião que não há muito foste Allan Kardec; tu que na última encarnação foste Allan Kardec; tu que na última encarnação te devotaste à fundação de uma doutrina que esclarece e consola a Humanidade, quantos dissabores não amargaste?’
Mais adiante, à página 353:
‘Depois, o Espírito Kardec ascendeu aos páramos infinitos.’
Com a revelação sobre Quirílius Cornélius podemos seguir curto fio de ariadne e bater noutra figura referida naquele mesmo livro. Trata-se do eremita João, que, aliás, na narrativa de Rochester, é a personagem que interessa. Quirílius só surge porque João recorda sua encarnação anos atrás, ao tempo do Cristo. A rigor, a personagem de ‘Herculanum’ é João, o eremita. Vivia ele no ano 79, época da erupção do Vesúvio, numa espécie de gruta, perto da cidade de Herculano. Era um homem alto que comumente aparecia envolto num hábito cinzento. Tinha idade avançada, porém denotando vigor e porte. Na história, é uma figura austera, centro dos principais acontecimentos, embora surgindo muito poucas vezes no enredo. A referência principal de Rochester está contida a partir da pág. 191 da edição citada. João, o eremita, aparece narrando, à personagem central da história, passagens de sua vida pretérita, quando tinha sido o centurião Quirílius Cornélius.
Era então o responsável por Jesus, na prisão, mas, como não acreditava na culpa do Salvador, propôs-lhe uma troca: tomaria o seu lugar, deixando que Jesus se evadisse; morreria pelo Cristo. Este, porém, lhe teria respondido:
-“Agradeço-te e muito aprecio o teu devotamento, mas não posso aceitá-lo. Acaso consideras menor o meu sacrifício, se houvera de permanecer neste mundo em que me é tão difícil praticar o bem? Não, amigo, eu deploro a minha sorte, a mesma que tiveram os profetas que me precederam, mortos pelos homens. Mas, não suponhas, também, que eu desdenhe o sacrifício da tua vida (parou com os olhos no vácuo, dando à fisionomia uma feição singular), pois tu hás de morrer por mim e estou a ver as chamas da fogueira que te espera... Mas, isso não será por agora... (...)
-“Que dizes com isso, meu pai João? Será que estejas mesmo fadado a morte assim horrível? - atalhou Caius.
-“Filho, certa feita, cheguei a crer-me destinado à glória do martírio, quando milhares de irmãos tombaram imolados à sua, à nossa fé; e foi quando tive um sonho profético que me assinalou essa glória para existência futura. (1)
Há aqui uma nota de rodapé, no livro. Vou transcrevê-la:
“(1) João Huss, queimado em Constança em 1415.”
Resumindo, para entendimento maior do leitor: o eremita João está se recordando da sua vida na pessoa do centurião Quirílius Cornélius, ao tempo de Jesus. Quer morrer no lugar do Mestre. Este lhe diz então que seu sacrifício será aproveitado no futuro, quando reencarnar como João Huss. Dessa encarnação, também o eremita João já tivera um sonho profético. Assim se interligam e têm seqüência encarnatória as personagens de Quirílius Cornélius (o eremita João), de João Huss e de Allan Kardec, todas referidas por Rochester em seu curioso trabalho aqui citado, diante do qual, porém, sempre caberá uma indagação: seria apenas uma ficção?
Mas vamos um pouco mais adiante. Sabemos que as obras do conde Rochester (‘O Chanceler de Ferro’, ‘Sinal de Vitória’, ‘Romance de uma Rainha’, ‘A Vingança do Judeu’, ‘Herculanum’) mantém entre si o contexto dum plano concatenado e cronológico. Trata-se quase dos mesmos Espíritos que desencarnam e reencarnam, vivendo diferentes épocas e variegadas situações cármicas. Assim, é possível que Kardec esteja citado noutros livros. Num deles, por exemplo, há passagem que se refere de certa forma à aurora da Terceira Revelação, na qual alguns estudiosos pretendem ver, também ali, alusão implícita a outra encarnação do Codificador. Contudo, como o texto não me pareceu absolutamente claro e positivo, preferi não considerá-lo neste trabalho, visto que a referência tem cunho muito impessoal, podendo ser identificado nela não apenas Allan Kardec, mas qualquer líder espírita...
A título de curiosidade (curiosidade?) e apenas para que este trabalho não omita nenhum detalhe constante das obras sérias até aqui conhecidas, vou levar o leitor até o livro de Camille Flammarion ‘Narrações do Infinito (Lúmen)’, 2ª Edição FEB, 1963, no qual, em tom dialogal, Lúmen explica a Quaerens inumeráveis aspectos do passado longínquo da Terra e de outros tipos de vida existentes na Criação há milhares de anos.
