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terça-feira, 30 de junho de 2020

Comunicações de Pedro, apóstolo



Três comunicações de 
Pedro, o Apóstolo
por Albino Teixeira
Reformador (FEB) Junho 1920

            Do que foram na sua simplicidade, como festividades de carácter puramente espiritual, as comemorações da ceia pascoal e do sacrifício do Calvário, levadas a afeito este ano na Federação, já informamos aos nossos leitores pelo Reformador de 16 de Abril, à semelhança do que todos os anos ocorre, acentuamo-lo então, elas se revestiram do cunho de reuniões verdadeiramente cristãs, em que milhares de crentes, procurando apreender em espírito e verdade os ensinamentos contidos naqueles dois atos culminantes da missão terrena do divino Mestre, para deles colherem o alimento espiritual de que se sentem famintos, receberam, num banho de luz vivíssima, como bênçãos do céu, alento e força, a fim de prosseguirem na obra de sua regeneração, testemunhando a grandeza das misericórdias que baixam sobre todos os que com boa vontade se consagram a essa obra.
*
            Restava-nos somente divulgar um fato especial que assinalou aquelas comemorações: o do recebimento de três comunicações do apóstolo Pedro, dadas por diferentes médiuns duas pela forma psicográfica, nas sessões públicas de quinta e sexta-feira santas, e uma por incorporação, em sessão do grupo Ismael, no segundo daqueles dias.
                Do conjunto dos ensinos, das exortações e promessas que todas elas contêm, destacaremos apenas, chamando para ele a atenção os que as leiam, um ponto: aquele em que o grande apóstolo declina a razão determinante de haver negado o Cristo, no Pretório. Não foi o medo, a fraqueza oriunda do temor de se comprometer que o levaram a isso, mas o amor, o amor humano, o amor qual o sentimos na terra, mesclado de egoísmo, que quase sempre lhe toma o lugar quando vemos em risco a vida de um ser amado.
                Quanto ao mais, os que as lerem dominado por sentimentos cristãos saberão de certo encontrar, por entre a singeleza de forma que apresentam, as ricas pérolas que encerram, ofertadas generosamente a todos os que, despidos de preconceitos de qualquer ordem, se disponham a buscar aquele que é único, porque só ele é “o caminho a verdade, a vida.”
           
            A primeira das três comunicações, tomada psicograficamente pelo médium Albino Teixeira, é a seguinte:
           
            “Aos continuadores do apostolado do Cristo as minhas saudações de paz,
            Meus filhinhos, o Divino Mestre, desde que surgiu no estábulo de Belém, começou a dar o exemplo de humildade mais frisante, para que os homens compreendessem que a humildade exalta a criatura e o orgulho a rebaixa. Nasceu entre animais como que para patentear ao mundo de então que esses talvez o compreendessem melhor do que o homem. Podendo nascer num palácio, como Senhor, que era, do mundo, surgiu num alpendre, abrigo de animais, tendo aparentemente por pai terreno um carpinteiro Que sublime exemplo de humildade!
            Na ceia pascoal culminou essa humildade quando ele ofertou a seus apóstolos o pão e o vinho, que simbolizavam o seu corpo e o seu sangre, isto é, a sua doutrina e o seu amor às ovelhinhas que lhe foram confiadas; e ainda quando lavou os pés a seus discípulos.
            Eu fora, quando pescava peixes no mar da Galileia, por ele chamado para ser pescador de homens e sem vacilação o acompanhei. Em boa hora o fiz, pois que recebi as emanações puríssimas de seu espírito, que leniram as agruras de minha alma de pescador. Suas palavras me redimiram, tornando-me pregador de sua doutrina de amor e de perdão.
            Ao vê-lo abaixar-se, cingido com uma toalha, para me lavar os pés, recusei.  
            - Como, Senhor, pois tu, o Mestre, me as de lavar os pés? Jamais o consentirei.
            Ah! Meus filhos, se vísseis o olhar meigo e ao mesmo tempo imperativo e me lançou, dizendo: - Se não me deixas lavar-te os pés, não és digno de mim... - Pois bem, Senhor, lave-me os pés, lava-me também a cabeça, respondi.
            A ceia pascoal, meus filhos, vos mostra a grandeza da humildade de Jesus.
            Quem quiser ser o maior terá que ser o servo de seus irmãos. Depois lavar-vos os pés uns aos outros, isto é, socorrer-vos reciprocamente, auxiliar-vos em todas as circunstâncias da vida, como irmãos, filhos do mesmo Pai.
            Se aqui estiverdes reunidos com verdadeiro sentimento de fraternidade, com pensamento de amor, com o desejo sincero de ser uteis aos vossos semelhantes, estareis recebendo o pão e o vinho que Jesus nos oferecem, estareis comungando a hóstia santa de seu amor. E como é esse o desejo que impera em vossos espíritos, eu vos concito a perseverardes no propósito da propagação da doutrina por ele ensinada, fazendo-a não somente por palavras mas especialmente pelo exemplo.
            Assim, os nossos pensamentos, confundidos com os vossos, repercutirão pelo infinito, em vibrações de luz, integrados no concerto universal que formam os dos puros espíritos, entoando hosanas ao seu amoroso Criador. Comunguemos mais uma vez nesta ceia, exemplo da mais grandiosa humildade, e que Jesus, o nosso Salvador, nos assista, permitindo que mais algumas criaturas, ovelhas do seu redil, se tornem, como nós, pescadoras de almas. Paz e Deus vos abençoe.”

