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sábado, 27 de novembro de 2021

Erros religiosos da Humanidade

 

Erros religiosos da Humanidade

por Ismael Gomes Braga

livro: “Libertação” (Editora Ismael-Araras-SP, 1955)

             “A mesma gota caída do céu será pérola se recebida por uma rosa, ou lama se absorvida pelo pó”, disse Léon Denis, com respeito às revelações que o Céu nos remete, e concluiu que o Espiritismo será o que dele façam os homens, porque os bons saberão empregá-lo para o bem, mas os maus o corromperiam como tantas revelações anteriores que se tornaram flagelos para a Humanidade, apesar de sua origem divina.

            A primeira desventura do homem é seu espírito de seita que tudo conspurca e incendeia, porque ele tem n’alma quase somente germens de inferioridade e em tal terreno não podem medrar as sementes do bom e do belo. Só uma ínfima minoria de bons colhe todos os benefícios das revelações divinas.

            Deus nos envia Mestres sublimes que nos ensinam o caminho da luz para a felicidade. Uns poucos aceitam a revelação e voam para o alto, mas a maioria projeta suas próprias sombras sobre o terreno e têm de progredir lentamente pela força invencível da dor que a ninguém deixa para sempre abandonado à margem da evolução.

            Moisés recebeu e transmitiu ao povo ensinos de eterna sabedoria. Não nos esqueçamos que por ele veio ao mundo o Decálogo e vieram outras pérolas preciosas, como comentários aos Dez Mandamentos. São frases que ficarão eternas nas Escrituras e foram mais tarde confirmadas por Jesus, como o são hoje pela Terceira Revelação, mas em poucos corações se tornaram força viva tais ensinamentos. Vamos copiar aqui apenas três frases recebidas por Moisés: “Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco, e amá-lo-ás como a ti mesmo.” (Levítico, XIX, 34). “Ama ao teu próximo como a ti mesmo” (Levítico, XIX, 18). “Nem só de pão vive o homem.” (Deteronômio, VIII, 3).

            Estas frases foram repetidas por Jesus e o são incessantemente pelos nossos guias, porque constituem ensinos de aplicação eterna e universal. Os homens creram que tais palavras vinham de Deus e as conservam nos lábios até hoje, mas só nos lábios. No coração elas não viveram ainda.

            Bastariam os ensinos recebidos pela mediunidade de Moisés para guiarem a humanidade à luz e à ventura. Reflitamos sobre o versículo 33 do cap. XIX do Levítico, acima transcrito, para percebermos que ele não poderia ser de origem humana. Naquele tempo em que se faziam as guerras de extermínio contra os estrangeiros e só se poupava o estrangeiro vencido na guerra para vende-lo como escravo, uma ordem de amar o estrangeiro como a si mesmo só poderia ter descido de alta esfera espiritual, porque excedia de muito tudo o que o homem de então poderia pensar e sentir.

            Esses ensinos foram escritos 1300 anos antes de nossa era, ou seja, há mais de 3200 anos  e o que foi feito deles pelos crentes que o receberam?

            Fecharam-se num seita fanática que cometeu os mais absurdos crimes de religião contra os seus profetas ulteriormente aparecidos, inclusive contra o Divino Mensageiro que levaram à cruz do martírio. Cultivaram tristemente o ódio e conquistaram para si mesmos o ódio universal.

            Tais e tantos foram os crimes cometidos em nome da Lei, que a dor se tornou o processo necessário de evolução daquele povo que era destinado a guiar os outros no progresso espiritual, como se depreende do fato de haver-se tornado universal a Revelação por ele recebida.

            Acusando de heresia e condenando o divino Mestre, o Mosaísmo se afastou do Cristianismo e ficou estacionado; mas o Cristianismo aceitou a Revelação mosaica, tornando-o o grande divulgador do Velho Testamento.

            O que se tem dito do martírio do povo judeu, sob o ódio universal, em todos esses milênios, não é só indizível é até inconcebível.

            Implantou-se a Segunda Revelação, acentuando mais a Lei de amor universal e exemplificando-a com os mais sublimes scrifícios.

            A parte má e errada da religião – o espírito de seita – colocou os israelitas fora da Humanidade, quando o fundamento mesmo do Judaísmo é universal e deveria ter feito dos judeus os líderes religiosos mais queridos do mundo.

            Dentre os numerosos erros religiosos dos judeus, um de graves consequências foi o suporem que a Revelação Divina ficara encerrada no Velho Testamento, e nada mais Deus teria que dizer aos homens. Com esse tenebroso engano, ficaram eles encarcerados religiosamente num passado remoto, fora do tempo e do mundo, sem admitir nenhum progrsso na Revelação, nem a possibilidade de haver preciosas revelações por intermédio de outros povos. Repeliram o maior de seus profetas, o que vinha coroar a obra e dar cumprimento à Lei, realizar as profecias.

            Nasceu o Cristianismo em plena capital judaica, mas a religião oficial o repeliu e só os simples de coração o aceitaram. Perseguiram o Espírito mais sublime que já desceu à Terra; crucificaram-no e perseguiram seus discípulos e continuadores.  O Cristianismo que teria dado o máximo prestígio ao povo de Israel, foi exilado e só pode medrar no estrangeiro.

