Mensagem
aos crentes da fé e prática
e aos que não o são.
por Carlos Imbasssahy.
Reformador
(FEB) Março 1945
Raimundo Camargo Castanho, de S. Paulo, declara que se
dedicou 25 anos ao Espiritismo; combateu contra o fanatismo e a incredulidade
nos Centros e chegou à conclusão de que no Kardec há contradições e ensinos inaceitáveis.
Expondo-os, pede perdão
aos seus irmãos espíritas.
Cá por mim está perdoado; as razões é que me parecem
fraquinhas. Examinemo-Ias:
A primeira versa sobre a reencarnação e o ensino espírita
que se refere aos Espíritos criados simples e Ignorantes. O autor indaga;
"Como atribuirmos a Deus a criação de Espíritos simples e ignorantes, em
lugar de máxima inferioridade, por sua
maldade e por seu sofrimento de origem, impondo-os ainda a obrigação de se
fazerem a eles mesmos perfeitos, sem supor no Criador atributos inteiramente
opostos aos de equidade, justiça e amor? Impossível."
Ora, o autor, que estudou 25 anos, ao que parece, ou ao que
diz, não teve tempo, já não digo de assimilar o ensino espírita, mas o de lhe
passar a vista em cima.
Porque, o que se declara, tão só, é que o Espírito foi criado
simples e ignorante. O lugar de máxima inferioridade,
a maldade, o sofrimento de origem, isto não sei o que é. No decorrer da sua
evolução é que o Espírito toma o caminho do mal e lhe sofre as consequências.
“Na concepção criticada
- diz o autor - o Espírito partindo do
ponto extremo da ignorância sofre tanto mais quanto mais ignorante é."
Não é isto o que declara o ensino, mas que o ser sofre tanto
mais, quanto mais maldoso é.
Que existe no mundo a maldade e o sofrimento, creio eu que o
autor não negará.
Que nos explique isto fora da lição espírita e mais de
acordo com a "equidade, a justiça e o amor de Deus", e estaremos
satisfeito, pronto a substituir por sua nova lição a lição velha dos Espíritos.
Por enquanto, esta é a que temos por melhor.
Também não compreendemos porque acha o autor injustiça
fazer-se o indivíduo à sua custa, pelo mérito próprio. A não ser assim,
ascenderia por que ou por quem?..
Fora desta doutrina, só o Inferno, que o irmão repudia.
O ponto, aliás, já está explicado, ventilado e elucidado em
muitas páginas do “A Margem do Espiritismo”.
A segunda versa
sobre o Milagre, que nós, espíritas negamos, diz o autor.
Nós não negamos milagre nenhum; o que negamos é que Deus
revogue ou derrogue as próprias leis. O que se tem por milagre é um fenômeno
pouco conhecido ou extranormal, ou sujeito a novas leis. Quando um balão sobe
não fica alterada, nem diminuída, nem revogada a lei da queda dos corpos.
Experimenta ele, apenas, o influxo e outra lei, a de que os corpos sofrem um
impulso vertical de baixo para cima, igual ao peso do volume do fluido
deslocado.
Quando um Espírito cura o que o médico encarnado não cura,
não é a medicina que está sendo desalojada, é o médico do Espaço que sabe mais ou
que vê mais que o médico da Terra.
Terceira - É a velha e debatidíssima questão de dizerem os espíritas
que espirito é matéria quintessenciada, ao mesmo tempo que combatem os
materialistas, para quem tudo é matéria.
Esta frivolidade, que gira apenas em torno de um termo, está
ventiladíssima no livro “A Margem do
Espiritismo”.
A quarta contradição
é sobre o perispírito, que o autor nega.
Confesso que não entendi muito o arrazoado da Mensagem,
neste ponto.
Explicar, de maneira que o autor entenda, em poucas linhas,
o que é o perispírito, a sua função, o seu valor, é impossível.
A contradição firma-se numa série de dogmas, ou numa série
de princípios, cuja base é inseguríssima: "Porque não é aceitável a justaposição,
molécula por molécula do corpo fluídico com o corpo tangível."
"Porque este é limitado." "Porque o corpo fluídico é matéria e
exige reparação no espaço." "Porque o espírito não necessita de corpo
tangível ou fluídico." "Porque o espírito não ocupa lugar e portanto
não pode ter perispírito, que é materializado."
Por maneira que existe uma contradição no Espiritismo em
virtude de uma concepção errada do autor sobre o que seja o perispírito, sobre
sua materialidade, sobre o que sejam moléculas, sobre a expansão e acomodação
delas.
Na água solidificada o volume é diferente do da líquida. No
entanto, como teria aumentado ou diminuído o número de moléculas?
Para só tocar na última razão, perguntaria ao autor, mesmo
admitindo a materialidade do perispírito, qual o lugar que ocupam no espaço as
emanações do rádio ou o perfume, ou mesmo o éter.
Quinta - "0s espíritas
ensinam que a justiça de Deus é paternal, e que o castigo é fatal, conforme o
pecado. Recomendam, de outro Iado que peçamos perdão a Deus."