Pedro, o Apóstolo

            A segunda, também psicografada, foi recebida pelo médium Manoel Quintão, nos seguintes termos:

            “Meus companheiros, como há dois mil anos, em transes angustiosos, rememorando as cenas do Calvário, o meu espírito brada ao mundo – Paz.
            Hoje, mercê do Mestre e Senhor, eu me propus vir a vós, como o Pescador da Galileia, para penitenciar-me de o haver negado três vezes. O seu perdão sublime logo me atingiu, é certo, porque o Justo sacrificado bem sabia que eu só o negara por amor. Naquela hora, o vidente apostólico emudeceu para falar o homem no seu egoísmo, o homem que em tudo via o sacrifício menor do seu Mestre querido. Eu supus que com a minha palavra comprometeria porventura ainda mais a causa do Justo, porque o pescador ignorava o que o apóstolo deveria saber um pouco e vos repete, isto é, que o Cordeiro de Deus, o Filho do Homem, não vinha restabelecer um reino na Terra, nem reinar para a Terra sobre uma geração, porque vinha restabelecer na Terra o reino do céu através de sucessivas gerações.
            Pois bem, meus queridos, essas gerações aí estão. Vós mesmos as representais legitimamente, porque sois daqueles que fizestes então, alvissareiramente odientos, a escalada do Calvário, para perpetua-la dolorosamente, caindo aqui erguendo-vos além, até chegardes à compreensão das coisas santas, despidos do orgulho que gera o ódio e ainda hoje sacrifica mil calvários, simbolicamente, os portadores de todas as verdades. Para que assim não continue a ser, é que se realizam as promessas do Divino Mestre e aqui vos encontrais.
            Mas, vede bem: a minha negação foi também um símbolo para vós outros, como um brado de alerta, a fim de que, não somente três, mas três mil vezes não negueis a Verdade, que é Jesus.   
            Com essas graças crescem para vós as responsabilidades que se aferem na balança da Vida Eterna.
            Tripulantes da minha barca, importa, porque o tempo vai desfeito em borrascas temerosas, que vos mantenhais firmes em vossos postos, a fim de não serdes arremessados ao oceano cavado das próprias paixões. O sinal que vos dou é o da cruz: - O sinal que vos dou é o da cruz: - ao sopé uma mulher lacrimosa que não tem um brado, nem um gesto de maldição. É a estátua da Dor e é também a efígie do amor desse Filho que vos há de salvar.
            A Ela rogo de joelhos para vós, como roguei para mim naquele momento de angústia, a benção que conforta, ilumina e sara todas as feridas do espírito.
            E ela, Mártir Dolorosa, sorrindo, me diz: - Pedro, vai abençoar os meus filhinhos em nome do Filho Amado, para que a compreensão daquele perdão seja o sinal definitivo do recolhimento deles no meu seio.
            Benção de Maria, bênção da paz e de amor, do céu, portanto, vos trago. O remido da fé

                                             Pedro

            A terceira dada por incorporação, é esta:

            “E dentro em breve vereis o Filho do homem em toda a sua glória.” Assim, meus amiguinhos, me falou o Amado Mestre, a mim, pobre pescador, homem que nada possuía. Sim, que nada possuía, pois que nem bastante fé levava consigo para compreender e penetrar essas palavras.
            Acompanhei-o no Horto das Oliveiras, fui para Jerusalém e daí à casa de Pilatos. Oh! Pedro, Pedro, que não sabes perdoar a ti mesmo a falta que cometeste, quando Ele te havia dito: - Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes! E Assim foi, Senhor!
            Pedro, que tudo te devia, que tudo te deve, te negou. Negou-te, mas não por fraqueza, oh! Não! Negou-te por amor, pelo amor da terra, pelo amor do homem. Dalí, desfeito em pranto, o acompanhei no Calvário!
            Mas, meus filhos, como me senti só!
            Como eu e os meus companheiros choramos a ausência do Mestre e quão grande foi o nosso espanto, quando aquela alma sublime e excelsa surgia diante de Madalena e disse: Não chores, porque eu aqui estou. Não chores, porque eu aqui estou. Vai dizer-lhes que me viste que sou eu mesmo.  
            Ah! Voltou-nos a calma e sentimos em cheio toda a grandeza da humildade do Senhor! Senti-me grande e forte da minha riqueza, prometi mim mesmo que, se preciso fosse, também iria até o Calvário. Não, meus filhinhos, porque eu entendesse ofertar desse modo alguma coisa ao meu Jesus, não; mas porque achava que, dando-lhe tudo, nada lhe daria em comparação com o tesouro que dele recebem.
            Ele, pois, voltou e nos encheu do gozo, preparando-nos para seguirmos as suas pegadas, em resgate do nosso passado, porque tínhamos um passado a resgatar, e para que pudéssemos, sempre por seu intermédio, sempre por seu amor, tornar-nos dignos do Pai Celeste.  
            Corri terras: era preciso que fosse assim. Faltava-me, meus caros filhinhos: um braço direito. Encontrei-o, encontrando o meu Paulo. Longe um do outro havíamos nascido e tão diferentemente: ele, rico, forte, instruído nas letras e eu, humilde pescador, nada possuindo a não ser boa vontade. Que poderia fazer? O Manso Cordeiro, porém, tudo tinha preparado! Como previra tudo!
            Aquele Paulo, que aceitava a esmola de Jesus, que falava em nome do Cristo, aquele mesmo Paulo vem no meu encontro e, humilde e arrependido, diz: “Pedro, ensina-me tu quem é o Cristo; quero ouvir da tua boca todas as suas ordens, Eu já o sinto em mim, mas é necessário que tu me relates a sua vida. Serei teu escravo”. E assim, unidos, amando-nos e muito, sem nunca, nos termos visto antes, seguimos a nossa rota e, palmilhando espinhos por nós meemos semeados, chegados ao fim da nossa jornada.
            Ah! E como tu, Senhor, foste e és sempre grande e misericordioso; quão grande foi a tua recompensa para os humildes servos; quantas graças e quantas misericórdias!! E fizeste que as tuas palavras atravessassem os séculos e viessem, por tradição, por estudos, até os ouvidos daqueles que há dois mil anos gritavam: Crucifica-o, crucifica-o, colocando Ihes nas mãos o livro da Vida, assentando-os à mesa do teu banquete e dizendo-lhes: - Aqui estais bebendo o meu sangue, comendo da minha carne - porque os queres ver redimidos e que, como eu e os meus companheiros, recuperem pelo seu esforço o tesouro perdido.  
            Do alto do trono da tua misericórdia, com n teu saber imenso, vigias este rebanho pequenino e, como pastor cauteloso, consentiste que o teu servo lhe viesse trazer a palavra de amor, tu que consolas, que enriqueces a todos aqueles que sabem acolher-se ao teu seio. Obrigado, Jesus, obrigado, bom e divino Mestre, por mim e por eles.
            E vós, pequeninos discípulos da era nova, vós a quem tanto foi dado numa época em que só há choro e ranger de dentes, apegai-vos à tábua de salvação que vos é oferecida e, haja o que houver, dai testemunho da sabedoria de Deus em toda a sua glória.
            Paz, amor e caridade fiquem em vossas almas e, nos momentos mais aflitivas, lembrai-vos sempre do humilde Pedro e Pedro acudirá ao vosso chamado.
            Adeus. Paz.”

