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quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 18

 


ANTOLOGIA UBALDIANA - 18

 A GRANDE SÍNTESE

DESPEDIDA

             Nossa longa viagem está terminada. Tudo já foi demonstrado, tudo está concluído até as últimas consequências. A semente está lançada no tempo, para que germine e frutifique. Dei meu verdadeiro testemunho, minha obra está completa. O pensamento desceu, imobilizou-se na palavra escrita: não podereis mais destruí-lo. Está demais antecipado, para ser todo imediatamente compreendido. Nem todos os séculos são capazes de compreender totalmente uma ideia, mas é necessário que, com a psicologia, a perspectiva mude para vê-la sob novos ângulos. Vosso julgamento está viciado por uma visão imediatista, mas os anos correrão; quando tiverdes visto o futuro, compreendereis esta Síntese em profundidade e a enquadrareis na história do mundo. Para alguns, esses conceitos ainda estarão fora do concebível. Outros recusarão um trabalho de compreensão, porque não desfrutam dele vantagem imediata. Outros procurarão afastar a verdade porque ela perturba o ciclo animalesco de suas vidas e continuarão a dormir, a esses falará a dor. O cerco aperta-se e amanhã será muito tarde.

             A convicção não é tanto filha de cálculos lógicos e racionais, mas um estado de amadurecimento interior, que só se consegue por meio de provas, lutando e sofrendo. Inútil, pois, falar a respeito desta Síntese para demonstrar a erudição, se não é “sentida” como orientação, se não for assimilada como vida. É verdade que a alma coletiva dos povos sente, por intuição mais do que pela razão. A filosofia, o sistema político e a forma social que mais convenham para realização dos fins da própria evolução varrem tudo o que não corresponda ao trabalho que o momento histórico exige. Mas, assim como é inútil criar sistemas lógicos e esperar que sejam compreendidos quando incompatíveis com o momento histórico, minha concepção é uma visão fecunda que antecipa a realização, é síntese não apenas do que pode ser conhecido, mas também das arrojadas aspirações da alma humana.

             Falei ao mundo, a todos os povos. Disse a verdade universal, verdadeira em todos os lugares e em todos os tempos. Valorizei o homem e a vida, deles fazendo uma construção eterna; através de todos os campos, até os mais disparatados, tudo fiz convergir para a unidade; de todo vosso disperso conhecimento humano, fiz um estreito monismo. Nesta síntese, ciência, filosofia e fé são uma só coisa. Tornei a dar-vos a paixão do bem e do infinito. A tudo o que vossa vida possa abraçar, dei u’a meta: arte, direito, ética, luta, conhecimento, dor, tudo canalizei e fundi no mesmo caminho das ascensões humanas.

             Vós vos moveis no infinito. A vida é uma viagem e nela só possuís vossas obras. A cada hora se morre, a cada hora se renasce, mas sempre como filhos de vós mesmos. A evolução, pulsando segundo o ritmo do tempo, não pode parar. Vedes através de falsa perspectiva psíquica. É preciso conceber não as coisas, mas a trajetória de seu transformismo; não os fenômenos, mas os períodos fenomênicos; tendes de colocar-vos dinamicamente na fluidez do movimento, realizar-vos neste mundo de coisas transitórias, como seres indestrutíveis, num tempo que só pode levar a uma continuação, lançados para um futuro eterno, que vos abre as portas da evolução. 

             Após milênios e milênios, não sereis mais as crianças de hoje, e alcançareis formas de consciência que hoje nem sequer sabeis imaginar. Mostrei-vos o destino e o tormento dos grandes que vos precederam na jornada. Eles vos dizem o que será o homem amanhã. Não podeis parar. Vimos o funcionamento orgânico da grande máquina do universo em seus aspectos, nas fases de seu devenir. É um movimento imenso e tendes que funcionar como parte do grande organismo.

             Uma grande atração governa o universo por inteiro: Amor. Ele canta na arquitetura das linhas, na sinfonia das forças, nas correspondências dos conceitos, sempre presente. Chama-se atração e coesão no nível da matéria; impulso e transmissão no nível energia; impulso de vida e de ascensão no nível espírito. É a harmonia na ordem cinética, em que reside nossa respiração e a respiração do universo. Ousamos desvelar o mistério e olhar sem véus a Lei, que é o pensamento de Deus. Em todos os campos vimos os momentos desse conceito que governa tudo. Que os bons não tenham medo de conhecer a verdade.

            O quadro está ultimado, a visão é completa. Dei-vos um conceito da Divindade muito menos antropomórfico, muito mais transparente em sua íntima essência, muito mais purificado das reduções feitas pela representação humana; um conceito mais luminoso, adequado à vossa alma moderna mais amadurecida. Assim o mistério pode emergir em termos de ciência e de razão, saindo dos véus do símbolo. Caminhamos do mineral ao gênio, para contemplar a vitória do homem; choramos e ansiamos com ele na cansativa conquista do bem contra o mal, no caminho de sua ascensão. Ouvimos uma sinfonia grandiosa, em que, da matéria ao espírito, tudo canta o hino da vida. Oramos em sintonia com todas as criaturas irmãs. A concepção move-se no infinito. Os únicos limites que vos dei são os impostos pelo vosso concebível. Nosso estudo foi a adoração da Divindade.

             Dei-vos uma verdade universal e progressiva, em que podem coordenar-se todas as verdades relativas. Dei-vos conclusões que não se podem negar, sem negar toda a ciência, todo o universo. A premissa é gigantesca; não pode ser abalada. Cada palavra é um apelo à vossa racionalidade, não podeis negá-la. Sempre afirmei, muito mais do que neguei. O ponto de partida desse organismo conceptual não é egocêntrico nem antropomórfico, mas implica, em sua gênese, numa transferência para fora de vosso plano de concepção. Conclamei-vos às grandes verdades do espírito; recompletei vossa vida dividida ao meio pelo materialismo; restituí-vos como cidadãos eternos ao infinito. A ciência tem grande responsabilidade: ter destruído a fé sem saber reedificá-la. Com seus próprios meios, ergui-vos até a Síntese; dei-vos uma ética racional baseada em vastíssima plataforma científica. Dei ao supersensório um peso real objetivo. Mostrei-vos a realidade que está além da ilusão, a substância que reside no transitório, o absoluto que existe nas modificações do relativo. Ergui a ciência até a demonstração das verdades metafísicas. Reuni os extremos inconciliáveis, a matéria e o espírito, equilibrando e fundindo num só plano de trabalho a Terra e o céu. Encaminhei o homem à sua futura consciência cósmica. No âmago de meu pensamento, sempre se moveu a visão da lei de Deus.

             Não podeis negar neste escrito, em que se agitam todas as esperanças e todas as dores humanas, uma palpitação de vida substancial; não podeis deixar de sentir, por trás da demonstração objetiva, uma paixão pelo bem, uma sinceridade absoluta, uma potência de espírito que vivifica tudo. Este escrito possui uma alma que lhe dá vitalidade. Podereis negar ou discutir nele o supranormal. Mas este é normal em todas as outras criações de pensamento, normal nelas é a inspiração, sem a qual não se atingem as verdades eternas; normal a intuição super-racional. É normal um abismo de mistério na consciência, da qual nada sabeis. Cada alma vibrará e responderá de acordo com sua capacidade de vibrar e responder.

             Aqui fala também o coração, exortando-vos a subir. Aqui reside imenso amor pelos homens, como Cristo sentiu na cruz; há um desejo violento de beneficiar, iluminando. Este livro quer ser um ato de bondade e de bem, num plano vastíssimo. Na férrea racionalidade está contido o ímpeto de uma alma que vê o futuro e sabe que a tempestade vos espera. Compreender é simples e natural na fase intuitiva. Só aceitei a ciência, as pesquisas, a racionalidade, como um meio que vossa psicologia me impôs. A quem queira atacar esta doutrina para demoli-la, vou a seu encontro de braços abertos, para dizer-lhes: és meu irmão, só isto importa de verdade. Eu sei: estes conceitos estão afastados do mundo feito de mentira e de desconfiança, que vos parecem inaceitáveis e inconcebíveis. Mas minha linguagem precisa ser substancialmente diferente. 

