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domingo, 2 de agosto de 2015

Uma vaga no Sinédrio

               Conquanto fracionadas, nem por isso as seitas judaicas deixavam de coexistir. Era o Judaísmo marcado por um divisionismo variegado: escribas, doutores da lei, saduceus, terapeutas, nazarenos, samaritanos (apesar de mal vistos), schamaítas e hilelitas (os fariseus, que se subdividiam em sete correntes), os essênios, etc. Dentre todos, os príncipes dos sacerdotes dominavam o Sinédrio, sede desse “episcopado” de há 2000 anos, que tolerava, ora mais, ora menos, os cultos similares, num ensaio muito curioso do que seria, afinal, o primeiro movimento ecumenista...

            Então, surgiu jesus, o enviado celeste, que não viria destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento. Houve o histórico entrechoque da nova doutrina cristã com a dos judeus. O Sinédrio ganhou a luta preliminar, inculcando no povo uma série de maranhões contra o Senhor e arrancando de Pilatos a sentença abominável. Jesus pagou alto o preço da sua firmeza; mas ela lhe daria, depois, a grande vitória do mundo. Seu sacrifício fincou a árvore do Evangelho, que medrou e se ramificou, sobrepairando frondosamente acima dos urticais da intolerância e da pacificação de fancaria. Sendo a Doutrina de Jesus uma superação do politeísmo e um avanço do henoteísmo (termo criado pelo orientalista e estudioso das religiões Max Müller (1823-1900) para designar a crença em um deus único, mesmo aceitando a existência possível de outros deuses. - do blog)., e apresentando, o seu monoteísmo, alguns parâmetros com a doutrina dos judeus, certamente os líderes religiosos não desprezaram a hipótese de chamar o novo profeta ao seu convívio, a fim de que formasse ao lado dos sacerdotes. Um convite à coexistência pacífica. Melhor dizendo: uma vaga para o Cristo no Sinédrio.

            Mas Jesus, mesmo sem precisar do expediente que Homero ensejara a Ulisses, não se deixaria embair pelo canto e o encanto das sereias do Templo... Não que se colocasse numa posição enfatuada, de altanaria condenável, ou porque o convite não lhe inspirasse confiança, mas sim, principalmente, porque o Cristianismo não vinha para ser apenas mais uma religião, irmanada às preexistentes. Por isso mesmo, abriu mão da vaga que lhe poderiam oferecer e deixou-se ficar do lado de fora, sozinho com sua verdade: “Eu sou a Luz do mundo”; “Eu sou o Pão da Vida”; “Eu sou o Bom Pastor”; “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. E quando Pilatos, desprezível, pergunta-lhe se é rei, o Mestre não tergiversa: “Tu o dizes”.

            O Cristianismo era a verdade que surgia. Jesus, à guisa de pacificação, de entendimento, de harmonia, poderia ter-se enfileirado ao lado dos fariseus, dos saduceus, dos escribas, com o poético talante de irmanar-se, e, com o tempo, talvez converter os outros. Não o fez. Não queria para a sua doutrina um lugar ao sol; ela era o próprio Sol. Não pretendia uma vaga no Sinédrio; ela estava acima do Sinédrio. Era a Religião. Nessa posição, não foi perdoado. Logo seria preso, escarmentado e suspenso à cruz. A ressurreição, porém, testemunhou sua superioridade e coonestou lhe a firmeza do silêncio, ante o convite da confraria duvidosa. O Sinédrio, hoje, é ruínas; e Jesus dividiu a História em Antes e Depois dele...

            Dezenove anos mais tarde, Allan Kardec compreendeu essa posição e também se forrou ao envincilhamento (enredamento, emaranhado - do blog). Mas, atualmente, parece que ninguém entendeu ninguém, e aí temos, enfatizados, movimentos que surgem debaixo da aflição de conseguir para o Espiritismo um lugar ao lado das demais religiões. E o jargão é dolorosamente o mesmo: religiões irmanadas, ecumenismo, diálogo, pacifismo ... Enfim: uma vaga no Sinédrio para o Espiritismo. “o santa simplicitas!” - diria João Huss, Recordemos, a tempo, Jesus. É preferível o insulamento do escárnio, do vilipêndio e da cruz à comunhão suspeitosa do aplauso, do sorriso e da reverência. Nessa preferência é que também o Espiritismo, por ser a Religião, dividirá igualmente o mundo em Antes e Depois de Kardec...

Uma Vaga no Sinédrio
Editorial

Reformador (FEB) Agosto 1971

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