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domingo, 2 de janeiro de 2022

Federação Espírita Brasileira

     

        Hoje, 2 de janeiro, a Federação Espírita Brasileira completa 138 anos de sua fundação!

    Em 1884, a FEB passou a funcionar na residência de Augusto Elias da Silva, o seu fundador. Francisco Thiesen, nasceu em Cruz Alta, RS, e desencarnou no Rio, em 1990. Dedicou a vida ao Espiritismo, no Brasil e no mundo, tendo sido Presidente da Federação Espírita Brasileira de 1975 a 1990. Em sua gestão, construiu a sede central da FEB em Brasília, deu início à Campanha Permanente de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita e à Campanha Permanente de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil. Modernizou o parque gráfico e editorial implementando o livro espírita como a principal ferramenta de difusão doutrinária, das obras da Codificação aos mais diversos títulos dos grandes autores desencarnados. Sem contar a biografia de Kardec em 3 volumes, junto com o saudoso Zêus Wantuil.
    A visão de Humberto de Campos, espírito, sobre a 'Casa de Ismael', está no penúltimo capítulo do livro "Brasil, coração do mundo...", editado em 1938 e da lavra mediúnica do querido Francisco Cândido Xavier. Fica a dica...
    Vale lembrar que 100 anos depois, no 2 de janeiro de 1984, o então presidente Thiesen realiza a transferência da sede da FEB para Brasília, permanecendo a da Avenida Passos 30, no Rio de Janeiro, como sede histórica.
    Oremos pela FEB, pelos seus cooperadores encarnados e pelo movimento espírita brasileiro e internacional!
por Sérgio Thiesen


Francisco Thiesen


    



Sérgio Thiesen

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Prefácio do livro "No Oásis de Ismael"



                 Prefácio do livroNo Oásis de Ismael” – Ensinos e Meditações
Francisco Thiesen
1ª Edição FEB - 1989

"Os espíritas podem divergir nas ideias, mas não podem afastar-se da fraternidade, porque, se o fizerem, não são espíritas."
"Não há por onde fugir: ou o Evangelho é assimilado, ou não há Espiritismo."
(Dos Espíritos Bittencourt Sampaio, Pedro Richard e Romualdo de Seixas.)

Se existem razões que dispensam a apresentação de determinadas obras ao leitor, neste volume estariam elas evidenciadas em todo o seu conteúdo.

Na realidade, qualquer apreciação elogiosa do prefaciador sobre a profundidade dos pensamentos contidos nas páginas que se seguem resultaria desnecessária, eis que seu valor e beleza patenteiam-se à simples leitura atenta daqueles que aprenderam a admirar o bom e o belo.

Todavia, não resistimos ao prazer de colocar no limiar do livro, com a epígrafe, uma amostra do que ele contém da primeira à última página.

Resta-nos, assim, a tarefa de explicar as origens e o porquê da organização da obra. Todas as joias do pensamento espírita e cristão para aqui trasladadas procedem de comunicações obtidas por via mediúnica no tradicional "Grupo Ismael", cuja trajetória vale a pena rememorar , mesmo que sucintamente, para melhor conhecimento e apreciação do leitor, especialmente dos que pertencem às novas gerações de espíritas.

O "Grupo de Estudos Evangélicos do Anjo Ismael", conhecido simplesmente como "Grupo Ismael", célula de estudos evangélico-doutrinários e de trabalhos de natureza mediúnica, cuja fundação antecedeu à da Federação Espírita Brasileira, à qual se encontra incorporado desde 1895, na gestão de Bezerra de Menezes, tem suas origens nos mais antigos núcleos de estudos e práticas espíritas no Rio de Janeiro.

Sua história centenária começa, na realidade, com a fundação do pequeno "Grupo Confúcio", de efêmera duração, passando sucessivamente pela Sociedade "Deus, Cristo e Caridade", posteriormente transformada em "Sociedade Acadêmica" do mesmo nome e depois pela "Sociedade Espírita Fraternidade" que, por sua vez, transmudou-se em "Sociedade Psicológica Fraternidade". Finalmente, em 6 de junho de 1880, Antonio Luís Sayão, Bittencourt Sampaio e Frederico Pereira da Silva Júnior, juntamente com outros companheiros, organizaram o "Grupo Ismael", inicialmente denominado "Grupo dos Humildes" ou "Grupo do Sayão"; constituído pelos elementos fiéis ao Espiritismo estreitamente vinculado ao Evangelho de Jesus.

O nome "Ismael" surgiu como homenagem ao Guia Espiritual que preside os destinos da nacionalidade brasileira e orienta o movimento espiritista voltado para o Cristo de Deus.

Em mais de um século de lutas e de testemunhos, realizando reuniões semanais ininterruptas, fácil será imaginar-se o extraordinário acervo da fecunda produção mediúnica desse Grupo.

Muitas das mensagens espirituais nele recebidas foram levadas ao conhecimento público através da revista "Reformador", mas muitas outras se perderam no tempo ou nos arquivos.

Desse Grupo fizeram parte, dentre centenas de obreiros, nomes que o Movimento Espírita guardou, seja por sua dedicação à Grande - Causa, seja por sua lucidez e exemplificação em momentos cruciais do Espiritismo no Brasil: Bittencourt Sampaio, Bezerra de Menezes, Antonio Luis Sayão, Frederico Júnior, Pedro Richard, Leopoldo Cirne, Aristides Spinola, Manuel Quintão, Guillon Ribeiro, Frederico Figner, João Celani Júnior, Antônio Wantuil de Freitas, Arnaldo São Thiago são apenas alguns dos trabalhadores que se tornaram mais conhecidos no meio espírita, desde o último quartel do século passado.

No período compreendido entre junho de 1939 e dezembro de 1942, Guillon Ribeiro, com seu espírito metódico a serviço de uma sensibilidade admirável, preservou para a posteridade grande número de comunicações de Guias, Amigos e Companheiros Espirituais, recebidas pelo médium J. Celani, elucidando questões, analisando fatos, advertindo e aconselhando, enfeixando-as em três volumes publicados pela antiga Livraria da Federação, os quais despertaram grande interesse, achando-se hoje esgotados.

Francisco Thiesen, percebendo o vazio que a falta de reedição daqueles volumes constituía, especialmente para as novas gerações de espíritas que não tiveram acesso às excelentes obras, e, ponderando, por outro lado, que, pelo menos os ensinamentos mais profundos e mais atuais contidos nas belas comunicações reunidas por Guillon Ribeiro deveriam ser levadas ao conhecimento público, resolveu publicar no "Reformador" alguns extratos e excertos dos pensamentos dos diversos orientadores espirituais.

Foi o que fez, a partir de 1979 até 1984, sob o título genérico de "Ensinos e meditações do oásis de Ismael".

O presente volume enfeixa toda a compilação de Francisco Thiesen. É mais um trabalho de mérito devido ao esforço do companheiro que se acha à frente da Diretoria da Casa de Ismael há vários anos.

            Ficaram preservados, neste livro, verdadeiras sínteses do pensamento espírita cristão, orientações lúcidas para a atualidade e para o futuro, que não envelhecem porque têm o cunho da sabedoria e da intemporalidade.

Os beneficiários desta obra são todos os espiritistas sinceros, jovens ou velhos, que vão perceber que as matrizes espirituais do Espiritismo Cristão praticado na "Pátria do Evangelho" têm sua origem no Mundo Espiritual Superior.

Todos quantos labutam e porfiam em melhorar-se, seguindo o caminho indicado pelo Cristo, têm nesta obra copioso manancial de ensinamentos cristãos e preciosos esclarecimentos doutrinários para revigorar-lhes o ânimo. 