             Este constitui um apelo desesperado de sabedoria, para o mundo. No coração dos homens e de seus sistemas, domina o egoísmo e a violência; não o bem, mas o mal. A civilização moderna lança as sementes com grande velocidade e aguarda a produção intensiva de sua dor futura. Será a dor de todos. Poderá tornar-se maré demolidora que destruirá a civilização. Os meios estão prontos para que hoje um incêndio se alastre por todo o mundo. Falei aos povos e aos chefes, religiosos e civis, em público e em particular. Depois da conciliação política entre Estado e Igreja, na Itália, urge esta conciliação maior, espiritual, entre ciência e fé no mundo. Se um princípio coordenador não organizar a sociedade humana, esta se desagregará no choque dos egoísmos.

             Falei num momento crítico, numa curva da história, na aurora de nova civilização. Podereis não ouvir e não compreender, mas não podereis mudar a Lei. Se a civilização, agora, tem bases muito mais amplas que nos tempos do império romano e não é mais um simples foco num mundo desconhecido, ainda existem enormes desníveis de civilidade, de cultura e de riqueza. A Lei leva ao nivelamento e à compensação. Enquanto houver um só bárbaro na Terra, ele tenderá a rebaixar a civilização ao seu próprio nível, invadir e destruir, para aprender. As raças inferiores depressa desfarão a sua impressão sobre superioridade técnica europeia; dela se apossarão para pular à garganta do velho patrão.

             A todas as crenças, digo: o que é divino, permanecerá; o que é humano, cairá; qualquer afirmação temporal é uma perda espiritual; cada vitória na Terra é uma derrota no céu. Evitai os absolutismos e preferi o caminho da bondade. Não se aplica a imposição ao pensamento, a força não o atinge e produz afastamento. Dai exemplo de desapego das coisas da Terra. Vossas verdades relativas são apenas pontos de vista progressivos e diferentes do mesmo Princípio único. O futuro não consistirá na exclusão recíproca, mas na coordenação de vossas aproximações da verdade. Não discutais, a convicção não se impõe com ameaças, mas difunde-se com o exemplo e com o amor.

             À ciência digo que, enquanto não for fecundada pelo amor evangélico, será uma ciência de inferno. Inútil é o progresso mecânico que faz da Terra um jardim, se nesse jardim morar uma fera. A Terra é um inferno porque vós sois demônios. Tornai-vos anjos e a Terra será um paraíso.

             Não temam os justos e os aflitos que olham, tremendo, a algazarra humana que busca glória, riqueza e prazer, porque se esta, por um momento, vence e goza, a Lei está vigilante, “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Digo-vos: jamais agridais, não sejais vós os agentes de vossa justiça, mas a Divindade; perdoai. Fazei sempre o bem e o fareis a vós mesmos; deixai a reação à Lei, não vos prendais ao ofensor com a vingança. Não espalheis jamais pensamentos, palavras, atos de destruição; não movimenteis as forças negativas da demolição, pois, de retorno, elas cairão sobre vós mesmos. Sede sempre construtivos. Em qualquer campo, seja vossa preocupação em apenas criar e jamais demolir; nada possui tanta força demolidora quanto um organismo completo em função. O velho cai por si, sem lutas de reação, porque todas as correntes da vida se precipitam para as novas formas.

             Não vos rebeleis, mas aceitai todo o trabalho que vosso destino vos oferece. Este já é perfeito e contém todas as provas adequadas, mesmo se pequenas. Se é assim, não procureis alhures grandiosos heroísmos. Os pequenos pesos que se suportam por muito tempo, representam muitas vezes um esforço, uma paciência, uma utilidade maior. As provas implicam no trabalho lento de sua assimilação; a construção do espírito tem de ser executada em cada minúcia; a vida é toda vivida momento a momento, a cada instante há um ato e um fato que se liga à eternidade. Lembrai-vos de que o destino não é malvado, mas sempre justo, mesmo se as provas são pesadas. Recordai-vos de que jamais se sofre em vão, pois a dor esculpe a alma. A lei do próprio destino obedece a equilíbrios profundos e é inútil rebelar-se. Há dores que parecem matar, mas jamais se apresentam sem esperança; nunca sereis onerados acima de vossas forças. A reação das inexauríveis potências da alma é proporcional ao assalto. Tende fé, ainda que o céu esteja negro, o horizonte fechado e tudo pareça acabado, porque lá sempre está à espera uma força que vos fará ressurgir. O abandono e sua sensação fazem parte da prova, porque só assim podereis aprender a voar com as próprias asas. Mesmo quando dormis ou ignorais, o destino vela e sabe: é uma força sempre ativa na preparação de vosso amanhã, que contém as mais ilimitadas possibilidades.

             Esses ideais foram ensinados na Terra. Mártires morreram por eles. Mas, o que não foi explorado pela hipocrisia do homem?  Às vezes, os ideais, para serem divulgados, utilizam justamente esta sua capacidade de sofrer a exploração, tal como o fruto que se deixa devorar para que a semente seja levada para longe. Há a classe dos construtores e há a classe dos demolidores; dos parasitas que, pela mentira, operam uma contínua degradação de todos os valores espirituais. Há quem construa à custa de tormentosos esforços e há quem utilize para si, pendurando-se como peso morto, para baixar tudo ao próprio nível. Um é espírito que vivifica, outro é matéria que sufoca. O princípio puro, então infecciona-se, adquire sabor de mentira: processo de degradação de ideais. Ai dos culpados, dos demolidores do esforço dos mártires! Ai de quem faz da missão uma profissão e coloca o espírito como base de poder humano! Ai de quem mente e induz a mentir; de quem com o abuso, induza ao abuso; de quem dando exemplo de injustiça bem sucedida, proponha-a como uma norma de vida! Realizada uma ação, não podeis mais anulá-la até que se esgotem e sejam reabsorvidos seus efeitos. Ai da sociedade que deixar esquecidos seus melhores elementos, não os colocando na posição que possam render em vista de seus merecimentos, e abandona seus valores mais altos à apatia e à incompreensão. São inúteis os reconhecimentos póstumos e tardio o remorso por um tesouro perdido. Ai das religiões que não cumprirem sua tarefa de salvar os valores espirituais do mundo! O espírito não pode morrer e ressurgirá alhures, fora delas. Ai dos dirigentes que não obedecerem ao Alto e não atenderem à voz da justiça que reside na própria consciência! Ai de quem desperdiçar seu tempo e não fizer de sua vida u’a missão!

             Um julgamento final vos aguarda a todos, não por obra de um Deus exterior a vós, a quem se possa enganar ou enternecer. Ele é uma lei onipresente no espaço e no tempo cuja reação não há distância nem demora que possa deter, de quem não se escapa, porque está dentro de vós e de todas as coisas. Pode evitar-se ou enganar a lei da gravidade? Assim não se evita nem se engana a reação da Lei, a justiça divina.

             Deixo-vos. Minha última palavra a quem sofre. Esse é grande na Terra, porque regressa a Deus. Destruí a dor e destruireis a vós mesmos, “Felizes os que choram, porque serão consolados”. Não temais a morte, que vos liberta. Vós e vossas obras, tudo é indestrutível por toda a eternidade. Minha última palavra é de amor, de paz, de perdão, para todos.

             Minha obra está terminada. Se durante anos e anos, uma humanidade diferente, muito maior e melhor, olhando para trás, pesquisar esta semente lançada com muita antecipação para ser logo fecundada e compreendida, admirando-se como tenha sido possível adiantar-se aos tempos, tenha ela um pensamento de gratidão para o ser humano que, sozinho e desconhecido, realizou este trabalho, por meio de seu amor e de seu martírio.

