Recepção
de um justo
Reformador (FEB)
15.4.1906
A epígrafe é nossa. Adaptamo-la por
exprimir o fato que se passou no Grupo Ismael
(1), logo após a
desencarnação do querido companheiro Domingos Filgueiras (2).
Trata-se,
com efeito, da recepção que teve no espaço esse humilde e desinteressado
servidor do Cristo, verificando-se
assim os nossos vaticínios acerca das festas, de que tudo, de resto, fazia
prever que seria ele alvo em seu regresso à pátria universal.
Dando publicidade ao que se passou
nessa comovedora sessão, temos em vista proporcionar aos nossos confrades um
novo motivo de edificação, que o será ao mesmo tempo de estímulo para quantos
pelejamos nestas incruentas pugnas do Espiritismo e que assim
podemos ter a antecipada certeza de que o nosso pequenino esforço é contemplado
e abençoado pelo céu, e de que é sempre imenso, compensador das amarguras a que
não raro nos expomos, o galardão reservado aos que sabem perseverar até o fim.
Para entendimento dos leitores, uma
explicação se faz necessária. O médium, Frederico
Jr., com quem se dá a seguinte a particularidade: Uma vez mergulhado no
transe sonambúlico, ora e o seu próprio espírito, desprendido, que fala,
descrevendo a cena que
se desenrola nas regiões espirituais, ora são outros espíritos que se
manifestam sucessivamente, entabulando-se, por vezes verdadeiros diálogos. '
Foi neste estado que, aberta a
sessão (29 de março) e feita a prece, começou ele:
Meu Deus! Vejo um dos quadros mais
belos que tenho visto na minha existência de médium. Preside o trabalho o Guia Ismael; a seu lado Paulo. O espaço em que flutua meu espírito é semelhante a um campo
de flores odorosas; sobre ele... como calcular o número, se a minha vista não
alcança a multidão toda? espíritos alados, numa mescla de virgens e de anjos.
Ajuda-me, Bittencourt, a ver tudo ...
- Vejo guias e guiados; almas que partiram antes dele esperavam-no, não para o
banquete das lágrimas, porque a lágrima é um fruto da terra, mas para recebê-lo
em hinos.
Bittencourt
- É o que tu estás vendo?
Frederico
- E os companheiros?
Bittencourt
- Espere um pouco.
Frederico
(Após uma pausa) - A multidão abre-se e lá no infinito - se meus olhos da alma
alcançam o infinito... - vejo à frente Dias da Cruz e ele. Acompanham-no Romualdo, Bezerra, Sayão, Geminiano Lacerda,
Silva, Netto, Santos, Isabel Sampaio, Gama... Mas onde iria eu?
Ainda Frederico - Filgueiras,
sim. Soubeste compreender bem a missão a que baixaste. Tu dizes 'não sou
digno'. É nisso mesmo que consiste a tua grandeza. Estende como eu os olhos de
teu espírito, que não foram velados pela morte, neste mesmo recinto onde
tantas lágrimas enxugaste. Por isso, ontem dizia o nosso Bittencourt:
"Felizes daqueles que partem cobertos de bênçãos e saudades! Dias da Cruz, espírito eleito do Senhor,
a ti também uma palma essa vitória. Incansável
como ele te mostraste sempre em
favor dos enfermos, daqueles que o procuravam.
Sim, Celina... "-Eu também vim - diz ela - por minha Mãe. Anjo do
céu, pensamento, luz, sentimento, tudo de Maria... como és bom!" Comprimes
ainda em teu angélico seio o cofrezinho dos vossos votos (3)."
- Compreendo a alusão que fazes ao
amor celeste. Aquele soube cumprir com o seu voto. Assim o saibamos nós,
míseros cativos ainda da Terra!
Celina
- Sim, aqui mesmo onde soubeste plantar as flores mais odorantes da caridade,
aqui mesmo, onde a dor foi sempre apaziguada com o carinho do teu espírito
devotado ao bem, aqui onde o infortúnio achou sempre guarida, nesta tenda onde
todo faminto encontrou o pão, todo sequioso uma gota d'água, aqui mesmo vieram
receber-te os mais altos espíritos, abençoados pelo Senhor e a mais humilde das
servas de Maria. Sim, soubeste compreender tua missão na
Terra, atravessando o teu cruciato de dores. Quando a contingência da matéria
levava-te quase à cegueira (4), como que a
lâmpada sagrada de teu espírito feria a pupila de teus olhos, e tua alma se
irradiava, dando os seus derradeiros lampejos aqueles que precisavam do teu
conforto, das inspirações que recebias, para abater o sofrimento. Não chores...
É em nome de Maria que eu venho
também saudar-te. Ela não pode estar estranha à apoteose que te prepararam
neste dia da tua passagem. Anjos do céu, espíritas benditos, cantai hosanas! A
terra fica o que a terra pertence. O espírito de luz se evola, retempera-se e
vai por um pouco descansar das suas fadigas, para começar de novo. 'Repouse em
paz' - diz a minha mãe - cobra novas forças e volta, mais forte ainda, a fazer
da Doutrina de Meu Filho uma verdade no mundo que deixaste."
Descansa por instantes, abençoado
espírito, no aroma dessas flores da Caridade, do Amor, que tu mesmo plantaste,
embalsama todo o teu ser espiritual, e quando o Pai Celestial de novo te chamar
a nova jornada, que saibas, como desta vez, rasgando os pés, escondendo
lágrimas, chegar até ao fim, abençoado e cheio de saudades.
Frederico
- Palavras de Bittencourt, ontem, e
que este anjinho repete...
Filgueiras
(comovido até as lágrimas) - Eu não tenho o que dizer. Não fiz nada, não fiz
nada...
Bittencourt
- Recebam as comunicações dos seus guias, rendam graças ao Senhor e encerrem o
trabalho...
(1) Grupo Ismael: Familiarmente conhecido por Grupo
Sayão por ter sido por anos presidido por Antônio L. Sayão.
(2) Domingos Filgueiras era carioca,
nascido em 1846, casado desde os 19 anos, pai de 4 filhos, abnegado médium
receitista intermediário do espírito do Dr. Dias da Cruz e dedicado espírita.
Por sua fé muitos se converteram, a saber: Manuel Quintão, Frederico Fígner,
Abigail LIma. (por Zeus Wantuil, Grandes Espíritas do Brasil, Ed, FEB)
(3) Alusão ao seguinte fato: Toda
vez que um novo membro era admitido ao Grupo Ismael, o meigo e puro espírito
Celina apresentava-se E recolhia em cofrezinho simbólico o voto pelo qual o
iniciado se comprometia virtualmente a servir a causa de Jesus.
(4) Filgueiras tinha descolamento da
retina. Nos seus últimos anos ficara quase que totalmente cego.' (por
Z. Wantuil, op. cit.)