Assina: Juvanir B de Souza


Francisco Thyssen

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Reformador (FEB)

Francisco Thiesen



"Em 1883, Augusto Elias da Silva, na sua posição humilde, lançava o Reformador, coadjuvado por alguns companheiros e com o apoio das hostes invisíveis."
(Espírito Humberto de Campos,
"Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho",  9ª ed. FEB)

            Reformador, em sua longa e exuberante existência, virtualmente se confunde com a própria história do Espiritismo e da Casa de Ismael, no Brasil. Paulo de Tarso, (1) definindo a atuação dos cristãos no século I, no âmbito do Cristianismo nascente -- “instituição invisível e universal”-, declarou que o objetivo dela era “dar feição visível à obra divina”. Quanto ao Reformador, podemos afirmar ser ele    porta-voz firme e seguro, perseverante e ativo da Espiritualidade Superior que projeta, do ápice à base da pirâmide da Revelação, nas tarefas sagradas da revivescência do Cristianismo, as luzes da orientação evangélica formadora, no presente, da mentalidade sublimada da Humanidade feliz do futuro.


            Órgão da Casa de Ismael, o Reformador obedece ao comando de Cima, cumprindo sua missão, serena e confiantemente, seguindo a estrada inconfundível traçada do Invisível pelo Anjo que a dirige. Guillon Ribeiro, em 1940, no Relatório publicado em suas páginas de setembro, registrava: “Subordinado sempre, com absoluta fidelidade, à orientação doutrinária da instituição cujo pensamento lhe cabe exprimir, continuou ele a esforçar-se por bem servir, por servir o melhor possível à causa espírita, sem jamais dissociar do Evangelho o Espiritismo, antes timbrando invariavelmente em propagar a Terceira Revelação como simples desdobramento da Revelação Cristã, sem esquecer, todavia, de dispensar a atenção devida à fenomenologia que serviu de base à estruturação da Doutrina dos Espíritos.”

            Sobre publicidade, divulgação, difusão, comunicação, vejamos o que adiantam os Espíritos quando tratam da Imprensa Espírita e do Livro Espírita, pois os programas de uma e de outro são um só. André Luiz (2) assim se exprime: “Para não se desviar das finalidades espíritas, selecionar, com ponderação e bom senso, os meios usados na propaganda, mormente aqueles que se relacionem com atividades comerciais ou mundanas. Torna-se inútil a elevação dos objetivos, sempre que haja rebaixamento moral dos meios.” “Uma palavra inadequada pode macular a bandeira mais nobre.” “Arredar de si qualquer ansiedade, na modificação rápida do ponto de vista dos companheiros. A fé significa um prêmio da experiência.” “A Doutrina Espírita prescinde do proselitismo de ocasião.” “Purificar, quando não se puder abolir, o teor dos anúncios comerciais e das notícias de caráter mundano. A imprensa espírita cristã representa um veículo de disseminação da verdade e do bem.” “Declarar a qualidade doutrinária das programações, sem disfarces sutis ou mesmo poéticos, com lealdade à própria fé. Sem definição declarada, ninguém vive fiel a si mesmo.”Os bons e os maus pensamentos podem nascer de composições do mesmo alfabeto.” “Divulgar, por todos os meios lícitos, os livros que esclareçam os postulados espíritas, prestigiando as obras santificantes que objetivam o ingresso da Humanidade no roteiro da redenção com Jesus. A biblioteca espírita é viveiro de luz.” Imprensa Espírita, na sua significação mais alta e mais profunda, Reformador continua granjeando viva simpatia e legítima confiança do público espiritista que nele identifica a diretriz de Ismael, insofismável na veiculação do pensamento puro do Alto e indene
do empirismo das improvisações apaixonadas dos homens.


            Se é por alguns transitoriamente incompreendido ou atacado, por “tolerar os homens, sem transigir com os princípios”, nem por isso deixa de seguir compreendendo e perdoando, “convertendo toda tendência à lamentação em mais trabalho, e transfigurando muitas palavras de auto justificação, que desejaria dizer, em mais serviço”. “Ouve a todos, trabalhando e trabalhando. Responde a tudo, servindo e servindo.” (3)

            Há 32 anos, (4) o Espírito Bittencourt Sampaio, pelo médium J. Celani, ditava:

            “Quantas vezes, e como isso é consolador para nós outros que colaboramos convosco nesta obra cristã! quantas vezes, por esses rincões afora, numa humilde choupana, o rústico lavrador do campo, de inteligência rude, mas de coração aberto às verdades divinas, soletra, à luz mortiça de uma lamparina de petróleo, as linhas do Reformador, com a alma cheia de encantamento por essa dádiva divina! São esses os nossos estímulos.
             É nossa alegria tocar essa alma, inspirar-lhe à rude compreensão a ideia de alcandorar-se às alturas onde pairam o Espírito sublime e o coração transbordante de amor do Divino Mestre. Entretanto, que sabeis vós disso? Nada. É a obra anônima da Casa de Ismael.

            Emmanuel, na obra A Caminho da Luz, (5) dissertando sobre o apogeu da Renascença, lembra: “A invenção da imprensa facultava o mais alto progresso no mundo das ideias, criando as mais belas expressões de vida intelectual. A literatura apresenta uma vida nova e as artes atingem culminâncias que a posteridade não poderá alcançar. Numerosos artífices da Grécia antiga, reencarnados na Itália, deixam traços indeléveis da sua passagem, nos mármores preciosos. Há mesmo em todos os departamentos das atividades artísticas um pronunciado sabor da vida grega, anterior às disciplinas austeras do Catolicismo na idade medieval, cujas regras, aliás, atingem rigorosamente apenas quem não fosse parte integrante do quadro das autoridades eclesiásticas. A essas atividades reformadoras não poderia escapar a Igreja, desviada do caminho cristão. O plano invisível determina, assim, a vinda ao mundo de numerosos missionários com o objetivo de levar a efeito a renascença da religião, de maneira a regenerar seus relaxados centros de força. Assim, no século XVI, aparecem as figuras veneráveis de Lutero, Calvino, Erasmo, Melanchthon e outros vultos notáveis da Reforma, na Europa Central e nos Países Baixos.” E, em O Consolador, (6) Emmanuel revela: “A Reforma e os movimentos que se lhe seguiram vieram ao mundo com a missão especial de exumar a “letra” dos Evangelhos, enterrada até então nos arquivos da intolerância clerical, nos seminários e nos conventos, a fim de que, depois da sua tarefa, pudesse o Consolador prometido, pela voz do Espiritismo cristão, ensinar aos homens o “espírito divino” de todas as lições de Jesus.”


            Não sabemos se o título Reformador, ao ser inspirado a Augusto Elias da Silva, o foi em função dos movimentos da Reforma, embora nos pareça que sim. De qualquer maneira, porém, o certo é que o título é excelente e revela o fim do veículo, que é o da Revelação, o da Doutrina dos Espíritos e da Casa de Ismael. Porque esta, desde a sua fundação, outra coisa não tem feito senão trabalhar em função da divulgação do Evangelho integral, em espírito e verdade, por ter compreendido muito cedo a enorme responsabilidade que lhe cabe, agindo na Terra em nome do Espiritismo, para cuja presença entre nós o Alto programou e fez executar, antes, programas outros de longa envergadura, sendo um deles a Renascença religiosa, a Reforma iniciada por Martinho Lutero.

