A Maior
das Obras de Deus – parte 1
por Abel
Gomes
Reformador (FEB) Dezembro 1942
Convidado a opinar, para as páginas de uma revista, sobre a
grandeza das obras de Deus isto é convidado a declarar qual dessas obras sublimes
em minha opinião, é a mais elevada, mais bela, mais perfeita, conservei-me
longamente em silêncio receoso de ser uma falta dissertar sobre assunto de tão
provada transcendência.
Como poderia eu, pequenino, finito, frágil, alçar o
pensamento à imensidade, ao infinito, à grandeza e ao poder do Pai Celeste?!
Eu, tudo ignorando, minúsculo verme da terra, erguer o olhar à onisciência do
Ser Supremo?!
O que hoje faço talvez seja, portanto, uma ousadia. Tão
grande é, porém, a misericórdia divina, que extinguirá a minha falta,
cobrindo-a com o manto do seu perdão sublime.
Mas, o meu ato, neste rude escrito, não é uma falta para com
o Onipotente, apenas o será perante os homens; pois a Grandeza Infinita, que
domina o universo, não será jamais atingida por um obscuro verme deste mundo.
Falta no tempo e não na eternidade; ousadia perante meus
irmãos, os homens, e não para com o Eterno, o Pai.
Perdoai-me, pois, Deus e Senhor meu, se for ousadia
proclamar qual é, de vossas obras sublimes, a mais elevada, a mais bela, a mais
perfeita.
Perdoar-me, não por Vós, a Quem a minha ousadia, se assim o
meu ato for considerado, jamais atingirá, mas pelo conceito que de mim podem fazer
os homens, hóspedes, como eu, deste ponto minúsculo da imensidade, denominado
Terra, se me puder molestar esse conceito, ao verem-me eles abordar assunto de
tão extraordinária transcendência.
Perdoai-me, pois, Deus e Senhor meu, e permiti-me proclamar,
neste rude escrito, qual é, dentre vossas obras sublimes, a mais elevada, a
mais misericordiosa, a mais bela, a mais perfeita.
*
Quando, durante o dia, volvo o olhar pelo espaço que nos
circunda na terra e imagino a quantidade de espaços semelhantes de que é
composta a superfície desta enorme esfera, minha alma se extasia de admiração
ante o Criador deste mundo. E vendo o Sol que nos ilumina e aquece, e
lembrando-me de que esse Sol é o centro de um sistema de mundos semelhantes ao
nosso mundo - maiores uns, outros menores, mas todos cheios de luz e de vida e
todos habitados ou habitáveis por humanidades semelhantes à deste mundo - meu
espírito se perde em conjecturas a cerca da grandeza e do poder do Senhor
Supremo.
Se cada uma dessas moradas possui a sua atmosfera, as suas
selvas, os seus rios, os seu mares, a sua fauna, as suas montanhas, os seus
vaies; se sobre cada uma delas existe e evolui uma raça pensante; se em torno
desses mundos gravitam astros secundários, que são outras tantas luas
iluminando lhes as noites com os revérberos do astro-rei; e se tudo quanto
vemos entre nós de encantador e grandioso - todo o meu ser vibra de admiração e
deslumbramento, contemplando nessas maravilhas o poder do Senhor Supremo.
Mas, entre as obras de Deus, algo existe mais elevado e mais
belo.
*
Quando, à noite, atiro um olhar à imensidade e contemplo os
milhões e milhões de estrelas que povoam esses espaços sem fim, minha alma se
sente extasiada perante a magnificência do Ser Supremo, sabendo ser um sol cada
uma dessas estrelas, ao redor do qual gravitam outros astros que são outros
tantos mundos, habitados ou habitáveis, centenas ou milhares de planetas e seus
satélites, girando no espaço, e levando cada um desses mundos as suas
maravilhas particulares, as suas raças ignotas; as suas belezas naturais, uma
fauna talvez estupenda, uma flora talvez exuberante, e talvez os seus sábios,
os seus gênios, os seus admirados cientistas...
E cada estrela é um sol, em torno do qual há outros mundos semelhantes
a este que nós habitamos; e essas estrelas são tantas, isto é, são tão
numerosos esses astros-sóis, centros ao redor dos quais vivem e giram astros,
que se os pudéssemos contar veríamos, maravilhados, que o seu número é maior do
que o número de gotas de água que o nosso oceano contém!
