ANTOLOGIA
UBALDIANA - 18
A GRANDE
SÍNTESE
DESPEDIDA
Nossa longa viagem está terminada. Tudo já foi demonstrado, tudo
está concluído até as últimas consequências. A semente está lançada no tempo,
para que germine e frutifique. Dei meu verdadeiro testemunho, minha obra está
completa. O pensamento desceu, imobilizou-se na palavra escrita: não podereis
mais destruí-lo. Está demais antecipado, para ser todo imediatamente
compreendido. Nem todos os séculos são capazes de compreender totalmente uma ideia,
mas é necessário que, com a psicologia, a perspectiva mude para vê-la sob novos
ângulos. Vosso julgamento está viciado por uma visão imediatista, mas os anos
correrão; quando tiverdes visto o futuro, compreendereis esta Síntese em
profundidade e a enquadrareis na história do mundo. Para alguns, esses conceitos
ainda estarão fora do concebível. Outros recusarão um trabalho de compreensão,
porque não desfrutam dele vantagem imediata. Outros procurarão afastar a
verdade porque ela perturba o ciclo animalesco de suas vidas e continuarão a
dormir, a esses falará a dor. O cerco aperta-se e amanhã será muito tarde.
A
convicção não é tanto filha de cálculos lógicos e racionais, mas um estado de
amadurecimento interior, que só se consegue por meio de provas, lutando e
sofrendo. Inútil, pois, falar a respeito desta Síntese para demonstrar a
erudição, se não é “sentida” como orientação, se não for assimilada como
vida. É verdade que a alma coletiva dos povos sente, por intuição mais do que
pela razão. A filosofia, o sistema político e a forma social que mais convenham
para realização dos fins da própria evolução varrem tudo o que não corresponda
ao trabalho que o momento histórico exige. Mas, assim como é inútil criar
sistemas lógicos e esperar que sejam compreendidos quando incompatíveis com o
momento histórico, minha concepção é uma visão fecunda que antecipa a
realização, é síntese não apenas do que pode ser conhecido, mas também das
arrojadas aspirações da alma humana.
Falei
ao mundo, a todos os povos. Disse a verdade universal, verdadeira em todos os
lugares e em todos os tempos. Valorizei o homem e a vida, deles fazendo uma
construção eterna; através de todos os campos, até os mais disparatados, tudo
fiz convergir para a unidade; de todo vosso disperso conhecimento humano, fiz
um estreito monismo. Nesta síntese, ciência, filosofia e fé são uma só coisa.
Tornei a dar-vos a paixão do bem e do infinito. A tudo o que vossa vida possa
abraçar, dei u’a meta: arte, direito, ética, luta, conhecimento, dor, tudo
canalizei e fundi no mesmo caminho das ascensões humanas.
Vós
vos moveis no infinito. A vida é uma viagem e nela só possuís vossas obras. A
cada hora se morre, a cada hora se renasce, mas sempre como filhos de vós
mesmos. A evolução, pulsando segundo o ritmo do tempo, não pode parar. Vedes
através de falsa perspectiva psíquica. É preciso conceber não as coisas, mas a
trajetória de seu transformismo; não os fenômenos, mas os períodos fenomênicos;
tendes de colocar-vos dinamicamente na fluidez do movimento, realizar-vos neste
mundo de coisas transitórias, como seres indestrutíveis, num tempo que só
pode levar a uma continuação, lançados para um futuro eterno, que vos abre
as portas da evolução.
Após
milênios e milênios, não sereis mais as crianças de hoje, e alcançareis formas
de consciência que hoje nem sequer sabeis imaginar. Mostrei-vos o destino e o
tormento dos grandes que vos precederam na jornada. Eles vos dizem o que será o
homem amanhã. Não podeis parar. Vimos o funcionamento orgânico da grande
máquina do universo em seus aspectos, nas fases de seu devenir. É um movimento
imenso e tendes que funcionar como parte do grande organismo.
Uma
grande atração governa o universo por inteiro: Amor. Ele canta na arquitetura
das linhas, na sinfonia das forças, nas correspondências dos conceitos, sempre
presente. Chama-se atração e coesão no nível da matéria; impulso e transmissão
no nível energia; impulso de vida e de ascensão no nível espírito. É a harmonia
na ordem cinética, em que reside nossa respiração e a respiração do universo.
