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segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Novo ciclo que começa

 

Novo ciclo que começa

por Indalício Mendes

Reformador (FEB) Janeiro 1965

             Estamos começando novo ciclo anual de existência terrestre e nele entramos com o coração assistido pela esperança de que todos possamos ser melhores do que temos sido e nunca piores do que às vezes nos temos apresentado, embora sem nos havermos apercebido disso.

            É costume dizer-se, entre nós, quando se inicia novo ano: “Ano novo, vida nova!” Aparentemente, trata-se de frase banal, que nos sai da boca com indiferença, sem que nos aprofundemos na sua alta e lata significação.

            Hoje, vimos repeti-la, em vista da necessidade que temos de reter na memória certos conceitos que podem ter grande influência em nosso comportamento cotidiano, os quais, entretanto, costumam, como se diz vulgarmente, “entrar por um ouvido e sair pelo outro”.

            Ano novo? Sim, de conformidade com o tradicional costume terreno, sempre que se encerra um calendário, dizemos tratar-se de “ano velho”, por já haver sido vivido, e, quando outro começa, dizemos “ano novo” porque é um ciclo que se abre, como que nos oferecendo uma oportunidade de fazer bem o que fizemos mal de outras vezes ou de reparar erros e tomar iniciativas dignificantes.

            O ideal seria que todos adquiríssemos, a cada começo de ciclo, uma personalidade nova, melhor, mais fraterna, mais amiga, e que deixássemos para trás, definitivamente, com o “ano velho”, os preconceitos que nos retardam a evolução, os erros que se enraizaram de tal forma em nós mesmos, que semelham a vícios inderrotáveis.

            O Espiritismo não veio anunciar milagres nem fazer milagres, prometendo à Humanidade recompensas fantasiosas, paraísos sedutores, nem ameaçá-la com infernos eternos e castigos terríveis, apavorantes. O Espiritismo, corporificando, nos tempos modernos a legítima ideia que o verbo do Cristo lançou à Terra, veio reensinar o Evangelho de Jesus, dizendo a cada criatura humana que a sua redenção não se fará senão pelo esforço que despender para melhorar sua condição moral e espiritual.

            Procuremos evitar que “o homem velho” se reintegre em nossa personalidade, fazendo que continuemos presa dos mesmos prejuízos perniciosos, dos mesmos impulsos desfraternos, da mesma invigilância que nos pune com o retardamento na marcha para a frente.

            Em nossas preces, relembremos os obreiros espíritas que plantaram nesta terra a Doutrina codificada por Allan Kardec, assim como todos quantos com eles colaboraram, dos mais obscuros aos mais destacados. Nem nos esqueçamos de Augusto Elias da Silva, o corajoso fotógrafo português que, sem temer represálias fanáticas do obscurantismo religioso, fundou “Reformador” a 21 de janeiro de 1883. E logo se lançou no combate à escravidão, analisando-a do ponto de vista espírita e desfraldando a bandeira da abolição.

            Ele soube iniciar um “ano novo” com “vida nova”, lutando a boa luta, tendo o Evangelho por escudo e a Verdade espírita por programa, certo de que somente deixará de ser escravo de si mesmo, de seus vícios e deficiências, aquele que, conhecendo a nossa Doutrina, busque exemplifica-la à custa de quaisquer sacrifícios. Somente a exemplificação leal e permanente nos libertará.

            Sempre que, por negligência, imprudência ou irreflexão, esquecemos as lições doutrinárias que temos aprendido, sobrecarregamos a nossa ficha cármica e adiamos a nossa libertação. Continuamos a ser escravos de nós mesmos. Retardamos mais e mais a data almejada da abolição espiritual que pretendemos.

            Façamos nossas, ao transpormos o limiar de 1965 (do blog: e por que não quando transpomos o limiar de 2021?) estas palavras de Paulo de Tarso (II Cor., 3:17):

            “Ora, o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade.”

            Elevemos nossos corações, porque esta revista completa 82 anos (do blog: hoje são 139 anos...) de existência fecunda, e também porque, em 1º de janeiro corrente a Federação Espírita Brasileira se firmou no seu 81º aniversário.

 

 


quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Aposentadoria para o demônio

 

Aposentadoria para o demônio

Tasso Porciúncula (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Março 1961

              Não obstante o carrancismo teológico, certos princípios e doutrinas vão sofrendo modificações impostas pela evolução dos tempos. Não importa a característica de cada um deles, porque, sem consistência nem fundamento, perderam já o poder que lhe outorgou, em outras épocas, o obscurantismo a serviço do clero no seio da grande massa pouco ilustrada.

            Resistindo desesperadamente ao progresso, a Igreja Católica tem, apesar disso, renunciado já a certas posições até então consideradas irremovíveis. Percebendo a grosseria de ideias e conceitos que a ignorância sustentou durante séculos, a Igreja tem procurado contorná-los, recorrendo para isso a toda a habilidade de que se julga capaz.

            Ninguém ignora a posição hostil que o Catolicismo sempre manteve em relação à Ciência. Ninguém pode esquecer as vicissitudes de ilustres sábios, num época em que era castigada com torturas e fogueiras a audácia de avançar uma nova proposição científica, ainda que comprovada pela experiência. Hoje, se não mais se ergam fogueiras, ainda os estudiosos e cientistas são muitas vezes forçados a dissimular seus pontos de vista ou a apresentá-los de forma pouco espírita para não sofrerem restrições ou perseguições da Igreja, feitas por meios indiretos, através do poder político do Estado a ela subjugado.

            O espírito de seita, comum a todos as religiões pouco afeitas ao espírito evangélico, que condena a intolerância, a descaridade, a desarmonia e o intento de represália, continua agindo no mundo, principalmente nos países que ainda não lograram assimilar inteiramente a verdadeira democracia e sentem a influência depressiva dos cleros em todos os setores de sua vida, inclusive, ou principalmente, no setor da educação do povo.