             A sinfonia está escrita. O cântico emudece, para ressurgir em outras formas, noutros lugares. A voz apaga-se. O pensamento se afasta de sua manifestação exterior, na profundeza, para seu centro, no infinito.



terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 17

 

ANTOLOGIA UBALDIANA - 17

 A GRANDE SÍNTESE

CAPÍTULO 73. FISIOLOGIA SUPRANORMAL

- HEREDITARIEDADE FISIOLÓGICA E HEREDITARIEDADE PSÍQUICA -

             Somente estes conceitos de vida psíquica podem guiar a ciência até às portas de uma ultrafisiologia, ou fisiologia do supranormal, como a vedes despontar nos fenômenos mediúnicos. Aqui as relações entre matéria e espírito são imediatas: o psiquismo modela uma matéria protoplasmática mais evoluída e sutil: o ectoplasma. A nova construção, antecipação evolutiva, não possui, naturalmente, a resistência das formas que se estabilizaram por uma vida longa; seu desfazimento é rápido. As estradas novas e de exceção ainda são anormais e inseguras. Os produtos da fisiologia supranormal que emergem dos caminhos habituais da evolução, necessitam fixar-se, por tentativas e longas repetições, na forma estável. Tudo isso vos lembra o raio globular, retorno atávico de um passado superado. Ao invés, o ectoplasma é um pressentimento do futuro, corresponde àquele processo de desmaterialização da matéria, de que falamos. A matéria química do ectoplasma corresponde a uma avançada desmobilização dos sistemas atômicos em movimentos vorticosos, ao longo da escala de elementos, para pesos atômicos máximos. O fósforo (peso atômico 31), corpo sucedâneo, aceito apenas em doses moderadas no círculo da vida orgânica, é tomado aqui, no avançado movimento vorticoso, como corpo fundamental, ao lado do H (1), C (12), N (14), e O (16). A plástica da matéria orgânica, por obra do psiquismo central diretor, torna-se cada vez mais imediata e evidente. Tudo isso vos explica a estrutura falha de muitas materializações espíritas, que suprem a incompleta formação de partes, com massas uniformes de substância ectoplasmática, com aparência de panos ou véus. Tudo revela a tentativa, o esforço, a imperfeição do que é novo. Isso vos faz compreender como o desenvolvimento do organismo, até à forma adulta, seja apenas uma construção ideoplástica, realizada pelo psiquismo central, através dos velhos e seguros caminhos tradicionais percorridos pela evolução.

            A rede de fatos e concomitâncias restringe-se cada vez mais em torno deste inegável psiquismo. Só ele vos dá a chave do fenômeno da hereditariedade 14. Fenômeno inexplicável, se olhado apenas em seu aspecto orgânico, como o faz a ciência. Para ser compreendido, tem que completar-se com o conceito de uma hereditariedade psíquica. Como podem os órgãos, sujeitos a contínua renovação, até um final e definitivo desfazimento, conservar indefinidamente características estruturais e transmitir aptidões prenatais a outros organismos? Os registros no instinto — mesmo os mais importantes — ocorrem depois do período juvenil da reprodução, no indivíduo adulto, por vezes justamente na velhice  (a máxima maturidade psíquica). Como podem, numa natureza tão previdente e econômica, justamente serem perdidas as melhores ocasiões? Ou não será que a hereditariedade segue outros caminhos, os psíquicos, pelos quais o material recolhido é confiado à sobrevivência do princípio espiritual, em lugar dos caminhos orgânicos da reprodução? Não vimos que esse era o nó que amarrava, numa explicação única, todos os fenômenos do instinto, da consciência, da evolução psíquica? Quem, senão o espírito imortal, pode manter o fio condutor que, através de um contínuo nascer e morrer de formas, dirige o desenvolvimento da evolução? Que fio, senão esse, saberia atingir as superiores construções da ética? 

            Esse conceito de hereditariedade psíquica conduz à conclusão inevitável, já agora preparada por muitos fatos para poder ser negada, da sobrevivência de um princípio psíquico depois da morte, isso tanto no homem como nos seres inferiores, que não foram deserdados pela justiça divina — embora irmãos menores e de forma diferente — dos direitos da sobrevivência. Se o psiquismo já foi demonstrado como parte integrante dos fenômenos biológicos — como princípio ao qual são confiados os últimos produtos da vida e a continuidade do transformismo evolutivo, como unidade diretora de todas as suas formas sucessivas — é óbvio admitir que ele, tal como sobrevive à morte orgânica, deva preexistir ao nascimento. Esse equilíbrio de momentos contrários é necessário na harmonia de todos os fenômenos; na indestrutibilidade da substância, já demonstrada em todos os campos, tudo é continuação e retorno cíclico. O universo não pode ser arrítmico em nenhum ponto, nem em nenhum momento. Resulta, pois, absurdo o conceito de uma Divindade submetida à dependência de dois seres, cuja união deva aguardar, para ser obrigada, quando eles o queiram, ao trabalho da criação de uma alma. Não se pode conceder à criatura tal poder de decisão.  No tempo ilimitado, que acúmulo de unidades espirituais através da vida! Onde se completaria o ciclo e se restabeleceria o equilíbrio?

            A própria hereditariedade oferece-vos fenômenos doutro modo inexplicáveis. Sem este conceito, tudo se torna incompreensível e ilógico; com ele, tudo fica claro, justo, natural. Por vezes, os filhos superam os pais; os gênios nascem quase sempre de ancestrais medíocres. Como poderia o mais ser gerado pelo menos. Os caracteres distintivos da personalidade exorbitam de cada hereditariedade, à qual vedes que estão confiadas mais as afinidades orgânicas que as psíquicas. Vimos a gênese do psiquismo, a formação do instinto, da consciência, problemas insolúveis de outra forma. Por que essas profundas desigualdades, inatas e indestrutíveis no indivíduo, qualidades próprias indelevelmente estampadas em sua face psíquica interior? Elas não vos revelam todo um caminho percorrido? Um passado vivido que não pode anular-se, nem fazer calar, ressurge e grita: tal qual fui, tal sou. De tudo isso depende um destino de alegria ou dor, que demonstra um direito ou uma condenação. Uma criação nova, a partir do nada, teria que formar, por justiça divina, almas e destinos iguais. Não permitais que tantas condenações dolorosas — permitidas com justiça por Deus, porque queridas pelo ser livre e responsável — recaiam sobre a Divindade, como acusação de injustiça ou de inconsciência. Quantos absurdos éticos diante de uma alma, à qual, ao invés, deveria ensinar-se a subir moralmente!

            Não exceptuais o homem da lei cíclica, que rege todos os fenômenos. Um rio não pode criar-se para a fonte. Se esta não haurisse sempre do mar, por meio da evaporação e das chuvas, não haveria bastante água para alimentar seu eterno fluxo. Não crieis desproporções entre um átimo, vossa vida, e uma eternidade de consequências. Sabeis acaso o que é uma eternidade? É absurda, inconcebível, uma tão descomunal desproporção entre causa e efeito. Só o que não nasce é que não pode morrer; só o que não teve princípio pode sobreviver na eternidade. Se admitirdes um ponto de partida, tereis que aceitar um equivalente ponto de chegada; se a alma nasce com o corpo, tem que morrer com o corpo. Esta lógica nos leva ao mais desesperador materialismo. 

            Não acrediteis, como tantas vezes o fazeis em vossas ilusões, que prêmio ou castigo, alegria ou dor, na eternidade da divina justiça, possam ser usurpados, como é de costume em vosso mundo. Tudo obedece a uma lei fatal de causalidade, uma lei íntima, invisível e inviolável, contra a qual nada pode a astúcia nem a prepotência. É lei matemática, exato cálculo de forças. Não há possibilidade de violação, em tão férrea entrosagem de fenômenos. Ninguém escapa às consequências de suas ações: o bem e o mal que se praticam, é para si mesmo que são praticados. Antes da hereditariedade orgânica, existe a hereditariedade psíquica. Esta comanda aquela e resume todas as vossas obras e determina vosso destino. Deus é justo, sempre. Não podeis culpar ninguém. Em qualquer caso é absurdo amaldiçoar. Em cada átimo é feito o balanço exato do dar e do haver, como culpas e méritos, como castigos e alegrias; a dor é sempre uma bênção de Deus porque, se não resgata nem purifica, se não paga o débito, sempre constrói, porque acumula crédito. É a lei da vida, oculta, inatingível, sempre presente e sábia.

            Caem vossas barreiras e as defesas que ergueis em favor da injustiça. A justiça é a lei profunda que vos acompanha e sempre vos encontra na eternidade. Quantos dramas nestas palavras! Acima do parentesco de corpos, há um parentesco mais profundo com o vosso passado e com vossas obras que ressurgem em redor de vós, assediam-vos, erguem-vos ou vos abatem. Sois exatamente como vos construís; possuís, aparentemente concedidas pela natureza, as armas que vós mesmos fabricastes para vós e com elas enfrentais a vida, com ela a venceis. Movimentastes as causas que agora agem dentro e fora de vós. O presente é filho do passado; o futuro é filho do presente. Não culpeis ninguém. A gênese de uma vida não pode ser o efeito de um egoísmo a dois, que agem em dano de um terceiro, impossibilitado de dar opinião. Como podeis acreditar que uma vida de alegria ou dor, tal qual dependeria a fixação de um estado definitivo por toda a eternidade, fosse deixada à mercê de um fato acidental, realizado sem consciência de suas consequências? Um fato tão substancial como é a vida e a dor de um homem, num organismo universal em que tudo é tão exato e justamente querido e previsto, como pode ser abandonado assim, fora da lei, no momento decisivo de sua gênese, que tem efeitos colossais? Não vedes o absurdo desse conceito? Como podeis crer que na imensa ordem soberana possa haver lugar para a loucura e a maldição, para a inconsciência e para a usurpação? E que se possam semear, assim ao acaso, por irresponsáveis, as causas da dor?