São tantos esses sóis misteriosos, perdidos para nós pelo
infinito, que a lenda antiga pretendeu ver, esparso na amplidão, o branco
liquido de onde se derivou o nome de Via-Láctea, nome dado ainda àquele magnificente
e imenso cardume de estrelas, que aos nossos olhos parecem unidas umas às
outras, estando entretanto separadas entre si por distâncias incomensuráveis.
Contemplando, a noite, aqueles sóis longínquos e imaginando
o sistema solar que cada um deles preside, e pensando nas outras maravilhas do
espaço infindo, com as suas nebulosas, - germes talvez de futuros mundos. - e
os cometas misteriosos, de alongadas elipses, minha alma é arrebatada a
curvar-se, submissa e deslumbrada, ante a magnificência de Deus, que tudo
dispôs nesse universo sem fim.
Mas, entre as obras de Deus, eu penso existir algo mais
elevado e mais belo.
*
Quem, como eu o fiz, já se embrenhou a sós por uma floresta
espessa onde não se ouvia a voz de outro ente humano, e ai viu árvores colossais,
e frutos, e flores, e aves canoras, e animais silvestres, e conservou-se longo
tempo a pensar sobre a riqueza imensa das selvas, sobre a quantidade admirável
de seres vivos aí ocultos e acerca dos mistérios aí entrevistos, deve ter
ficado deslumbrado pela grandeza e pela sabedoria do Senhor Supremo.
Como pode, em urna pequenina semente, ocultar-se o germe de
uma árvore gigantesca?! Como pode o tronco anoso originar-se de um fruto quase informe,
e tanto se elevar e fortalecer que chega a resistir com galhardia à fúria dos
vendavais?! Como pode, do solo impuro, subir a haste flexível onde desabrocha a
flor?! E as aves, com o seu canto e os seus ninhos e as flores, com o seu
perfume, e as águas cristalinas do riacho que murmura?!
Em tudo, e por toda parte, vemos a magnificência do Senhor
Supremo - nas grandes e nas pequenas coisas da criação, no majestoso roble como
no musgo humílimo, nas asas possantes da águia como no esvoaçar do esbelto colibri,
para o qual nunca houve segredos para a permanência em um ponto no espaço.
É tão grande o poder e tão admirável é a sabedoria de Quem
criou as selvas e nelas fez surgir quanto nelas vive e sente, que minha alma se
enleva, comovida e deslumbrada, pensando na bondade infinita que tais
maravilhas criou.
Mas entre as obras de Deus, algo existe mais elevado e mais
belo.
*
No
silêncio dos campos, na solidão das selvas, ou à vista do oceano, longe, bem
longe do bulido dos outros entes humanos, é que nossa alma se eleva mais
diretamente aos pés do Senhor Supremo.
O
silêncio e a solidão aproximam-nos de Deus.
Alta
noite, junto da cidade adormecida, quem já esteve, a sós, à luz argêntea da
lua, contemplando o oceano, e sentindo, a seus pés, o embate forte e sonoro das
vagas de encontro às pedras da margem, deve ter sabido compreender como é
grande o mar, formoso nos seus dias de calma e nas suas noites silenciosas,
majestoso e belo nos mistérios que encerra em suas entranhas profundas, e mesmo
em sua imensa superfície, imponente e tétrico, mas ainda assim formoso, nos
seus dias tempestuosos, nas suas noites de trevas e de borrasca, quando o nauta
lhe vê as fauces dos abismos, estrondeando nos ares revoltos a voz ameaçadora,
de morte e de extermínio, contra o frágil batel exposto à fúria dos ventos e
das vagas.
No
fundo ainda quase desconhecido do oceano, nos seus vales profundos e nas suas
escarpadas montanhas, que estranha flora vegeta e que extraordinária fauna
habita!!
Em
cada gota de suas águas existe o que a fraqueza do nosso aparelho visual nos
não permite distinguir; mas as lentes do microscópio aí descobrem seres que
vivem, que sentem e talvez - quem o poderá negar? - progridem, evoluem...