segunda-feira, 29 de junho de 2020

A Oração


A Oração
J. Severiano de Souza
Reformador (FEB) Julho 1919

            “Orai para que não entreis em tentação” (Lucas, XXII, 40) foram palavras de advertência lançadas por Jesus, no jardim de Getsêmani, aos seu discípulos.
            Se bem meditarmos, se bem auscultarmos a profundeza do nosso eu; se bem refletirmos, no íntimo da nossa consciência ouviremos ainda o eco profundo e mavioso da palavra de Jesus repetindo-nos a todo momento: “orai, para que não entreis em tentação”.
            De fato, a oração indubitavelmente, quando ditas com ardor sincero, com devoção perfeita, o lampejo sutil e reconfortante do espírito.
            Espanca d'alma qualquer resquício, de ódio, qualquer indício de tibieza. Quem ora, trabalha pela luz, trabalha pelo espírito, pela paz, pelo amor, pela remissão, pela caridade!
            Quando afastarmo-nos do labor quotidiano; quando as afanosas tribulações da vida divina quietarem-se com o distender do manto noturno, que formos ao leito em busca do sono para nos libertarmos por alguns instantes, abramos o espírito em confissão íntima ao Deus Eterno, descortinemos nossa consciência, façamos uma recapitulação dos atos praticados desde o albor até o declinar do dia, e, depois desta análise perfeita, desse julgamento dos atos praticados, abramos o espírito e em pensamento descortinemos a vastidão infinita do espaço, libreme-nos (equilibremo-nos) em espírito a esses páramos longínquos, além do ruído tristonho e lúgubre do mundo e oremos, oremos contritos, oremos ardentemente; invoquemos o Pai Celestial, peçamos seu auxílio bondoso, solicitemos a sua misericórdia que, a voz da nossa consciência no silêncio do nosso espírito, no recolhimento de nossa alma voará e ecoará além como gritos piedosos de quem pede socorro, de quem requer auxílio, de quem se debate em lutas desabridas e carece de amparo e proteção.
            Devemos orar como o Mestre nos ensinou no sermão da morte! Não usemos genuflexões hipócritas, não façamos dos lábios autômatos, do coração um cego.
            Orai para não cairdes em tentação”, disse-o Jesus. Devemos, pois, orar!
            A tentação do vício e do mal penetra na alma ociosa e despreocupada e todos nós, desde o mais elevado ao mais pequeno da esfera espiritual, temos responsabilidades enormes e não devemos, em nenhum momento, devotarmo-nos ao vício.
            Devemos orar, pois a oração é esse canto solene na sua simplicidade e magno nos seus efeitos, que nasce das profundezas d’alma assomando aos lábios num sussurro de respeito e súplicas edificantes.
            É esse canto profundo da alma, que no seu silêncio conduz as angústias da criatura ao Criador, e encerra nas suas emoções as alegrias dos salmos e as harmonias da música.
            É esse foco profundamente perene que irradia do nosso pensamento como a luz de um sol fecundo e imenso!
            É esse dedilho que a agonia entoa no suplício da dor, e em litânico (súplice) sussurro evola-se acima de nossas cabeças em busca de um asilo seguro de onde dimanarão os benefícios de sua primorosa essência.
            Orar é cantar em silêncio hinos de arrependimento, submissão da Natureza fecunda na sua seleta e magna manifestação!
            Orar é perfumar o espírito com os aromas da paz; é iluminar a alma com a luz do amor; é banhar o coração com os beijos da caridade; é distinguir-se, elevar-se, progredir!
            Orar é beber a verdade cristã contida no Evangelho de Jesus; é perfumar-se nos odores de seus ensinamentos; é refletir nos acordes sonoros do sermão da montanha, aquele sermão memorável que há vinte séculos foi pronunciado pelo Cristo sobre o monte e, ecoando nos âmbitos do mundo, vem trazendo a ideia de paz e liberdade, de amor e tolerância, de esperança, de redenção à humanidade inteira.
            Quem poderá repudiar a oração?
            Quem menoscabará (desprezará) esse assomo (sinal) intuitivo e profícuo do espírito quando busca o Criador por intermédio da prece?
            Só o coração empedernido, afogado nas gulas da concupiscência (sensualidade); só o coração dilacerado pelas explosões da descrença; só o coração perdido no abismo da indecisão que, como ser anulado se perde no caminho da vida, é que pode num assomo louco repudiar as blandiciosas (ternas) sobras da oração! 
            Mas ao coração grito ao seu Criador, ao coração respeitador e venerador de Deus, a oração é sempre harpejante (em som de harpa), profícua, necessária, mesmo essencial.
            Não devemos esquecer que o Espiritismo, na sua evangelização cristã, como guia seguro do homem, nos ensina a orar como Jesus ensinou no sermão do monte.
            Assim pois, não devemos olvidar jamais as palavras do Cristo quando disse no jardim de Getsêmani aos seus discípulos: “orai para que não entreis em tentação.”