Ousamos desvelar o mistério e olhar sem véus a Lei, que é o pensamento de Deus.
Em todos os campos vimos os momentos desse conceito que governa tudo. Que os
bons não tenham medo de conhecer a verdade.
O
quadro está ultimado, a visão é completa. Dei-vos um conceito da Divindade
muito menos antropomórfico, muito mais transparente em sua íntima essência,
muito mais purificado das reduções feitas pela representação humana; um
conceito mais luminoso, adequado à vossa alma moderna mais amadurecida. Assim o
mistério pode emergir em termos de ciência e de razão, saindo dos véus do
símbolo. Caminhamos do mineral ao gênio, para contemplar a vitória do homem;
choramos e ansiamos com ele na cansativa conquista do bem contra o mal, no
caminho de sua ascensão. Ouvimos uma sinfonia grandiosa, em que, da matéria ao
espírito, tudo canta o hino da vida. Oramos em sintonia com todas as criaturas
irmãs. A concepção move-se no infinito. Os únicos limites que vos dei são os
impostos pelo vosso concebível. Nosso estudo foi a adoração da Divindade.
Dei-vos
uma verdade universal e progressiva, em que podem coordenar-se todas as
verdades relativas. Dei-vos conclusões que não se podem negar, sem negar toda a
ciência, todo o universo. A premissa é gigantesca; não pode ser abalada. Cada
palavra é um apelo à vossa racionalidade, não podeis negá-la. Sempre afirmei,
muito mais do que neguei. O ponto de partida desse organismo conceptual não é
egocêntrico nem antropomórfico, mas implica, em sua gênese, numa transferência
para fora de vosso plano de concepção. Conclamei-vos às grandes verdades do
espírito; recompletei vossa vida dividida ao meio pelo materialismo;
restituí-vos como cidadãos eternos ao infinito. A ciência tem grande
responsabilidade: ter destruído a fé sem saber reedificá-la. Com seus próprios
meios, ergui-vos até a Síntese; dei-vos uma ética racional baseada em
vastíssima plataforma científica. Dei ao supersensório um peso real objetivo.
Mostrei-vos a realidade que está além da ilusão, a substância que reside no
transitório, o absoluto que existe nas modificações do relativo. Ergui a
ciência até a demonstração das verdades metafísicas. Reuni os extremos
inconciliáveis, a matéria e o espírito, equilibrando e fundindo num só plano de
trabalho a Terra e o céu. Encaminhei o homem à sua futura consciência cósmica.
No âmago de meu pensamento, sempre se moveu a visão da lei de Deus.
Não
podeis negar neste escrito, em que se agitam todas as esperanças e todas as
dores humanas, uma palpitação de vida substancial; não podeis deixar de sentir,
por trás da demonstração objetiva, uma paixão pelo bem, uma sinceridade
absoluta, uma potência de espírito que vivifica tudo. Este escrito possui uma
alma que lhe dá vitalidade. Podereis negar ou discutir nele o supranormal. Mas
este é normal em todas as outras criações de pensamento, normal
nelas é a inspiração, sem a qual não se atingem as verdades eternas; normal a
intuição super-racional. É normal um abismo de mistério na consciência, da qual
nada sabeis. Cada alma vibrará e responderá de acordo com sua capacidade de
vibrar e responder.
Aqui
fala também o coração, exortando-vos a subir. Aqui reside imenso amor pelos
homens, como Cristo sentiu na cruz; há um desejo violento de beneficiar,
iluminando. Este livro quer ser um ato de bondade e de bem, num plano
vastíssimo. Na férrea racionalidade está contido o ímpeto de uma alma que vê o
futuro e sabe que a tempestade vos espera. Compreender é simples e natural na
fase intuitiva. Só aceitei a ciência, as pesquisas, a racionalidade, como um
meio que vossa psicologia me impôs. A quem queira atacar esta doutrina para
demoli-la, vou a seu encontro de braços abertos, para dizer-lhes: és meu irmão,
só isto importa de verdade. Eu sei: estes conceitos estão afastados do mundo
feito de mentira e de desconfiança, que vos parecem inaceitáveis e inconcebíveis.