Vendo
esse mar imenso, com o desejo insano de lhe desvendar os arcanos, nossa alma se
prostra reverente perante a grandeza dos oceanos, em tudo sentindo a
magnanimidade de Deus, o Ente infinitamente poderoso e sábio para Quem não há
mistérios em todas essas maravilhas.
Mas,
entre as obras de Deus, algo existe mais elevado e mais belo.
*
Perdoai-me,
Deus e Senhor meu, pela ousadia em que talvez esteja incorrendo, não perante
Vós, mas perante meus irmãos, os homens, proclamando que alguma coisa existe,
entre as vossas obras sublimes, mais elevada, mais bela, mais perfeita, do que
o mar imenso com todos os seus mistérios, do que as florestas espessas com
todas as suas riquezas, do que a terra onde habitamos com todas as suas belezas
naturais, e do que a amplidão infinda, povoada de mundos incontáveis, e repleta
de maravilhas, e que é, toda ela, como que um hino perene de glória para com o
Senhor Supremo, para com a sabedoria infinita do Criador.
Algo
existe, pois, entre as obras de Deus mais elevado, mais belo e mais perfeito do
que a terra, o mar e o infinito.
*
Penso
que, entre as obras sublimes de Deus, a mais elevada, a mais bela, a mais
perfeita, é, incontestavelmente, o amor de mãe.
*
Que
seria do indefeso entezinho se lhe faltasse o carinho materno?
Iniciando
a vida terrena o entezinho chora, lamenta-se. Talvez sejam os protestos da ave
altiva e livre que se librava nos ares, contra as agruras do nosso mundo,
cadeia de almas que recebe mais um sofredor.
Ei-lo,
o recém-nascido, pequenino quase inerte, privado de consciência e de palavra, ignorando
importância da sua missão, mas já envolto em faixas, e docemente estendido
sobre o fofo colchãozinho do seu leito suspenso.
E
alguém vela, dia e noite, à beira do pequenino berço.
Ao
abrir a criancinha os seus olhos doloridos, pouco afeitos ainda à nossa luz,
alguém, num sorriso santo de felicidade, de esperança e de amor vem depor-lhe,
sobre o corpo rosado, sobre os bracinhos tenros, sobre as mãozinhas apertadas,
sobre a lisa e pequenina face, um sem número de beijos castos, impregnados do
amor mais puro e mais santo.
Se
chora o inocentinho, há alguém, a seu lado, que o embala e consola, que o
defende contra as intempéries, que o alenta com carinho inexcedível, com
afeição incomparável.
É
sua mãe.
*
A
mulher é mais formosa quando é mãe. Não lhe reconheço a verdadeira beleza, se
não lhe vejo nos braços o filhinho amado.
Sempre
foi este, para mim, o quadro mais belo da criação: a mãe, sorridente, tendo nos
braços o filhinho a sugar-lhe os seios túmidos.
É a
carne da sua carne, a vida da sua vida. Representa para ela um mundo inteiro de
amor e concentra para ela as mais fagueiras, as mais belas e lisonjeiras
esperanças.
*
Que
seria do inocentinho se lhe faltasse o carinho materno?!
Mas,
passam dias e noites, decorrem semanas, escoam-se meses, sem que, por um
momento, falte quem vele junto a seu berço, ou durma a seu lado, ouvindo-lhe o
respirar calmo da inocência e da confiança, ou despertando ao som do mais
ligeiro vagido, para novos cuidados, para novos esforços pela saúde e pela
tranquilidade do pequenino ente tão ternamente adorado.
Mesmo
durante o sono reparador, a mãe, amorosa e boa, vê em sonhos o filho querido.
E os
meses continuam a passar, e vão os anos decorrendo. Com o perpassar do tempo
não diminuem, porém, os cuidados maternos. O filho tem crescido em idade, em
forças, em tamanho, em raciocínio, e então é tempo, para a mãe dedicada, de lhe
formar a alma, de lhe incutir a crença em Deus, e na imortalidade, de lhe
inspirar amor ao bem e ao próximo.
No
correr da vida, muitos homens são, física e moralmente, quais suas mães os idearam.
Sem
o amor materno, numerosas criaturinhas pereceriam, não podendo resistir aos
perigos da primeira infância, e a quantos sobrevivessem faltariam, no futuro,
os sentimentos mais nobres que apenas um coração de mãe sabe inspirar. E o
mundo estaria, consequentemente, pleno de deformidades.
