E nós? Que fazemos?...
Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Março
1976
Após a entrada em Jerusalém, dita triunfal, o filho
unigênito, segundo a narrativa de Mateus, XXI, v. 18-22, Marcos, XI, vv. 12-14,
e Lucas XIII, vv. 6-9, aproveita um momento, em face de uma figueira, à qual se
dirigira por ter fome, e do fato de não haver na árvore o fruto, retira uma ilação
moral edificante, à frente dos discípulos. Mateus fala em figueira que secou no
mesmo instante; Marcos, em figueira que secara até a raiz, o que foi visto pelos
discípulos, quando, na manhã seguinte às palavras do Rabi, passaram pelo local.
Lucas, por sua vez, prefere falar em figueira estéril, e coloca o evento como
uma parábola que Jesus teria contado, tendo como personagens o Senhor da Vinha e
o Vinhateiro, sendo que este, ao ouvir do Senhor da Vinha que a árvore deveria
ser cortada, porque há três anos não dava frutos, e estaria cansando a terra,
replicara:
“- Senhor, deixa-a ficar por este ano, e, enquanto o
tempo corre, cavarei em sua volta e a adubarei, para ver se, assim, dará fruto;
e, se não acontecer isso, então a cortas.”
A Bíblia de
Jerusalém diz-nos que “o episódio da
figueira que secou é um ato de severidade; Lucas preferiu esta parábola sobre a
paciência.” Aduz, ainda mais, que os três anos, referidos na resposta dada
ao Senhor da Vinha, bem poderiam significar a duração do ministério público de
Jesus, num raciocínio altamente filosófico, conforme as bases do Evangelho
Quarto. Este ponto, para o entendimento do Evangelho, vem a ser de somenos. Mas
a diferença entre Mateus, Marcos e Lucas é bastante interessante, mesmo porque a Boa Nova não se esgota
numa apreciação superficial.
Talvez seja Mateus o mais apto a apresentar
observações percucientes em torno dos fenômenos que ocorreram quando da
passagem do Senhor por sobre a Terra. Marcos,
por outro lado, apresenta as características de historicidade, uma vez que se
preocupa, por vezes, em explicar à posteridade o posicionamento temporal dos
fatos: isso é puramente História. Já Lucas, o bom Lacas, o médico grego que,
junto a Paulo de Tarso, tinha livre trânsito por todo o Império Romano,
observa, em sua narrativa, o caráter de transcendentalismo do artista, optando
por uma parábola. Não obstante, o ensino vem a ser o mesmo.
A figueira secando
no mesmo momento diz mais da maturidade de Mateus,
do senso agudo de observação próprio a alguns homens vividos, que têm olhos de
ver. O episódio como o narra Marcos, comporta
dupla interpretação: a) a figueira secou no mesmo Instante, conforme consta de Mateus. Marcos, porém, que nos deu um Evangelho segundo a narrativa de Simão
Pedro, ou por omissão particularista do pescador de almas ou porque não tenha
ele mesmo (Marcos) presenciado ao
episódio, não registrou o evento no momento mesmo em que se desdobrava; b) a
figueira secou nas horas que se seguiram, de forma que só foi o fenômeno notado
na manhã seguinte, quando os discípulos retomaram ao local, com o que deveremos
interpretar a atitude de Mateus não como precisão,
mas como hipérbole.
Apenas como curiosidade em torno dos ensinamentos da Boa
Nova do Reino, que permanecem inalterados, convém mencionar que os estudiosos
cristãos atribuem a Mateus todos os pontos “a mais” que aqui recordamos. Fica
registrado o fato.
O que se segue, tanto nas dissertações de Mateus, XXI, vv. 23-32, Marcos, XI. vv. 27-33, quanto nos
escritos do médico que Paulo fora buscar em Filipos, no ano de 56, é a resposta
do Senhor aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos anciãos do povo.
Todos eles, fazendo
pouco caso das coisas do céu, procurando tolamente julgá-las segundo os padrões
que a efígie de César personificava como da Terra,
na lição da moeda, teimavam em tentar aprisionar o Mestre em algum contra senso,
como se fosse possível pilhá-lo em incoerências ou contradições. (1)
(1) Mateus fala em “tendo vindo ao templo e
estando a ensinar” (...), ao passo que Marcos
diz: “Voltaram novamente a Jerusalém.” Lucas acompanha a descrição de Mateus, proclamando: “Sucedeu que certo
dia estando Jesus no templo a ensinar e a anunciar o Evangelho ao povo.” Só Marcos,
portanto, nos fala numa volta à Jerusalém.
A voz do
obscurantismo pergunta, insidiosa:
- “Com que autoridade fazes estas coisas e quem te deu
este poder”?
Esperavam os príncipes e os curiosos de todas as
procedências que Jesus, talvez, declarasse publicamente, sem aproveitar palavra
alguma, de algum Interlocutor (como o faria
perante Pilatos, aprontando-se para o Gólgota: “Tu o dizes. Eu o sou.”),
que tudo aquilo ele o fazia com a autoridade que Deus lhe dava. Esperavam mais:
talvez, que se declarasse rei, colocando-se frontalmente contrário aos poderes
humanos e farisaicos, os quais, aliás, já tanto combatera, nos exemplos da boa
luta. Não é o que Ele faz, porque tudo dever-se-ia cumprir segundo as
Escrituras, até a sede que manifestaria, já erguido na cruz.