            Foi um erro religioso de tremendas consequências para os judeus essa violenta repulsa ao Cristianismo nascente. Eles perderam a liderança religiosa que lhes havia sido posta nas mãos, e tornaram-se uma pequena seita odiosa e sempre odiada no mundo, quando ela só deveria inspirar amor, amar e ser amada.

            O Cristianismo confirmou a Lei em tudo que ele possuía de divino; mas depois de três séculos se constituiu em Igreja oficial do Império Romano, adquiriu poder temporal, tornou-se religião obrigatória par todos os súditos do governo romano.

             Como religião oficial o Cristianismo recebeu todos os defeitos do Paganismo, já muito enraizados no povo, e perdeu seu próprio espírito que era todo de perdão e amor.

            Passou de perseguido a perseguidor e entrou a cometer todos os erros – para não dizer crimes – de religião imposta pela força do Estado. Toda a crueldade bárbara ressurgiu sacrilegamente em nome do cordeiro de Deus. Nessa involução, descendo sempre, dando pasto às mais vis paixões humanas, com o passar dos séculos o “cristianismo” estava transformado na mais monstruosa instituição que já possuíu a Humanidade. Era a Inquisição, o ódio desenfreado, apoiando a escravidão, cavando prisões subterrâneas, levantando os cavaletes de tortura, a roda, acendendo fogueiras para queimar vivos os seus “hereges”, assim classificados em processos odiosos de interesses políticos e econômicos inconfessáveis.

            Séculos e séculos de crimes monstruosos em nome da religião de amor e perdão incondicional!

           Vieram as Cruzadas, guerras de pilhagem e extermínio que duraram séculos, sob pretexto de “libertar” a Terra Santa... E tudo em nome do Cordeiro de Deus!

            Surgiu entre os árabes o Islamismo, agressivo, exclusivista, cruel, e até hoje mantém guerra “santa” contra o cristianismo das igrejas.

            Em todos esses séculos e milênios de tremendos erros religiosos, o progresso humano continuou sendo feito através da dor que felizmente nunca nos abandonou em nossos desmandos.

            Chegou o século da revolução contra a tirania do imperialismo religioso. Foi feita a Reforma religiosa que custou rios de sangue e levou à fogueira Espíritos sublimes. Basta lembrar a Noitada de S. Bartolomeu e a execução de Jan Huss, para sentirmos o preço da Reforma, o terror da reação de Roma contra a Reforma; mas a Humanidade já havia progredido bastante para a vitória da Reforma sobre grandes massas humanas, se bem que Roma continuasse dominando em muitos países do Ocidente, como se acha ainda.

            A Reforma e o progresso social conquistado palmo a palmo, forçaram finalmente Roma a se modificar e perder a força tirânica que exercia sobre o povo. Ainda em nosso século houve tentativa forte de restauração daquela força. Pelo célebre Tratado de Latrão, o fascismo restaurou o poder temporal da Igreja; mas foi de pouca duração essa restauração, porque o próprio fascismo foi extinto mais cedo do que a Igreja poderia supor.

            Essas conquistas sociais foram de caminhar lento. Três séculos depois de feita a Reforma, ainda a Inquisição conservava seu inteiro poder sobre Portugal, Espanha e outros países, e queimava impunemente os seus “hereges”, em processos tortuosos, nos quais predominava muito o interesse político e econômico.

            Com tantos erros cometidos através dos milênios, a religião se comprometeu duramente na consciência humana. Há numerosas pessoas que sentem um santo horror da palavra “religião”, como os judeus e outros povos sentem pavor no nome “cristianismo”, porque para esses povos “cristianismo” significa: prisões subterrâneas, torturas físicas e morais, fogueiras inquisitoriais, confiscação de propriedade, escravidão, lama da pior espécie.

            Agora ressurge a religião com a Terceira Revelação. Não desmente os seus princípios revelados através dos milênios, confirma-os.

            Diz-nos de novo o mesmo que já foi dito por intermédio de Moisés, dos Profetas, de Jesus, e, além de dizê-lo, traz-nos o depoimento dos “mortos”, todos eles afirmando que aqueles princípios de amor universal indicam o único caminho seguro para a subida ao céu.

            A grande diferença ente a Terceira Revelação e as duas que a precederam consiste em que as duas primeiras afirmavam  a eternidade da vida, enquanto que a Terceira demonstra essa eternidade e com ela a responsabilidade ilimitada: ninguém fica impune pelos crimes que comete; não há meios de burlar a lei de Deus.

            Pelos crimes religiosos cometidos no passado, temos muita razão de supor que os homens não criam na imortalidade e responsabilidade da alma; era um dogma inteiramente morto o da imortalidade. De agora em diante, a repetição por toda a parte dos fenômenos espíritas vai dando nitidez cada dia maior a essa verdade religiosa; a imortalidade da alma torna-se palpável e indubitável.

            Não aceitamos liteiramente a opinião de Léon Denis, citada no início deste artigo, porque a paciência dos nossos Maiores da Espiritualidade está hoje mais demonstrada do que no momento em que foram escritas aquelas palavras. Cremos que os homens não terão força de corromper o Espiritismo e rebaixá-lo como fizeram com as revelações anteriores, porque os Espíritos são incansáveis em seus esforços de nos ajudar, e porque a Humanidade já progrediu um pouco moralmente para não cair mais em erros tão grosseiros.