A proibição de Moisés

A Proibição de Moisés
por Amaral Ornellas
Reformador (FEB) Julho 1919

            Sob a autoridade do grande legislador do povo hebreu, os inimigos do espiritismo florescente condenam-a na prática e os seus mais santos misteres, relembrando palavras que se acham consignadas nas composições bíblicas.
            Ilustremos com essas próprias palavras o nosso despretensioso artigo.
            Diz o cap. XVIII do “Deuteronômio” versículos 10 e 11: 

     “Nem se ache entre vós quem consulte adivinhos ou observe sonhos e agouros, nem quem seja feiticeiro ou encantador, nem quem indague dos mortos a verdade.”

            Condenava Moisés a consulta aos adivinhos, a interpretação dos sonhos, os sortilégios e encantamentos e as perguntas feitas aos mortos para indagação da verdade.
            O espiritismo, não a baixa magia negra que muitas vezes se oculta sob as suas asas benéficas, outra coisa não faz do que repetir aos inexperientes os mesmos conselhos do legislador hebreu.
            Combate o espiritismo toda sorte de superstições e jamais aconselhou que, pela curiosidade, fossem os seus adeptos movidos a interrogar aqueles que impropriamente denominamos mortos.
            Os espíritas nada perguntam. Os seus irmãos de além-túmulo vêm sob o protetorado de Jesus e dizem, clara ou veladamente, o que lhes é permitido.
            Moisés, porém, não proibia nem podia proibir as comunicações com o invisível, pois o seu espirito brilhante não se achava ainda corrompido pelo maquiavélico conceito jesuítico que só muito mais tarde veio a humanidade conhecer: “Faze o que eu digo e não o que eu faço.”
            Moisés confabulava com os espíritos do Senhor e não fazia mistério desse comércio intelectual que mantinha com o Além. Não podia, portanto, condenar o que ele próprio praticava.
            Ele não disse: ninguém converse com aqueles que já se foram, e sim: ninguém indague dos mortos a verdade.
            A proibição de Moisés é repetida por todos os espíritas: Não procureis saber dos desencarnados aquilo que devereis adquirir pelo vosso próprio esforço. Não perturbeis o silêncio dos vossos amigos do Espaço com indagações frívolas e perguntas pueris.
            Mais estremado da doutrina de Moisés do que os pregadores de hoje, deveriam mostrar-se Saul e outras personagens bíblicas.
            Elias, no entanto, como médiuns que eram, mantinham com o Espaço relações muito estreitas. Colhendo dessas relações salutares princípios de moral, governavam os povos sob a inspiração que lhes vinha da pátria. Elas bem compreendiam o alcance das palavras de Moisés.
            Os antagonistas da nova Revelação não procuram refletir sobre os motivos que determinaram aquelas palavras e, decalcando a Bíblia nos versículos transcritos, combatem as manifestações espíritas sem o apoio do bom senso.
            Acham eles que os fenômenos mediúnicos se dão por artimanhas do Demônio, símbolo algumas vezes empregado pelo Cristo e que a ignorância elevou à categoria de um deus maligno.  
            O missionário que conduzia o povo de Israel, acreditava na comunicação com os mortos; não as atribuía a Satanás, afirma com bastante clareza o texto citado, que vem demonstrar à evidência que a casta sacerdotal hoje se encontra em pleno desacordo com Moisés.
            Se pensasse como ele não veria nas sessões espiritistas manobra do inferno.
            Não professando as suas ideias, por que é, então, o seu nome lembrado como uma grande autoridade no assunto? Para estabelecer a confusão que baralha e ensombra o mundo das ideias que se vão espiritualizando.
            Mas os sectários da doutrina do Amor que vem evangelizando os povos, terão o cuidado de dizer bem alto para que todos escutem; Nós ainda respeitamos, com fervor religioso, esse útil conselho dado à humanidade pelo profeta do Sinai. Mas, quando o desrespeitássemos, não poderia ser o espiritismo derrocado, porque Moisés legislou para a sua época e nunca para os tempos modernos. Muitas das suas ordenações já não se cumprem, pois o progresso, na sua marcha de luz, vem demolindo a obra perecível do homem para desvendar-lhe os segredos da harmonia divina.
            Depois de Moisés novos instrutores surgiram e após eles o Profeta dos profetas: - Jesus.
            Cumprindo as leis morais exemplificadas pelo Augusto Filho de Maria, teremos dado insofismável cumprimento a todos os preceitos perdidos na noite tenebrosa dos tempos.
            Os espíritas ainda prestam franco apoio à proibição de Moisés, quanto às perguntas feitas nos mortos, E assim é. Seguem-no quando os seus decretos ainda condizem com as máximas de Amor preconizadas pelo Cristo; desprezam-no quando ele, arvorado em condutor de um povo de cerviz dura, ditava leis ainda mais duras do que a sua cerviz.
            Mas os que combatem o espiritismo em nome da Igreja de Roma, não seguem Jesus nem Moisés. Não seguem Jesus por que da tolerância fizeram o dogma; do amor, um artifício; da caridade, um balcão.
            Estando cm pleno desacordo com Moisés, como patenteamos acima, também desrespeitam as suas leis, como provaremos transcrevendo apenas dois versículos do “Deuteronômio”, na impossibilidade de encher estas colunas com inúmeros outros.

            Cap. VII, versículo 26:
            “Nem em tua casa meterás coisa alguma que seja de ídolo, para não vires a ser anátema como ele o é também.”

            Moisés mandava escrever essas palavras no limiar e nas portas de todas as casas, para que elas se gravassem em todos os corações.
            Eles não as inscrevem no íntimo da alma, pois mercadejam com breves, amuletos e escapulários e levantam estátuas para serem idolatradas.
            Infringem, assim, uma das leis que os espíritas respeitam integralmente.  
            Ouçamos agora o versículo 8 do capítulo XIV:  

            “O porco também será para vós imundo: não comereis da carne desse animal.