            De janeiro de 1883 em diante, Reformador vem à luz, normalmente, sem jamais ter sofrido interrupção. Em dezembro deste ano, completa ele 90 coleções anuais. É revista e já foi jornal. Não nasceu nem é, hoje, perfeito: evoluiu sempre, acompanhando o caráter progressivo da Revelação e do programa de Ismael. Durante 54 anos foi bimensal; hoje é editado mensalmente. Aos 90 anos, completará 1.728 edições. As tiragens, nos últimos anos, têm sido da ordem de 40.000 exemplares mensais.

            A vinculação do Reformador com o Livro Espírita é perfeita. No início, quando editar um livro constituía mais sonho que realidade, face às enormes dificuldades a serem vencidas pelos pioneiros do movimento espírita, Reformador transcrevia obras e romances espíritas, por capítulos, em suas páginas.

            A literatura espírita, no Brasil, há meio século, não era tão rica quanto se revela na atualidade. Mas, Reformador oferecia sempre muito, e do melhor que havia, visitando quinzenalmente os seus leitores. Ele foi livro.


            De uns decênios para cá, é ele plataforma do lançamento do livro espírita. Através dele, o espírita sabe tudo o que se passa no campo do saber espiritual, mantém-se atualizado com as diretrizes da Casa de Ismael e acompanha o movimento espírita.

            Mas Reformador tem história. Suas lutas e realizações exigiriam um volume para que fossem narradas. Há 33 anos surgiu a oficina própria. Eis parte do que escreveu, na oportunidade, (7) o venerando engenheiro Guillon Ribeiro, então Presidente da FEB: “... peça importante que muito lhe facilitaria o funcionamento (da Livraria, que antes da criação do Departamento Editorial se responsabilizava pela editoração das obras espíritas), além do mais, por libertá-la da dependência de terceiros, a cujas conveniências e imposições não lhe era possível forrar-se. Aludimos à oficina gráfica que ela agora, graças a Deus, possui e da qual, desde os primeiros tempos da Federação, cogitaram seus Estatutos, atestando a clarividência dos que os elaboraram. Constituída, conforme a descreveu o Reformador de novembro do ano passado”, “... entrou a funcionar regularmente desde 4 daquele mês, data a partir da qual pouco mais precisou a Federação mandar imprimir em outras. De acordo com a norma invariavelmente seguida na Casa de Ismael, de evitar todo arruído em torno do que faz, toda e qualquer retumbância para os seus atos ou realizações, o início, no dia acima indicado, do trabalho de sua oficina impressora não deu lugar, como é de regra geral, a nenhuma inauguração festiva ou solenizada de qualquer forma”.

            Da oficina gráfica do Reformador, que também editou muitos livros para a FEB, por evolução chegamos ao moderno parque gráfico do Departamento Editorial, criado há quase um quarto de século para substituir a Livraria na parte de elaboração do livro espírita. É a linha planificada do trabalho progressista que em tudo se revela na Casa de Ismael.

            Informa-nos André Luiz (8) que “todos os canais da publicidade respeitável são caminhos pelos quais a ideia espírita precisa e deve transitar. Nossa tarefa, porém, na hora que passa, é a de reavivar a chama dos princípios doutrinários. Convite ao pensamento. Apelo ao raciocínio. Achamo-nos à frente de um mundo em reforma. Casa de transição e refazimento. Entre as acomodações do antigo e os desafios do novo, somos trazidos a erguer um cenáculo para os valores da alma. Agitar opiniões seria distrair, perder a oportunidade na extroversão. O Espiritismo evangélico pede seareiros decididos a revolver as leiras da verdade. Silêncio e construção”.

            Reformador é órgão que cumpre um programa e dele não se afasta, quaisquer que sejam as manifestações que observe às margens da trilha que lhe foi determinado seguir.


            Ele avança continuamente, difundindo o conhecimento espiritual. Progressiva e progressistamente. Modernamente, a propósito, todos deveriam reler o magnífico trabalho pu- blicado em março de 1971, (9) intitulado “Técnica da Comunicação Espírita”, do Doutor Hermínio C. Miranda. Depois de análise abalizada e tranquila do tema, de inconteste atualidade, dentre outras, oferece-nos o seu autor estas conclusões: “Temos, pois, de estudar os métodos do mundo e aperfeiçoar cada vez mais a nossa técnica. Seja o nosso falar sim, sim; não, não, como queria o Mestre. Seja a linguagem direta, sem floreados, que a época não mais comporta, mas com um conteúdo legítimo de autenticidade, apoiado na coragem moral de declarar alto e bom som a nossa posição. Se falharmos na transmissão dessa mensagem, quem poderá estimar o retardamento das conquistas maiores que nos esperam na frente, lá no alto!

“Reformador”: Porta-Voz da espiritualidade superior
Francisco Thiesen

Reformador (FEB) Outubro 1972

sábado, 15 de agosto de 2015

As escolas da fé



"Pugnar pela laicidade absoluta do ensino mantido oficialmente, esclarecendo os estudantes, sejam crianças ou jovens, sempre que necessário, quanto à conveniência de se absterem, cordialmente, quando possível, das aulas de instrução que veiculem noções religiosas contrárias à Doutrina do Espiritismo. O Lar e o Templo são as escolas da fé."
                                   ‘Conduta Espírita’, de André Luiz, por Waldo Vieira, pág. 119, edição da FEB)

            A Doutrina Espírita é o poderoso instrumento da Providência Divina para a realização da maior e mais importante edificação de toda a história do Espírito nos planos da evolução terrestre: a do "reino de Deus" na consciência de cada um, mediante o progressivo conhecimento da verdade, individual e voluntariamente conquistável, que a todos finalmente tornará livres, segundo a palavra do Mestre Nazareno (João, 8:32).

            A transformação do mundo pelo aprimoramento espiritual dos indivíduos é meta programada que só será atingida plenamente, sem dolorosas dilações, se forem observadas a diretriz e a base do plano geral ora em curso de execução na crosta e nas zonas espirituais que lhe são próximas.

            Os Espíritos Superiores, sintonizados com a Terra há mais de cem anos, têm-nos orientado, de forma intensiva e ostensiva, pela via medianímica, sobre os métodos e os recursos, "lícitos e convenientes", de que devemos servir-nos conscientemente na integração solidária ao movimento evangélico de regeneração da Humanidade. "Jesus desempenhou o mais alto apostolado da Terra sem uma cátedra de academia mas não se projetou nos séculos sem as letras sagradas do Evangelho". "Judas era um discípulo fiel a Jesus, mas,) um dia, acreditou mais no poder frágil da Terra que na administração do Céu, e traiu a si mesmo" ("Falando à Terra", mensagens de Isabel de Castro e Demétrio N. Ribeiro, por Francisco Cândido Xavier, edição da FEB.)

            Se a Terceira Revelação, universal, progressiva e permanente, é dos Espíritos, não queiramos, na condição de aprendizes ou beneficiários, antepor-lhe ao roteiro seguro as nossas preferências pessoais, interferindo no âmbito das generosas e sábias decisões do Alto. "Não alcançaremos a libertação verdadeira sem abolir o cativeiro da ignorância no reino do espírito”. "A luz do espírito não se transmite nem por imposição nem por osmose. Quem aspire a entesourar os valores da própria emancipação íntima à frente do Universo e da Vida, deve e precisa estudar" ("Estude e Viva", de Emmanuel e André Luiz, por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, edição da FEB.)

            A fim de instruir-se, educar-se, aprimorar-se espiritualmente nas disciplinas que o conduzirão ao autoconhecimento de si mesmo, o Espírito vincular-se-á aos livros, para sempre.