                                                                                   ***

            O Espiritismo terá que cumprir sua missão num mundo diferente daquele em que se desenvolveram as igrejas que cometeram grandes erros religiosos.

            Embora os princípios revelados do Judaísmo e do Cristianismo fossem universais, a Humanidade antiga vivia apartada em grupos sem comunicações constantes uns com os outros. A falta de transportes, de imprensa, de uma língua internacional popular insulava os grupos humanos que se desconheciam mutuamente. Nada havia de comum a toda a Humanidade. No presente e ainda mais no porvir, ao contrário, tudo será mais comum a toda a população do Planeta.

            Todas as distãncias já estão abolidas pelo rádio. O progresso do Esperanto já nos vai criando a mentalidade planetári, a consciência de solidariedade de todos os terrícolas. Quando se der o pleno desenvolvimento do Espiritismo, já as massas humanas possuirão uma língua internacional popular.

            As religiões antigas tinham, cada uma delas, sua língua internacional: o Judaísmo tinha o hebraico, a Igreja Católica tinha o latim, o Islamismo possuía o árabe, mas tais línguas só eram internacionais para pequeníssimas elites de alto nível cultural; o povo mesmo não possuía meios de compreender as Escrituras, sempre fechadas em línguas sagradas até a Reforma, quando a Bíblia passou a ser traduzida e divulgada entre os crentes.

            No porvir, as massas humanas mesmas possuirão uma língua realmente internacional e gozarão os benefícios da Revelação Progressiva e universal que se dará no planeta todo e chegará imediatamente ao conhecimento de todos.

            Seria pessimismo supormos que o Espiritismo venha a cair nos mesmos erros do passado. Isso não será possível; o progrsso não o permitirá.

            Temos encontrado nos meios espíritas, ultimamente, famílias de israelitas que teriam pavor de entrar em uma igreja católica; mas, através do Espiritismo foram conquistadas para o Evangelho. Uma das missões do Espiritismo, ao que nos parece, será recuperarmos para o Cristo o coração dos judeus, esse coração tão assustado pelo medo milenário das perseguições que supunham “cristãs” e que se diziam “cristãs”. Já com dois mil anos de atraso, mas na eternidade nunca é demasiado tarde.

 ***

             Os crimes religiosos do passado eram cometidos impunemente, porque a legislação humana não havia ainda classificado aqueles atos como crimes passíveis de punição pelos tribunais mesmo humanos. Hoje chama-se genocídio essa espécie de crimes cometidos contra um grupo religioso, uma nação, um partido. No caso da matança de judeus pelos nazistas, a ação foi classificada de genocídio e reuniu-se um tribunal internacional que julgou e condenou os responsáveis.

            A defesa dos acusados alegou que tais atos não eram crime, porque praticados de acordo com a legislação vigente na Alemanha que era uma nação soberana e podia decretar as leis que lhe aprouvesse. Mas os julgadores decidiram que acima das soberanias nacionais existem direitos humanos universais, cuja violação é crime, e assim foram condenados e executados os responsáveis. Houve um progresso na evolução do direito internacional e o sentimento de humanidade foi colocado acima das soberanias nacionais que cobriram tantos crimes no passado.

            Pode argumentar-se que esse reconhecimento dos direitos da criatura humana à liberdade, à vida, à crença, é de difícil execução, e como prova disso pode alegrar-se que o lançamento de bombas atômicas contra cidades japonesas, exterminando populações civis indefesas, seria um crime de genocídio, mas os responsáveis não foram julgados, porque não houve força legal suficiente para julgá-los. Se os Estados Unidos houvessem sido vencidos na guerra, certamente um tribunal japonês teria classificado o fato como genocídio, julgado e condenado os responsáveis, e meia dúzia de ianques teriam sido enforcados. Ninguém foi acusado, porque faltou força necessária ao julgamento em tribunal. Mas a consciência universal não absolveu os responsáveis: o mundo todo sente ódio contra os responsáveis, e os mais veementes protestos suriram dentro dos Estados Unidos. Houve outra espécie de condenção que apavora os responsáveis, e esta nos agrada mais do que a de Nurenberg, porque entrega o criminoso ao tribunal de sua própria consciência que é o mais forte de todos os tribunais.

            O povo dos Estados Unidos julgou os responsáveis pelas bombas atômicas sobre cidades indefesas do Japão e este julgamento é muito forte.

            Os erros religiosos da Humanidade são capítulo triste da História, mas não poderão reproduzir-se no porvir, nesse grande porvir que assistirá ao triunfo mundial da Terceira Revelação, ou seja do triângulo luminoso a que se têm referido os nossos guias:

                                                                             E

                                                                       E          E         

             Evangelho, Espiritismo, Esperanto: amor, luz, compreensão universal.

 


segunda-feira, 15 de julho de 2019

A destruição da Inquisição na Espanha por Napoleão



1 - A destruição da lnquisição na Espanha por Napoleão I
por Oscar D'Argonnel 

Reformador (FEB) Dezembro 1925

Dou agora a palavra ao coronel polaco Lumanousk, encarregado pelo Marechal Soult de destruir a Inquisição de Madri.  