            Os espíritas que refletem sobre as causas dessa prescrição inteligente, que tem bem vivos na memória os ensinamentos de Jesus quando ele dizia que não era o alimento que tornava o homem impuro, não ligam o mínimo apreço à essa censura que já produziu os seus frutos, porque eles só acompanham os preceitos bíblicos no que concerne com o adiantamento moral da humanidade de agora.
            Os seus contraditores, porém, que tão zelosos se mostram pelos dispositivos contidos no Velho Testamento, não dispensam nos lautos banquetes com que humilham os famintos, o tradicional leitãozinho de fomo, encolhido e amortalhado com rodelinhas de limão verde.
            Nova e indesculpável infração para aqueles que se arraigam à letra, menosprezando os símbolos. 
            E nada mais precisamos acrescentar para que fique demonstrada esta verdade que nos entristece: De Moisés e do seu código eles só se recordam para apavorar os incautos; de Jesus, desgraçadamente, eles não se lembram nunca.
            Os espíritas amam a Jesus, sem negar a Moisés o papel proeminente que lhe coube no cenário do mundo.
            Veneram o rutilo espírito que conduzia através do deserto o povo de Israel, mas o seu grande Mestre é Jesus, o Eleito dos eleitos, o médium de Deus.

domingo, 28 de junho de 2020

Não sejais dogmáticos


“Não sejais dogmáticos”
por Alves de Farias Filho
Reformador (FEB) Maio 1950

            “Apóstolos da Nova Revelação, espíritas, espiritualistas... não sejais dogmáticos, pois que, se o fordes, vos tornareis sectaristas; falireis na tarefa que vos está confiada, falseando a missão que o Espírito de Verdade vem desempenhar no vosso mundo." Roustaing – “ Os 4 Evangelhos” – Tomo 4  

            Não obstante a crítica severa de muitos, vejo na obra do Sr. Roustaíng um constante elogio à lógica, a razão, a consciência; considero-a como desenvolvimento necessário à obra do Sr. Allan Kardec.
            Outros desenvolvimentos surgirão, estou certo, pois é necessário que o homem se compreenda do tamanho espiritual que lhe é concedido e creia que apenas são revelados os conhecimentos que ele possa sentir e assimilar.
            Qualquer raciocínio, sem base nesta verdade, será uma prova de ignorância em face das leis gerais e uma demonstração de orgulho incabível no Ser criado.

*

            “Não sejais dogmáticos ...” - dizem os comentadores do lado real da vida - e, sem esforço, verá o homem que o dogma é a paralisação do pensamento e da energia moral.
            Sendo dogmático, o homem se restringe ao círculo que traçou em torno do seu ser e anula o direito de usar do próprio raciocínio e de agir de acordo com a razão.
            E não é possível admitir, no ser consciente, esse limite de pensamento. O direito de pensar é ilimitado e é por ele que os mundos se elevam e os espaços vibram.
            Sendo dogmático, o homem sente-se capaz de negar firmemente o que se coloca fora do seu dogma.
            Mas, porque recusar um fenômeno simplesmente pelo fato de o não compreendermos?
            Porque pretender limitar a seus conhecimentos, os conhecimentos gerais?
            Mesmo que se não admita um Deus, porque duvidar de um fenômeno qualquer pelo simples fato de não ser ele audível ou visível pelo homem?
            Não conhece a Ciência, hoje, os limites da audição e da visão e, consequentemente, o prolongamento dos fenômenos aos infinitos positivo e negativo?
            Não reconhece o homem superior que, por mais que se desenvolva intelectualmente, ficará sempre de olhos abertos e parados em face do desconhecido que o envolve em todos os sentidos?
            Onde, pois, o direito de negar um fenômeno porque está fora dos conhecimentos humanos?
            Onde o valor de se firmar em dogmas que poderão ser dissolvidos ao menor sopro científico?
            É preciso que o homem se convença de que os seus conhecimentos são uma parcela ínfima da ciência universal e se resumem à parte estritamente necessária ao grau de elevação do planeta.
            “Não sejais dogmáticos...”
            Compreendei que tudo no Infinito evolve e que o dogma é a negação desse princípio.
            Além disso, o dogma torna sectarista o homem. Insensivelmente o sectarista materializa os seus conhecimentos espirituais e se transforma no defensor cego de uma seita.
            São deturpados os princípios das leis divinas, para que evoluam os processos materiais e, aos poucos, da espiritualidade necessária ao homem, apenas restará uma convicção mórbida do seu valor próprio e do seu dever para com o semelhante.
            Assim tem sido e assim ainda será por muito tempo, porque o homem, desprezando o espírito, procura na letra a própria finalidade.

            Espíritas, espiritualistas, não procureis falir na tarefa que vos foi confiada”, tornando-vos sectaristas justamente perante a Doutrina que vê, no livre arbítrio concedido aos homens, o reflexo puro da justiça de Deus.

            Não sejais, pois, dogmáticos...
            O dogma é, espiritualmente falando, a estagnação, o marasmo; e lembrai-vos de que a morte só existe, realmente, para o Espírito que estaciona, negando, assim, a lei maravilhosa do progresso geral e continuo.

sábado, 27 de junho de 2020

O dogma do Deus trino


O Dogma 
do Deus Trino
Fernando Coelho
Reformador (FEB) Junho 1920

            “O alto valor ético do puro cristianismo original, a influência nobre que essa religião de amor exerceu na civilização, são coisas independentes desses dogmas mitológicos” disse Haeckel.  
            A instituição esdrúxula e original do Deus Trino, por exemplo.
            “Deus, só e único Principio Universal, só e única potência criadora, na imensidade, no infinito, é imutável e eterno.” (1)

(1) Os Quatro Evangelhos, de Roustaing.