Mas minha linguagem precisa ser substancialmente diferente.
Este
constitui um apelo desesperado de sabedoria, para o mundo. No coração dos
homens e de seus sistemas, domina o egoísmo e a violência; não o bem, mas o
mal. A civilização moderna lança as sementes com grande velocidade e aguarda a
produção intensiva de sua dor futura. Será a dor de todos. Poderá tornar-se
maré demolidora que destruirá a civilização. Os meios estão prontos para que
hoje um incêndio se alastre por todo o mundo. Falei aos povos e aos chefes,
religiosos e civis, em público e em particular. Depois da conciliação política
entre Estado e Igreja, na Itália, urge esta conciliação maior, espiritual,
entre ciência e fé no mundo. Se um princípio coordenador não organizar a sociedade
humana, esta se desagregará no choque dos egoísmos.
Falei
num momento crítico, numa curva da história, na aurora de nova civilização.
Podereis não ouvir e não compreender, mas não podereis mudar a Lei. Se a
civilização, agora, tem bases muito mais amplas que nos tempos do império
romano e não é mais um simples foco num mundo desconhecido, ainda existem
enormes desníveis de civilidade, de cultura e de riqueza. A Lei leva ao
nivelamento e à compensação. Enquanto houver um só bárbaro na Terra, ele
tenderá a rebaixar a civilização ao seu próprio nível, invadir e destruir, para
aprender. As raças inferiores depressa desfarão a sua impressão sobre
superioridade técnica europeia; dela se apossarão para pular à garganta do
velho patrão.
A
todas as crenças, digo: o que é divino, permanecerá; o que é humano, cairá; qualquer
afirmação temporal é uma perda espiritual; cada vitória na Terra é uma derrota
no céu. Evitai os absolutismos e preferi o caminho da bondade. Não se aplica a
imposição ao pensamento, a força não o atinge e produz afastamento. Dai exemplo
de desapego das coisas da Terra. Vossas verdades relativas são apenas pontos de
vista progressivos e diferentes do mesmo Princípio único. O futuro não
consistirá na exclusão recíproca, mas na coordenação de vossas aproximações da
verdade. Não discutais, a convicção não se impõe com ameaças, mas difunde-se
com o exemplo e com o amor.
À
ciência digo que, enquanto não for fecundada pelo amor evangélico, será uma
ciência de inferno. Inútil é o progresso mecânico que faz da Terra um jardim,
se nesse jardim morar uma fera. A Terra é um inferno porque vós sois demônios.
Tornai-vos anjos e a Terra será um paraíso.
Não
temam os justos e os aflitos que olham, tremendo, a algazarra humana que busca
glória, riqueza e prazer, porque se esta, por um momento, vence e goza, a Lei
está vigilante, “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão
saciados”. Digo-vos: jamais agridais, não sejais vós os agentes de vossa
justiça, mas a Divindade; perdoai. Fazei sempre o bem e o fareis a
vós mesmos; deixai a reação à Lei, não vos prendais ao ofensor com a
vingança. Não espalheis jamais pensamentos, palavras, atos de destruição; não
movimenteis as forças negativas da demolição, pois, de retorno, elas cairão
sobre vós mesmos. Sede sempre construtivos. Em qualquer campo, seja vossa preocupação
em apenas criar e jamais demolir; nada possui tanta força demolidora
quanto um organismo completo em função. O velho cai por si, sem lutas de
reação, porque todas as correntes da vida se precipitam para as novas formas.
Não
vos rebeleis, mas aceitai todo o trabalho que vosso destino vos oferece.