“Estando eu em 1809 em Madri, a minha atenção se fixou sobre a casa da Inquisição. Napoleão já tinha publicado um decreto para a supressão dessa instituição por toda a parte onde as suas armas vitoriosas se estendiam.

“Lembrei ao marechal Soult, então governador, pelo que ele me instruiu que destruísse a Inquisição.  

"Fiz-lhe observar que o meu regimento, o 9º de lanceiros polacos, era insuficiente para tal serviço; mas disse-lhe que, se ele lhe ajuntasse mais dois regimentos, eu o empreenderia. Acedeu o meu pedido.

"Um desses regimentos, o 117°, estava debaixo das ordens do coronel de Lille. Com estas tropas, pus-me a caminho para a Inquisição. O edifício estava rodeado por uma muralha muito forte, guardada por 400 soldados pouco mais ou menos. Logo que cheguei debaixo da muralha, dirigi-me a uma das sentinelas e ordenei que os padres se rendessem ao exército imperial e abrissem as portas da Inquisição.  

“A sentinela, que estava em pé sobre a muralha, pareceu conversar alguns instantes com alguém que estava do lado interior, depois do que fez fogo sobre nós, matando um dos meus homens.  

“Foi este o sinal de ataque. Ordenei às minhas tropas que fizessem fogo sobre aqueles que aparecessem na muralha. Bem depressa se tornou evidente que o combate era desigual.  

“As muralhas da Inquisição estavam cobertas de soldados do Santo Ofício; havia também um parapeito na muralha por detrás do qual eles se escondiam, não saindo dali senão para se exporem em parte, enquanto descarregavam as suas espingardas. As nossas tropas estavam numa planície descoberta e expostas a um fogo assassino; não tínhamos nenhuma peça de artilharia; não podíamos também escalar as muralhas, e as portas resistiam com êxito a todos os nossos esforços para as arrombar.

“Vi que era necessário mudar a forma do ataque e mandei cortar e aparar as árvores que, conduzidas àquele ponto, deveriam servir de aríetes.

"Duas dessas máquinas foram postas entre as mãos de tantos homens quantos eram necessários para trabalhar com vantagem, e estes começaram logo a atirar grandes pancadas contra as muralhas, sem se importarem com o granizo de balas que chovia sobre eles.

“Bem depressa as muralhas começaram a tremer; e debaixo dos esforços perseverantes e bem dirigidos do aríete, apareceu uma brecha por onde as tropas imperiais entraram na Inquisição.

“Aqui tivemos nós uma amostra do quanto é capaz o descaramento jesuítico. O inquisidor geral e os padres confessores, com suas vestimentas sacerdotais, saíram todos dos seus abrigos, quando estávamos para entrar na Inquisição, com os pescoços estendidos, os braços cruzados no peito e os dedos   descansando nos ombros, como se não tendo, ouvido o ruído causado pelo ataque e pela defesa acabassem de saber o que se passava e dirigindo-se em tom de reproche aos seus soldados, disseram: Por que combateis os nossos amigos franceses?  

“Parece que a sua intenção era fazer-nos acreditar que de nenhum modo haviam autorizado a defesa, esperando, com o nos darem a crer que eram nossos amigos, poder aproveitar mais facilmente a confusão e o saque da Inquisição para fugirem.

“O artifício era, contudo, muito mal imaginado e de nada serviu. Mandei-os guardar a vista, e todos os soldados da Inquisição foram feitos prisioneiros. Começamos, então, a examinar esta prisão do inferno.  


2 - A destruição da lnquisição na Espanha por Napoleão I

Reformador (FEB) Janeiro 1926

            “Atravessamos quarto sobre quartos; encontramos altares, crucifixos e tochas em abundância mas não pudemos descobrir nenhum da iniquidade que devia exercer-se neste lugar, nenhuma daquelas coisas extraordinárias que esperávamos encontrar numa casa da Inquisição.

“Via-se ali a formosura, o esplendor, a ordem mais perfeita: a arquitetura,
as proporções, tudo era admirável; os tetos e os sobrados eram de um brilhante polido; os assoalhos de mármore estavam arranjados com um gosto esquisito.  Havia ali tudo quanto pode agradar à vista e a um espírito cultivado; mas onde estariam os instrumentos de que tanto nos tinham falado? Onde estavam essas torres nas quais se dizia que entes humanos estavam sepultados em vida! Os santos padres asseguravam-nos que os haviam caluniado, que tínhamos visto tudo. Preparava-me para abandonar as minhas pesquisas, deixando-me persuadir que esta Inquisição era diferente daquelas de que nos tinham falado; porém o  Coronel de Lille, não podendo renunciar tão facilmente à busca, disse-me:

“Coronel, vós sois hoje o comandante, e o que ordenardes se deve fazer;
Mas, se quereis seguir o meu conselho, mandai examinar mais este assoalho de
mármore; ordenai que lhe deitem água por cima e veremos se não haverá por
onde ela escoe mais facilmente.”

Respondi-lhe: “Coronel, fazei o que quiserdes”, e ordenei que trouxessem água.

As lajes de mármore eram grandes e de um magnífico polido, Logo que a água foi derramada no assoalho, com grande descontentamento dos inquisidores, nós examinamos cuidadosamente todas as fendas para ver se a água se infiltrava por elas.