            Não o quer assim, porém, o católico, plagiando o bramanismo na sua interessante concepção do Deus tríplice (Brahma, Vishna e Shiva) e o dos antigos Hebreus (Ann, Bel e Ao).
            Deus, já o definimos.
            A segunda pessoa da trindade santa dos católicos “esse profeta nobre e iluminado, cheio de amor dos homens”, como o chamou Haeckel, o materialista, o Cristo, não é mais do que “um espírito criado que, saído como todos os espíritos, do mesmo ponto de partida, da mesma origem, se tornou espírito puro, alcançou a perfeição, sem jamais ter falido, espírito de pureza imaculada, cuja perfeição se perde na noite da eternidade. É o protetor e governador do planeta terreno, a cuja formação presidiu, encarregado por Deus de o levar ao seu grau fluídico e à perfeição a sua humanidade. (2)
            A terceira pessoa, o Espírito Santo, não era e não é um espírito especial, é um nome figurado que representa a solidariedade dos espíritos puros, dos espíritos superiores, do espíritos bons.”
            A igreja católica, resvalando de absurdo em absurdo, chegou, por intermédio de um falso método interpretativo do Evangelho, - cujo simbolismo não quis e não quer compreender, à criação desse dogma fantástico, que é o da triplicidade da pessoa do Supremo Árbitro dos mundos, acarretando outro, não menos errôneo, que é o da divindade de Jesus.
            Soou, felizmente, a hora bendita da verdade.

                (2) Roustaing, idem.

            A palavra dos Evangelistas já se fez ouvir, elucidando o texto dos seus escritos, completamente deturpados, no seu exato sentido, pelas conveniências materiais dos falsos discípulos do Cristo.
            “Em verdade, em verdade vos digo que esta geração não passará sem que todas essas coisas se cumpram”, (Mateus, 24, vs. 33 e 34), disse o Cristo aos apóstolos que lhe perguntaram ansiosos de verdade: “Senhor, dize-nos quando sucederá isso e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo.”  
            Ao Espiritismo, pois, pouco importam as investidas impiedosas do clericalismo romano. Há de triunfar, porque o Mestre o exclamou: “Quando vier o espírito da verdade, ensinar-vos a toda a verdade; porque, não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras.”
            Cristo pregou a reencarnação, quando disse a Nicodemos: “Ninguém pode entrar no reino de Dons, se não nascer de novo. Se o homem, não renascer pela água e pelo espírito, não poderá entrar no reino do Deus.”
            Roma, todavia, não quer compreender essas verdades.
            Já os Hebreus diziam, ao referirem-se ao Cristo: É Elias, é João que ressuscitou dentre os mortos, é Elias que voltou, é um dos antigos profetas que ressuscitou.”
            Essa crença na volta do espírito ao ergástulo da miséria terrena não prova alguma coisa à cegueira voluntária e impertinente do jesuitismo?
            Roma, que divinizou o Cristo, inventou o Diabo. Apesar de Jesus ter dito claramente: “Ide ter com os meus irmãos e dizei-lhes da minha parte: subo a meu Pai e vosso Pai, o meu Deus e vosso Deus”, ao invés de dizer somente - vosso Pai e vosso Deus, a Igreja teima em faze-lo divino. E como que para contrabalançar esse dogma, nascido da fantasia dos seus padres, criou o inferno e Satanás, que é um nome figurado, representando a totalidade dos espíritos maus que se encarniçam na perda do homem.
            Como conceber justiça e bondade num Deus que castiga os seus filhos com o fogo eterno da sua cólera e do seu rancor?

sexta-feira, 26 de junho de 2020

O Batismo


O Batismo
Redação 
Reformador (FEB) 16 Janeiro 1919

            “- Em verdade em verdade te digo: se um homem não renascer pela água e pelo espírito, não pode entrar no reino de Deus. João, Cap. 11, v.5.

            Foram estas as palavras do Divino Mestre a Nicodemos, que serviram e ainda servem de fulcro à cerimônia que a Igreja Católica instituiu como sacramento imprescritível.
            Nisto, aliás como em tudo que forma o seu cânon, para não falir à a regra de todos os tempos, os teólogos sectários sacrificaram à letra que mata o espírito que vivifica.
            E da exegese apaixonada e tendenciosa surdio (surda?), então, como flor de estação fria, e nebulosa, em sentido inverso, inexpressivo e túrbido (sombrio) o conceito da salvação da alma numa graça toda eventual, subordinada a fórmulas de certo valiosas ao tempo de sua instituição, pelo simbolismo que representavam, mas que hoje perderam, inteiramente, a sua razão de ser.
            Entretanto, da mais rigorosa ortodoxia eclesiástica é a afirmativa de que Deus cria a alma para o corpo que ela deve habitar em uma existência única.
            Não se compreende assim, como da Onisciência Divina possa originar-se um ser inquinado de mácula e, ao demais, desigual ao infinito nos seus predicados essenciais de reabilitação.
            Pecado original?         
            Mas, para admiti-lo como pontifica a Igreja, fora de mister renunciar em bloco àquelas palavras outras do mesmo Cristo no versículo seguinte ao supracitado, que
dizem:

            “o que é nascido da carne é carne e o que é nascido do espírito é espírito.”  