            Não sentistes vossa personalidade, que grita “eu”, acima de qualquer vínculo e afinidade? A hereditariedade é acima de tudo psíquica, essa é de vós mesmos, individual, preparada por vós e assim desejada. A hereditariedade fisiológica é uma hereditariedade secundária, dependente daquela, de consequências limitadas porque inerentes a um organismo que, para vós, é apenas o veículo da viagem terrena que amanhã abandonareis. O parentesco familiar é parentesco orgânico, de formas, de tipos; nesse vaso desceu vosso espírito, não por acaso, mas por lei de afinidade. A fusão é completa numa unidade que, mesmo conservando os caracteres da raça e da família, transcende-os, muitas vezes, inconfundivelmente como personalidade psíquica. Vêm daí as semelhanças e ao mesmo tempo, tantas diferenças. Os genitores vos dão o germe da vida física; protegem-lhe o desenvolvimento, paralelamente ao da vida psíquica, descida do céu, e confiada a eles. Respeitai e amai seu grande trabalho. Nas horas frágeis da juventude, vossa alma eterna está em suas mãos; e tremei se sois vós os genitores, ao refletir que sois escolhidos como colaboradores no trabalho divino da construção de almas.

            Se a vida psíquica não é filha direta dos pais, tem parentesco com eles pelas vias da afinidade, que a chama e atrai para determinado ambiente. Nada é confiado ao acaso. Muitas vezes a alma escolhe o lugar e o tempo, prevendo as provas que tem que vencer, mas quando ainda não atingiu essa consciência e ainda não sabe ser livre, então seu peso específico — que resulta do grau de sua destilação espiritual — as atrações e repulsões pelas coisas da terra e a natureza do tipo que constituiu, guiam-na automaticamente, para um espontâneo equilíbrio de forças em seu elemento, único no qual pode viver e trabalhar, do mesmo modo que tudo se equilibra no universo, do átomo às estrelas.

                                                        


segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 16

 

ANTOLOGIA UBALDIANA - 16

 A GRANDE SÍNTESE 

CAPÍTULO 70. AS BASES PSÍQUICAS 

DO FENÔMENO BIOLÓGICO

             A causa, o princípio das coisas, reside no seu próprio íntimo. Os efeitos estão no seu exterior. Cada fenômeno tem um tempo próprio relativo, que lhe estabelece e mede o ritmo de transformação, tem sua velocidade do devenir. A sucessão que, no tempo, passa de causa a efeito, é também uma sucessão de desenvolvimento, que vai do âmago à superfície; é uma dilatação do princípio, em sua manifestação. Assim é o psiquismo. Vedes esse íntimo impulso manifestar-se em toda parte: primeiro na direção da química da vida, mediante a formação do plasma, por seu crescimento, reprodução e evolução; depois na construção dos órgãos internos que, com seu funcionamento orgânico, permitem manter-se vivas as unidades superiores dos órgãos externos, que lhe asseguram a nutrição e a defesa, a vida e a evolução; por fim, na direção geral, impressa em toda essa máquina, sob o impulso do instinto e da razão. Aqui transparece evidente o psiquismo. Em vossas classificações zoológicas, reunis os seres por afinidade morfológica. A anatomia comparada indica-vos órgãos homólogos. Essa homologia vos dá a perceber os parentescos e, com base nessas semelhanças, agrupais plantas e animais em ordens, gêneros, séries e espécies. Não podeis agir doutra maneira, porque partis do exterior e da forma. Isso está certo, porque parentesco de formas significa parentesco de conceito genético, afinidade morfológica e afinidade do princípio animador do psiquismo. Mas não basta. Esses agrupamentos seriam mais compreensíveis se concebidos em sua causa, em seu impulso íntimo determinante, mais do que apenas como forma exterior. É preciso introduzir o fator psíquico na interpretação de todos os fenômenos biológicos, aprofundando a química orgânica no campo super-orgânico do psiquismo diretor; é mister criar uma ultrazoologia e botânica, que estude o conceito e os parentescos entre os conceitos, as afinidades psíquicas, mais do que as orgânicas, e a evolução do pensamento animador das formas. 

             Há três tipos de natureza: 

             O reino físico (mineral, geológico, astronômico) que compreende a matéria.

            O reino dinâmico (as forças) que compreende as formas de energia.

            O reino biológico psíquico (vegetal, animal, humano, espiritual) que compreende os fenômenos da vida e do psiquismo.

            Esta é a trindade das formas de vosso universo. As classificações zoológicas e botânicas não devem ser classificações de unidades orgânicas, mas de unidades psíquicas. É preciso enfrentar objetivamente o psiquismo da vida, a parte mais ignorada e negligenciada por vós, tomando-o como critério nas classificações e o fio condutor da evolução da espécie; observando-o, não mais na construção e funcionamento dos órgãos particulares, mas no movimento que o psiquismo imprime a toda a máquina; coordenando todos os seus atos para metas exatas, que revelam uma vontade exata com proporções de meios ao fim, com lógica e presciência profundas. É unicamente neste campo que reside a solução do mistério dos instintos, a explicação da técnica da hereditariedade, da sobrevivência, da evolução.

            Essa é uma direção inteiramente nova que deveis dar à biologia, à fisiologia e à patologia; uma orientação de acordo com o mais amplo conceito unitário, sem o qual todos os fenômenos, vistos por um único aspecto incompleto, vos parecerão mutilados e inexplicáveis. Sempre que o efeito aproxima-se do psiquismo animador, vos encontrais detidos diante da muralha do incompreensível. Agora as classificações estão feitas; a anatomia vos é conhecida; conhecido é o mecanismo químico da vida; está na hora de descer mais fundo no campo das causas. Mais do que da paciência do coletor de observações, a ciência precisa agora da síntese da intuição; além de gabinetes, de microscópios e telescópios, precisa acima de tudo de grandes almas, que saibam olhar desde seu próprio íntimo, até o âmago dos fenômenos; e saibam sentir, através das formas, a misteriosa substância que nelas se oculta.

            Não é mais tempo de negar um princípio tão evidente. Vimos que toda a evolução, da estequiogênese para cima, dirige-se para as formas do psiquismo, pois para ele se orienta o progresso fenomênico do universo, qual meta racional de todo o caminho. Na massa de fatos coletados e acumulados há um impulso que não se pode deter, uma direção que não se pode mudar. No psiquismo sobrevive o princípio elétrico da vida. Com efeito, tudo o que vive, ou se atrai, ou se repele; traz um sinal de amor ou de ódio; quer e tende irresistivelmente a fundir-se ou a destruir-se. Em cada forma, há um quid psíquico, um motor: é a substância da vida, é a vontade de viver que a sustenta, uma tensão que plasma e guia, um poder que dirige e arrasta a vida. Tirai esse princípio e ela logo cai. Além da aparência da forma vos indico essa substância, que lhe é a causa, desloco e aprofundo o conceito da evolução darwiniana. Vós parais nela diante da realidade exterior, da evolução das formas, do último efeito estampado na matéria. Eu penetro na realidade, partindo da concatenação evolutiva dos efeitos até a concatenação evolutiva das causas. Para mim não é essencial observar as formas que evoluem, a não ser  para seguir as causas que evoluem. Passo do conceito de evolução das formas biológicas, ao de evolução das formas determinantes; passo do estudo da evolução dos tipos orgânicos, mortos, ao estudo da evolução dos tipos psíquicos vivos e atuantes. O conceito darwiniano completa-se, assim, indo da série de organismos para uma “sucessão lógica de unidades dinâmicas”. 