            Os anglicanos, segundo lemos em telegrama de Londres, divulgado no “Correio da Manhã”, do Rio, de 14 de Janeiro de 1961, resolveram aposentar o demônio, fantasma que, durante séculos e séculos, ajudou fraternalmente a conquista do homem inculto, tornando-se, por isso mesmo, colaborador valioso das diferentes igrejas. Diz o telegrama:

             “O novo catecismo anglicano não terá demônios. Ainda em Janeiro, as igrejas anglicanas de Canterbury e de York se reunirão separadamente para examinar importantes questões das trinais sociais e organizativas. Entre as reformas, o que está destinado a levantar memoráveis polêmicas é a do catecismo. No catecismo de 1662, lê-se: “Eu renunciarei ao demônio, e a todas as pompas, aos faustos e às vaidades deste iníquo mundo e ainda aos desejos pecaminosos da carne.” No catecismo de 1961, ler-se-á: “Eu renunciarei a tudo o que é errado e combaterei contra o mal.”

             Evidentemente, os anglicanos evoluíram,  concedendo aposentadori a ao demônio, cujo trabalho extenso e cansativo, durante anos e anos merece a recompensa de um descanso. Jamais o demônio deixou de cumprir a tarefa combinada com as igrejas, de assustar os pacúvios e de se intrometer na mente dos crédulos, de maneira a levá-los ao redil clerical. Sempre o demônio, ou o diabo, cumpria seu dever, ainda que algumas vezes, no afã de não desmentir as igrejas, desse a impressão de ser, em relação a Deus, equipotente.

            O Catolicismo já está farto de saber que a Humanidade não mais acredita nos malabarismos e mágicas atribuídas ao demônio. O “artista”, pela impossibilidade de apresentar novos “números”, acabou desacreditado. Mesmo o demônio católico já está cansado de tanto serviço.  Nunca teve férias, de modo que se torna justo, absolutamente justo, receba o prêmio de uma aposentadoria, ele que deisteressadamente prestou serviços imensos à Igreja e notadamente ao clero, sempre mais exigente e rabujento.

            Já Giovanni Papini, em “O Diabo”, pôs em destaque esse direito incontestável adquirido pelo diabo, Vejamos, por exemplo, este trecho do referido livro desse autor prestigiado pelo Catolicismo:

             “A doutrina da reconciliação total e final de todos os seres em Deus não faz parte do ensino da Igreja de Roma, mas quem conheça a história do pensamento cristão sabe que tem havido, aqui e além, pelos séculos afora, mudanças e enriquecimento em torno dos maiores dogmas da fé. Certas opiniões por muito tempo ensinadas foram, com o andar do tempo, obliteradas, senão condenadas; outras novas as substituíram e uma renovação análoga poderia e deveria repetir-se.

            “Até há alguns séculos, a ideia da chama devoradora dos homens – seja a das fogueiras seja a do inferno – não turbava a sencibilidade e a mente dos bons católicos.

            “Cristo amou os homens, inclusivamente os rebeldes e os corruptos e os bestiais, até ao ponto de morrer por nós de uma morte infame. Não poderá dar-se que Ele tenha querido libertar-nos da escravidão do Demônio na esperança de que os homens, por seu turno, possam libertar o Demônio da sua condenação? Não poderá dar-se que o Cristo tenha redimido os homens a fim de que estes, mediante o divino preceito de amar os inimigos, venham a ser dignos de sonhar um dia a redenção do mais funesto e obstinado Inimigo? Um verdadeiro cristão não deve ser injusto nem com os injustos, não deve ser cruel nem com os cruéis, mas deve ser tentador do bem mesmo com o mesmo tentador do mal. Devemos, pois, avizinhar-nos de Satã com espírito de caridade e justiça, não para nos tornarmos seus admiradores ou imitadores, mas com o propósito e a esperança de o libertarmos de si mesmo e, portanto, nós dele. Talvez ele não aguarde senão um movimento da nossa compaixão para encontrar em si a força de renegar o seu ódio, isto é, para libertar o mundo inteiro do senhorio do mal.”

             Embora dizendo o contrário, Papini defende essa valiosa criação da teologia católica, mas reconhece que, segundo o verdadeiro espírito cristão, ele merece ser tratado melhor... Por isso, escreveu todo um livro sobre o Diabo e sua desventura, ainda que, temeroso do anátema católico, pondera: “A doutrina da reencarnação total e final de todos os servos de Deus não faz parte dos ensinos da Igreja de Roma”... Pretende também amolecer um pouco a resistência dos bons católicos, ao lembrar que “até há alguns séculos a idéia da chama devoradora de homens – seja a das fogueiras, seja a do inferno – não turbava a sensibilidade e a mente dos bons católicos”. Será que os “bons católicos”, que permaneciam insensíveis diante das fogueiras da Inquisição, hoje sentiriam pena do pobre Diabo, anjo de luz decaído? Difícil dizer-se. A verdade, porém, é que tudo se dirige para a hora da reabilitação do “empertigado e peremptório racionalista”, no dizer de Papini.   

             Tanto mais, acrescenta o famoso escritor católico, “um verdadeiro cristão não deve ser malvado nem com os malvados, não deve ser injusto nem com os injustos, não deve ser cruel nem com os cruéis, mas deve ser tentador do bem mesmo com o tentador do ml. Devemos, pois, avizinhar-nos de Satã com espírito de caridade e Satã, não para nos tornarmos seus admiradores ou imitadores, mas com o propósito e a esperança de o libertarmos de si mesmo e, portanto, nós dele. Talvez ele não aguarde senão um movimento da nossa compaixão para encontrar em si a força de renegar o seu ódio, isto é, para libertar o mundo inteiro do senhorio do mal.”

             Se o Demônio, o Diabo, o Lúcifer, o Belzebu, o Satanás ou que outro nome tenha essa ficção da mitologia religiosa, alcançar a carta de indulto, que valerá por uma aposentadoria, com direiro a todos os vencimentos atrasados, poderá vir a ser, no futuro, um santo cheio de devotos, capaz de fazer mais milagre que muitos que erderam há longos anos a habilidade que notabiliza os mágicos teatrais...

            Não há de demorar muito, o Vaticano anunciará também certas medidas de “modernização” sendo, embora difícil, possível, que o demônio venha a receber, senão a aposentadoria integral, pelo menos férias periódicas, que o possibilitem a meditar acerca do inglório serviço realizado por conta da Igreja e risco do próprio diabo. A transigência não é uma virtude atribuível ao Catolicismo, quando seus dogmas ou seus princípios teológicos possam ser afetados. Acontece, porém, que o mundo continua caminhando para a frente. O povo está sendo cada vez mais esclarecido e verifica que as lendas clericais se esboroarão fatalmente, incapazes de suportar as verdades científicas e bem assim os esclarecimentos do Espiritismo.

