Venho
dum tempo em que doces babás culturalmente despreparadas mas espiritualmente
graduadas nas divinas universidades do amor fraterno, nos contavam histórias -
ainda eram histórias e não estórias - singelas, nas quais o bem recebia sempre
o seu prêmio e o mal o seu castigo. Em muitas dessas histórias, os heróis
anônimos se perdiam pelos caminhos e a noite chegava cheia de terrores, mas
tudo acabava bem quando, a distância, o viajante perdido descobria na escuridão
um tímido ponto de luz em
torno do qual viviam aqueles que o socorreriam.
Buscamos todos a luz. Mais que uma
realidade energética no campo da física, a
luz é o símbolo multimilenar do desenvolvimento espiritual. Dela dependemos
para ver o mundo que nos cerca e o caminho que pisamos. Em espírito, buscamos
as vibrações superiores do amor - esse grande gerador de luzes fascinantes. E,
a medida em que a luz se realiza em nós, desaparecem as sombras que nos
envolvem e se iluminam não apenas as nossas veredas, mas também os caminhos dos
que seguem ao nosso lado. Ainda que o desejássemos,
não poderíamos guardá-la somente para nós, egoisticamente: ela se irradia
por onde andamos e alcança os outros. Tudo no universo é solidário, porque
vivemos e nos movemos em Deus, como dizia Paulo.
"Ninguém acende a luz e a
coloca debaixo do alqueire" (1), ensinava o Mestre. Quanta sabedoria
profunda e intemporal nos seus mais singelos pronunciamentos! Que maravilhoso
poder de comunicação na sua capacidade de traduzir em imagens tão nítidas o
pensamento mais transcendental..
(1) Alqueire: antiga medida portuguesa de
capacidade variável, equivalente, em Lisboa a 13,8 litros.
Vejo ainda, com os olhos da saudade,
a lamparina humilde da fazenda colocada no lugar mais alto para que todos a
vissem e nunca debaixo do alqueire. Pelas paredes dançavam sombras grotescas,
mas nenhuma das sombras chegava perto da luz.
Lembro disso agora, ao verificar
que, mesmo a nossa luzinha humílima de principiantes, quanta gente atrai! São
os que vêm buscar consolo, principalmente. Os que
"perderam" entes queridos, os que sofrem provações incompreensíveis,
os que se consomem no remorso. Mas vem também os que, sem grandes dores, desejam compreender
melhor a vida; que não tem remorsos, mas estão vazios de esperança. Quase
todos, senão todos, atrasaram-se pelos caminhos e a noite chegou e se fechou sobre
eles. De repente, encontram aqueles que, sem muito brilho, dispõem, no entanto,
de uma candeia modesta. São estes os que se iniciaram nas primeiras tarefas do
amor, são os que, tendo ainda tão pouco, possuem já o suficiente para dar, têm
em si bastante amor para distribuir em nome do Cristo.
É certo que neste crepúsculo dos
tempos muitos continuarão extraviados por largo espaço e, infelizmente, não
está em nosso poder sacudi-los de sua inconsciência, mas estamos igualmente
certos de que não ficarão abandonados à própria sorte, porque Deus vela por
todos nós indistintamente. Também a chuva e o sol caem sobre o justo e o
pecador, sobre a boa semente e a outra. Que orem por eles os que aprenderam a
conversar com Deus, mas aqueles que disponham de uma pequena chama espiritual,
ainda que humilde, que cuidem de colocar a candeia sobre o alqueire e não
debaixo dele. Não para exibir
conhecimentos e alardear virtudes que ainda não temos, mas quem sabe se lá ao
longe, na escuridão da noite que nos envolve, algum irmão extraviado não vai
enxergar a luzinha e chegar-se exausto e faminto, pedindo pousada, ajuda e
carinho. Isso mesmo, daremos na medida das nossas forças e limitações, porque é
bom repartir o pouco que temos, "para que a felicidade se multiplique
entre nós" como diz Agar na sua linda prece. A felicidade aumenta quando
repartida, ao passo que dor partilhada diminui. Vamos, pois, distribuir
a nossa alegria consciente de viver em Deus. Nós sabemos o que somos -
espíritos imortais, temporariamente encarcerados num corpo físico. Sabemos de
onde viemos - de um longo rosário de vidas que aprofundam suas raízes na
escuridão de remotas idades. Sabemos para onde vamos - para os mundos cada vez
mais perfeitos que luzem adiante de nós,
nas muitas moradas do nosso Pai.
A mensagem que temos a transmitir é,
pois, extremamente simples e fácil de entender.
Para muitos é ainda difícil aceitá-la, porque se habituaram demais à opressiva
aridez da descrença; lembremo-nos, entretanto, daqueles mais desgraçados para
os quais não é apenas difícil aceitar a realidade do espírito, mas ainda é
impossível.
Que brilhe, então, a nossa luz
humilde, alimentada pelo combustível do conhecimento e da caridade que começa a
arder em nós. A hora é de dores, muitas e grandes; de desorientação e desespero;
de ódios e crueldades. Hora de ajustes aflitivos e desenganos dolorosos. Mas é
também uma hora de revelações maravilhosas, de descobertas memoráveis, de
conquistas deslumbrantes, de oportunidades raras se, com muito amor e
humildade, procurarmos em nosso próprio território íntimo o rastro luminoso que
o Mestre de todos nós deixou em nós. Há séculos
que ouvimos a sua palavra, repetida insistentemente. Há séculos que muitos de
nós a pregamos à nossa maneira, obscurecida pelas paixões e incompreensões que
nos toldam a visão. É chegado o tempo de fazê-la florescer e frutificar. É
assim, muito bela a tarefa que temos diante de nós, os que começamos a soletrar
o beabá do conhecimento espiritual: incumbe-nos a responsabilidade e a alegria
de transmiti-lo, proclamando aos quatro cantos da Terra que somos espíritos
sobreviventes a caminho de Deus. E que, por estranho que pareça, Deus está
também em nós. "Vós sois deuses!", dizia Jesus. Que brilhe a nossa
candeiazinha humilde que não ilumina mais que uns poucos palmos à volta. Há
irmãos tão desesperados que anseiam até mesmo por essas migalhas de luz.
Um dia seremos um clarão de amor
fraterno, tal como nos quer o Príncipe da Paz.
Candeias na
Noite Escura
João Marcus (Hermínio Miranda)
Reformador (FEB) Agosto 1971