            André Luiz, o esclarecido Espírito que tem ditado ao mundo obras tão notáveis nos últimos decênios, é claro na sua recomendação quanto à "laicidade absoluta do ensino", pela qual devemos pugnar, e categórico quando proclama que "o Lar e o Templo são as escolas da fé." É que existe todo um plano pedagógico, pujante e vivo, arquitetado nas Esferas Superiores e em fase de implantação na Terra, orientado segundo diretriz de eternidade e universalidade, diretriz esta vinculada às necessidades e interesses cármicos de indivíduos e coletividades, e conduzido com base no Evangelho do Divino Mestre. "Um templo espírita é, na essência, um educandário em que as leis do Ser, do Destino, da Evolução e do Universo são examinadas claramente, fazendo luz e articulando orientação, mas, por isso, não deve converter-se num instituto de mera preocupação academicista. Manterá o simpósio dos seareiros experientes, sempre que necessário, mas não o situará por cima da obra de evangelização popular" (obra "Estude e Viva", citada.)

            À luz de tais princípios, não é o caso de adquirir-se conhecimento doutrinário-cristão nas escolas humanísticas, mas de dotar os espíritas de conhecimento vivo do Espiritismo e do Evangelho, a fim de que a sua presença em todos os departamentos da cultura terrena possa influir na espiritualização das tendências e conceitos de inspiração materialista. Emmanuel, no livro "O Consolador", pág. 19, 5ª edição da FEB, respondendo à pergunta nº 1 ("Tem o Espiritismo absoluta necessidade da ciência terrestre?"), assim se expressa: "Essa necessidade de modo algum pode ser absoluta. O concurso científico é sempre útil, quando oriundo da consciência esclarecida e da sinceridade do coração. Importa considerar, todavia, que a ciência do mundo, se não deseja continuar no papel de comparsa da tirania e da destruição, tem absoluta necessidade do Espiritismo, cuja finalidade divina é a iluminação dos sentimentos, na sagrada melhoria das características morais do homem.”

            O Espiritismo não está na Terra para disputar com as correntes religiosas, filosóficas e científicas um "lugar ao sol", num incabível paralelismo, e isso muito natural e simplesmente porque ele é Sol de primeira grandeza, com luz suficiente para iluminar os lugares escuros em que tais correntes ainda se comprazem. Proclamando a superioridade da Revelação dos Imortais, não admitimos, por extensão, o que seria contra senso, quaisquer virtudes aos que lhe esposam os princípios.

            "Toda escola é centro indutivo". "O invento pede uso, a teoria espera demonstração. Assim também na experiência religiosa. Imaginemos se o Cristo, a pretexto de angariar contribuições para as boas obras, houvesse disputado a nomeação de Mateus para exercer as atribuições de chefe do erário, no palácio de Antipas; se, para garantir o prestígio do Evangelho, passasse a frequentar os corredores do Pretório, com o intuito de atrair as atenções de Pilatos; e, para favorecer a causa da Boa Nova, resolvesse adular os familiares de Anás, oferecendo-lhes passes magnéticos para curar-lhes as enxaquecas; ou se, para preservar-se na grande crise, tivesse provocado um entendimento com essa ou aquela autoridade do Sinédrio, acomodando-se ao mercado das influências políticas, junto do povo..." ("Justiça Divina", de Emmanuel, por Francisco Cândido Xavier, pág. 159, edição da FEB.)

            Na história da Igreja Cristã temos exemplos dos resultados desastrosos da ingenuidade dos que duvidaram da onisciência da "administração do Céu". Individualmente, "Judas traiu a si mesmo". Coletivamente, os cristãos, após a vitória do movimento, ao preço de sacrifícios imensos, por mais de 3 séculos, nos circos da demência humana, conseguiram "um lugar ao sol" a partir de Constantino (ln Hoc Signo Vinces). A seguir, a Igreja mudou de nome, trocou o Evangelho pela teologia que engendrou, esqueceu o programa e transformou-se em máquina infernal de opressão, sangue e sombra por cerca de 15 séculos, tudo pretensamente em nome do Manso Cordeiro de Deus. Com EscoIástica.

            A presciência do Cristo previra o advento de tais aberrações, e estas constituirão sempre experiência amarga, com sabor de advertência a todos nós.

            Em 1937, o Espírito Emmanuel, no livro intitulado "Emmanuel", nas últimas páginas (7ª edição da FEB), analisando as necessidades das reformas sociais em nossos tempos de indecisão espiritual, declara que elas deverão processar-se "sobre a base do Evangelho". "O plano pedagógico que implica esse grandioso problema tem de partir ainda do simples para o complexo. Ele abrange atividades multiformes e imensas, mas não é impossível". "Urge reformar, reconstruir, aproveitar o material ainda firme, para destruir os elementos apodrecidos na reorganização do edifício social. E é por isso que a nossa palavra bate insistentemente nas antigas teclas do Evangelho cristão, porquanto não existe outra fórmula que possa dirimir o conflito da vida atormentada dos homens". "Urge, sobretudo, a criação dos núcleos verdadeiramente evangélicos, de onde possa nascer a orientação cristã a ser mantida no lar, pela dedicação de seus chefes. As escolas do lar são mais que precisas, em vossos tempos, para a formação do espírito que atravessará a noite de lutas que a vossa Terra está vivendo, em demanda da gloriosa luz do porvir. Há necessidade de iniciar-se o esforço de regeneração em cada Indivíduo, dentro do Evangelho, com a tarefa nem sempre amena da autoeducação. Evangelizado o indivíduo, evangeliza-se a família; regenerada esta, a sociedade estará a caminho de sua purificação, reabilitando-se simultaneamente a vida do mundo". "As atividades pedagógicas do presente e do futuro terão de se caracterizar pela sua feição evangélica e espiritista, se quiserem colaborar no grandioso edifício do progresso humano". "A intelectualidade acadêmica está fechada no círculo da opinião dos catedráticos, como a ideia religiosa está presa no cárcere dos dogmas absurdos. Os continuadores do Cristo, nos tempos modernos, terão de marchar contra esses gigantes, com a liberdade de seus atos e das suas ideias. Pior enquanto, todo o nosso trabalho objetiva a formação da mentalidade cristã, por excelência, mentalidade purificada, livre de preceitos e preconceitos que impedem a marcha da Humanidade. Formadas essas correntes de pensadores esclarecidos do Evangelho, entraremos, então, no ataque às obras."

            Podemos observar, decorridas apenas três décadas do pronunciamento de Emmanuel, que a mentalidade cristã encontra-se, nos arraiais espiritistas, em fase de floração, prenunciando os frutos maduros do milênio vindouro que, segundo a revelação sempre reafirmada pelos Instrutores Espirituais, marcará indelevelmente a vida humana, quando a Terra, na escala hierárquica dos mundos, superando a atual de expiação, atingirá a categoria de orbe de regeneração. Sem Escolástica.

            A tarefa imensa é desafio a todos nós que desejamos sinceramente participar da caravana dos trabalhadores não constrangidos da grande seara do Senhor. Enquanto operamos e esperamos, porém, "não olvidemos os impositivos da aplicação com o Cristo, no santuário familiar, onde nos cabe o exemplo da paciência, compreensão, fraternidade, serviço, fé e bom ânimo, sob o reinado legítimo do amor, porque, estudando a Palavra do Céu em quatro Evangelhos, que constituem o Testamento da Luz, somos, cada um de nós, o quinto Evangelho inacabado, mas vivo e atuante, que estamos escrevendo com os próprios testemunhos, a fim de que a nossa vida seja uma revelação de Jesus, aberta ao olhar e à apreciação de todos, sem necessidade de utilizarmos muitas palavras na advertência ou na pregação" (Mensagem nº I, de Emmanuel, da obra "Luz no Lar", por Diversos Espíritos,
recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, edição da FEB.)