             De agora em diante a ciência deve dirigir-se para esse centro, sem o qual a máquina da vida não se movimenta, não existe meta, e num instante se arruína, caindo à mercê de princípios menos elevados. Como pudesteis crer que um organismo perfeito e complexo, qual o corpo humano, podia manter-se e funcionar sem um psiquismo central regulador? Não basta dizer qual a química da respiração, da assimilação e da circulação; nem verificar o perfeito entrosamento de todas as engrenagens que presidem a essas três funções básicas. Nas profundidades do metabolismo celular existe a presciência do instinto, que realiza por si, sem intervenção da ciência; esta, por vezes, custa a compreender. Há não apenas maravilhoso ritmo de equilíbrios, mas resistências deles a desvios; há autodefesa orgânica, feita de sabedoria imersa nas profundidades do subconsciente; há uma medicina mais profunda que a humana, porque sabe vencer, muitas vezes, apesar dos ataques desta. A elevação térmica do processo febril, a fagocitose, o equilíbrio bacteriológico mantido entre amigos e inimigos, num ambiente saturado de micróbios patogênicos, a contínua reconstrução química dos tecidos, e mil outros fenômenos, fazem pensar numa vontade sábia que conhece e quer essa ordem. Quanto mais o organismo estiver no alto, mais é delicado e vulnerável; mais se torna difícil, por sua complicação, sua sobrevivência; o psiquismo supre, progredindo paralelamente na perfeição das defesas.

             A função cria o órgão e o órgão cria a função. O sistema nervoso criou o funcionamento orgânico e o dirige; o funcionamento orgânico reforça, desenvolve e aperfeiçoa o sistema nervoso. O psiquismo caminha paralelo à evolução dos organismos. Existe uma evolução, nas formas da luta e da seleção, que cada vez se tornam mais psíquicas e poderosas. Há  passagens no funcionamento orgânico, há metamorfoses químicas, que vos escapam e caminham, dirigidas apenas pelo fio condutor desse psiquismo. Na assimilação do intestino, as substâncias desaparecem de um lado, para reaparecerem do outro, completamente transformadas. Para explicar isto não basta o mecanismo da osmose. O alimento digerido todo junto, depois de haver atravessado a grande sala das desinfecções que é o estômago, em contato com as vilosidades do intestino no tubo interno que digere, passa através das paredes deste para os vasos sanguíneos. Nesse processo de diálise, a substância absorvida muda sua natureza química. O processo é tão delicado e em relação tão direta com o sistema nervoso e psíquico central, que uma impressão o altera. Isso é fato da experiência comum. Depois há a viagem do sangue para a distribuição do alimento absorvido, para ligar todas as partes num banho de vida. Com a respiração, o ar cede seu oxigênio e com ele a potência de um raio de sol; o sangue o pega para levá-lo a queimar-se e consumir-se lá embaixo no dinamismo celular dos tecidos e dos órgãos, para depois ressurgir em seu psiquismo. Que laboratório químico! Nele, a cada instante, restabelece-se o equilíbrio. Por sístoles e diástoles vai e volta o impulso da vida, circula o suco energético reconstrutor; a cada instante ferve o trabalho reparador da permuta; multidões de esquizomicetos viajam e param, aninham-se e acorrem, fazem paz ou guerra, levando saúde ou ruína. 

             Por meio desse refinamento evolutivo, que culmina no espírito, ao lado da progressiva desmaterialização das formas, o futuro se prepara à preponderância transbordante do psiquismo e prepara um banquete energético extraído de um raio de sol. Sem luta nem assassinatos, repousareis saciados de eflúvios solares, absorvendo diretamente seu dinamismo. Isto acontece em planetas mais evoluídos que o vosso, mas para vós, constitui um futuro ainda distante. Estômago e sangue formaram-se em vós como são agora, e através de idades incalculáveis, portanto, oferecem uma resistência proporcional para manter-se em sua linha atávica de funcionamento. Nem mesmo a venenosa síntese artificial das substâncias alimentares é própria para libertar-vos do animalesco circuito da química intestinal. Nem a introdução direta dos princípios nutritivos no sangue é trabalho adequado para vossa medicina de superfície, grosseira e violenta.

 


Antologia Ubaldiana - 15

 


ANTOLOGIA UBALDIANA - 15

 A GRANDE SÍNTESE

CAPÍTULO 67-  A ORAÇÃO DO VIANDANTE

             Alma cansada, abatida à margem da estrada, para um instante na eterna trajetória da vida, larga o fardo de tuas expiações e repousa.

             Ouve como está plena de harmonias a obra de Deus! O ritmo dos fenômenos irradia doce e grandiosa música. Por meio das formas exteriores, os dois mistérios, da alma e das coisas, observam-se e se sentem. Das profundezas, o teu espírito ouve e compreende. A visão das obras de Deus produz paz e esquecimento; diante da divina beleza da criação, aquieta-se a tempestade do coração; paixão e dor adormecem em lento e doce canto sem fim. Parece que a mão de Deus, através das harmonias do universo, acalenta, qual brisa confortadora, tua fronte prostrada pela fadiga aí se detém como uma carícia. Beleza, repouso da alma, contato com o divino! Então o viandante deprimido se reanima, com renovado pressentimento de sua meta. Não parece mais tão longa a jornada, tão comprida, quando se para um instante para dessedentar-se numa fonte. Então a alma contempla, antecipa e se alivia na caminhada. Com o olhar fixo para o Alto, é mais fácil retomar em seguida o caminho cansativo.

          Na estrada dolorosa, para, enxuga tua lágrima e ouve. O canto é imenso, as harmonias chegam do infinito para beijar-te a fronte, ó cansado viandante da vida. Ao lado do trovão das vozes titânicas do universo, murmuram num sussurro de beleza as delicadas vozes das humildes criaturas irmãs: “Também eu, eu também sou filha de Deus, luto e sofro, carrego o meu peso e busco minha vitória. Também eu sou vida, na grande vida do Todo”. E tudo, desde o fragor da tempestade, até o canto matutino do sol, do sorriso do recém nascido ao grito dilacerante da alma, tudo, com sua voz, revela-se a si mesmo e sintoniza com as vozes irmãs; tudo exprime seu mistério íntimo; cada ser manifesta o pensamento de Deus. Quando a dor atinge as mais íntimas fibras de teu coração, ouves uma voz que te diz: DEUS; quando a carícia do crepúsculo te adormece no sono silencioso das coisas, uma voz te diz: DEUS. Quando ruge a tempestade e a terra treme, uma voz te diz DEUS! Essa estupenda visão supera qualquer dor.

             Para, escuta e ora. Abre os braços à criação e repete com ela: “Deus, eu te amo”! Tua oração, não mais admiração amedrontada pelo poder divino, agora é mais elevada: é amor. Oração doce, que brota como um canto que a alma repete, ecoa de fraga em fraga por toda a terra, de onda em onda pelos mares, de estrela em estrela pelos espaços infinitos. É a palavra sublime do amor que as unidades colossais dos universos repetem contigo, em uníssono com a voz perdida do último inseto que, tímido, esconde-se entre a grama. Parece perdida; no entanto, Deus a conhece também, recolhe-a e a ama. No infinito do espaço e do tempo, somente esta força, essa imensa onda de amor, mantém tudo compacto em harmônico desenvolvimento de forças. A visão suprema das últimas coisas, da ordem em que caminham todas as criaturas, dar-te-á sozinha um sentido de paz; de verdadeira paz, de paz profunda, de alma saciada, porque percebe sua mais elevada meta.

             Assim Deus Se afigura-te ainda maior do que em seu poder de Criador, afigura-se te na potência de Seu amor. Explode, ó alma! Não temas! O novo Deus da Boa-Nova do Cristo é bondade. Não mais os raios vingativos de Júpiter, mas a verdade que convence, o carinho que ama e perdoa. O abismo infinito que olhas assustado não está para engolir-te, nas trevas do mistério, abre-se cheio de luz e, no âmago, canta sem fim o hino da vida. Lança-te afoito, porque nesse abismo reside o amor. Não digas: “não sei”, dize antes: “eu amo!”

             Ora! ora diante das imensas obras de Deus, diante da terra, do mar, do céu. Pede-lhes que te falem de Deus, pede aos efeitos a voz da causa, pede às formas o pensamento e o princípio que a todas anima. E todas as formas se aglomerarão em redor de ti, estender-te-ão seus braços fraternos, olhar-te-ão com mil olhos feitos de luz e o eterno sorriso da vida te envolverá como uma carícia. Essas mil vozes dirão: “Vem, irmão, sacia teu olhar interior, busca força na visão sublime. A vida é grande e bela, mesmo na dor mais atroz e tenaz é sempre digna de ser vivida”. Tomar-te-ão pelo braço, gritando: “Vem, atravessa o limiar e olha o mistério. Vê: não podes morrer jamais, jamais morrer. Tua dor passa,  com ela sobes e fica o resultado. Não temas a morte nem a dor:  não são o fim, nem o mal, são o ritmo da renovação e caminhos de tuas ascensões. A vida é um canto sem fim. Canta conosco, canta com toda a criação, o canto infinito do amor”.

