A Dádiva Suprema do Cristo
por
Indalício Mendes
Reformador
(FEB) Abril 1964
Cantam-se hosanas no mundo físico e no
mundo espiritual, em virtude de ocorrer agora, em Abril, o primeiro Centenário
de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, obra que os Espíritos Superiores
consideram necessária ao desenvolvimento do aspecto moral-religioso de nossa Doutrina,
por reafirmá-lo inequivocamente, a despeito das opiniões que pretendem confinar
o Espiritismo na feição exclusivamente científico-filosófica.
Tão importante era e viria a ser, em
tempos futuros, o lançamento dessa obra, que Allan Kardec guardara absoluto
sigilo a seu respeito. Disse ele:
“Eu a ninguém dera ciência do assunto do
livro em que estava trabalhando. Conservara-lhe de tal modo em segredo o
título, que o editor, Sr. Didier, só o conheceu quando da impressão. Esse
título foi, a princípio: Imitação do Evangelho. Mais tarde, por efeito
de reiteradas observações do mesmo Sr. Didier e de algumas outras pessoas,
mudei-o para o de “O Evangelho segundo o Espiritismo” (1)
(1) Allan Kardec, “Obras
Póstumas”, 11ª ed., 1957, pág. 276.
Fora Kardec advertido pelo Alto de que o
clero gritaria ainda mais do que havia feito quando do lançamento dos livros
anteriores, porque O Evangelho segundo o Espiritismo facultaria ao
Codificador “apresentar o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se
encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo”, permitindo-lhe “proclamar
que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã e a única
instituição verdadeiramente divina e humana” (2)
(2) Idem, ibidem, pág. 277
O predito pelos Espíritos, em relação
à obra que havia de aparecer: “O clero gritará - heresia”, “se
sentirá muito mais ferido do que com a publicação de O Livro dos Espíritos”,
“os espíritas serão perseguidos”, “o fanatismo e a intolerância vão
atacar-te e aos teus com armas envenenadas” – tudo isso aconteceu e ainda
acontece, muito embora tenha já decorrido um século.
Proféticas palavras do Além! Naquele
mesmo ano de 1864, a primeiro de Maio, a Sagrada Congregação do Índex, incluía
no seu catálogo todas as obras de Kardec sobre Espiritismo! Causou estranheza
no meio espírita o não ter sido tomada essa decisão mais cedo, mas logo
compreenderam que O Evangelho segundo o Espiritismo é quem descolara,
afinal, o fiel da indecisão.
O efeito, entretanto, foi contrário
ao esperado. Segundo diz o próprio Kardec, suas obras foram mais procuradas
pelo público, muitas livrarias puseram-nas em maior evidência, e em pouco tempo
chegavam ao Brasil, onde o quarto livro da Codificação, pelas interpretações
racionais que dá ao Evangelho de Jesus, rápida e profusamente se disseminou,
mitigando os anseios de milhões de criaturas sedentas de esperança, de paz e de
amor.
Homem metódico, Allan Kardec nada
fez sem adequado estudo das condições ambientes, seguindo a orientação dos
Espíritos. Primeiro, O Livro dos Espíritos, destinado a tornar conhecida
a filosofia espiritualista demonstrativa da realidade das relações entre o
mundo físico e o mundo espiritual, entre os vivos (encarnados) e os mortos (desencarnados);
a origem e natureza dos Espíritos, a intervenção deles no mundo corporal, as
leis que regem as relações de causas e efeitos entre esses dois planos da vida,
e assim por diante.
Logo após, em 1859, Kardec publica,
numa edição simples e elucidativa, O que é o Espiritismo, cujo fim era
resumir os princípios da Doutrina Espírita e responder a objeções habitualmente
feitas pelos que ignoram ou conhecem mal tais princípios. Dois anos mais tarde,
em 1861, apareceu O Livro dos Médiuns, que trata desenvolvidamente do
Espiritismo experimental e constitui o seguimento de O Livro dos Espíritos.
Estava feita, desse modo, a
preparação, a adubagem do terreno para a frutificação dos postulados espíritas,
digamos melhor – dos princípios lidimamente cristãos, sobre os quais O
Evangelho segundo o Espiritismo projetaria novas luzes, traçando de modo infalível
para a felicidade nos dois planos da Vida. As páginas desse livro encerravam,
afinal, tudo quanto era necessário para o cumprimento da profecia que em 15 de
Abril de 1860 fora transmitida a Kardec sobre o futuro do Espiritismo.
“Ele reformará a legislação ainda tão frequentemente
contrária às leis divinas; retificará os erros da História; restaurará a
religião, a religião natural, a que parte do coração e vai diretamente a
Deus...; extinguirá o ateísmo e o materialismo...” (3)
(3) Id., ib., págs. 268-269
O tempo acabaria também por confirmar
a predição que Kardec recebera em Maio de 1857:
a Humanidade sofredora espontaneamente confere, ao venerável
Codificador, a tiara espiritual, ou seja, reconhece-lhe a “autoridade
moral e religiosa” (4) no desempenho de sua transcendente
e espinhosa missão como intérprete, na Terra, do Consolador prometido por Jesus.
(4) Id., ib., pág. 259
*
A Doutrina Espírita é, sobretudo, uma
doutrina universal, no sentido de se estender a todas as criaturas humanas,
sejam quais forem suas origens raciais, suas crenças religiosas, seus pendores
filosóficos e suas condições sociais, porquanto o Espiritismo sí entende o
Cristianismo do Cristo assim, universalizado, abraçando num só amplexo fraterno
todas as gentes.