Percebendo lhes a intenção viperina, assim se pronunciou:
- “Também eu vos farei
uma pergunta e, se me responderdes, dir-vos-ei com que autoridade faço estas coisas.
Donde era o batismo de João do céu ou dos homens?
Embora o Evangelho diga que “eles, porém, discorriam
assim entre si (...)”, o teor da contra pergunta do Senhor deve ter caído sobre
o ambiente como água na fervura.
Raciocinavam os interesseiros:
“Se respondermos
que era do céu, ele nos dirá: Por que então não lhe deste crédito? Se respondermos
que era dos homens, temos que temer o povo, pois que João era tido por todos
como profeta.”
Assim, vendo a descoberto ante o Messias a podridão que
constantemente acalentavam, só puderam dizer, ainda se crendo muito hábeis:
“- Não sabemos.”
O Cristo, então,
afirma que pouco lhes diria com que autoridade faria aquelas coisas. Mas isso
Ele o disse não porque, num paralelismo estranho, quisesse significar que,
assim como eles não sabiam de onde era o batismo de João, tampouco Ele saberia
donde lhe chegava a autoridade que detinha. Mas o disse significando que aqueles
homens, autoridades na Terra, não poderiam entender os altíssimos mistérios de
Deus, uma vez que o batismo do precursor, que fora Elias (nem isso haviam eles
visto...), passara à vista de todos, e ninguém o havia compreendido. Se não
compreendiam o batismo da água, como pretender penetrar a autoridade daquele
que batizava em fogo, no Espírito Santo? A contra pergunta de Jesus, irrespondida,
era, em todo o seu fragor, a medida da ignorância dos homens.
Aqueles corações não tinham ainda sido penetrados pelo
Mestre. Quando, anteriormente, entrara em Jerusalém, fora saudado com gritos de
júbilo. Lucas registra que alguns fariseus disseram ao Cristo:
“- Mestre, faze que teus discípulos se calem”... ao
que Ele respondeu:
“- Eu
vos declaro que, se estes se calassem, clamariam as próprias pedras.”
Assim devia ser. Não era o homem manietado pelas
imposições grotescas de uma sociedade doente que dava vazão a motivações de
histeria... Não! Naquele momento, alguns aclamavam o Rei, o Senhor que Jeová enviara para salvar Israel; outros
disfarçavam-se na observação mórbida, à cata de vingança; e outros, finalmente,
os discípulos aclamavam o Mestre, num misto de perspectiva mundana e
compreensão das coisas de Deus. A Natureza, todavia, ela clamava mais alto! A
beleza das cores do céu da Palestina envolvia as pedras no lusco-fusco do
etéreo, e, se todos se calassem, ouviríamos o clamar das próprias pedras!
Em que posição nos
colocamos? Clamamos como homem velho ou como homem novo? Se esperarmos Jeová,
nossa decepção será das mais cruentas. Se procurarmos vinganças mesquinhas, chegaremos
a perceber que, no que toca a Jesus, até nossas explosões de demência se acham
sob a dependência das Escrituras: assim como as intenções malignas daqueles
homens só tomaram corpo porque as previra a voz dos Profetas do Antigo
Testamento, pelos quais falara o próprio Senhor!
E se nosso coração não vibrar?.. Terá Jesus entrado na
Jerusalém de nosso Espírito? Que isso se faça, Senhor... é o a que ardentemente
almejamos! Rompe as trancas de nossos portões com a força do teu Ser!
Inflama-nos, Senhor, num Pentecoste moderno, onde tenhamos a ventura de falar a
língua dos céus, sob as línguas de fogo que são as virtudes de Deus!
*
Modernamente, no
torvelinho de nosso século, um verdadeiro apóstolo transitou entre nós. Dono de
inimaginável cultura, retirou-a para as agruras do Gabão, num domingo de páscoa
e, pelo Golfo da Guiné, onde o Rio Ogowe faz-se ao mar, bem poderá simbolizar;
o Senhor entrando, pelas mãos de seus servidores, na selva onde alucinadamente “lutamos
pela vida”. Albert Schweitzer muitas
vezes chorou: que bom se pudéssemos fazer o mesmo! Não chorou de raiva, não
chorou porque tivesse caprichos contestados... Chorou porque não via Jesus no
coração o homens! Deixou-nos um Evangelho de amor, exemplificando, no século
XX, o Evangelho do Cristo, em sua perenidade imbatível. Quando sua obra, em que
se sentia a presença de Jesus, já ia longe, preocupou-se em reverenciar a vida...
Como faria? .. Já estava tudo feito: o trabalho do Lambaréné era a Reverência
pela Vida. Disse ele:
“- A reverência
pela vida não me permite considerar minha felicidade como propriedade pessoal. Em
momentos em que gostaria de alegrar-me sem preocupações, ela desperta em mim a lembrança de misérias vistas
ou sabidas, e não permitirá que eu expulse esses intrusos. Assim como a onda
não existe por si mesma, mas é sempre parte da superfície movediça do mar,
assim também eu não posso viver minha vida por si mesma, mas sempre como parte
da experiência que se desenrola ao meu redor. A reverência pela vida é um credor
inexorável! Mesmo que nada ache num homem para penhorar, senão um pouco de tempo
ou lazer, lança sobre estes uma ordem de penhora.”
Terminou a
existência terrestre a afirmar:
“- Como indivíduo já
deixei de existir e já não conheço felicidade pessoal.”
Isso é Cristo no coração de um homem... E nós?.. Que
fazemos?..
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