            Quem quer que examine o catecismo católico, verá, sem esforço, a congérie de absurdos que ali se amontoam. Com o Papa ainda empenhado em realizar a união de todas as igrejas, embora todas elas se mostrem um tanto desconfiadas desse propósito unificador, pode ser que o diabo católico venha, dentro de futuro não muito remoto, a gozar dos benefícios que o Anglicanismo está desejando conceder ao seu demônio.


terça-feira, 16 de novembro de 2021

O Clarividente e a Polícia Holandesa

 

O Clarividente e a Polícia Holandesa

Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Maio 1964

             Podem ficar surpreendidos aqueles que desconhecem que, muitas vezes, o “impossível” é possível. Nós, que estamos familiarizados com o Espiritismo e tudo quanto lhe é afim, através de leituras e até de observações, já não nos impressionamos com os fatos inabituais, levando em conta que há ainda muitas leis naturais que o mundo ainda desconhece.

            Há na Rússia soviética, mais precisamente, na Universidade de Leningrado, um Laboratório de Investigações dos fenômenos telepáticos, que esteve (não sabemos se ainda está) sob a direção do prof. L. L. Vasiliev, então presidente do Dep. de Fisiologia.

            Semelhante fato, revela que, mesmo num país de profundas e rígidas convicções materialísticas, o Espírito começa a abrir caminho...

            Em Amsterdã, Holanda, um detetive, diferente dos outros, facilitou os trabalhos da Polícia, que se achava perplexa e sem saber como agir diante de misterioso crime.

            O caso se passou assim, segundo lemos no “Diário de Notícias”, do Rio, de 4 de Janeiro do ano corrente que, data vênia, reproduzimos em parte:

             “Na madrugada de 5 de dezembro de 1948, uma mocinha de 21 anos foi atacada quando caminhava sozinha por uma estrada, nas proximidades de Wierden, na Holanda Oriental. O agressor desferiu-lhe pesado golpe com um martelo na cabeça.

            “O inspetor de polícia que atendeu à ocorrência chamou imediatamente, a seu gabinete, um dos mais estranhos detetives que já participaram de investigações policiais, Gerard Croiset, de 54 anos, ex-empregado de uma mercearia em Utrecht, hoje considerado grande vidente na Holanda.

            “Sob os olhares céticos dos policiais presente, o estranho detetive tomou nas mãos o martelo, único elemento capaz de fornecer uma pista sobre o crime, e concentrou-se durante alguns momentos. Em seguida, disse:

            “O homem que estão procurando é alto e moreno. Tem cerca de 30 anos e sua orelha esquerda é deformada. Mas este martelo não lhe pertence. Seu dono é um homem de meia-idade, que o criminoso visita com frequência em uma casinha branca perto daqui. Faz parte de um grupo de três casas idênticas.  

            “Durante meses a Polícia procurou o criminoso. Certo dia, um homem foi detido para interrogatório, sob suspeita de outro crime. Era alto, moreno, e tinha 29 anos de idade. Uma deformidade em sua orelha levou os policiais a interroga-lo sobre a agressão a martelada.

            “Finalmente, o preso confessou-se autor do ataque e contou que tomara o martelo de um amigo. A polícia investigou e descobriu que o martelo pertencia a um homem de 55 anos, residente em uma casinha branca, ladeada por duas outras casas idênticas.

             Como se vê, trata-se de um caso de Psicometria ou “pragmancia”, como querem outros. É uma das modalidades da clarividência. Na Psicometria, ensina Ernesto Bozzano, “parece evidente que os objetos apresentados ao sensitivo constituem verdadeiros intermediários adequados, que, à falta de condições experimentais adequados, que, à falta de condições experimentais favoráveis, servem para estabelecer a relação entre a pessoa e o meio distante, mercê de uma “influência” real, impregnada no objeto pelo seu possuidor. Essa “influência, de conformidade com a hipótese psicométrica, consistiria em tal ou qual propriedade da matéria inanimada para receber e reter, potencialmente, toda espécie de vibrações e emanações físicas, psíquicas e vitais, assim como tem a propriedade de receber e conservar em latência as vibrações do pensamento” (1), refere a experiência feita com uma pena de pombo-correio.

                (1) Ernesto Bozzano – “Enigmas da Psicometria”. Ed. FEB 1949, FEB, págs. 5 e 7.

             A sensitiva, Srta. Edith Hawthorne, mostrou “que o objeto psicometrado colocou-a em relação com a mentalidade animal”. (2)

                (2) Idem, idem, págs. 25 e 26.

                 Ela descreveu, com preciso, “o interior do pombal, onde existia um punhado de ervilhas e uma tigela com água”.

            Aqueles que ainda não conhecem esse livro de Bozzano, excelente como todos os que saíram das mãos desse notável estudioso dos problemas psíquicos, devem lê-lo e estuda-lo. Aprende-se muita coisa. Espiritismo não é apenas frequentar sessões e tomar passes. Demanda estudo, vontade de aprender, ânsia de adquirir novos conhecimentos. Novo mundo se abre diante dos nossos olhos, para a evolução do nossos Espírito.

            O clarividente de Utrecht, referindo-se à sua faculdade psicométrica, declarou:

             “Considero-a como um dom de Deus. Embora a polícia nem sempre o divulgue, tenha sido chamado numerosas vezes para ajudá-la em suas investigações. Realmente não me importa que acreditem ou não neste meu poder de clarividência. Não uso meu poder para obter vantagens materiais. Se o fizesse, poderia perde-lo. E nada cobro pelos meus serviços.”

             O vespertino “O Globo”, de 21 de Dezembro de 1963, além de dar a público aquele caso de Psicometria verificado com Gerard Croiset, registra o que, em Haia, o inspetor de polícia David von Woudenberg afirmara: “o homem é incrível. Se algum dia eu me tornar chefe de Polícia, não hesitarei em chama-lo toda vez que encontrar um problema difícil.”

            Para esse inspetor de Polícia não há mais dúvidas quanto aos poderes clarividentes do Croiset.