Pouco depois, o Coronel de Lille exclamou que tinha encontrado o que buscava. Ao lado de um destas chapas de mármore, a água corria muito depressa, como se por baixo houvesse um vácuo.

Todos os braços se puseram então à obra para mais amplas descobertas; os
oficiais com as suas espadas' e os soldados com as suas baionetas procuravam levantar a laje. Outros bateram fortemente com as coronhas das suas espingardas procurando quebra-la, enquanto os sacerdotes se revoltavam contra a profanação da sua bela e santa casa.  

De repente, um soldado bateu numa mola e a laje levantou-se, então os
rostos dos inquisidores se tornaram pálidos e, como Baltasar, quando um braço apareceu escrevendo na muralha, estes homens de Belias começaram a tremer como varas verdes.

Olhamos para debaixo da laje fatal, que se tinha um pouco levantado, e vimos uma escada. Aproximei-me da mesa e tirei de um dos candelabros uma vela que estava acesa, a fim de explorar a nossa descoberta.
  
Quando apoderava dela, fui estorvado por um dos inquisidores que,
assentando devagar a sua mão no meu braço me disse com ar devoto: “Meu filho,  não deveis tocar nisso com as vossas mãos ensanguentadas, porque é um círio bento.

"Bem, respondi eu, preciso de uma luz benta para sondar a iniquidade.
Tomo a responsabilidade sobre mim.


3 - A destruição da lnquisição na Espanha por Napoleão I

Reformador (FEB) Fevereiro 1926

Peguei na vela, desci e descobri então o motivo por que a água nos havia
revelado esta passagem. Debaixo deste assoalho, estava um teto muito unido,
exceto naquele sítio onde se achava o alçapão; daqui procedia o êxito do expediente do Coronel de Lille.

Logo que descemos a escada, entramos numa grande sala quadrada, chamada a sala do julgamento. No meio dela estava um grande marco, onde se achava presa uma cadeira; era ali que eles tinham por costume colocar o acusado, ligado à cadeira. Do outro lado da sala estava um outro assento elevado, chamado o trono do juízo; este era ocupado pelo inquisidor geral. Havia ali também em redor, assentos menos elevados para os padres, quando se tratava de negócios da Santa Inquisição.

Desta sala passamos à direita e encontramos pequenas celas que se estendiam em todo o comprimento do edifício; mas aqui, que espetáculo se ofereceu à nossa vista! Como a religião benfazeja do Salvador tinha sido representada por homens que faziam profissão dela! Estas celas serviam de cárceres solitários onde as infelizes vítimas do ódio inquisitorial ficavam encerradas até que a morte as livrasse de seus algozes. Ali deixavam os seus corpos até se decomporem, e os cárceres eram ocupados por outros indivíduos... A fim de que isto não incomodasse os inquisidores havia tubos muito grandes para evacuar o fétido dos cadáveres.

Em certas celas encontramos os restos de alguns homens que tinham expirado recentemente ao passo que, em outras, só se achavam esqueletos acorrentados ao assoalho. Em algumas encontramos vítimas vivas de todas as idades e de todos os sexos desde o mancebo a donzela, até velhos de setenta anos todos eles despojados do seu vestuário como na hora do seu nascimento!"

4 - A destruição da lnquisição na Espanha por Napoleão I

Reformador (FEB) Março 1926

“Os nossos soldados trataram imediatamente de livrar estes cativos das suas  correntes e tiraram uma parte dos seus vestuários para cobrir com eles estas  infelizes criaturas, desejavam vivamente leva-la à luz do dia; mas, reconhecendo o perigo que haveria em fazê-lo, opus-me a isso e insisti para que lhes eles dessem primeiramente tudo de quanto houvessem precisão e para que não lhe fizessem ver a claridade senão de um modo muito gradual.

Tendo visitado todas estas celas e aberto as portas das prisões em que ainda as vítimas viviam, fomos visitar outra ala à esquerda. Ali encontramos todos os instrumentos de tortura que o gênio dos homens ou dos demônios pode inventar.

À sua vista o furor dos nossos soldados não pode conter-se; exclamaram que cada um dos inquisidores, frades e soldado do estabelecimento merecia ser torturado. Não nos opusemos a isso. Começaram imediatamente a obra da tortura na pessoa dos padres.

Vi pôr em pratica quatro espécies diferentes de tortura, e depois retirei-me
desta horrível cena, que durou enquanto existia um único indivíduo desta antecâmara do inferno, na qual os soldados pudessem saciar a sua vingança.

Logo que as pobres vítimas saídas das celas da Inquisição, puderam, sem
Perigo, sair da prisão para se esporem à luz do dia (tinha-se espalhado a notícia que inúmeros infelizes haviam sido salvos da Inquisição), logo acorreram todos aqueles aos quais o Santo Ofício arrancara amigos; vinham ver se havia alguma esperança de os achar vivos.
           
Oh! Que encontro esse!  

Cem pessoas, mais ou menos, que tinham estado sepultadas durante muitos anos, eram agora entregues à sociedade dos seus semelhantes; muitos encontraram aqui um filho, ali uma filha, aqui uma irmã e ali um irmão. Alguns, porém, não reconheceram amigos. Que cena triste! Não é possível descrevê-la!