             Ora assim, ó alma cansada: “Senhor, bendito sejas, sobretudo pela irmã dor, porque ela me aproxima de Ti. Prostro-me diante de Tua imensa obra, mesmo se nela minha parte é esforço. Nada posso pedir-Te, porque tudo já é perfeito e justo em Tua criação, mesmo meu sofrimento, mesmo minha imperfeição transitória. Aguardo no posto de meu dever a minha maturação. Repouso em Tua contemplação”.

             Responde, ó alma, ao imenso amplexo, verdadeiramente sentirás Deus. Se a inteligência dos grandes se prostra e venera, curva-se diante do poder do conceito e de sua realização, e se aproxima do Divino pelas cansadas vias da mente, o coração dos humildes atinge a Deus pelos caminhos da dor e do amor. Sente-O pelas estradas dessa sabedoria mais profunda.

             Ora assim, ò alma cansada. Descansa a cabeça em Seu peito e repousa.

 


quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 14

 

ANTOLOGIA UBALDIANA - 14

A GRANDE SÍNTESE

59. TELEOLOGIA DOS FENÔMENOS BIOLÓGICOS

(Teleologia = Estudo da Finalidade)

            A vida: panorama sem limites. Filha da energia onipresente, a vida está em toda a parte no universo, nascida do mesmo princípio universal e diferentemente desenvolvida, como resultante exata do impulso determinante e das reações das forças ambientais. Pambiose, não por transmissão de esporos ou de germes por via interplanetária e interestelar, mas pela onipresença da grande mãe, a energia — o princípio positivo, ativo que se une à matéria, princípio negativo e passivo. O germe do psiquismo desceu como raio do céu nas vísceras da matéria, que o estreitou em seu seio, num profundo amplexo, envolvendo-o em si, dando-lhe um corpo, uma veste, a forma de sua manifestação concreta.

        Vós mesmos sois esse fenômeno, mas sabeis que — desde as limitadas plagas do universo — a vida irmã, filha da mesma mãe, responde. Cada planeta, cada sistema planetário, cada estrela está plena dela, nas mais variadas formas, com meios e finalidades diversíssimos. Abandonai vosso piedoso antropomorfismo, que vos considera centro do universo e únicos filhos de Deus; abri os braços de par em par a todas as criaturas irmãs, afinai com elas vosso canto e vosso trabalho de ascensão.

        Subir, subir — eis a grande paixão de toda a vida — para um poder e uma consciência que não aceitam limitações. Mesmo em vossa Terra, desde os primeiros microorganismos, esta é a aspiração constante, a vontade tenaz da vida.

        Olhai em torno de vós. O panorama da vida terrestre, só por si, é imenso. A profusão dos germes, a potencialidade das espécies é tão grande que, sem a reação dos germes e espécies opostas ou concorrentes, uma só delas bastaria para invadir todo o planeta. A vida é tão frágil, tão vulnerável e, no entanto, tão poderosa, que é praticamente indestrutível. Observai os tesouros de sabedoria, como são profusos em suas formas. Quanta perspicácia sutil, que requintes de astúcia, que resistência de meios, que complexidade de arquitetura na construção orgânica, que economia e exatidão na divisão do trabalho e, ao mesmo tempo, que elasticidade! Vedes sintetizada na vida a mais alta sabedoria da natureza. Como seria possível que fenômenos reveladores de tão profunda inteligência e sabedoria, diante das quais a vossa se desorienta, tivessem acontecido assim, irracionalmente, e fossem filhos do acaso? Como a ciência lógica e racional pôde ser tão vergonhosamente míope, a ponto de não perceber o grande conceito que transborda sobre todos os fenômenos da vida e sua finalidade superior, que tudo explica e dirige? Que desastre quando quiseram trazer essas aberrações para o campo ético e social! O materialismo, se por um lado auxiliou o despontar de uma pseudo-civilização mecânica, atrasou de um século o progresso espiritual da humanidade.

        Olhai em torno de vós. Do protozoário ao homem, da célula ao mais complexo organismo, é sempre idêntica essa febre de ascensão, essa vontade indestrutível de viver. Indestrutível porque sabe superar qualquer obstáculo, vencer qualquer inimigo, triunfar de todas as mortes. Em toda parte um supremo instinto de luta, para sustentar o fenômeno máximo, cuja conservação despendem-se prodigamente todos os recursos e inteligências da vida. Em seu redor a natureza trepidante acumula todas as suas conquistas e todas as suas defesas. Se existe uma lógica na natureza, como vo-lo demonstra cada fato, como seria possível que, diante da finalidade suprema, falhasse essa lógica, renegando-se, quando em todas as ocasiões mostrou-se presente, com indomável vontade e assombrosa sabedoria?

        Vós vos perdeis no pormenor; o particular vos afoga.

        Observais o átimo fugitivo, não a totalidade do fenômeno no tempo. Desanima-vos o choque da dor, a falência de um caso. No dédalo da grande complexidade fenomênica, vossa consciência não sabe orientar-se: sente-se impotente diante da compreensão das grandes causas. Então dizeis: por que, por que viver? O animal, como o homem inferior, cuja consciência não sabe ultrapassar o nível da vida física, não faz essa tremenda pergunta.

        Mas ela assinala o primeiro despertar do espírito, sob o chicote da dor. Os choques atômicos e dinâmicos, neste nível, tornam-se paixão e dor. Com o mesmo cálculo exato de forças, determinam-se fenômenos e criações de ordem psíquica. Quando o ser se pergunta por que? então surgiu na vida uma criatura nova: o espírito. Na dor ele evoluirá gigantescamente.

        Por que viver? Por que sofrer? Não! Não basta o círculo de vossas coisas humanas: paixões, ilusões, conquistas e dores, para dar uma resposta. A alma sente que, com essa pergunta, assoma às pavorosas e abismais distâncias do infinito, e treme.

        As vossas filosofias, a ciência e as próprias religiões não sabem dar-vos uma resposta convincente; não vos sabem dizer o porquê de certos destinos obscuros, que parecem sem esperança, em seres puros e inocentes, destinos de condenação que parecem acusar a inconsciência na criação e a injustiça na Divindade. Não sabem dizer-vos o porquê de tantas disparidades e deficiências físicas e morais, de meios materiais e espirituais.

        Então acusais loucamente. Revoltais-vos com a revolta cega do homem cego que tateia nas trevas. Um triste abalo, e permanece a dor, não vencida, individual e coletivamente. Assim desenrola-se o fio de vosso destino e vós não sabeis. A sorte dos inconscientes vos guia: a de subir ignorando as leis da vida. Levantai-vos! eu vos digo. Ensino-vos nova luta, mais elevada que essa fútil e vil que diariamente vos subjuga e vos atira inutilmente contra vosso semelhante. Ensino-vos a guerra santa do trabalho: do trabalho que cria a alma, uma construção eterna. Ofereço-vos como inimigo, não vosso semelhante e irmão, mas leis biológicas que tendes que superar; ensino-vos a conquistar novos graus da evolução e a realização, em nosso planeta, de uma lei super-humana, da qual estão banidos vileza, traição, egoísmo, agressividade. Demonstro-vos que vossa personalidade, pela própria lógica de todos os fenômenos é indestrutível; que, pelos princípios vigorantes em todo o universo, existis para o bem e a felicidade; que o futuro vos espera a todos, para cada um subir até ele, de acordo com seu trabalho. As respostas tremendas aos grandes “por quês”, eu ofereço-vos naquela atmosfera de límpida logicidade, em que nos movimentamos sempre neste escrito, no qual cada fenômeno tem uma explicação natural. À mente humana falta o sentido das supremas finalidades, num mundo de fome espiritual e de perturbação geral; num momento de desorientação catastrófica eu venho dizer a palavra da bondade e da esperança. Não a digo apenas com os conceitos da fé que destruísteis: digo-a com os princípios da ciência, em que vos habituasteis a acreditar.

        Aí, onde o mundo admira e venera o que vence por qualquer meio, chamo a meu lado o homem mais sofrido e desventurado e lhe digo: “Amo-te, meu irmão; admiro-te, criatura eleita”. Onde o mundo apenas respeita a força e despreza o fraco que jaz derrotado, eu digo ao humilde e vencido: tua dor é a maior grandeza da Terra, é o trabalho mais intenso, a criação mais poderosa; porque a dor faz o homem, martela sua alma, plasma-a e levanta, lança-a para o Alto, para Deus. Que grande homem pode igualar-te? Que triunfador das forças da Terra jamais realizou uma criação verdadeiramente eterna como a tua? 