             “Na última Páscoa – conta Woudenberg – os pais de um garoto de seis anos disseram-nos que ele estava perdido. Durante mais de uma semana, procuramos em todos os edifícios vazios, campos e bosques dos arredores e dragamos todos os canais. Nada encontramos. Estávamos já desnorteados. Os pais estraram então em contato com Croiset e pediram-lhe que os ajudasse.

            “Logo que recebeu o pedido de ajuda dos pais e enquanto ainda estava em Haia, Croiset, na presença de testemunhas, fez um esboço do canal em que, afirmava, seria encontrado o corpo do menino. Desenhou uma casa de campo ao lado do canal e disse que havia um catavento perto, além de uma caixa de papelão branca, cheia de lixo. E disse ainda que do outro lado do canal havia um muro, com um portão.

                “Declarou que aquele era o local em que o menino caíra na água, mas seu corpo estava uns 600 metros de distância, levado que fora pela correnteza. Fui com Croiset de carro até o canal e ele disse que ali ocorrera o acidente. Já se passavam oito dias desde que o garoto desaparecera.

                “Encontramos o local que Croiset descrevera em seus mínimos detalhes. A caixa de papelão estava tão coberta pelo mato, que tivemos de procura-la durante algum tempo. Fomos então até uma ponte de cimento, sobre um trecho estreito do canal. Eu podia ver o suor escorrendo da fronte de Croiset, que se deteve no meio da ponte.

                ‘O rosto dele estava muito vermelho e era evidente que estava sob violenta tensão emocional. Disse-me então: “Na terça-feira, o corpo do garoto subirá à tona da água, nesta ponte.” Acrescentou que seria inútil dragar o canal. Apesar disso, fizemos dragagens durante todo o fim de semana, mas nada encontramos.

                “As 7h 45m de terça-feira, um policial viu o corpo surgir à superfície, Era realmente sobrenatural. A não ser por um estranho poder, como poderia aquele homem prever as coisas com tanta exatidão?”

             Muita razão tinha Shakespeare ao colocar na boca de uma personagem de um dos seus dramas esta frase imortal: “Há mais coisas entre a Terra e o Céu do que cogita a vossa filosofia, Horácio.”



sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A Dádiva Suprema do Cristo

 

A Dádiva Suprema do Cristo

por Indalício Mendes

Reformador (FEB) Abril 1964

                 Cantam-se hosanas no mundo físico e no mundo espiritual, em virtude de ocorrer agora, em Abril, o primeiro Centenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, obra que os Espíritos Superiores consideram necessária ao desenvolvimento do aspecto moral-religioso de nossa Doutrina, por reafirmá-lo inequivocamente, a despeito das opiniões que pretendem confinar o Espiritismo na feição exclusivamente científico-filosófica.

            Tão importante era e viria a ser, em tempos futuros, o lançamento dessa obra, que Allan Kardec guardara absoluto sigilo a seu respeito. Disse ele:

            “Eu a ninguém dera ciência do assunto do livro em que estava trabalhando. Conservara-lhe de tal modo em segredo o título, que o editor, Sr. Didier, só o conheceu quando da impressão. Esse título foi, a princípio: Imitação do Evangelho. Mais tarde, por efeito de reiteradas observações do mesmo Sr. Didier e de algumas outras pessoas, mudei-o para o de “O Evangelho segundo o Espiritismo” (1)

                (1) Allan Kardec, “Obras Póstumas”, 11ª ed., 1957, pág. 276.

             Fora Kardec advertido pelo Alto de que o clero gritaria ainda mais do que havia feito quando do lançamento dos livros anteriores, porque O Evangelho segundo o Espiritismo facultaria ao Codificador “apresentar o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo”, permitindo-lhe “proclamar que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã e a única instituição verdadeiramente divina e humana (2)

                (2) Idem, ibidem, pág. 277

                 O predito pelos Espíritos, em relação à obra que havia de aparecer: “O clero gritará - heresia”, “se sentirá muito mais ferido do que com a publicação de O Livro dos Espíritos”, “os espíritas serão perseguidos”, “o fanatismo e a intolerância vão atacar-te e aos teus com armas envenenadas” – tudo isso aconteceu e ainda acontece, muito embora tenha já decorrido um século.

            Proféticas palavras do Além! Naquele mesmo ano de 1864, a primeiro de Maio, a Sagrada Congregação do Índex, incluía no seu catálogo todas as obras de Kardec sobre Espiritismo! Causou estranheza no meio espírita o não ter sido tomada essa decisão mais cedo, mas logo compreenderam que O Evangelho segundo o Espiritismo é quem descolara, afinal, o fiel da indecisão.

            O efeito, entretanto, foi contrário ao esperado. Segundo diz o próprio Kardec, suas obras foram mais procuradas pelo público, muitas livrarias puseram-nas em maior evidência, e em pouco tempo chegavam ao Brasil, onde o quarto livro da Codificação, pelas interpretações racionais que dá ao Evangelho de Jesus, rápida e profusamente se disseminou, mitigando os anseios de milhões de criaturas sedentas de esperança, de paz e de amor.

            Homem metódico, Allan Kardec nada fez sem adequado estudo das condições ambientes, seguindo a orientação dos Espíritos. Primeiro, O Livro dos Espíritos, destinado a tornar conhecida a filosofia espiritualista demonstrativa da realidade das relações entre o mundo físico e o mundo espiritual, entre os vivos (encarnados) e os mortos (desencarnados); a origem e natureza dos Espíritos, a intervenção deles no mundo corporal, as leis que regem as relações de causas e efeitos entre esses dois planos da vida, e assim por diante.

            Logo após, em 1859, Kardec publica, numa edição simples e elucidativa, O que é o Espiritismo, cujo fim era resumir os princípios da Doutrina Espírita e responder a objeções habitualmente feitas pelos que ignoram ou conhecem mal tais princípios. Dois anos mais tarde, em 1861, apareceu O Livro dos Médiuns, que trata desenvolvidamente do Espiritismo experimental e constitui o seguimento de O Livro dos Espíritos.