            Logo, portanto, a quem estuda os Evangelhos sem o prejuízo dogmático que tudo relega ao cômodo e absurdo magister dixit, (o mestre o disse) é lícito concluir que não responde o corpo por faltas do espírito, se faltas se pudessem atribuir a este, hereditariamente, quando ex-abrupto (sem preparação) criado à revelia de toda a vontade e consciência próprias.
            Que, dentro das leis biológicas, a hereditariedade seja um fato e o fato comprovado pela ciência, admite-se; mas, que ao espírito inédito, abrolhado à vida por um mistério insondável da Onipotência Divina se irroguem faltas a priori, é coisa que mal se concebe, ou antes que só se pode conceber pela frivolidade de consciências acomodatícias e negligentes no encararem estes problemas transcendentais.  
            A cada época o seu ensino, em linguagem equivalente à sua cultura moral e cientifica, eis o que nos dizem agora os portadores da Boa Nova.
            O Precursor batizava em água, preparando a geração do seu tempo para a compreensão do batismo do espírito em nossos dias.
            E se assim o fazia, acrescentam, é porque nesse tempo, conformemente com as interpretações científica e, para os Hebreus consoante as tradições da Gênese (1), a água era considerada como princípio gerador dos reinos orgânico e inorgânico.
            De notar é também que, ainda hoje, celebres naturalistas como Haekel e outros consideram a monera, (na filosofia de Haeckel, organismo rudimentar que representa a fase de transição entre o reino vegetal e o animal) princípio vital, como germinativo inerente dos meios líquidos.

            Seria o caso do nihil sub sole novum. (nada de novo sob o sol)

            De qualquer forma, porém, a verdade é que o Batista não levava simbolicamente ao Jordão imbeles (temerosas) criancinhas incapazes de compreender o símbolo.
            Aqueles que aceitavam a sua doutrina - a dos essênios - e pela penitência se propiciavam ao batismo do Espírito, isto é, a receberem O Cristo, ele os batizava entornando lhes água sobre a cabeça para que renascessem por ela e pelo espírito e não do Espírito Santo, como afirma a Igreja alterando o texto original das palavras de Jesus.

                (1) Gênese – C.I 2-6-7-9-10-11-20 e Caps. 11-1-4-5-6-7.

          Mas, admitindo-se que o batismo tal como o praticam as seitas neo cristãs, inclusive o catolicismo aberrante tenha a virtude de expungir o estigma do pecado original inconcebível dentro da lógica e do bom senso, ainda assim, pergunta-se: será cristão aquele que, lavado e ungido no batistério, cria-se na impiedade e degenera em fanático por amor a fórmulas vãs, quando as não renega de todo para ser o homem moderno, armado para todo os triunfos e conquistas de um mundo que O Cristo dizia lhe não pertencer?
            Ninguém de boa-fé o dirá, mas a verdade é que todo o mundo continua a considerar pagão e renegado aquele que se não submete a fórmulas arcaicas e balofas de uma liturgia inexpressiva, embora praticando obras de piedade e tolerância.
            E o que mais contrista é ver que espíritas, confrades nossos, ainda vacilam na conduta que se lhes impõe em relação a respectiva prole.
            Isto significa simplesmente a força da tradição e do preconceito secularmente zelados pelo clero suspicaz (que causa suspeita) e cioso de prerrogativas que se criou de épocas em que elas poderiam justificar-se mas que hoje perderam a sua razão de ser e hão de fatalmente anular-se pela nova ordem de coisas que o Espírito Santo (os espíritos elevados) vêm inaugurar, explicando racionalmente o simbolismo evangélico.
            Chegada é a época ele serem ditas aquelas coisas que o Divino Mestre calou, por não estarem os seus coevos (os de sua época) em estado de as compreender e para elucidação das quais enviaria o Consolador. (1)
                 (1) João Cap, XVI v.12
           
            Vejamos portanto, o que nos dizem os Evangelistas:

            “Assim, renascer pela água quer dizer renascer-se em novo corpo, e renascer pelo espinho o habitá-lo.”
             (2) Roustaing – 3º volume pag. 335               

            Era justamente da pluralidade das existências corporais que Jesus falava veladamente a Nicodemos, e isso que era como é, um fato hoje unanimemente proclamado pelos espíritos, tornou-se uma heresia para os que se atribuíram a investidura única de únicos depositários e intérpretes da ciência divina.

            “Tempora mutantur!” (os tempos estão mudando)

            Hoje ninguém concebe privilégios tais de casta e aptidões graciosas; hoje todo o mundo admite que o homem só pode ser responsável por atos praticados livre e conscientemente, mas prossegue-se na subordinação cega a hábitos e costumes de longada praticados, na mesma inconsciência de há vinte séculos, quando não no temor desse mesmo ódio sectário, que planeou a jornada grandiosa do Calvário.
            Espíritas, compenetremo-nos nós outros de que é preciso haver por oportuna ainda, aquela voz que clamava no deserto o-penite (?).  
            Penitenciar-nos é trabalhar, é estudar, é amar, é praticar os ensinos de Jesus.
            É na exemplificação das virtudes domésticas que importa batizar os nossos filhos preparando-os em tarefa de lapidário paciente para o renascimento do espírito, ou seja para a graduação moral do planeta em melhoradas e sucessivas encarnações.
              Lavar um vaso exteriormente não é modificar lhe a essência.
            As cerimônias de caráter material podem, à rigor, valer relativamente, pela significação moral que lhe emprestamos, mas não modificam substancialmente o espírito, e a prova é que depois de vinte séculos de afusões (banhos), unções e aspersões simbólicas, a humanidade se debate em angústias indefiníveis, lembrando aquele fariseu meticuloso e mesureiro (bajulador), requintado no seu formalismo ortodoxo, mas porejando (exudando) orgulho e vanilóquios (falas destituídas de orgulho).
            Batizemos os nossos filhos em nome do Padre, sim, incutindo-lhes o amor de Deus sobre todas as coisas - em nome do Filho, ainda, lançando -lhe na alma, da mais tenra idade o gérmen do amor do próximo, qual viva expressão de toda a Lei e os Profetas e em nome do Espírito Santo também, preparando-os para receber os espíritos de luz que ora se abatem sobre a Terra em revoadas de graças, para levantar a criatura do volutabro (imundície) das próprias paixões, do pecado original do seu orgulho para a compreensão em espírito e verdade das coisas santas, do Verbo de Deus.
            Tudo que não seja isso será iludir-nos à nós mesmos, com a agravante do acréscimo de responsabilidades decorrentes daquela palavra que diz: muito se pedirá a quem muito se houver dado, e ao que pouco tiver tudo se tirará.
            Aquele espirito austero e cristianíssimo que se chamou entre os homens Bittencourt Sampaio, em uma de suas obras mediunicamente lançadas no Grupo Ismael (4) verberando a indecisão e transigência em matéria, de Fé, reproduz a apostrofe dirigida à igreja de Laodicéia; sei as tuas obras: nâo és nem frio nem quente - és morno.
            Não sejamos mornos também.