Este já é perfeito e contém todas as provas adequadas, mesmo se pequenas. Se é
assim, não procureis alhures grandiosos heroísmos. Os pequenos pesos que se
suportam por muito tempo, representam muitas vezes um esforço, uma paciência,
uma utilidade maior. As provas implicam no trabalho lento de sua assimilação; a
construção do espírito tem de ser executada em cada minúcia; a vida é toda
vivida momento a momento, a cada instante há um ato e um fato que se liga à
eternidade. Lembrai-vos de que o destino não é malvado, mas sempre justo, mesmo
se as provas são pesadas. Recordai-vos de que jamais se sofre em vão, pois a
dor esculpe a alma. A lei do próprio destino obedece a equilíbrios profundos e
é inútil rebelar-se. Há dores que parecem matar, mas jamais se apresentam sem
esperança; nunca sereis onerados acima de vossas forças. A reação das
inexauríveis potências da alma é proporcional ao assalto. Tende fé, ainda que o
céu esteja negro, o horizonte fechado e tudo pareça acabado, porque lá sempre
está à espera uma força que vos fará ressurgir. O abandono e sua sensação fazem
parte da prova, porque só assim podereis aprender a voar com as próprias asas.
Mesmo quando dormis ou ignorais, o destino vela e sabe: é uma força sempre
ativa na preparação de vosso amanhã, que contém as mais ilimitadas
possibilidades.
Esses
ideais foram ensinados na Terra. Mártires morreram por eles. Mas, o que não foi
explorado pela hipocrisia do homem? Às vezes, os ideais, para serem
divulgados, utilizam justamente esta sua capacidade de sofrer a exploração, tal
como o fruto que se deixa devorar para que a semente seja levada para longe. Há
a classe dos construtores e há a classe dos demolidores; dos parasitas que,
pela mentira, operam uma contínua degradação de todos os valores espirituais.
Há quem construa à custa de tormentosos esforços e há quem utilize para si,
pendurando-se como peso morto, para baixar tudo ao próprio nível. Um é espírito
que vivifica, outro é matéria que sufoca. O princípio puro, então
infecciona-se, adquire sabor de mentira: processo de degradação de ideais. Ai
dos culpados, dos demolidores do esforço dos mártires! Ai de quem faz da missão
uma profissão e coloca o espírito como base de poder humano! Ai de quem mente e
induz a mentir; de quem com o abuso, induza ao abuso; de quem dando exemplo de
injustiça bem sucedida, proponha-a como uma norma de vida! Realizada uma ação,
não podeis mais anulá-la até que se esgotem e sejam reabsorvidos seus efeitos.
Ai da sociedade que deixar esquecidos seus melhores elementos, não os colocando
na posição que possam render em vista de seus merecimentos, e abandona seus
valores mais altos à apatia e à incompreensão. São inúteis os reconhecimentos
póstumos e tardio o remorso por um tesouro perdido. Ai das religiões que não
cumprirem sua tarefa de salvar os valores espirituais do mundo! O espírito
não pode morrer e ressurgirá alhures, fora delas. Ai dos dirigentes que não
obedecerem ao Alto e não atenderem à voz da justiça que reside na própria
consciência! Ai de quem desperdiçar seu tempo e não fizer de sua vida u’a
missão!
Um
julgamento final vos aguarda a todos, não por obra de um Deus exterior a
vós, a quem se possa enganar ou enternecer. Ele é uma lei onipresente no espaço
e no tempo cuja reação não há distância nem demora que possa deter, de quem não
se escapa, porque está dentro de vós e de todas as coisas. Pode evitar-se ou
enganar a lei da gravidade? Assim não se evita nem se engana a reação da Lei, a
justiça divina.
Deixo-vos.
Minha última palavra a quem sofre. Esse é grande na Terra, porque regressa a
Deus. Destruí a dor e destruireis a vós mesmos, “Felizes os que choram, porque
serão consolados”. Não temais a morte, que vos liberta. Vós e vossas obras,
tudo é indestrutível por toda a eternidade. Minha última palavra é de amor, de
paz, de perdão, para todos.
Minha
obra está terminada. Se durante anos e anos, uma humanidade diferente, muito
maior e melhor, olhando para trás, pesquisar esta semente lançada com muita
antecipação para ser logo fecundada e compreendida, admirando-se como tenha
sido possível adiantar-se aos tempos, tenha ela um pensamento de gratidão para
o ser humano que, sozinho e desconhecido, realizou este trabalho, por meio de
seu amor e de seu martírio.
A
sinfonia está escrita. O cântico emudece, para ressurgir em outras formas,
noutros lugares. A voz apaga-se. O pensamento se afasta de sua manifestação
exterior, na profundeza, para seu centro, no infinito.