        Não maldigas a dor. Não conheces suas longínquas raízes; não sabes qual foi a última onda, impulsionada por uma infinita cadeia de ondas, que constituiu o teu presente. Num universo tão complexo, no seio de um organismo de forças regido por uma lei tão sábia, que nunca falhou definitivamente, como podes acreditar que teu destino esteja abandonado ao acaso, e o desequilíbrio momentâneo, que te aflige e te parece injustiça, não seja condição de mais alto e mais perfeito equilíbrio? 

        Deus é tudo: não apenas o bem. Não pode ter rivais nem inimigos: é um bem maior que o mal, que ele compreende e constrange a alcançar seus objetivos. Como podes acreditar, mesmo ignorando as forças que agem em ti, que estejas abandonado ao acaso? Não! Seja que o chames Pai, com a palavra da fé; ou cálculo de forças, com a palavra da ciência; a substância é a mesma: estais vigiado por uma vontade e uma sabedoria superiores; um equilíbrio profundo te dirige. Lembra-te de que, no organismo universal, as palavras “acaso” e “injustiça” constituem um absurdo. Não pode haver erro nem imperfeição, senão como fase de transição, como meio de criação. A lei da vida é alegria e o bem, mesmo que para realizar-se integralmente seja necessário atravessar a dor e o mal. Repito: “Felizes os que sofrem. Os últimos serão os primeiros”.

        Deus vê os espíritos, mede substancialmente as culpas, proporciona as provas às forças e, no momento exato, diz: basta, repousa! Então a terrível tempestade da dor transforma-se em serena paz, em que brilha a consciência alegre da conquista realizada; abrem-se, então, as portas do céu e a alma contempla extasiada; das tempestades emergem seres elevados a um grau mais alto de evolução. Não maldigas. Se a natureza — tão econômica até em sua prodigalidade, tão equilibrada em seus esforços — permite essa derrota, como biologicamente é a morte, e uma tal falência de tuas aspirações, como a dor, isto não pode significar, na lógica do funcionamento universal, senão fenômenos que não são nem perda nem derrota, mas incluem, escondidos neles, uma função criadora.

        A dor tem uma função fundamental na economia e no desenvolvimento da vida, especialmente em seu psiquismo. Sem sofrimento o espírito não progrediria. Por isso a dor é a primeira coisa de que vos falo ao ingressardes na vida. Ela é aí colocada como fato substancial, pois é o esforço da evolução, a nota fundamental do fenômeno biológico. A dor, produzida pelo choque das forças ambientais opostas ao eu, excita-lhe como reação todas as atividades e com as atividades, o desenvolvimento. Só a dor sabe descer ao âmago da alma e arrancar-lhe o grito, com o qual ela se reconhece a si mesma; só ela sabe despertar-lhe toda a potência oculta e fazê-la encontrar, no fundo do abismo íntimo, sua divina e profunda natureza.

        O mal, representado por essa lei de luta, a lei de vosso mundo biológico, lei desapiedada que pesa em vosso planeta como uma condenação, transforma-se num bem. Olhai o âmago das coisas e vereis que o mal sempre se transforma no bem. O instinto de agressão excita, como reação no agredido, o desenvolvimento da consciência, o progresso nos caminhos da ascensão biológica e psíquica.

        Os seres aglomeram-se para invadir tudo, para se arrasarem mutuamente. A necessidade de constante esforço para defender-se significa a necessidade de contínuo trabalho de ascensão. Assim, na série dos choques recíprocos e inevitáveis, a natureza recoloca a técnica em sua auto-elaboração. Por isso, a lei brutal contém em si os meios de transformar-se a si mesma e, por sua força íntima, transforma-se na lei superior de amor e de bondade do Evangelho.

        Duas fases de evolução biológica: animal-humana e super-humana. Duas leis em contraste no atual período de transição.

        Enquanto alvorece a nova civilização do terceiro milênio, no qual se realizará o tão esperado Reino de Deus, embaixo ainda se desencadeia a louca ira bestial humana. Mas a lei contém em si os germes do futuro, os meios para realização do seu transformismo. Jamais vedes, na natureza, as forças operarem de fora: manifestam-se de dentro, como expansão de um princípio oculto nas misteriosas profundezas do ser. No homem, que hoje se encontra numa grande encruzilhada de sua maturação biológica, que chega ao nível psíquico, ocorrerá a transformação e se manifestará a nova lei, já anunciada há dois milênios na Boa-Nova do Evangelho de Cristo.

        Nosso Tratado entra, agora, numa atmosfera mais humana e mais cálida, mais palpitante de vossa vida, instintos e paixões.

        Os problemas que abordaremos estão próximos de vós, vida de vossa vida, tormento de vosso tormento. Minha palavra exalta-se em sua iminente humanidade. 

        Aproximando-nos das formas superiores da vida em que estais, avizinhamo-nos da meta de nosso caminho, para traçar-vos os caminhos do bem. Demoramo-nos muito no estudo das criaturas menores, irmãs do mundo físico e dinâmico, porque elas contêm os germes. Sem elas não seria possível a existência nem a explicação dos problemas da vida e do psiquismo.

        Quanto mais ampla a abertura da mente, mais se aprofunda o estudo e o pensamento, e mais se revela complexo o funcionamento do todo. Esta filosofia torna-se a filosofia do universo; não, como as outras, um sistema antropomórfico e egocêntrico, mas uma concepção que exorbita os limites do planeta, aplicável onde quer que exista a vida.

        Neste sistema, a vossa ciência perde aquele seu caráter desconsolado, de viandante que caminha sem esperança de jamais chegar a u’a meta demasiadamente afastada. Nele a fé perde aquele caráter de irrealidade que aparenta, diante da objetividade do positivismo científico. Mas, por que nunca devem estender-se os braços, os dois extremos do pensamento humano?

        A ciência tornou-se gigante e não é mais lícito ignorá-la no seio de uma fé que não pode ser suficiente para as complexas mentes modernas, se deixada aos primitivos enunciados da concepção mosaica. Torna-se indispensável unir os dois caminhos e as duas forças; reunir os dois aspectos divididos da mesma verdade, para que a ciência não permaneça apenas um árido produto do intelecto — sem finalidade no céu, sem resposta para a alma que sofre e pergunta — e a fé não venha a ser apenas um produto do coração, que não sabe dar as razões profundas à mente que “quer” ver. 

        Estes conceitos poderão perturbar vossas categorias tradicionais, mas respondem à inevitável necessidade de salvar a ciência e a fé; pertencem ao futuro do pensamento humano e estão acima de todos os vossos sistemas, tradições e resistências, como são todas as forças invencíveis da evolução.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 13

 
 Pietro Ubaldi e esposa (Sra. Antonieta Solfanelli Ubaldi) 


ANTOLOGIA UBALDIANA - 13


A GRANDE SÍNTESE


CAPÍTULO 41. INTERREGNO

Mais uma pausa em nossa longa caminhada; repouso para a áspera tensão de vosso pensamento e orientação no vasto mar do conhecimento que vos exponho, de maneira que vossa meta esteja sempre presente.

Não digais: felizes os que podem viver sem saber e sem perguntar. Dizei antes: felizes aqueles cujo espírito jamais se sacia de conhecimento e de bem, que lutam e sofrem por uma conquista cada vez mais alta. Lamentai os satisfeitos da vida, os inertes, os apagados; o tempo deles é apenas ritmo de vida física e transcorre sem criações. Eles recusam o esforço destas elevadas compreensões que vos ofereço e não existe luz no amanhã para o espírito que adormece.


Meu olhar novamente pousa em vosso mundo, saturado de inconsciência e de dor, de erudição e de agnosticismos, de luta e de loucura: turbilhões  de paixões, provas tremendas, tormentos cobertos de sorrisos. Grande e trágico é o quadro de vossos destinos, porque ouço aquele grito desesperado que prorrompe da alma e que escondeis, porque, no fundo do riso dos gozadores, ouço o respiro dos agonizantes em desespero.