            Confiamos hoje que, com o Espiritismo, não ocorrerá nada de semelhante ao que ocorreu com a igreja escolástica. eIe cumprirá fielmente seu destino, "com os homens, sem os homens e apesar dos homens".

As escolas da fé
por Francisco Thiesen

Reformador (FEB) Julho 1971 

domingo, 5 de julho de 2015

O Dr. Antoine Demeure e a correspondência de Kardec

O Dr. Antoine Demeure
e a correspondência de Kardec
por Francisco Thiesen
Reformador (FEB) Setembro 1974

            (...) agrada à maioria dos habitantes do globo terráqueo, e aquilo que a essa maioria agradará, não sabemos ou não podemos dizer. Ao homem só há duas ordens de assuntos que o podem Interessar: - a que satisfaz à sua curiosidade  de saber e de perscrutar o desconhecido,ou a que possa lisonjear a sua vaidade ou as suas inclinações viciosas, ou
 materiais. Tudo quanto saia desses dois campos é para ele metafísico ou desagradável.
            Ora o muito que há a dizer não satisfaz a nenhum desses dois casos." 

(Cezar Cantu (Espírito), mensagem psicografada por Fernando de Lacerda, em 3-12-1906,
cap. XIX, "Do Pais da Luz", vol. I, 5ª edição, 1952, FEB,)


            Antoine Demeure, (1) desencarnado em Albi (Tarn), França,  a 25 de janeiro
de 1865,  aos 71 anos, fora, segundo o próprio Kardec, o Cura d' Ars da Medicina: médico homeopata, humanitário, sempre disposto a socorrer sofredores e necessitados, encontrou, um dia, na doutrina do Espiritismo, ao tempo do Codificador, “a chave de problemas cuja solução debalde pedira à Ciência como a todas as filosofias". Abraçando o Espiritismo com ardor, tornou-se um de seus mais perseverantes divulgadores, pois, graças à "profundeza do seu espírito investigador" - é ainda Kardec quem observa (O Céu e o lnferno") 2ª Parte, cáp. II, 21ª edição, revista, 1974, FEB) - "compreendeu lhe subitamente todo o alcance".

            (1) Os escassos dados biogrãficos de Demeure foram colhidos nas obras de Allan Kardec - "O Céu e o Inferno", citada, e "Obras Póstumas", Segunda Parte, pp. 317/320, 13ª edição, 1973, FEB -, bem assim em "Les Pionners du Spiritisme en France", Première Partie - "Les Ainés", III - Docteur Antoine Demeure, pp. 28 e 29, editada por J. Malgras, 1906, e em "La Revue Spirite", nov./dez. 1969, pp. 238/240, "Un protecteur d'Allan Kardec: Le docteur Antoine Demeure", por Hubert Forestier.


            Demeure e Kardec não se conheciam pessoalmente mas correspondiam-se. Estabeleceu-se, assim, “mútua e viva simpatia" entre ambos, que a morte não só não fez cessar como tornou mais intensa e profunda, pois, cinco dias após a 30 de janeiro, escrevia o bondoso médico: “Aqui estou. Ainda vivo, assumi o compromisso de manifestar-me desde que me fosse possível, apertando a mão do meu caro mestre e amigo Allan Kardec. A morte emprestara à minha alma esse pesado sono a que se chama letargia, porém, o meu pensamento velava. Sacudi o torpor funesto da perturbação consequente à morte, levantei-me e de um salto fiz a viagem. Como sou feliz! Não mais velho nem enfermo. O corpo, esse era apenas um disfarce. Jovem e belo, dessa beleza eternamente juvenil dos Espíritos, cujos cabelos não encanecem sob a ação do tempo. Ágil como o pássaro que cruza célere os horizontes do vosso céu nebuloso, admiro, contemplo, bendigo, amo e curvo-me, átomo que sou ante a grandeza e sabedoria do Criador, sintetizadas nas maravilhas que me cercam. Feliz! Feliz na glória! Oh! quem poderá jamais traduzir a esplêndida beleza da mansão dos eleitos; os céus, os mundos, os sóis e seu concurso na harmonia do Universo? Pois bem: eu ensaiarei fasê-lo, ó meu mestre; vou estudar, e virei trazer-vos o resultado dos meus trabalhos de Espírito e que de antemão, como homenagem, eu vos dedico. Até breve. Demeure." (O Céu e o Inferno", ed. Citada, p. 202)

            A comunicação que vimos de reproduzir, revelando a jovialidade e toda a ternura de uma alma deslumbrada e sonhadora, amiga e agradecida, não sufocara, porém, a positividade científica e a acuidade filosófica do grande médico. Decorridos somente dois dias - sete após o próprio desenlace - a 1º de fevereiro, Demeure retoma para socorrer Allan Kardec num acidente por este sofrido: (2) (...) tende coragem e confiança em nós, porquanto essa crise, apesar de ser fatigante e dolorosa, não será longa, e, com os conselhos prescritos, podereis, conforme desejais, completar a obra que vos propusestes como fito da vossa existência." "Sou eu, Demeure, o amigo do Sr. Kardec - esta mensagem é a do dia seguinte, 2-2-1865 . Venho dizer-lhe que o acompanhava quando lhe sobreveio o acidente. Este seria certamente funesto sem a intervenção eficaz para a qual me ufano de haver concorrido. De acordo com as minhas observações e com os informes colhidos em boa fonte, é evidente para mim que, quanto mais cedo se der a sua desencarnação, tanto mais breve reencarnará para completar a sua obra. É preciso, contudo,  antes de partir, dar a última demão às obras complementares da teoria doutrinal de que é o iniciador. Se, portanto, por excesso de trabalho, não atendendo à imperfeição do seu organismo, antecipar a partida para cá, será passível da pena de homicídio (3) voluntário. É mister dizer-lhe toda a verdade, para que se previna e siga estritamente as nossas prescrições.         Demeure."

                (2) A natureza do acidente ou crise não ficou esclarecida. Mas, sabendo-se que o mestre Kardec  tinha problemas circulatórios, vindo a desencarnar ao rompimento de um aneurisma da aorta, é bem possível que um distúrbio cardiovascular o tenha atingido. A mensagem do dia 1º terminava com estas palavras: "Está muito quente aqui: esta fumaça é Irritante. Enquanto estiverdes doente, convém não fazer lume, a fim de não aumentar a vossa opressão. Os gases que aí se desprendem são deletérios. Vosso amigo Demeure."

            A questão da correspondência de Allan Kardec, cada dia mais volumosa, e a sua saúde, suscitando contínuos cuidados, trazem-lhe novos conselhos de Demeure, visando à restauração das energias físicas do missionário, seus afazeres doutrinários e, especificamente, a solução para o problema epistolar: Instrução relativa à saúde do Sr. Allan Kardec, comunicação mediúnica de 23-4-1866 (vide “Obras Póstumas", ed. citada, pp. 317/320). “As forças humanas tem limites que o desejo de que o ensino progrida te leva muitas vezes a ultrapassar. Estás errado, porquanto, procedendo assim, não apressarás a marcha da Doutrina, mas arruinarás a tua saúde e te colocarás na impossibilidade material de acabar a tarefa que vieste desempenhar neste mundo." “Ouve--me: deixa para mais tarde as grandes obras destinadas a completar a que está esboçada nas tuas primeiras publicações..." “(...) sou aqui o delegado de todos os Espíritos que tão poderosamente tem contribuído para a propagação do ensino, mediante suas sábias instruções. Eles te dizem, por meu intermédio, que esse atraso, que consideras prejudicial ao futuro da doutrina, é uma medida necessária de mais de um ponto de vista, quer porque certas questões ainda não se acham completamente elucidadas, quer para preparar os Espíritos a melhor assimilá-las. É necessário que outros tenham limpado o terreno, que se ache provada a insustentabilidade de certas teorias e que maior vácuo se haja produzido. Numa palavra: o momento não é oportuno; poupa-te, portanto; quando for tempo, indispensável te será todo o vigor de corpo e de espírito." "Farei aqui o que não  ousarias fazer por ti próprio: dirigindo-me a generalidade dos espíritas, pedir-lhes-ei, no interesse mesmo do Espiritismo, que te evitem toda sobrecarga de trabalho...” “Se a tua correspondência algo sofrer com isso, em compensação o ensino ganhará." “Às vezes, necessário se torna sacrificar as satisfações individuais ao interesse geral."