É por
tudo isso que eu penso ser o amor de mãe a mais elevada, a mais bela, a mais
perfeita das obras sublimes de Deus, mesmo quando essa maravilhosa criação da
bondade divina é comparada às selvas, ao mar e ao espaço, e a quanto existe nas
selvas, no mar e no espaço.
Ao
inocentinho, que entre nós vem viver, falta, às vezes, nos seus primeiros
tempos de existência terrena, o carinho materno, porque à mulher a quem deve a
vida, terminou cedo ainda, a vilegiatura neste mundo de incertezas; mas, nesse
caso, tão grande é a misericórdia divina, que o pequenino orfanado é recolhido
com afeto e carinho, pressurosamente, por um coração a quem a ternura de outra progenitura
soubera transferir, anos antes, quanto de afeição e de cuidados sabe abrigar um
coração de mãe.
E é
assim, mesmo indiretamente, que a infinita bondade de Deus se manifesta através
da mais sublime de suas obras - o amor de mãe. Sem ele, o nosso mundo seria um
caos. Os mais nobres sentimentos humanos desapareceriam. O amor conjugal
passaria a ser uma convenção. A verdadeira fé religiosa seria substituída pelo
negro ceticismo. O dever seria do domínio dos códigos.
Deus,
criando o amor materno, agiu menos como Senhor do que como Pai. Essa criação, a
mais sublime, é filha de Sua ciência sem limites mas inspirada pela Sua misericórdia
imensa e Seu amor infinito.
Eu
penso, pois, que a mais elevada, a mais bela, a mais perfeita das obras de
Deus, é incontestavelmente, o amor de mãe...
A Maior
das Obras de Deus – parte 2
por Abel
Gomes
Reformador (FEB) Janeiro 1942
Examinemos
uns fatos, entre os numerosos que me ocorrem.
Um
dos meus amigos fora acometido de uma doença grave, no crâneo, e era necessário
uma intervenção cirúrgica. Para isso dirigiu-se à Capital, acompanhado pela
esposa; mas os ilustres facultativos, por ele procurados, exigiam que
primeiramente se fizesse mais forte, mais robusto, de modo a resistir à
dolorosa operação, pois, estava tristemente abatido no físico e no moral.
Entre
esses facultativos estava um parente e amigo do enfermo. Esse ilustrado clínico,
porém, devia seguir naquela ocasião para o sul, em trabalhos da sua honrosa
profissão, e, fazendo-lhe a última visita de médico, partiu quase convicto de
não mais o encontrar à sua volta, tão pálido e desanimado estava o pobre moço.
No
dia seguinte, também a esposa do enfermo abandonou-o naquela grande metrópole,
e voltou para a terra natal, onde enfermara gravemente o velho pai.
Cerca
de trinta dias se escoaram. Em uma bela tarde de verão, o ilustre médico,
regressando de sua viagem ao sul, quis, antes de se dirigir ao lar, saber notícias
do primo enfermo e encontrou-o forte, animado, bem disposto, à porta da casinha
ajardinada que lhe servia de residência. Parecia em plena saúde.
O
moço foi ao encontro do recém-chegado, estendendo-lhe as mãos numa saudação
cheia de afeto; mas, o doutor, antes de lhe corresponder ao cumprimento,
asseverou:
-
Tua mãe está aqui contigo.
-
Sim - replicou o moço; - há mais de vinte dias. E porque o dizes?
-
Porque somente um amor de mãe é capaz de fazer voltar à vida um quase
moribundo, - replicou o doutor.
Realmente,
com o enfermo estava sua mãe, que, sabendo, vinte e cinco dias antes, em que
condições se achava o filho, correra em seu auxílio. Mal podendo dispor dos
recursos necessários à longa viagem, partira pelo primeiro comboio.
A
pobre senhora não conhecia a capital, mas seguiu sem relutância; não dispondo
de uma companhia, seguiu sozinha.
Sem os
cuidados assíduos de uma mãe amorosa, sem o tratamento carinhoso e incansável
daquela a quem devia a vida, jamais o pobre enfermo recuperaria as forças e
nunca se elevaria, física e moralmente, às condições necessárias à intervenção
cirúrgica.