Na ‘Quinta Narrativa’, que é a última, escrita por Flammarion em 1869, Lúmen descreve a constelação de Órion, onde há um planeta em que “os seres não têm a natureza vegetal, nem animal; não poderiam mesmo caber em nenhuma das catalogações terrenas, ou ainda, em uma das grandes divisões - reino vegetal e reino animal. No encontro verdadeiramente maneira de os comparar, para vos dar uma idéia da forma respectiva. Vistes, acaso, nos jardins botânicos, o aloés gigantesco, o cereus giganteus? (...) Pois bem! os homens de Theta Orionis oferecem alguma parecença com essa forma’(pág. 160). Mais adiante, à pág. 164, temos então a informação capital:
“Lúmen - Esse mundo de Theta Orionis, com os sete sóis rodantes, é povoado por um sistema orgânico análogo ao que vos defini. Vivi ali há vinte e quatro séculos.
“Foi lá que conheci o Espírito (encarnado no presente na Terra) que publica seus estudos sob o nome de Allan Kardec. Durante nossa vida terrena, não nos recordamos, mas nos sentimos, por vezes, atraídos um para o outro por singulares aproximações de pensamentos. Agora que retornou, tal qual eu, ao mundo dos Espíritos, ele se lembra também da singular República de Órion e pode revê-la.”
Ficção? Fantasia? Ou revelação? Ao leitor transfiro a opção. Meu cuidado foi apenas o de levantar os dados, sempre tomados à literatura respeitável e, portanto, desprezada toda aquela que escape a essa adjetivação.
No limiar do final deste artigo e diante dos informes aqui coligidos, podemos agora estabelecer a seguinte linha encarnatória para aquele Espírito a quem tanto ficaremos eternamente devendo, pelo muito que nos legou, com a vitória da sua missão excelsa:
Ano 531 a.C. (vinte e quatro séculos antes de 1869): Ser extraterreno, num planeta da constelação de Órion.
Ano 58 a.C./44 a.C. ( faixa que vai desde a chegada de Júlio César à Gália até a sua morte): Allan Kardec sacerdote druida, na Gália, hoje França.
Ano 30/33 (faixa que vai, tradicionalmente, desde o início do ministério de Jesus até a sua crucificação): Quirílius Cornélius, centurião romano, em Jerusalém, Palestina, hoje Israel. Mais tarde, no ano 79, era João, sábio eremita, em Herculano, Roma, hoje Itália.
Ano 1369/1415 (faixa aproximada, pois não é absolutamente certa a data de 1369): João Huss, filósofo, reformador religioso, na Boêmia, hoje Tchecoeslováquia.
Ano 1804/1869: Hippolyte-Léon Denizard Rivail, pedagogo, em Lyon, na França.
Apenas como Hippolyte-Léon Denizard Rivail os anos acima traduzem rigorosamente encarnação e desencarnação. Nos demais casos aqueles anos representam apenas um período, uma faixa, durante a qual se tem notícia da passagem do Codificador pela Terra.
E por falar em passagem do Codificador pela Terra, penso que vale também, como registro, reproduzir a informação (de caráter geral ou particular?) dada pelo Espírito da Verdade ao próprio Allan Kardec e contida na obra mais importante do Pentateuco: ‘O Livro dos Espíritos’. O Codificador encarnara, por mais de uma vez, como ... antropófago. É o que esclarece a questão 787, letra ‘b’:
“Assim, pode dizer-se que os homens mais civilizados tenham sido selvagens e antropófagos?”
“Tu mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o que és.”
Finalmente, desejo voltar a chamar a atenção do leitor para um aspecto já mencionado, e em seguida aludirei a outro, mais grave e muito mais importante. As referências foram colhidas em trabalho respeitabilíssimo, de autor e médium irreprocháveis, editado pela Federação Espírita Brasileira. Mas - e aqui entra o outro aspecto - não tenho, nem ninguém terá, a necessária certeza que baste à comprovação dos fatos. Rochester romanceou? Não vejo nem afirmo nada, embora as fontes unanimemente aceitas sobre as figuras do sacerdote druida e do precursor do Protestantismo talvez sejam tão frágeis quando as de Rochester, já que do Codificador, dele próprio, nada tenho escrito. Por outro lado, uma indagação ficará sempre em suspenso: por que apenas Rochester sabia dessas coisas?
Assim, apresento o tema à guisa exclusivamente de estudo, até que outras informações se alinhem e possamos documentar, sem receio de enganos, as vidas terrestres do grande missionário da Terceira Revelação. Uma coisa é certa e indiscutível e, é óbvio, foi alguém no passado distante, tanto quanto o será ainda, no futuro próximo, se porventura já não o é... Resta saber apenas se desta feita estará voltando ainda para resgatar faltas do passado ou - por que não? - na condição exclusiva de missionário, a exemplo da encarnação de Maria, quando o Cristo fluídico se manifestou.