            A correspondência comum, Kardec passou a responde-la por intermédio de um substituto com o que as cartas a serem por ele mesmas preparadas, por abordarem assuntos relevantes, demandariam menores atrasos e em breve estariam em dia. Mas, como resolver o problema das cartas acumuladas, mais de quinhentas? “ preciso"- responde Demeure ”como se diz em linguagem comercial lança-las em bloco à conta de lucros e perdas. Noticiando esta providência pela “Revista”, os teus correspondentes saberão o que fazer; compreender-lhe-ão a necessidade e a considerarão justificada pelos conselhos que acabamos de dar. Repito: seria impossível que as coisas continuassem como têm ido. Tudo com isso sofreria: a tua saúde necessário, fazer os sacrifícios indispensáveis.”

            Demeure sabia muito bem a significação daquelas epístolas que saíam das mãos do Codificador, o seu poder de penetração nos espíritos e o alcance amplíssimo que elas tinham na época e teriam ainda no futuro: “A volumosa correspondência que recebes é para ti um precioso acervo de documentos e informações; ela te esclarece sobre a verdadeira marcha e os progressos reais da Doutrina; é um termômetro imparcial; proporciona-te, além disso, satisfações morais que por mais de uma vez te tem sustentado a coragem, mostrando-te a adesão que encontram tuas ideias, em todos os pontos do globo. Sob esse aspecto, a superabundância é um bem e não um inconveniente, mas com a condição de te auxiliar os trabalhos e não de os embaraçar, criando-te um acréscimo de ocupações."

* * *

            Em 1913, a FEB foi instada por confrades franceses a secundar "La Revue Spirite" (4) na divulgação da "Correspondência Póstuma de Allan Kardec", abrangendo o período de 1854 a 1869. "O Sr. Paul Leymarie, (5) diretor da "Revue Spirite", fundada pelo mestre em 1858, julgou de utilidade inserir na dita revista alguns extratos dessa correspondência,  cuja publicação parece impor-se, muito particularmente na época atual." "Escritores, pensadores, políticos, eclesiásticos, sábios, homens de todas as condições e de todos os países corresponderam-se com Allan Kardec." "Com incansável paciência e a fé esclarecida de um apóstolo seguro de sua missão com toda a sua energia e talento de escritor, o grande iniciador esforçou-se por consolar, satisfazer e instruir, abrindo às almas aflitas e torturadas as ridentes e doces perspectivas da vida supraterrestre. Minha correspondência, escreve em uma de suas cartas - a primeira que vai aparecer no número de dezembro  de 1913 da "Revue Spirite" -, será um dia, quando eu tiver desaparecido, uma coisa bem curiosa: será o mais vasto repertório da história do Espiritismo moderno."

            (4) o artigo "La" só foi preposto ao nome da "Revue Spirite" a partir de 1913. Mas, os franceses custaram muito a se habituar com a inovação; por isso, no início, ainda usaram várias vezes a grafia antiga na própria "La Revue Spirite".

            (5) Não confundir com o pai, Pierre-Gaétan Leymarie, companheiro e amigo de Kardec, e também administrador e redator-responsável pela "Revue" durante longo tempo.

            As palavras de Paul Bodier, (6) que reproduzimos entre aspas, são parte das que ele escreveu no prefácio à publicação referida e que estamos recolhendo do "Reformador", janeiro de 1914, pp. 4 a 7. O nosso órgão não se limitou a anuir ao convite que lhe vinha de Paris, acolhendo, desde logo, em suas páginas a importante correspondência do Codificador, pois teve, também, a primazia de estampar algumas cartas, às vezes seguidas de ligeiros comentários do apresentador aludido, já que a guerra europeia de 1914/1918 causou problemas à "Revue", obrigando-a a atrasos e interrupções, enquanto o "Reformador" , inobstante as dificuldades de outra ordem, peculiares à época e ao meio, conseguia manter-se à tona, propagando as questões e os ensinos, os fatos e as notícias pertinentes à doutrina e ao movimento do Espiritismo.

            (6) Os nossos leitores já o conhecem: é o autor do livro "A Granja do Silêncio" {Documentos póstumos m Doutor em medicina relativos a um caso de reencarnação, prefaciado por Gabriel Delanne, na qualidade de presidente da União Espírita da França, e traduzido por Guillon Ribeiro para a FEB.

            Mais tarde - dizia Paul Bodier -, a reunião de todas essas cartas, (7) classificadas cronologicamente, será suscetível de formar muitos volumes; mas, antes dessa exibição definitiva, achamos que devíamos dar importantes extratos, persuadidos de antemão de que serão favoravelmente acolhidos pelos admiradores do mestre."

            (7) Como é do conhecimento público, o Dr. Canuto Abreu é possuidor de volumosa correspondência original (rascunhos manuscritos) de Kardec. Em junho último, esse nosso confrade gentilmente nos exibiu algumas peças de sua vasta coleção, uma delas a pertinente à oferta de um exemplar de "O Livro dos Espíritos", em abril de 1857, pelo Codificador, ao Sr. Pâtier, responsável em parte pela iniciação de Allan Kardec no Espiritismo, segundo se depreende da referida carta. Quase todos os manuscritos são inéditos. Em virtude de as cartas publicadas na "Revue" dentro do esquema traçado pela sua direção e sob orientação de Paul Bodier, não terem atingido grande número de originais, como se esperava, entendemos que isso já foi decorrência das destruições de documentos por motivo da guerra 1914/1918 (fenômeno que se repetiu, com importantes papéis do Espiritismo em 1939/1945).
            Não excluímos a possibilidade, entretanto, de que muitos documentos tenham sido salvos, daqueles que constituiriam os muitos volumes do Sr. Paul Bodier, e estejam Integrando o rico e bem catalogado acervo do nosso amigo de São Paulo, Dr. Canuto Abreu.

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            Veremos, a seguir, que as epístolas de Kardec, ainda aquelas redigidas por secretário, longe de ligarem-se a razões de mera formalidade convencional, obedeciam a ditames de invariável essencialidade, revelando na figura cativante do missionário de Lyon a clareza, a precisão e a lógica rigorosas que ressaltam dos seus trabalhos publicados, ao mesmo tempo que da sua superioridade moral, emergente das palavras, conceitos e atitudes, sobressaía aquela imensa humildade que fora a sua fortaleza de todas as horas, humildade que o conservara sereno e tranquilo na luta, até o fim da jornada.