Diante disto, "erramos de dois lados - acha o autor – 1º,
porque a justiça divina não exclui o perdão, logo o castigo não é fatal; 2º,
porque a vítima é que é dado perdoar." Mas, ao mesmo tempo "Deus é
ofendido e se reservou para perdoar aos falsos
amigos de Jó, a pedido deste."
Está confuso. Parece, por este ensino, haurido na Bíblia,
que ao ofendido é que cabe o perdão. De sorte que se o ofensor esbarrar numa
vítima de maus bofes, está perdido ou atrapalhado. A justiça divina depende da
generosidade do ofendido. O perdão fica reduzido a uma questão de acaso ou de
sorte.
Que justiça e que doutrina!
Pensa ele também que nós recomendamos o pedido de perdão,
mas acha que erramos, do mesmo passo que afirma que a justiça divina não exclui
o perdão. Parece ainda inferir que, para os espíritas, perdão é remissão da dívida.
E depois desta embrulhada
formidável, a contradição é do Kardec.
A sexta
contradição é o divórcio. Aparecem aqui as velhas, ilógicas, absurdas razões
com que a ele se opõem os clericais.
Vejamos: "A proibição de novo matrimônio para o
adúltero funda-se na incapacidade do adúltero para novo casamento."
E o que não adulterou?
"A situação dos filhos não se conforma com a nefanda
instituição do divórcio."
E quando um dos cônjuges não presta, injuria, maltrata e
abandona o outro, qual é a situação dos filhos? . .. Como se remedeia, sem o
divórcio?
Há mais razões: "a natural repugnância ao pudor dos cônjuges
dignos."
Mas os cônjuges dignos não se divorciam.
"Há homens e mulheres que se divorciam mais de 20 vezes."
Esses que tais, com ou sem divórcio,
desquitar-se-iam essas 20 vezes, ou mais, porque não foi a lei que os fez
divorciar, senão a nenhuma estima que tinham uns pelos outros.
É completo ainda o desconhecimento do autor ao declarar, que
o divórcio é o "adaptar a lei à conveniência dos pecadores."
Ora, o que se procura é dar remédio à situação do ofendido,
geralmente a parte mais fraca, que é a mulher. O mau marido faz o que quer e
infringe a lei matrimonial como entende. A mulher séria não pode fazer o mesmo.
Procura-se, então, para ela uma situação legal, onde possa encontrar, num
segundo marido, o que não encontrou com o primeiro. Onde se ofende aí o pudor é
que eu não sei.
Enfim, apela o autor para o Evangelho: - Não separeis o que Deus ajuntou.
Deus não ajunta corpos, ajunta Espíritos, pelo amor que se
dedicam.
Ninguém de bom senso acreditará que Deus apanhasse um
perverso, um assassino, um viciado, um pecador, o juntasse a uma inocente, a
uma vítima e declarasse: - ninguém mais os separe!..
Ninguém pode aceitar que sejamos impedidos, por uma lei, de
reparar injustiças, de remediar um mal, de proporcionar a felicidade a uma
pessoa infeliz.
O que Deus proibia que se separassem eram os seres Irmanados
pelo amor, a fim de que se não cometesse a indignidade, tantas vezes cometida,
dos casamentos ou das uniões por interesse ou qualquer motivo subalterno, em
detrimento dos direitos do coração.
A indissolubilidade do vínculo é mais do que uma estupidez,
porque é uma perversidade; é a união heterogênea, é o adultério de espírito, é
a escravização, é a impunidade dos algozes, é a eterna desgraça das vítimas.
A lei que veda o divórcio só teve raízes no obscurantismo e
na imposição da Igreja.
Há agora uma pergunta ingênua do autor: "Ora, se a
união antipática, como ensinam os mestres do Espiritismo, é uma expiação, como
pretendem evitá-la pelo divórcio?"
É... Está. Ali um sujeito maltratando o outro, espoliando-o,
ofendendo-o, ferindo-o, tentando assassiná-lo. Parece que seria curial, ou que
estivesse em nosso dever, como impositivo categórico, correr em auxílio do
maltratado, do espoliado, do ofendido, do
prestes a ser assassinado.
Pois não! Como é prova para a vítima, o que devemos é ficar
quietinhos, deixando que o outro se arranje como puder!..
Era o caso de pedir ao autor que nunca apresente esta
doutrina de comodismo, de fatalismo, ou de iniquidade como doutrina espírita.
A sétima
contradição está enunciada de maneira vaga e pouco compreensível. A exposição
não peca pela clareza. Parece que o autor trata do ensino evangélico de que é
difícil a um rico entrar no reino dos Céus, e que o Espiritismo teria o versículo
como a eterna condenação dos ricos. Onde o Espiritismo diz isto é que eu não
sei nem o aponta o autor.
Aqui param as contradições e eu também.
Se me fosse dada a ousadia de um conselho ao velho cultor do
Espiritismo, eu lhe diria que o estudasse outros vinte e cinco anos.
Tão amigo dos textos bíblicos, deixaria assim muito aquém o
pai Jacó, em matéria de persistência.
Antes que um velho cultor do Espiritismo, o autor parece
mais um velhíssimo cultor dos cânones eclesiásticos.
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