            Estava feita, desse modo, a preparação, a adubagem do terreno para a frutificação dos postulados espíritas, digamos melhor – dos princípios lidimamente cristãos, sobre os quais O Evangelho segundo o Espiritismo projetaria novas luzes, traçando de modo infalível para a felicidade nos dois planos da Vida. As páginas desse livro encerravam, afinal, tudo quanto era necessário para o cumprimento da profecia que em 15 de Abril de 1860 fora transmitida a Kardec sobre o futuro do Espiritismo.

            “Ele reformará a legislação ainda tão frequentemente contrária às leis divinas; retificará os erros da História; restaurará a religião, a religião natural, a que parte do coração e vai diretamente a Deus...; extinguirá o ateísmo e o materialismo...” (3)

                (3) Id., ib., págs. 268-269

                 O tempo acabaria também por confirmar a predição que Kardec recebera em Maio de 1857:  a Humanidade sofredora espontaneamente confere, ao venerável Codificador, a tiara espiritual, ou seja, reconhece-lhe a “autoridade moral e religiosa” (4) no desempenho de sua transcendente e espinhosa missão como intérprete, na Terra, do Consolador prometido por Jesus.

                (4) Id., ib., pág. 259

 *

            A Doutrina Espírita é, sobretudo, uma doutrina universal, no sentido de se estender a todas as criaturas humanas, sejam quais forem suas origens raciais, suas crenças religiosas, seus pendores filosóficos e suas condições sociais, porquanto o Espiritismo sí entende o Cristianismo do Cristo assim, universalizado, abraçando num só amplexo fraterno todas as gentes.

            E Guillon Ribeiro, o saudoso presidente da FEB, assevera, com a sua tríplice autoridade – moral, doutrinária e intelectual: “...O Espiritismo faz notória a universalidade dos seus postulados e, diante dessa universalidade, é de ver-se que nada lhe falece para que seja, não “uma” religião, mas “a” Religião por excelência, posto que encerra tudo quanto, sobre a base do amor universal, pode e deve ligar e religar as criaturas ao Criador, em testemunho da unidade perfeita e absoluta da obra divina” (5).

                (5) Guillon Ribeiro, in “Religião”, de Carlos Imbassahy, 2ª ed., 1951, pág. 16.

             Vale reafirmar, porque a experiência dos anos decorridos e os fatos assim o exigem, que O Evangelho segundo o Espiritismo cimentou as bases do Espiritismo-Religião, lado a lado do Espiritismo-Ciência e do Espiritismo-Filosofia.

            É ainda ao eminente Guillon Ribeiro que devemos este esclarecimento: “... se legítimo é no Espiritismo o caráter científico, dado que suas teorias se arrimam em vasta fenomenologia, cuja realidade e sentido se comprovam pela observação e pela experimentação científicas, essencial, fundamental e mais proeminente é o seu caráter religioso, porquanto, confirmando, desenvolvendo e clareando os ensinos do Cristianismo, mediante aquela fenomenologia e as revelações decorrentes dela, entre os objetivos capitais se encontra, resumindo-os, o de restituir ao termo “religião” o significado exato, o da dupla ligação que o amor a Deus e ao próximo, síntese da Religião, estabelece entre a criatura e o Criador (6).

                (6) Id. Ib., págs. 14-15

             É compreensível, dada a enorme pressão sofrida por Allan Kardec de todos os lados, que, ao lançar por Allan Kardec de todos os lados, que, ao lançar O Livro dos Espíritos, não teria sido a ele aconselhável desvendar desde logo esse caráter essencial, fundamental e mais proeminente do Espiritismo, o caráter religioso. Conviria, em benefício da Doutrina recém-nascente, a fim de que maiores obstáculos não viessem retardar ainda mais a difusão dos seus princípios, que ele se ativesse por algum tempo somente aos dois outros aspectos que integram o corpo doutrinário, ficando assim mais desimpedido o caminho para o lançamento de O Evangelho segundo o Espiritismo, o que sucederia precisamente sete anos depois de surgido O Livro dos Espíritos.

             É bem fácil imaginar as dificuldades encontradas por Allan Kardec em sua época. Hoje, que vivemos dias mais arejados, de quando em quando os espíritas ainda sofremos coações criadas pela intolerância e pelo fanatismo. Importa reconhecer, consequentemente, o acerto da cautelosa conduta do Codificador, sobre o qual desciam inspirações constantes dos Espíritos Superiores, principalmente do Espírito de Verdade. Elaborado de comum acordo com estes luminares da Espiritualidade, o livro em questão aguardou a sua hora de aparecer, hora em que seria necessário a Kardec “apresentar o Espiritismo qual ele é”.

             As 9 de Agosto de 1863, sem que o médium tivesse conhecimento do assunto da obra em que Kardec já estava trabalhando, elevado Espírito prenunciava-lhe a importância com estas palavras iniciais:

             “Esse livro de doutrina terá considerável influência, pois que explana questões capitais e, não só o mundo religioso encontrará nele as máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes. Fizeste bem enfrentando as questões de alta moral prática, do ponto de vista dos interesses gerais, dos interesses sociais e dos interesses religiosos” (7).

                (7) Allan Kardec, “Obras Póstumas”, 11ª ed. Página 276.

                 Finalmente, em Abril de 1864, era exposta nas livrarias de Paris a nova obra de Allan Kardec – Imitation de l’Évangile selon le Spiritisme, título que seria posteriormente mudado para L’Évangile selon le Spiritisme (*) Essencialmente objetivando colocá-la ao alcance e uso de todos, mediante a explicação clara e racional das passagens obscuras do Evangelho e o desdobramento de todas as consequências individuais e coletivas, tendo em vista a aplicação dos ensinos a todas as condições da vida, conseguiu Kardec, assistido pelos bons Espíritos, concretizar o plano que tivera em vista. Hoje, é máxime no Brasil, é essa obra querida do povo, porque o povo a compreendeu e aceitou.

                (*) Em 1865, já com o novo título, saiu a 2ª e a 3ª edição, esta última completamente refundida pelo Autor e apresentada como definitiva.