Pouco
depois era o moço operado e iniciava a curta fase de convalescença, terminada
pelo seu completo restabelecimento.
***
De
quanto é capaz um coração de mãe! É sempre o mesmo o seu amor, em todas as épocas
da vida do filho, e por este sacrifica a fortuna, os gozos da vida, o fruto do
seu labor insano, os confortos de um lar feliz, a própria saúde, a própria vida
enfim, se também se tornar preciso, tudo fazendo sem um queixume, e
considerando-se feliz em concorrer para a felicidade do filho querido.
***
Quando
entrardes numa cadeia, em visita de caridade, ou quando percorrerdes as dependências
de uma penitenciária, levados pelo desejo de fazer o bem como discípulos do
Cristo e como cidadãos, procurar um por um, em particular, os criminosos
condenados pelos delitos mais horrendos, mais terríveis, e a cada um desses infelizes
perguntai com interesse afetuoso:
"Onde
reside tua mãe?"
Um
deles responderá: "Não conheci minha mãe, Senhor: faleceu quando eu
nasci".
Outro
vos dirá: "Minha mãe me faltou na primeira infância; não existe
mais".
Um
outro vos explicará: "Eu fugi da casa de meus pais quando ainda era
menino, e nem sei sequer se minha mãe ainda existe!"
Mais
um infeliz vos elucidará: "Eu sou filho do erro, e as convenções sociais
baniram-me do lar. Não sei quem é ou quem foi minha mãe”.
Dai a
cada um desses infelizes, se disso necessitarem, uma pequena lembrança que lhas
deixe um pouco de conforto material, e a todos eles dedicai uns momentos de
consolo, descerrando-lhes as portas longínquas da esperança pelo caminho da fé,
do arrependimento, da regeneração e do amor, e serenai o vosso espírito, ao
deixardes esse campo de misérias, pensando na bondade infinita de Deus, que a
todos os Seus filhos aguarda com o Seu perdão de Pai amantíssimo.
***
Conheceis
de certo alguns moralmente sãos, cujas qualidades, como chefe de família, e
amigo, e funcionário, e cidadão, podem ser tomadas por modelo. Encaminhai-vos a
alguns deles, particularmente, na direção de um estabelecimento industrial, ou à
banca honrada de um advogado, ou à cátedra do mestre erudito, ou ao laboratório
onde trabalha o sábio, ou ao consultório de um facultativo que de sua ciência
faz um sacerdócio, ou a qualquer parte, enfim, onde labuta um homem com honra,
com dedicação e com fé, e a cada um deles interrogai:
“Senhor,
eu desejava saber a quem deveis a posição que ocupais. Quem vos ensinou a subir
com honra, a engrandecer-vos sem soberba, a devotar-vos ao bem? Deveis a
compreensão dessas verdades ao vosso próprio mérito, aos vossos esforços
pessoais, ou tivestes um mestre que vos apontou o caminho do bem, da honra, do
dever?"
Algum
desses homens, dirigindo-se ao interior de sua residência, de lá regressará
trazendo pelo braço uma velhinha sorridente, que vos apresentará nestes termos:
"É minha mãe!..”
Outro,
menos feliz, ouvindo a vossa pergunta, erguerá a destra em direção a um quadro
que lhe honra a câmara de trabalho e vos dirá com os olhos úmidos de pranto:
"Cavalheiro,
eu tive uma mãe".
E
diversos outros dar-vos-ão respostas semelhantes.
É
que o amor de mãe não se confina somente num berço. Não justifica a alegria
grega do amor-menino. Acompanha o filho desde o primeiro vagido até que um dos
dois entes desaparece da vida terrena; depois ressurge na vida futura, e vive e
brilha pela amplidão infinita.
***
Vi
algures uma família sem chefe, uma viúva coberta de luto, alguns infantes sem pai,
um lar onde a desdita se alojara. Pouco tempo antes habitavam ali a alegria e a
esperança. Mas um dia morrera o chefe da família, o pai, esvaindo-se em sangue,
horrivelmente ferido pelo ferro homicida que o seu próprio filho manejara.
Muito
jovem ainda, o imberbe matador pensou na fuga, mas o remorso o atirou às mãos
da justiça dos homens que o condenaram à pena máxima.