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            Em 1865, com carta de 24 de setembro, o Sr. J. P. Sanson remeteu de Madri a Allan Kardec, uma coletânea de poesias que escreveu com o fim de popularizar na Espanha as idéias espíritas. O mestre respondeu àquela missiva nestes termos: "Sr. Só muito tardiamente recebi vossa carta de 24 de setembro de 1865, assim como o volume de poesias que a acompanhava. Não agradeci mais cedo porque, não compreendendo a linguagem espanhola, não podia apreciá-las por mim mesmo, a meu pesar. Tive de confiá-Ias a pessoa mais capaz e só há pouco tempo foi-me restituído o volume com uma análise que me prova quanto a nossa bela doutrina felizmente vos inspirou. É uma mina fecunda para a literatura e as belas-artes, que um dia nela se avigorarão largamente, (...)"

            Depois dessas demonstrações de modéstia e humildade, e da previsão do desenvolvimento da literatura espírita - em plena realização no século XX - e da arte inspirada nos ensinos da revelação nova, vejamos uns parágrafos da carta de 30 de dezembro, do mesmo ano, endereçada ao Sr. Villou: "(.,,) mas estais enganado pensando que estou impaciente por deixar a Terra. Certamente, não é ela uma mansão agradável, mas, como minha tarefa não está ainda cumprida, peço a Deus que me dê forças e tempo para terminá-a. Entregue ao dever que ela me impõe, encaro, graças a Deus, as coisas de um ponto assaz elevado para suportar com indiferença as coisas da vida. Deus, em sua bondade, concede-me além disso tão doces e numerosas compensações que eu seria muito ingrato se me queixasse. Se aqueles que se ligam ostensivamente com meus inimigos pudessem ver o fundo de meu coração compreenderiam que perdem o tempo. O resultado que obtém é fazer-me extremar os amigos duvidosos dos amigos sinceros e devotados. Lastimo aqueles que esperam, por pequenas intrigas, impedir a marcha das coisas. Não é contra mim que eles se ligam, mas contra a vontade de Deus, que lhes pedirá contas do moral de todas as suas ações. Não é a mim que pertence julgá-los; não posso senão
Implorar para eles a misericórdia do soberano Mestre. Recebei, etc."

            A fé raciocinada era, na vida de Kardec, autêntica, experimental, como no-lo revelam suas palavras cheias de conformação às asperezas da existência e confiança na Providência Divina, mas conformação e confiança ativas no ininterrupto trabalho a que se impunha, no esforço de cumprir plenamente o seu dever - a sistematização dos ensinos do Espiritismo. Tudo isso mais se configura nas linhas abaixo, de 13 de janeiro de 1865, à Sra. Bouillant, de Lyon, além da polida e franca abordagem de delicadíssimo assunto contido na carta sob resposta: "Quando vejo os benefícios da doutrina, as consolações que ela oferece, considero-me largamente pago de todas as minhas fadigas e pergunto o que são a par disso as diatribes de alguns detratores invejosos e ciumentos que não pensariam em mim se não estivessem aterrorizados pelos progressos da doutrina." "Desejais tanto estar comigo em minha próxima volta à Terra que me recomendais incessantemente não me esquecer de vos inscrever. Não sabeis a quanto vos comprometeis; a tarefa será, talvez, mais rude do que supondes. Ser-me-ão necessários companheiros firmes que não recuem diante de nada; eu os manterei na vanguarda. Tanto pior para vós se vos arrependerdes mais tarde; estais arregimentados, vós e o Sr., Bouillant, e não podeis mais recuar, a menos de ser desertor (sic). Cumprimentos ao Sr. Bouillant e acreditai no devotamento de Allan Kardec."

            Quando escreveu, em 5 de janeiro de 1863, ao Sr. Normand, advogado, secretário da Sociedade Espírita de Tours, o mestre revelou-se atilado psicólogo e não menor estrategista no trato de problemas de alta relevância no âmbito do movimento espiritista: " ... em presença de semelhante resultado (pertinente ao futuro da humanidade), as questões de pessoas devem desaparecer, como quando se trata de uma grande batalha que deve decidir da sorte de um império. Considerar-me-ia feliz se pudesse inscrever a Sociedade Espírita de Tours no número dos melhores trabalhadores e aqueles que a dirigem no número dos melhores generais da grande falange espírita; mas, não se deve perder de vista que o melhor general é aquele que sabe aliar a prudência à coragem. Se virdes o inimigo extraviar-se, não vos apresseis em atacá-lo ; deixai-o, ao contrário, embaraçar-se na sua própria rede e então não tereis grande trabalho para vencê-lo, porque ele se enfraquece e se desacredita e mata-se, por si mesmo por seus próprios excessos". ("Reformador" de 1917, pp. 334, 408 e 409.)

            O trabalho de implantação do Espiritismo no mundo realmente não se consolidou sem lutas, e estas Kardec teve de vencê-las por fora e por dentro da área do edifício da codificação, envolto em considerável andaimaria. É o que observaremos mais pormenorizadamente, a seguir, principiando por tópicos da carta ao Sr. T. Jaubert, em resposta à que este lha endereçara em fins de 1865 e lida na Sociedade de Paris: "Há tantas pessoas que não apanham senão a superfície das melhores coisas! E, demais, é preciso considerar que alguns veem no Espiritismo muito menos assunto de convicção do que uma nova mina a explorar ... " "Finalmente, devemos fazer entrar em linha de conta os falsos irmãos, dóceis agentes de seitas tenebrosas, que tomam todas as máscaras para se insinuarem por toda parte; lobos que se vestem com pele de ovelhas para se introduzirem no redil; hipócritas de devotamento factício que, com o auxílio de falências verdadeiras ou simuladas esperam lançar a desordem e o desânimo nas fileiras..." "Sim, caro Sr., é preciso que a humanidade crie pele nova para se purgar de todas as suas chagas! Os inimigos mais poderosos do Espiritismo não são seus adversários abertamente. declarados, mas aqueles que lhe tomam a máscara. Fiscalizar todas as suas intrigas e frustrá-las com prudência não é a parte menos rude e menos penosa da minha tarefa. Felizmente, tenho por mim a coragem e a perseverança que dão a certeza de conseguir o fim. Conheço os homens e de nada me admiro; sei que as grandes ideias não se estabelecem sem luta; sei que terei ainda grandes obstáculos a vencer, mas não os temo porque sei que a vontade dos homens nada pode contra a vontade de Deus. O progresso é um parto laborioso que encontra resistência tenaz nos abusos que ele tem de arrancar e que lhe disputam o terreno, palmo à palmo. Digamos ainda- outra coisa - evito falar de mim -, é que se o sucesso de minhas obras é causa de alegria para os adeptos sinceros, é para alguns uma dor de coração: o crédito que esse sucesso me dá os ofusca. Não são verdadeiros espíritas, direis; de acordo; mas querem ter-lhes a aparência. Têm ciúmes da minha posição! Desejaria vê-los em meu lugar, trabalhando sem tréguas nem descanso, acabrunhado pela fadiga e pelas vigílias, com o espírito sempre tenso, o olhar constantemente sobre todos os pontos do horizonte para vigiar a minha barca à feição e conduzi-la mais seguramente ao porto e isso sem poder tomar o repouso que seria necessário à minha saúde. Ao menos o marinheiro, uma vez no porto, descansa ; para mim o porto é no outro mundo."