Depois de ter sido testemunha disto, querendo terminar a obra que tinha começado, dirigi-me a Madrid e obtive uma grande quantidade de pólvora que coloquei debaixo do edifício e nos seus subterrâneos. Milhares de espectadores
atentos nos viram deitar-lhe o fogo. As muralhar e as torres maciças do orgulhoso edifício se elevaram em despojos para os céus.  

A Inquisição de Madrid já não existia. "

Napoleão I, ainda jovem

quarta-feira, 27 de abril de 2011

E o galo insistiu em cantar...


Apesar De Você
Composição: Chico Buarque

(Crescendo) Amanhã vai ser outro dia x 3
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão

(Coro) Apesar de você
amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vão calar em juras. Juro!
Todo esse amor reprimido,
Esse grito contido,
Esse samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
de "desinventar"
Você vai pagar, e é suado,
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

(Coro2) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria

Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença

E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
antes do que você pensa
Apesar de você

(Coro3) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia

Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente,
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar,
Na sua frente.
Apesar de você

(Coro4) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai se dar mal, etc e tal,
La, laiá, la laiá, la laiá??

Fim do Índex



Extraído de artigo de mesmo título publicado
à pág. 142 de Reformador (FEB) em junho de 1966.

            “Vaticano (AP -UPI - “O GLOBO”) - O Cardeal  Alfredo Ottaviani, Chefe da Cúria do Vaticano e a segunda autoridade da Igreja em questões de fé e moral, afirmou ontem que o Vaticano resolver suspender definitivamente a aplicação do Índex dos livros proibidos, deixando às autoridades eclesiásticas, de cada país, a tarefa de aconselhar aos católicos  a leitura de qualquer livro.
                Em entrevista publicada pelo ‘Osservatore della Domenica’, o Cardeal Ottaviani acrescentou que as autoridades eclesiásticas nacionais não recorrerão à condenação, senão em casos muito perigosos, mas que deverão ser bastante raros.
                Adiantou que será requerido o ‘imprimatur’ ou permissão da publicação pelo bispado do local quando se tratar de livros que tratem de temas religiosos.
                O Cardeal Ottaviani asseverou que com a supressão da Secretaria do Vaticano que examinava as obras a serem incluídas no Índex, a lista de livros proibidos ficará sendo um documento histórico. Assinalou que a última edição do Índex data de 1948 e não haverá mais edições.
                O Vaticano não esclareceu o que fará com o Índex de mais de cinco mil obras, porém, presume-se que a Igreja simplesmente deixará que caia em desuso.
                O prelado concluiu afirmando que o Vaticano poderá fazer declarações, se o julgar necessário, contra obras que acredite serem  daninhas à consciência cristã.
                        (Ext. de “O GLOBO”  de 21 de Abril de 1966)






Rei, Bispos e Romancistas
às voltas com o ‘Santo Ofício’
 Reformador (FEB)  Dezembro 1957

            Na série de julgamentos que se processam há quatro séculos, não foi incluído até agora um só brasileiro - “O proibido ativa o apetite”, por isso a obras mais lidas e discutidas são aquelas incluídas no ‘Index Librorum Prohibitorum’ - Quando Marx entra nas ‘normas gerais’ e utopistas são relacionados nominalmente - Martinho Luthero está ausente, enquanto Allan Kardec tem suas obras estigmatizadas - ‘Thalia’, o primeiro livro proibido (ano 325) e os cânones.
                                Texto de  J. Batista Lemos

Há exatamente 407 anos vem a Igreja Católica Apostólica Romana controlando com vigilância impar o lançamento de obras de autores que não esposam os dogmas da religião, tendo para isso instituído o ‘Index Librorum Prohibitorum’, no qual se incluem todos os livros considerados impróprios para a leitura de cidadãos católicos. Nestes quatro séculos de absoluto controle, inúmeros pensadores, romancistas, ensaístas, etc., tiveram seus nomes e livros relacionados pela Suprema Congregação do Santo Ofício, que obedecendo ao decreto original age com rigor e sem contemplação....

A Feroz Intolerância Católica... Esses Livros Devem Queimar.!!!





Comemorando
   um Auto de Fé...

            Reformador(FEB)  16.11.1932 (parte)

            Foi no ano de 1861, a 9 de outubro que, por ordem do Bispo de Barcelona, Dr. Palau, sobreposto a todas as autoridades civis do reino de Espanha, se consumou o ato inquisitorial, o ‘auto de fé’ a que nos referimos e em que, na Esplanada da Cidadela, fortaleza então existente na Capital da Catalunha, a feroz intolerância católica, já não podendo queimar vivos os que a igreja romana considerava hereges, reduziu a cinzas uma fogueira de 300 volumes e folhetos espíritas que, importados de Paris, haviam pago na Alfândega daquela cidade os respectivos direitos. Entre esses volumes e folhetos figuravam O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Que é o Espiritismo? de Allan Kardec, e a Revue Spirite, por ele dirigida e redigida.

            A inquisitorial cerimônia se efetuou com toda a solenidade do ritual do ‘santo ofício’. Presidiu-a um Cura, revestidos de trajes sacerdotais, tendo numa das mãos uma cruz e na outra uma tocha. Acompanhavam-no um Notário, encarregado de redigir a ata do ‘auto-de-fé’; um auxiliar de Notário; um funcionário superior da Alfândega; três empregados desta, incumbidos de atiçar o fogo; e um outro representando o proprietário das obras que o Bispo condenara ao sacrifício.