Porque
cometera ele o horrendo crime? Defesa de alguém? Defesa própria? Sugestão de um
espírito devotado ao mal? Medo de opinar, nas desarmonias domésticas, se
existiam, contra quaisquer arbitrariedades paternas? Ou ausência de cultivo
moral, ou falta de crença, ou um momento de loucura?
Ninguém
o sabe. Ninguém o saberá talvez.
E o
infeliz parricida, muito jovem ainda, quase adolescente, viu fechados após de
si as férreas portas da penitenciaria, e viu que ao longe, numa aldeia
pacifica, naquela herdade anteriormente alegre e calma, ficava uma família
banhada em lágrimas e coberta de luto e de vergonha.
Pois
a mãe extremosa desse infeliz, vendo-o embora culpado de tanta dor, de tanta e
tão acabrunhadora desdita, saía a procura de clemência para o filho parricida.
Com o coração a transbordar de amor e a alma de mãe a retumbar afetuoso perdão,
deixava bastas vezes o lar e despendia não pequena parte do fruto do seu
trabalho e das suas economias, e partia, viajando com sacrifício inaudível, a fim
de impetrar perdão para o filho, o seu primogênito, tanto mais querido quanto
mais desditoso se tornara, até que um dia, quase vinte anos depois do horrendo
crime, um dos dirigentes deixou-se comover pelas suas lágrimas, pelos seus
rogos, restituíram-lhe o filho.
Tem
muito de divino o amor de mãe, ao qual nem o crime, e crime tão atroz, consegue
jamais arrefecer.
***
No
interior de um castelo antigo e nobre, no seio de uma família de costumes
austeros, penetrou um dia a desonra: uma criança devia em breve surgir à luz,
sem que anteriormente se houvesse efetuado um matrimonio. Era necessário
desaparecesse a prova do erro. Assim opinava a velha castelã, e assim
confirmava a jovem, filha única, que tivera a fraqueza de crer nas juras fementidas
das de um moço pervertido pelos maus exemplos da época.
Para
que desaparecesse o inocentinho, porém, esbulhado até dos seus direitos de
herança, pensou a rica fidalga dever falar ao velho e sábio arcebispo, -
naqueles tempos em que, como disse Vieira, os vasos eram de pau, mas os
sacerdotes eram de ouro - e o prelado, profundo conhecedor do coração humano,
declarou a ambas as senhoras que o caso era justo e seria a ação digna da
aprovação de Deus; mas, apenas, sendo ele o arcebispo quem recebesse o inocentinho
e se encarregasse de o extraviar, sob o mais rigoroso sigilo, o que poderia ser
feito somente depois que a jovem mãe conservasse consigo o pequenino durante três
dias...
Efetivamente,
o velho prelado, algum tempo depois, entrando na alcova alcatifada onde tinha
nascido, três dias antes, a inocente criancinha, dirigiu-se a jovem mãe, que a
amamentava sorrindo, e disse, estendendo-lhe as mãos: "Venho reclamar o recém-nascido
a fim de fazê-lo desaparecer, concluindo a minha missão".
-
Não - respondeu-lhe a mãe com firmeza; o meu filho não se arredará de mim. Eu o
criarei com dedicação e com amor.
- E
eu tudo farei para que o meu amado netinho seja feliz entre nós - asseverou a
velha fidalga, sorrindo ao pequenino.
Eram
dois corações de mãe. Afrontavam o opróbrio e encaravam desassombradamente as
convenções sociais, desprezando todas as censuras, que pelo mundo lhes pudessem
fazer, e conservavam consigo, amorosamente, com carinho inexcedível, aquele
pequeno ser, cujos olhos misteriosos pareciam envolver uma carícia e cujos lábios
rosados pareciam esboçar, a meio, um sorriso de gratidão e de afeto.
O
arcebispo sorriu, satisfeito. Aquele três dias tinham sido suficientes, mais do
que suficientes, para despertar no coração da nobre e orgulhosa castelã o amor
ao pequenino infante, de quem era duas vezes mãe, e para substituir, no coração
da jovem fidalga, a afeição mundana pelo amor puríssimo de mãe.
Já
não consentiriam que lhes arrebatassem dos braços o filho querido.
***
Penso
pois, que, entre as obras grandiosas de Deus, a mais sublime é o amor de mãe.
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