            (4) “Do Calvário ao Apocalipse” pag. 230.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Para confronto...





Para confronto
Redação
Reformador (FEB) Novembro 1917

            Na sua obra notável – “Pluralidade das existências da alma” insere André Pezzani uma carta, que lhe dirigira ilustre representante do clero francês, da qual desprendemos este trecho:

            “Gilles do Retz, no século XV, roubou aos camponeses dos arredores do seu antro cerca de cento e vinte e cinco crianças, que foram por ele cruelmente supliciadas e mortas, em orgias sodômicas para honrar Satã. Espero, vo-lo declaro, jamais me ter de encontrar com Gilles de Retz ...
            Não foi difícil a Pezanni responder ao missivista eclesiástico... Poderiam ambos encontrar o espírito do antigo criminoso transformado em herói, depois de sucessivas vidas expiatórias.  
            A marquesa de Brinvilliers foi processada, condenada e executada, em Paris, por uma série de crimes monstruosos: parricídio, fratricídio, envenenamento de doentes do Hotel-Dieu, do marido e de outras pessoas... Antes de levada ao patíbulo, foi ouvi-la em confissão o padre Edme Pirot, doutor em teologia, o qual segundo lemos em H. Constant, fez a seguinte declaração relativa à penitente:
            “Durante a última hora de vida, foi admirável em seu arrependimento; a graça a iluminou de tal modo que eu quisera estar colocado em seu lugar.”

            O missivista, que citamos acima, poderá encontrar no paraíso, absolvida pelo seu colega Pirot e gozando da beatitude celeste, a marquesa de Brinvilliers...

quarta-feira, 24 de junho de 2020

O poder temporal do Papa


O poder temporal do Papa
por Fernando Coelho
Reformador (FEB) Outubro 1918
  
            Como não deve doer na consciência dos que estudam, serenamente, desapaixonadamente, como nós, o dogmatismo católico, apenas impulsionados pelo amor da verdade e guiados pela norma do bom senso, o contraste amargo e triste entre a vida humilde do Cristo e o luxo nababesco com que se rodeia, aparatosamente, aquele que se inculca o príncipe da sua igreja na Terra!
            Não se compreende, com efeito, que uma religião paramente espiritual, de origem divina, subscreva com o aplauso do silêncio criminoso dos seus crentes o que se nos afigura, como a qualquer pessoa, tão deprimente quanto ilógico e injustificável: o poder temporal do Papa.
            Será que sua Eminência Reverendíssima não possa, do alto do seu régio trono pontifício, vestido de ouro e púrpura, cercado de baionetas pagas pelos óbolos dos incautos, apostolar as sublimes práticas de Jesus senão com a sólida garantia de um governo e a consequente renda fabulosa do tesouro de um Estado?
            O Vaticano é um monumento que a soberba e orgulho católico ergueram num delírio megalomaníaco de grandeza, à pomposa exterioridade material dos seus ritos.
            A perniciosa influencia desse poder temporal, através das idades, é fruto que os historiadores registram e os sociólogos comentam.
            A intervenção direta do papa em todas as questões meramente políticas que tem convulsionado o mundo, máxime na era negra dos tempos medievais, bem demonstra que Sua Eminência mais se preocupa com as pendengas das chancelarias do que com a salvação das almas do seu descuidado aprisco.
            As lutas entre Roma e os Imperadores da Alemanha, o modo que o papa se imiscuía nas sucessões de tronos e negócios outros dos Estados europeus, a maneira por que fazia valer o seu prestígio na escolha dos governadores e na decisão dos intrincados casos da incipiente diplomacia de outrora, tudo isso vem provar que, aos falsos apóstolos do Cristo, jamais sorriem os enredos dos gabinetes e dos paços reais que o exercício, modesto embora, porém mais glorioso e digno, da missão que se lhe impunha o dever.
            Jesus pregou a bondade, a tolerância, o ensino pela palavra convincente e sincera.
            Mas o arquivo da história católica apenas datas rubras sobressaem.  
            Contemplem o passado.  
            Na França, na matança de S. Bartolomeu, a peregrinação bárbara e impiedosa àqueles que não rezavam pela cartilha de Roma, a luta contra os Huguenotes, o sague, a opressão, a tirania.
            Na Suíça, João Huss queimado vivo sob o apupo da turba, que o apedrejava, com a inconsciência das multidões desvairadas.
            Na Itália, os Gibelinos perseguidos, acossados, expatriados.
            Dante, vítima das suas convicções políticas, sofrendo as agruras e o infortúnio de um exílio forçado.
            Na Áustria e na Alemanha, o mesmo horror.
            Na Espanha, a atmosfera é mais sombria, o quadro mais tr[agico, a impressão mais dolorosa e inquietante.
            É a Inquisição com seu cortejo de crimes abomináveis.  
            Vítimas inocentes, mulheres e crianças indefesas morrendo entre suplícios que a imaginação infernal dos improvisados juízes de batina porfiava em tornar cada vez mais terríveis, num furor bestial de carnificina e sangue.
            O luto nos lares, o pranto, a orfandade, a viuvez, a tristeza.

Do blog: Comentou-me um amigo: Isso é coisa velha... Então, perguntei: O que mudou? Ele calou-se e mudamos de assunto...