             Nesta hora, pois, exaltemos a figura apostólica de Allan Kardec, o insigne missionário da Terceira Revelação, o qual nos deu esta sublime definição da fé raciocinada:

             “Não há fé inabalável, senão a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade. A fé uma base se foz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se exige a abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio.” (8)

            (8) Id., ib., pág. 15

             Elevemos graças aos Céus pelas benesses que vimos colhendo no Espiritismo, abrigando-se à sombra do Cristo, cujo amor impregna as páginas edificantes e consoladoras de O Evangelho segundo o Espiritismo, livro que, à época do seu aparecimento, foi saudado pelo Espírito de Verdade como “uma luz mais brilhante” (9) que vinha iluminar os caminhos da Humanidade.

            (9) ‘Revue Spirite’, Paris, 1864 pág. 399.

             É obra do Cristo, o Espiritismo, conforme esclareceu Kardec (10), e julgamos que dentro dessa obra é o Evangelho segundo o Espiritismo a dádiva suprema oferecida à coletividade humana.

             (10) Allan Kardec, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, 51ª ed., pág. 53.


quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Vigiar e examinar

 

Vigiar e examinar

Percival Antunes (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Outubro 1964

                 Há necessidade de serem examinadas mui atentamente as comunicações recebidas do Além. Não basta que sejam transmitidas de Espíritos a médiuns de categoria, porque eles não são direta nem indiretamente responsáveis pelas mensagens recebidas. São meros instrumentos de recepção. Apenas oferecem ao Espírito comunicante a possibilidade de ter um “aparelho” que lhe permita pôr-se em comunicação com o mundo físico. Com mais razões, os chamados médiuns inconscientes.

            Muitas comunicações espíritas estão eivadas de conceitos católicos e alguns confrades menos cautelosos as aceitam integralmente, sem ao menos analisar o conteúdo das mensagens, eliminando tudo quanto colida com os princípios doutrinários do Espiritismo.

            Nada disso é novidade, mas estamos numa época em que pouco se examinam essas coisas e daí a intromissão em determinados centros espíritas de ideias e conceitos puramente católicos e práticas que não são sancionadas por nossa Doutrina.

            Muitas coisas podem ocorrer contra a vontade do médium. Stainton Moses, médium muito religioso, teólogo, deparou muitas vezes, em seus escritos automáticos, com proposições ateias e satânicas. “Quase todos os meus escritos automáticos, confessa ele, eram contrários às minhas convicções” (“A Verdade Espiritualista”, de C. Picone Chiodo).

            A tendência perigosa de se aceitar tudo quanto venha do Além, subscrita por nomes tidos por ilustres, em vez de favorecer o desenvolvimento do Espiritismo, prejudica-o, por retardar a compreensão clara dos seus princípios doutrinários. Um Espírito que inculque a realização de um casamento “espírita”, sob o argumento de que nada obsta a que os nubentes sejam abençoados e beneficiados por uma prece, está sofismando. Afirmar que discordar dessa ideia constitui fanatismo, é capciosa.

            Há muitos “espiritismos” espalhados por aí a fora.  Cada qual tem o seu programa de trabalho, de acordo com a vontade do “dono” da casa. Este faz o “espiritismo” que mais convenha aos seus conhecimentos ou às conveniências que lhe mereçam maior consideração. Como resultado dessa liberdade de ação, surgem práticas absurdas, contraditórias, que iludem as pessoas simplórias e redundam em explorações por parte daqueles que se interessam em atacar o Espiritismo, atribuindo-lhe vícios e defeitos que não tem, porque não interessam por conhecer-lhe a Doutrina e, se a conhecem, fazem como se a ignorassem.

            Há um meio de lutarmos todos contra isso: promovendo uma campanha em favor da difusão da Doutrina Espírita, pela palavra falada, nas tribunas, assim como no rádio e na televisão, como também pela palavra escrita, em jornais (profanos, de preferência) e qualquer outro órgão de divulgação.

            Já ouvimos pessoas ditas espíritas que aceitam a Santíssima Trindade tal como os católicos. Para maior segurança do erro que cometem, louvamo-nos na palavra do nosso querido Emmanuel, Espírito sublimado, que diz: “Os textos primitivos da organização cristã não falam da concepção da Igreja de Roma, quanto à chamada ‘Santíssima Trindade”. Devemos esclarecer, ainda, que o ponto de vista católico provém de sutilezas teológicas sem base séria nos ensinamentos de Jesus”. (1)

            É indispensável que os espíritas estudem as obras que esclarecem esses pontos importantes, para que não incidam em erro lesivos à integridade da nossa Doutrina, principalmente aqueles que têm a responsabilidade de orientar grupos. Permitir ambiguidades será concorrer para o enfraquecimento dos postulados kardequianos.

             (1) Grifos do autor do texto.


segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Subsídios para um mundo novo

Subsídios para um mundo novo

Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Março 1964

             De valor incomensurável é a literatura espírita posta em circulação pelo Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira. Obras de valor científico e literário, a maioria das quais levando à compreensão das criaturas humanas uma doutrina superior, que valoriza as almas e fecunda as mentes.

            Temos  hábito de fazer periódicas incursões nos livros editados há alguns anos, para renovarmos a sensação de beleza moral que promana dessas obras magníficas, a maior parte delas de procedência mediúnica, outras, porém, de autoria de espíritas esclarecidos e bastante familiarizados com a Doutrina codificada por Allan Kardec.

            Não há nada mais confortador do que essa espécie de “volta a Meca”. Tornamos a visitar “Os Quatro Evangelhos”, “Renúncia”, “No Invisível”, “Missionários da Luz”, “Libertação”, “O Espírito Consolador”, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, “O Livro dos Médiuns”, “O Livro dos Espíritos” e assim por diante. Sempre que se torna a ler um livro espírita muita coisa nova ressurge e se aprende. São fontes de ensinamentos prodigiosos, essas obras.

            Há dias, abrimos “Crônicas Espíritas” de Fred. Fígner. Apreciamos, não apenas a serenidade da linguagem usada por esse eminente vulto do Espiritismo brasileiro, mas também a sua argumentação de irresistível lógica, esmagando e ao mesmo tempo esclarecendo, ensinando e educando um certo padre Dubois, que, à maneira dos Boaventuras de todos os tempos, pretendeu confundir os espíritas com sofismas e silogismos de legítima feitura jesuítica. Eis um livro que merece as atenções daqueles que ainda não o conhecem.