E Guillon Ribeiro, o saudoso presidente da
FEB, assevera, com a sua tríplice autoridade – moral, doutrinária e
intelectual: “...O Espiritismo faz notória a universalidade dos seus
postulados e, diante dessa universalidade, é de ver-se que nada lhe falece para
que seja, não “uma” religião, mas “a” Religião por excelência, posto que
encerra tudo quanto, sobre a base do amor universal, pode e deve ligar e religar
as criaturas ao Criador, em testemunho da unidade perfeita e absoluta da obra divina” (5).
(5) Guillon Ribeiro, in “Religião”,
de Carlos Imbassahy, 2ª ed., 1951, pág. 16.
Vale reafirmar, porque a experiência
dos anos decorridos e os fatos assim o exigem, que O Evangelho segundo o
Espiritismo cimentou as bases do Espiritismo-Religião, lado a lado do
Espiritismo-Ciência e do Espiritismo-Filosofia.
É ainda ao eminente Guillon Ribeiro
que devemos este esclarecimento: “... se legítimo é no Espiritismo o caráter
científico, dado que suas teorias se arrimam em vasta fenomenologia, cuja
realidade e sentido se comprovam pela observação e pela experimentação
científicas, essencial, fundamental e mais proeminente é o seu caráter
religioso, porquanto, confirmando, desenvolvendo e clareando os ensinos do
Cristianismo, mediante aquela fenomenologia e as revelações decorrentes dela,
entre os objetivos capitais se encontra, resumindo-os, o de restituir ao termo “religião”
o significado exato, o da dupla ligação que o amor a Deus e ao próximo, síntese
da Religião, estabelece entre a criatura e o Criador (6).
(6) Id. Ib., págs. 14-15
É compreensível, dada a enorme pressão
sofrida por Allan Kardec de todos os lados, que, ao lançar por Allan Kardec de
todos os lados, que, ao lançar O Livro dos Espíritos, não teria sido a ele
aconselhável desvendar desde logo esse caráter essencial, fundamental e mais
proeminente do Espiritismo, o caráter religioso. Conviria, em benefício da Doutrina
recém-nascente, a fim de que maiores obstáculos não viessem retardar ainda mais
a difusão dos seus princípios, que ele se ativesse por algum tempo somente aos
dois outros aspectos que integram o corpo doutrinário, ficando assim mais desimpedido
o caminho para o lançamento de O Evangelho segundo o Espiritismo, o que
sucederia precisamente sete anos depois de surgido O Livro dos Espíritos.
É bem fácil imaginar as dificuldades
encontradas por Allan Kardec em sua época. Hoje, que vivemos dias mais
arejados, de quando em quando os espíritas ainda sofremos coações criadas pela intolerância
e pelo fanatismo. Importa reconhecer, consequentemente, o acerto da cautelosa
conduta do Codificador, sobre o qual desciam inspirações constantes dos Espíritos Superiores,
principalmente do Espírito de Verdade. Elaborado de comum acordo com estes
luminares da Espiritualidade, o livro em questão aguardou a sua hora de
aparecer, hora em que seria necessário a Kardec “apresentar o Espiritismo qual
ele é”.
As 9 de Agosto de 1863, sem que o
médium tivesse conhecimento do assunto da obra em que Kardec já estava
trabalhando, elevado Espírito prenunciava-lhe a importância com estas palavras
iniciais:
“Esse livro de doutrina terá
considerável influência, pois que explana questões capitais e, não só o mundo
religioso encontrará nele as máximas que lhe são necessárias, como também a
vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes. Fizeste bem
enfrentando as questões de alta moral prática, do ponto de vista dos interesses
gerais, dos interesses sociais e dos interesses religiosos” (7).
(7) Allan Kardec, “Obras
Póstumas”, 11ª ed. Página 276.
Finalmente, em Abril de 1864, era
exposta nas livrarias de Paris a nova obra de Allan Kardec – Imitation de l’Évangile
selon le Spiritisme, título que seria posteriormente mudado para L’Évangile
selon le Spiritisme
(*) Essencialmente objetivando
colocá-la ao alcance e uso de todos, mediante a explicação clara e racional das
passagens obscuras do Evangelho e o desdobramento de todas as consequências individuais
e coletivas, tendo em vista a aplicação dos ensinos a todas as condições da
vida, conseguiu Kardec, assistido pelos bons Espíritos, concretizar o plano que
tivera em vista. Hoje, é máxime no Brasil, é essa obra querida do povo,
porque o povo a compreendeu e aceitou.
(*) Em 1865, já com o novo
título, saiu a 2ª e a 3ª edição, esta última completamente refundida pelo Autor
e apresentada como definitiva.
Nesta hora, pois, exaltemos a figura
apostólica de Allan Kardec, o insigne missionário da Terceira Revelação, o qual
nos deu esta sublime definição da fé raciocinada:
“Não há fé inabalável, senão
a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade. A fé
uma base se foz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que
se deve crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé
cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve
o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se exige a
abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio.” (8)
(8) Id., ib., pág. 15
Elevemos graças aos Céus pelas benesses que
vimos colhendo no Espiritismo, abrigando-se à sombra do Cristo, cujo amor
impregna as páginas edificantes e consoladoras de O Evangelho segundo o
Espiritismo, livro que, à época do seu aparecimento, foi saudado pelo Espírito
de Verdade como “uma luz mais brilhante” (9) que vinha iluminar os
caminhos da Humanidade.
(9) ‘Revue Spirite’, Paris, 1864 pág. 399.
É obra do Cristo, o Espiritismo, conforme
esclareceu Kardec
(10), e julgamos que
dentro dessa obra é o Evangelho segundo o Espiritismo a dádiva suprema
oferecida à coletividade humana.
(10)
Allan Kardec, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, 51ª ed., pág. 53.