            Grande multidão, enchendo a imensa esplanada onde se erguia o catafalco, assistiu a mais essa frustrada tentativa de aniquilamento da idéia e, quando o fogo tudo consumiu e o Cura, com seus auxiliares, se ia retirando, ela, a multidão os saudou com estridentes assovios   e   estrondosas   maldições,   aos   gritos   de:  “-Abaixo a Inquisição!”

            A propósito desse ‘auto de fé’, Allan Kardec, com a gravidade, a concisão e a clareza que lhe eram peculiares, escreveu na Revue Spirite admirável artigo, terminando por estas palavras:

            “Espíritas de todos os países, jamais olvideis esta data de 9 de outubro de 1861! Assinalada fique ela nos fatos do Espiritismo e seja para nós outros uma data festiva, que não de luto, por que constitui penhor do nosso próximo triunfo!

            Da segurança da profecia assim articulada, um dos primeiros a dar expressivo testemunho foi o Espírito daquele que ordenara o estúpido e brutal ‘auto de fé’. Com efeito, nove meses, exatamente, depois da realização deste, a 9 de julho de 1862, morria o Bispo Palau e, decorridos poucos dias, seu Espírito, numa sessão da Sociedade Espírita de Paris, sob a presidência de Allan Kardec, dava inesperada e espontaneamente, a comunicação seguinte:

            “Auxiliado pelo Guia espiritual, pude vir instruir-vos com o meu exemplo e dizer-vos: -Não repilais nenhuma das idéias anunciadas, porque um dia, um dia que durará e pesará como um século, essa idéias,  amontoadas,  clamarão  como  a  voz  do  anjo: -Caim, que fizeste de teu irmão? Que fizeste do teu poder com o qual devias consolar e elevar a humanidade? O homem que voluntariamente vive cego e surdo, como outros o são de corpo, sofrerá e renascerá, para recomeçar o trabalho intelectual que a preguiça e o orgulho o fizeram esquecer. E essa voz terrível me disse: -Queimaste as idéias e as idéias te queimarão... Orai por mim, porque a oração é agradável a Deus, sobretudo quando é o perseguido que a formula, a bem do perseguidor.

            Assinou: Palau, o que foi Bispo e que agora mais não é do que um penitente.”



Auto de Fé de Barcelona  
Procurar Revue Spirite
Anos 1861 págs. 321 e 1862, pg. 232.
Em português: Editora Edicel e FEB.





Kardec e o auto-de-fé em Barcelona
         
Vianna de Carvalho
por Divaldo Franco
19-08-61, Salvador, Bahia
            Reformador (FEB), pág. 251 de Novembro 1961

            A manhã de nove de Outubro surgiu perfumada e radiosa.
            Na esplanada de Barcelona, 300 exemplares de livros e opúsculos devem morrer.
            A Idade Média ainda se demora na dourada terra de Espanha. O Santo Ofício trucida, e envenenado pela intolerância, sentindo o soçobro que se aproxima, destila o ódio e violência, tentando manter a soberania.
            A autoridade eclesiástica lê o libelo burlesco.
            Archote fumegante aparece e, em breve, ousadas línguas de fogo transformam-se em labaredas, devorando as páginas grandiosas dos livros libertadores.
            Temperamentos audazes atiram-se sobre as chamas que diminuem de intensidade, e arrancam páginas chamuscadas que se transformarão em documentos preciosos do crime. Emocionado pintor, desejando eternizar o ato de barbaria sob a inspiração do momento, registra em cores e traços vigorosos o atentado à liberdade de consciência.
            As cinzas e a tela são endereçadas ao Codificador.
            Em Paris, Kardec dobra-se sob o peso da própria dor.
            O gigante lionês tem a alma ferida. O vigoroso coração, parecido a corcel fogoso, agora exaurido, trabalha pelo gigantismo do sofrimento.
            Mentalmente, recorda a figura martirizada de João Huss, o Apóstolo queimado vivo no século XV por sentença do concílio de Constança, apesar do salvo conduto que o imperador Sigismundo lhe havia dado...
            A impiedade e o despotismo da fé em decadência queima-lo-íam agora, se o pudessem. E nessa impossibilidade tentam destruir-lhe a obra, já que nada podem contra as idéias.
            Todavia, recolhido à oração salutar, parece-lhe escutar as Vozes dos Céus - aquelas mesmas que o conduziram na compilação dos primeiros trabalhos - que lhe dirigem expressões de alento e vigor.

            “Ninguém poderá destruir o edifício da Fé imortalista - tem a impressão de ouvir na intimidade da mente. 

            “Os imortais estão de pé no campo de batalha.
            “A Doutrina Espírita é Jesus-Cristo de retorno aos corações, acolitado pelas legiões dos Espíritos Eleitos; abrindo as portas para o acesso à verdadeira vida.
            “É mister que o trabalhador experimente o suplício e tenha os braços atados à cruz dos testemunhos necessários, para que Ele triunfe.
            “Jesus não se fizera respeitar pelos contemporâneos, e através dos tempos, pelo que ensinou, mas pelo legado da renúncia e do sacrifício.
            “Assim também, a Doutrina Espírita, reivindicando as luzes da Imortalidade do Senhor e da renovação dos conceitos evangélicos na Terra, deveria experimentar o guante das mesmas dilacerações...”