            As respostas dirigidas através de secretário não eram, como chamamos a atenção no início deste artigo, formais, superficiais. Eis parte da que foi dada a um professor que anteriormente merecera uma carta do mestre a propósito de comunicação de Voltaire, publicada na "Revue" em 1862: "O Sr. Allan Kardec, como outro qualquer, não tem a pretensão de satisfazer a todos; se achais o Espiritismo muito católico, outros supõem que não o é bastante. Entre estas duas apreciações, encontra-se uma massa, crescente dia a dia, que o considera como a filosofia mais racional." "Deixemos, pois, ao tempo o cuidado de esclarecer os pontos ainda obscuros, porque cada dia se alarga o círculo dos mistérios que ele revela. O Sr. Allan Kardec, que acompanha esse progresso, sabe também que não se deve, por uma impaciência inconsiderada, ultrapassar a ordem das coisas, e que, antes de colher, é necessário deixar que o grão amadureça." "Além de muitas questões secundárias que encontrarão solução ulteriormente, há uma que domina todas, é a prova da existência da alma e da vida futura, baseada em fatos e apresentada sobre aspecto mais racional do que até hoje se fizera; somente dessa prova decorrem consequências de incalculável alcance para o futuro da humanidade." "Termino dizendo-vos que o Sr. Allan Kardec tomou muito em consideração as vossas observações, que encontrarão seu lugar em tempo útil em seus escritos ulteriores. Recebei, etc." ("Reformador", 1914, pp. 7,8,9, 180 e 181.)

            A correspondência e a "Revue Spirite" constituíam para Kardec - e é importante lembrarmo-nos disso - vasto campo experimental, no qual ensaiava junto à opinião pública - aquela parte consciente e ativa da coletividade que se não confunde com a massa inconsciente e passiva - o desenvolvimento das ideias e a gradação dos ensinamentos, pois  não ignorava que tudo vem, no mecanismo sensível da evolução, no tempo próprio. É por isso que, às vezes, e não poucas, identificamos em suas cartas, como anteriormente constatáramos em artigos e mensagens mediúnicas na "Revue", estudos pelo mestre incorporados às páginas dos livros da Codificação e aos escritos que deixou entre seus papéis, e que P.-G. Leymarie reuniu e "fez publicar sob o título de "Obras Póstumas", em 1890 - vinte e um anos após a desencarnação do missionário de Lyon.

            Na carta abaixo, dirigida à Sra. M ...("Reformador", 1914, pp. 369 a 370), encontraremos Allan Kardec, em sua bondade e humildade habituais, analisando a situação da sua pessoa, da tarefa que lhe fora confiada, dos companheiros de lutas em face dos deveres comuns, das dificuldades que encontrava, da posição de firmeza por ele assumida e do rumo a ser seguido - tudo objetivando, sem equívocos nem ambiguidades, o fiel e integral cumprimento daquilo de que lhe incumbira o Espírito de Verdade: a implantação na Terra do Consolador prometido por Jesus-Cristo. O caráter sem jaça do valoroso codificador do Espiritismo pode ser avaliado por este documento transcrito integralmente, como o tem sido por outros tantos o termômetro imparcial, no dizer do Doutor Demeure, e o mais vasto repertório da história do Espiritismo moderno, na avaliação do próprio Kardec.


            "Cara Senhora. Embora tenha tido o prazer de ver o Sr. M ... -na sexta-feira última, «não me julgo dispensado de agradecer-vos pessoalmente ,a boa e afetuosa carta que tivestes a bondade de escrever-me e os testemunhos de simpatia que ela encerra.
            Minha pessoa é questão secundária: eu sei que a verdade será um dia conhecida e que isso não se dará para a maior glória de certas pessoas; mas, cada coisa deve vir a seu tempo e esta é desse número.
            Certamente, minha tarefa não é toda de rosas, e o que aumenta a dificuldade é que a maior parte cai sobre mim; é que muitas vezes aqueles que deveriam secundar-me trazem-me peias e suscitam embaraços. Mas, que é que isso me faz, desde que sei que hei de chegar ao fim? Sinto um pouco mais de peso e eis tudo. Isso não traz prejuízo nem a mim nem à doutrina, mas àqueles que não tiverem querido partilhar as fadigas e os perigos da campanha; colherão o que semearam.
            Não me lamenteis, porque eu próprio não me queixo; tenho a pele de um elefante para as mordidelas; ela está à prova de bala. Tenho além disso tantos bálsamos para acalmá-las, quando não fossem cartas da natureza da vossa. Tudo isso é necessário e tem sua utilidade. Jesus não teve seu Judas? Ora, eu, que estou longe de ser Jesus, devo admirar-me de os ter, às dúzias? Isso me está anunciado há muito tempo, e tudo que me acontece que me impede de seguir meu caminho reto e de marchar a meu fim. Dia virá, tenho a certeza, em que o Espiritismo terá, campeões devotados, que saberão falar alto e fazer calar as más línguas e em que eu próprio serei secundado por homens de coração na minha tarefa pessoal, que crescerá em lugar de diminuir.
            Não creiais, minha cara Senhora, que minhas respostas ,e explicações sejam de natureza a acalmar a malevolência; longe disso, quanto mais irrefutáveis forem elas, mais irritação causarão a certos indivíduos como é lógico, porque eles não procuram convencer-se da verdade: ora, quanto mais clara é a verdade, mais os ofusca. Aqueles, sobretudo, que se escondem sob falsas máscaras ficarão furiosos por se verem adivinhados. Não querendo confessar-se vencidos, forjam novas armas, inventam novos estratagemas, e, é querendo salvar-se que se perdem, porque se desmascaram.
            Há pessoas que nunca me perdoarão o ter sido bem sucedido e que prefeririam ver perecer o Espiritismo, ao verem prosperar em outras mãos que não as suas. Mas, se fui bem sucedido, não é ao meu mérito pessoal que o devo - porque não tenho a tola pretensão de ser o único homem no mundo, capaz de levar esse negócio a bom fim: é ao apoio dos bons Espíritos, que quiseram servir-se de mim, é pois dos Espíritos que eles se devem queixar de não terem sido escolhidos.
            Os Espíritos tem muita razão de dizer que o Espiritismo levanta a vasa do mundo encarnado e desencarnado e dele faz sair uma multidão de animais venenosos. Nunca doutrina alguma causou tanta inquietação nem cólera e é o que prova a sua importância.
            Parece-me ver bandos de pássaros que se agitam, se inquietam e gritam à aproximação da tempestade.
            Mas, embora rindo-me desse rebuliço, vejo que devo agir com extrema prudência para governar meu barco através dos escolhos; avançar ou parar a propósito, interrogando os quatro ventos do horizonte. É um combate perpétuo com o inimigo, que está em face, ocupado em barrar a passagem e o que está por trás, procurando nos morder as pernas e para o quais é muitas vezes de alta política fingir-se morto.
            É preciso que eu esteja sempre alerta, sempre trabalhando na construção do edifício. Semelhante aos colonos do deserto, é preciso que eu tenha a enxada numa mão e a a espada na outra.
            Mas, através da bruma, tenho uma bússola segura que me mostra a estrela polar e o ponto a que devo chegar; e se sucumbisse antes de alcançá-lo, Deus providenciaria, porque, falhe eu cedo ou tarde, Ele não deixará a sua obra inacabada: as obras divinas não repousam sobre a cabeça frágil de um homem.  Se um instrumento se quebra, é imediatamente, substituído. Deu tem-nos sempre de sobressalente; é para por em prova que Ele permite que certas pessoas se façam conhecer desde já pelo seu justo valor. Tenho sido, e sou ainda agora, ao mesmo tempo, o capitão e o tenente, mas o alferes virá e,por sua vez, tornar-se-á capitão; somente é preciso ganhar suas esporas.
            Perdão, Senhora, de toda esta verbiagem à qual me levou, sem que eu percebesse, não sei que Espírito tagarela. Se eu não o fizesse parar, ele diria muito mais.
            A Sra. Allan Kardec incumbe-me de vos apresentar e a vossas senhoritas os mais afetuosos cumprimentos e eu vos ofereço, assim como a toda a família, a expressão de meu inteiro devotamento.”
                                                                       Allan Kardec