            Há nele muita coisa interessante e instrutiva. No capítulo em que fala do dogma católico da “Transubstanciação”, Figner ensinou ao padre Florêncio Dubois que esse dogma foi “produzido” (eis o termo adequado) pelo concílio do Trento (1545-1563), por determinação do papa Paulo III. E para evidenciar o perfil desse pontífice que o convocou, cita um trecho da página 7, volume 4, da “História dos Papas”, de Maurice Lachatre, que é de estarrecer. Vai, em seguida, ao “dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria”, detém-se no dogma da “Divindade de Jesus”, trata da “Divindade da Igreja Católica”, enfim, reduz tudo às suas reduzidas e insignificantes proporções.

            É bom reler bons livros. É bom também conhecer o que de novo vem surgindo no Espiritismo nacional. Temos, por exemplo, “Devassando o Invisível”, da médium Yvonne A. Pereira, que já nos deu “Memórias de um suicida”, “Nas voragens do pecado” e “Nas teias do Infinito”. É valioso “Estudo sobre fenômenos e fatos transcendentes devassados pela mediunidade, sob a orientação dos Espíritos-Guias da médium”. Vejam só o título de alguns capítulos: “Como se trajam os Espíritos”, “Frederico Chopin na Espiritualidade”, “Mistificadores – Obsessões”, “Sutilezas da Mediunidade”, “As virtudes do Consolador”, “Os grandes segredos do Além”.

            Quase ao mesmo tempo apareceu um novo livro da dupla magnífica de médiuns – “Francisco Cândido Xavier – Waldo Vieira, nomes já mundialmente consagrados. A obra foi ditada por André Luiz, cujos trabalhos anteriores dispensam adjetivos, tão importantes e mesmo revolucionários foram na literatura espírita. Desta vez ele nos deu “Sexo e Destino”. Tema difícil, perigoso, mas de palpitante atualidade, num mundo que parece obcecado pelo sexo, a tal ponto que a concupiscência se amplia, causando estragos incomensuráveis.

            A obra em si é de enorme valor. Bastaria o nome de André Luiz para recomendá-la. Acresce, porém, outro pormenor valioso: Emmanuel, Espírito cintilante por sua grande elevação moral e desmedida cultura, ditou, à guisa de prefácio, o “Prece no Limiar”, que assim começa: “Pai de Infinita bondade! Este é um livro que permitiste ao nosso André Luiz traçar, em lances palpitantes da existência, alguns conceitos da Espiritualidade Superior, em torno de sexo e destino – fotografia verbal de nossas realidades margas que entremeaste de esperanças eternas.”

            Vale a pena conhece-la por inteiro. O assunto é grave e interessa a homens e mulheres, sendo altamente recomendável à juventude, logicamente mais sujeita aos percalços da vida sexual.

            São obras, estas duas últimas, que se nivelam a outras de igual profundidade moral, que já contribuem, há muitos anos, para a orientação superior da criatura humana. Nenhuma felicidade coletiva será possível sem que primeiramente se alcance a reforma e o aperfeiçoamento de cada indivíduo. As obras espíritas têm também essa missão.

            São subsídios de imenso valor par a construção de um mundo novo e melhor.




terça-feira, 2 de novembro de 2021

A luta gloriosa

 

A luta Gloriosa

Tasso Porciúncula (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Novembro 1964

             Estudar a Doutrina Espírita não é dedicar-se à sua leitura com o mesmo estado de ânimo com que se lê um jornal ou uma revista mundana. Estudar é reter na memória o que se lê, é identificar-se de tal forma com o objeto do estudo, que se decida respeitar através da exemplificação os ensinamentos ali colhidos.

            É muito fácil dizer-se: “Tenho lido muita coisa sobre o Espiritismo, conheço as obras de Fulano e Sicrano. São maravilhosas, lindas e edificantes.” Na realidade, as obras espíritas são assim, mas de nada adiantarão se não forem assimiladas as suas lições, se os seus ensinamentos não se converterem para todos nós em norma de conduta, em roteiro para a nossa vida cotidiana.

            Ninguém melhor do que nós sabe quanto isso é difícil, porque temos ainda a alma sobrecarregada de compromissos cármicos. Mas as dificuldades podem ser atacadas com persistência. Temos de insistir, dia a dia, na prática da Doutrina. Se não pudermos fazer tanto quanto precisamos, que façamos o que pudermos. O essencial é fazer alguma coisa, é não desanimar, não recuar. Para vinte desvios, trinta tentativas de reabilitação; para vinte quedas, outras tantas lutas pelo reerguimento.

            O fato de reconhecermos a nossa incapacidade para avançar depressa não quer dizer que fiquemos parados. Façamos alguma coisa. Se não nos é possível andar um metro, procuremos avançar um centímetro. Iremos mais devagar, mas iremos. O essencial é não parar, ainda que reconheçamos a nossa fraqueza, a nossa falta de disposição para reagir contra os males que nos assaltam, ainda que não tenhamos energia para exemplificar sempre. Tanto seremos beneficiados pelo progresso que alcançarmos, como responsabilizados pelos erros que praticarmos.

            De nós, exclusivamente, depende vencer ou ser derrotados. Poderemos ir vencendo aos poucos, mas também, se formos invigilantes e fracos, não evitaremos a destruição do resto de ânimo que tivermos para reagir. Por isso, não abandonemos nunca a Doutrina, que será um apoio para nós, um estímulo, um encorajamento, se nos resolvermos a fazer sempre algo para melhorar.

            Entretanto, se nenhuma resistência realmente séria e tenaz opusermos a tudo quanto contribua para o nosso enfraquecimento moral, então nada adiantará nossa aparente determinação.

            Na Epístola aos Filipenses, disse Paulo, ao salientar a necessidade “de algum modo atingir à ressureição dentre os mortos”, pois que “mortos” somos todos quantos continuamos a viver sem a iluminação espiritual, somente possível com o progresso moral. “Não digo que eu já o tenha obtido, ou que seja já perfeito, mas vou prosseguindo para ver se também poderei alcançar aquilo para o que igualmente fui toma por Cristo Jesus. Irmãos, eu não julgo ter ainda alcançado; mas alguma coisa faço, esquecendo-me das coisas que ficam para trás, e, avançando para as que estão adiante, prossigo em direção ao alvo, para obter o prêmio da vocação celestial de Deus em Cristo Jesus.”