Alma, alma, centelha divina, que nenhuma de vossas loucuras jamais poderá destruir e está sempre pronta a ressurgir cada vez mais bela de cada dor! Potência que jamais se cansa de ser e de criar, só tu verdadeiramente vives. Nenhuma conquista de pensamento, nenhuma afirmação humana poderá jamais extinguir tua sede de infinito. Vossa ciência, muitas vezes mera presunção de palavras eruditas, e vossa civilização exterior e mecânica esqueceram que isto é o centro da vida, a causa primária dos fenômenos mais próximos de vós e intrínsecos. A alma tem suas necessidades e seus direitos. Não se pode matá-la, não se pode atordoá-la para fazê-la calar. Não ouvis seu grito desesperado, que se ergue entre vossas vicissitudes individuais e sociais? Sua vida, negligenciada, pesa em vosso destino e o arruina. Vossa alma sofre, e sequer sabeis encontrá-la novamente; certos abismos vos desanimam e as águas fecham-se tranquilamente num sorriso aparente por cima do báratro tremendo. Que acontecerá lá embaixo, no mistério das causas profundas, que desejaríeis ignorar e afastar da consciência? Alguma coisa palpita e treme nas trevas profundas. Cada alma esconde dentro de si uma sombra secreta que não ousa olhar, mas que jamais poderá esconder de si mesma: uma sombra sempre pronta a ressurgir, logo que uma hora de paz diminua a tensão da corrida louca com que quereis distrair-vos. A alma não se sacia, embalando o corpo em comodidades supérfluas e dispendiosas, acariciando os olhos com um brilho apenas externo. Na satisfação dos sentidos, alguma coisa sofre igualmente no íntimo e agoniza numa angústia profunda. Resta um vazio dentro de vós, em que apenas uma voz, perdida e desconsolada, eleva-se inquieta para perguntar: e depois?


Então vos falo. Falo num tom de paixão, para as almas prontas e ardentes; em tom de sabedoria para quem é mais apto a responder às vibrações intelectivas. A todos falo, porque quero sacudir e unir todos em uma fé mais alta, numa verdade mais profunda. Aqui, dirigindo-me à mente, convoco todos à colheita: químicos e filósofos, teólogos e médicos, astrônomos e matemáticos, juristas e sociólogos, economistas e pensadores, os sábios em todos os campos do cognoscível humano, a cada um falo sua própria linguagem; convoco à colheita as mentes mais elevadas, que dirigem o pensamento humano, para compreenderem esta Síntese e saberem, finalmente alcançar, com ela, um pensamento unitário que resolva tudo e o diga à mente e ao coração, para os supremos fins da vida.


Esta pausa é para dizer-vos que, no fundo deste árido tratado científico, arde uma paixão imensa de bem; esta paixão é a centelha que anima toda essa ciência que vos exponho. Quem não sentir essa centelha, que se comunica diretamente de alma para alma, e lançar a este escrito um olhar simplesmente curioso, ou ávido de aprender somente, não ficará nutrido.


A pena que escreve e segue meu pensamento, gostaria de precipitar-se para as conclusões. Mas o caminho tem de ser percorrido todo; o edifício é vasto e o trabalho tem de ser executado por inteiro, para que a construção seja sólida e possa resistir aos golpes do tempo e dos céticos. Nesta pausa que vos concedo, deixo a alegria das antecipações, o pressentimento das conclusões e o repouso da visão de conjunto. O próprio tratado assim se valoriza, ilumina-se com uma luz mais alta que a pura erudição ou os fins utilitários; ilumina-se com um significado que, muitas vezes, a ciência não possui. Só com essa nobreza de objetivos e com essa pureza de intenções, se tem o direito de olhar de frente os maiores mistérios do ser e de enfrentar os problemas que dizem respeito à vida e à morte.



sábado, 11 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 12

 

ANTOLOGIA UBALDIANA - 12


A GRANDE SÍNTESE

CAPÍTULO 41. INTERREGNO

Mais uma pausa em nossa longa caminhada; repouso para a áspera tensão de vosso pensamento e orientação no vasto mar do conhecimento que vos exponho, de maneira que vossa meta esteja sempre presente.

Não digais: felizes os que podem viver sem saber e sem perguntar. Dizei antes: felizes aqueles cujo espírito jamais se sacia de conhecimento e de bem, que lutam e sofrem por uma conquista cada vez mais alta. Lamentai os satisfeitos da vida, os inertes, os apagados; o tempo deles é apenas ritmo de vida física e transcorre sem criações. Eles recusam o esforço destas elevadas compreensões que vos ofereço e não existe luz no amanhã para o espírito que adormece.


Meu olhar novamente pousa em vosso mundo, saturado de inconsciência e de dor, de erudição e de agnosticismos, de luta e de loucura: turbilhões  de paixões, provas tremendas, tormentos cobertos de sorrisos. Grande e trágico é o quadro de vossos destinos, porque ouço aquele grito desesperado que prorrompe da alma e que escondeis, porque, no fundo do riso dos gozadores, ouço o respiro dos agonizantes em desespero.


Alma, alma, centelha divina, que nenhuma de vossas loucuras jamais poderá destruir e está sempre pronta a ressurgir cada vez mais bela de cada dor! Potência que jamais se cansa de ser e de criar, só tu verdadeiramente vives. Nenhuma conquista de pensamento, nenhuma afirmação humana poderá jamais extinguir tua sede de infinito. Vossa ciência, muitas vezes mera presunção de palavras eruditas, e vossa civilização exterior e mecânica esqueceram que isto é o centro da vida, a causa primária dos fenômenos mais próximos de vós e intrínsecos. A alma tem suas necessidades e seus direitos. Não se pode matá-la, não se pode atordoá-la para fazê-la calar. Não ouvis seu grito desesperado, que se ergue entre vossas vicissitudes individuais e sociais? Sua vida, negligenciada, pesa em vosso destino e o arruina. Vossa alma sofre, e sequer sabeis encontrá-la novamente; certos abismos vos desanimam e as águas fecham-se tranquilamente num sorriso aparente por cima do báratro tremendo. Que acontecerá lá embaixo, no mistério das causas profundas, que desejaríeis ignorar e afastar da consciência? Alguma coisa palpita e treme nas trevas profundas. Cada alma esconde dentro de si uma sombra secreta que não ousa olhar, mas que jamais poderá esconder de si mesma: uma sombra sempre pronta a ressurgir, logo que uma hora de paz diminua a tensão da corrida louca com que quereis distrair-vos. A alma não se sacia, embalando o corpo em comodidades supérfluas e dispendiosas, acariciando os olhos com um brilho apenas externo. Na satisfação dos sentidos, alguma coisa sofre igualmente no íntimo e agoniza numa angústia profunda. Resta um vazio dentro de vós, em que apenas uma voz, perdida e desconsolada, eleva-se inquieta para perguntar: e depois?


Então vos falo. Falo num tom de paixão, para as almas prontas e ardentes; em tom de sabedoria para quem é mais apto a responder às vibrações intelectivas. A todos falo, porque quero sacudir e unir todos em uma fé mais alta, numa verdade mais profunda. Aqui, dirigindo-me à mente, convoco todos à colheita: químicos e filósofos, teólogos e médicos, astrônomos e matemáticos, juristas e sociólogos, economistas e pensadores, os sábios em todos os campos do cognoscível humano, a cada um falo sua própria linguagem; convoco à colheita as mentes mais elevadas, que dirigem o pensamento humano, para compreenderem esta Síntese e saberem, finalmente alcançar, com ela, um pensamento unitário que resolva tudo e o diga à mente e ao coração, para os supremos fins da vida.


Esta pausa é para dizer-vos que, no fundo deste árido tratado científico, arde uma paixão imensa de bem; esta paixão é a centelha que anima toda essa ciência que vos exponho. Quem não sentir essa centelha, que se comunica diretamente de alma para alma, e lançar a este escrito um olhar simplesmente curioso, ou ávido de aprender somente, não ficará nutrido.

A pena que escreve e segue meu pensamento, gostaria de precipitar-se para as conclusões. Mas o caminho tem de ser percorrido todo; o edifício é vasto e o trabalho tem de ser executado por inteiro, para que a construção seja sólida e possa resistir aos golpes do tempo e dos céticos. Nesta pausa que vos concedo, deixo a alegria das antecipações, o pressentimento das conclusões e o repouso da visão de conjunto. O próprio tratado assim se valoriza, ilumina-se com uma luz mais alta que a pura erudição ou os fins utilitários; ilumina-se com um significado que, muitas vezes, a ciência não possui. Só com essa nobreza de objetivos e com essa pureza de intenções, se tem o direito de olhar de frente os maiores mistérios do ser e de enfrentar os problemas que dizem respeito à vida e à morte.