            Era indispensável sofrer de pé, confiando, imperturbável...
            Allan Kardec, vitalizado pelo fluxo de misericórdia divina e encorajado pelos tônus celeste, levanta-se, outra vez, fita os cimos dourados que a vida lhe reserva, renova as disposições do espírito e, jubiloso, continua a luta.
            A Doutrina Espírita se lhe afigura, então, um anjo de luz dilatando as asas sobre a Terra inteira e vestindo-a de caridade...
                                   *
            Mestre! Cem anos depois de Barcelona, o Brasil, que te guarda a mais profunda gratidão, ergue-se em louvor, através das mil vozes dos beneficiários de teu carinho, para te agradecer os sacrifícios.
            Contempla, dos Altos Cimos, a colossal legião de servidores do Cristo, seguindo as tuas pegadas e espargindo o aroma da tua mensagem, em toda a parte.
            Barcelona vive em nossos corações reconhecidos.
            As obras incineradas se multiplicaram e levam a mensagem vibrante dos Espíritos da Luz à Humanidade toda.
            Ninguém pôde paralisar tuas mãos no sacerdócio da escrita nem força alguma silenciou os teus lábios no ministério da pregação...
            Quando o corpo se negou a prosseguir contigo, extenuado pelo trabalho infatigável, já o mundo compreendia a Mensagem de Jesus com que enriqueceste a Terra.
            E hoje, quando ameaças se levantam em toda a parte, dirigidas à paz das criaturas, em forma de intranqüilidade e pavor, a Doutrina que nos legaste, como bandeira de vida, é o penso consolador nas mãos de Jesus-Cristo, medicando as feridas de todos os corações.
            Glória a ti, desbravador do Continente da Alma!
            A Humanidade espiritista, renovada e feliz, edificada no teu trabalho eficiente, rende-te o culto da gratidão e do respeito.
            Salve, Allan Kardec, no dia Nove de Outubro, cem anos depois de Barcelona!





Os Autos-de-Fé Cotidianos

Leopoldo Cirne
por Waldo Vieira
CEC, em 1-9-1961, em Uberaba, Minas
Reformador (FEB) Novembro 1961

            Moisés foi o portador da Primeira Revelação; Jesus nos trouxe a Segunda; Allan Kardec codificou o Espiritismo - a Terceira Revelação -, que divulga os elevados propósitos dos Pioneiros da Luz, e que se impessoalizou, para ultrapassar o âmbito individual em direção à Humanidade Maior.
            Na manhã de 9 de Outubro de 1861, aqueles que crucificaram o Senhor - os fariseus de todos os tempos -, não podendo então sacrificar alguém para sufocar a nova ordem de idéias, afoitaram-se em carbonizar-lhe os repositórios em forma de livros. Assim, o Auto-de-fé em Barcelona surge às nossas considerações como sendo a primeira crucificação do Consolador, no ataque inquisitorial contra as obras dos precursores.
            Queimaram-se apenas alguns corpos da idéia para que as almas da idéia se libertassem... As chamas que consumiram os livros, avivadas pelas mãos do carrasco, na praça pública, saltaram de alma em alma, a  crepitar por centelhas de ideal renovador, ateando o fogo da verdade, de consciência a consciência. e a luz dessa fogueira replende sempre mais, vitoriosa e irradiante, atraindo e cingindo legiões de criaturas.
            Da esplanada em que se flagelavam os criminosos, os trezentos volumes incinerados, qual flamas redivivas, se multiplicaram aos milhões nos idiomas do mundo inteiro.
            A Causa Espírita é imperecível: ninguém pode abafar a fé raciocinada. O seu ensinamento instrui pelos fatos da  Vida Imortal. O Espírito sopra onde quer. Asfixiada a voz da realidade, hoje e aqui, amanhã e em toda parte alçar-se-á mais potente por milhares de outras bocas.
            Mas, em pleno Centenário do Auto-de-fé, é natural relembremos também os pequeninos autos-de-fé cotidianos que forjamos por nossa imprevidência, queimando, através de ações a desmentirem convicções, os ensinos da Doutrina Libertadora que nos fortalecem as almas.
            O Espiritismo é o fanal da Imortalidade que recebemos de nossos antecessores do Espaço ou do Plano Físico, mensagem de consolação que nos cabe levar adiante de ânimo inarrefecível, clareando o caminho. Empunhemos o facho sublime de esperança no rumo da Nova Terra - a Terra da Regeneração!
            Sigamos esses mesmos livros que foram calcinados há um século e que não raro, repontam moralmente destruídos por nossa conduta inadvertida e contrária aos ditames amorosos do Cristo.
            Recomendou o Mestre: “Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as boas obras e glorifiquem o Pai que está no Céu.”
            Recorda que serás sempre, onde estiveres, a lição ambulante do  Espiritismo. És a síntese viva da Codificação! Se o templo espírita consola, o teu coração testemunha! Se a tribuna espírita esclarece, a tua palavra conduz! Se o livro ilumina, o teu exemplo é a força que arrasta!