            O Carma, que exprime fielmente a Lei de Causa e Efeito, porque é ela mesma, é a cruz que todos carregamos no dia a dia da vida terrena e espiritual. Irá ficando mais leve à medida que formos reduzindo a parte negativa da nossa personalidade moral e aumentando a parte positiva que nos levará à redenção. Irá ficando mais pesada, entretanto, à proporção que a nossa imprevidência, preguiça, displicência ou invigilância se for multiplicando sem que nos apercebamos do mal que a nós mesmos fazemos.

            Persistamos todos na linha reta e íngreme, mais doce de seguir que os caminhos planos, mais tortuosos de molde a podermos alcançar a porta estreita, pela qual muitos pretendem entrar, mas poucos o conseguem, porque a única condição para transpô-la está na exemplificação do bem, na recusa do mal, na construção do “homem novo” que representará a ressureição do nosso espírito e a morte definitiva do “homem velho”.

            A mais gloriosa luta é a que sustentamos contra nós mesmos. A mais gloriosa e a mais difícil de vencer.


O Dever da Sociabilidade

 


“O Dever da Sociabilidade”

por Indalício Mendes

Reformador (FEB) Setembro 1964

             Os espíritas das grandes cidades encontram, às vezes, maiores obstáculos para a exemplificação lata dos deveres doutrinários. A vida absorvente, os compromissos fatigantes, o corre-corre incessante, tudo isso contribui para que muitos deles, sem o sentir, deixem de cumprir com a fidelidade desejável os preceitos da Doutrina.

            Há um pormenor digno de relevo: nas cidades grandes não se cultiva o intercâmbio de visitas familiares, tão comuns nas cidades do interior. Os espíritas somente se encontram nos dias de sessões, mas não permutam visitas, não percorrem os lares dos confrades e amigos, para, através de conversações adequadas, conservarem a intensidade do calor da troca de ideias sobre a Doutrina.

Essas visitas são importantes. Muitas vezes, levam a um lar, onde a exemplificação falha, o estímulo indispensável á recuperação de uma situação perdida por falta de incentivo.

É Kardec quem o diz: “Jamais pode o gelo imitar o calor. Se passarmos à categoria dos espíritas propriamente ditos, ainda aí depararemos com certas fraquezas humanas, das quais a Doutrina não triunfa imediatamente. As mais difíceis de vencer-se são o egoísmo e o orgulho, as duas paixões originárias do homem. Entre os adeptos convictos, não há deserções, na lídima acepção do termo, visto como aquele que desertasse, por motivos de interesse ou qualquer outro, nunca teria sido sinceramente espírita; pode, entretanto, haver desfalecimentos. Pode dar-se que a coragem e a perseverança fraquejem diante de uma decepção, de uma ambição frustrada, de uma preeminência não alcançada, de uma ferida no amor-próprio, de uma prova difícil. Há o recuo ante o sacrifício do bem-estar, ante o receio de comprometer os interesses materiais, ante o medo do “que dirão?”; há o querer viver para si e não para os outros, beneficiar a crença, mas sob a condição de que isso nada custe.” (o grifo é nosso)

A sociabilidade é uma força que os espíritas não devem desprezar. As reuniões familiares, além de restabelecer um velho costume brasileiro, hoje um tanto negligenciado nas grandes cidades, institui um pretexto para conversações edificantes, com base na Doutrina Espírita, conversações que podem, muitas vezes, mudar para melhor o curso de muitas vidas, aplainando dificuldades íntimas, aclarando o caminho, levando a mentes sem orientação rumos certos.    

Não se compreende Espiritismo sem o cultivo da sociabilidade, que reforça amizades, cria relações novas através da solidariedade que pode conduzir a oportunos esclarecimentos.

Releiam as palavras de Kardec, colhidas em “Obras Póstumas”. O que pode não ser confessado numa reunião pública de adeptos do Espiritismo, não raro é dito na intimidade e uma visita amiga e as deficiências doutrinárias poderão, assim, ser eliminadas sem que o espírita pouco identificado com a Doutrina possa sentir-se constrangido. E claro que o espírita familiarizado com os ensinamentos doutrinários não mais se deixa coagir pelo amor-próprio, não tem o menor constrangimento de confessar suas falhas e deficiências, seus erros e equívocos. Se um confrade amigo, em conversa íntima, lhe ilumina o pensamento e lhe dá conforto ao coração, logo ele perde o medo do “que dirão?”, a que aludiu o Codificador.

Portanto, o intercâmbio de visitas não constitui apenas um dever social, pois é, acima de tudo, um dever doutrinário, se assim podemos dizer. Procedendo assim, estaremos dando cumprimento ao nosso lema: “Trabalho – Solidariedade – Tolerância”.  Trabalho, porque estaremos trabalhando em prol da Doutrina dentro dos lares; Solidariedade, porque faremos nossos os problemas daqueles que não encontraram ainda meios para solucionar os que os preocupam; Tolerância, porque teremos de agir com o coração aberto, desculpando erros, mas procurando corrigi-los através de considerações doutrinárias adequadas a cada caso.

Há lares cheios de problemas sérios, que os cônjuges não sabem como resolver, mesmo quando um deles é espírita. Através, porém, do intercâmbio entre as famílias, ótimos resultados poderão ser obtidos. Dizemo-lo porque não desconhecemos as vitórias já conquistadas por esse processo de visitas e ser visitado, embora sem se fazer do Espiritismo tema obrigatório de palestras. A própria Doutrina surgirá no curso das conversas, orientando-as, sem haver necessidade de se repisar preceitos espíritas. Desde que eles já tenham sido assimilados por uma parte, os ensinamentos naturalmente se transmitirão á outra parte, por ação indireta.

            Ao concluirmos, lembramos estas outras palavras de Kardec: “Se os elementos da fé permanecem estacionários e ficam distanciados pelo espírito, perdem toda a influência; e o bem que ajam produzido, em certo tempo, não pode prosseguir, porque aqueles elementos já não se acham à altura das circunstâncias.” Eis porque, então, a troca de visitas pode ser oportuna em muitos casos, reforçando a fé de alguns, estimulando a confiança de outros e consolidando em todos a certeza de que o Espiritismo é força aglutinante poderosa e útil ao indivíduo e à família.