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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A 'herege' que alcançou a 'santidade'

A “herege”
que alcançou a “santidade.”
por Kleber Halfeld
Reformador (FEB) Janeiro 1995

            Sua comovente história tem inspirado numerosos escritores e cineastas.

            Limito-me, neste trabalho, à citação de uns poucos, mais em evidência através dos anos.

            De início, entre os primeiros, Schiller com "A donzela de Orléans", drama que inspirou a ópera do conhecido compositor russo Tchaikovski; George Bernard Shaw, que escreveu "Santa Joana", trabalho composto de seis cenas e um epílogo; Christine de Pisan, com "Balada de Joana d' Arc''; Chapelain, autor de "A PuceIa" e CIaudel, com a obra "Joana na fogueira", um oratório, com música de Honegger.

            Entre os segundos, destaco Victor Fleming - "Joana d'Arc"; Otto Preminger - "Santa Joana"; Roberto Bresson - "O processo de Joana d' Arc" - e Carl Dreyer - "A paixão de Joana d' Arc".

            Com referência à literatura espírita, quem desconhece a extraordinária obra de Léon Denis, "Joana d' Arc"?



*

            Aqueles que tiveram ensejo de ler o volume nº 12, referente ao ano de 1869, da Revista Espírita, na parte índice Biobibliográfico, encontram estes dados bem sintéticos:

            "Joana d'Arc - Heroína francesa, nascida em 1412 em Domrémy, filha de modestos operários, levou vida humilde na infância, permanecendo analfabeta. Diz o seu confessor que era ignorante a ponto de apenas saber o Pai Nosso. Guardava o rebanho do pai e ajudava a mãe nos trabalhos domésticos. Piedosa, sensível, alma ardente; era patriota. (...) Ouvia vozes, que dizia serem de São Miguel, de Santa Catarina e Santa Margarida, que se manifestavam quando tinha ela 13 anos, mandando-a marchar em auxílio do Delfim. Foi nomeada "chefe de guerra".
            Então intimou os ingleses a entregar as chaves dos lugares ocupados, em nome do rei do céu. Atacou-os, entrou em Orléans a 29 de abril e em pouco tempo os derrotou completamente.
            Lutou contra os inimigos internos. Processada, foi queimada na praça do Vieux-Marché, em Ruão, a 30 de maio de 1431." (...)
            (Nota - A entrada de Joana d' Arc com seu exército em Orléans, deu-se a 29 de abril de 1429.)

            A missão da donzela (fr. pucelle) de Orléans foi tão marcante que chegou a inspirar Gabrielle Jeffery, em 25 de março de 1911, a fundar a Sociedade Sufragante de Mulheres Católicas, a qual em 1923 mudaria o nome para Santa Aliança Internacional.

            De acordo com dados colhidos, urna organização sem qualquer filiação política, de mulheres, a atribuir à situação geral de inferioridade reservada à mulher os grandes males do mundo.

            Seu objetivo: o princípio cristão da equivalência dos sexos, pretendendo, assim, valorizar o trabalho e a eficácia da mulher católica, tornando-a útil à comunidade. No caso específico de Joana d' Arc, cujos feitos chegaram ao conhecimento de todos os países, sabemos que somente em 1894, por decreto do Papa Leão XIII, seria considerada venerável; em 1909 proclamada beata por Pio X e, finalmente, em 1920, inscrito seu nome no álbum dos santos.

            Como se percebe, longos anos escoariam na ampulheta do tempo para que a heroína francesa tivesse o reconhecimento do trabalho realizado à frente de um exército, objetivando a libertação de sua pátria.

            A par de inúmeras obras descritivas desse vulto que continua a ter um número cada vez maior de admiradores, duas merecem atenção mais particularizada em nos referindo à literatura espírita. Faço menção aos trabalhos "A história de Joana d' Arc ditada por ela mesma", recebida pela mediunidade de Ermance Dufaux, urna menina de 14 anos que também recebera obras referentes a Luís XI e Carlos VIII, e "Joana d' Arc", de autoria de Léon Denis, um dos mais completos trabalhos sobre a donzela de Orléans que a estante espírita possui.



            Segundo podemos ler na obra de Canuto de Abreu, "O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária" (pág. 88), Ermance de Ia Jonchére Dufaux

            "colaborou, como médium, com Kardec, na elaboração da segunda edição de
'O Livro dos Espíritos', de 1860, que se popularizou. O seu guia espiritual deu grande incentivo a Kardec para publicar a 'Revue Spirite' e Ermance, com seu pai, o Senhor Dufaux, se tornou sócia fundadora da 'Societé Parisienne des Études Spirites', Podemos, também, considerá-Ia uma heroína espírita, pois, o seu livro - 'Histoire de Jeanne D'Arc, dictée par elle-même' (edição original de Meluu, Paris, 1855) - foi consumido na mesma fogueira em que arderam as obras de Kardec e de outros, acesa pelo auto-de-fé em Barcelona, Espanha, no dia 9 de outubro de 1861. 'Revue Spirite', dos meses de março, maio e junho de 1858, reproduz o seu manuscrito de 1857 'Confections de Louis XI. Histoire de sa vie dictée par lui meme'. 'Passou-se com ela (Ermance) um curioso fenômeno. A princípio era bom médium psicógrafo e escrevia com grande facilidade; pouco a pouco tornou-se médium falante (de incorporação ou psicofônico) e, à medida que esta nova faculdade se desenvolve, a primeira se atenua...' (registra Kardec, in 'Revue Spirite', janeiro de 1858)".

            Conforme esclareci em Reformador de março de 1990, Kardec, que teve a oportunidade de conhecer pessoalmente a senhorita Ermance Dufaux, fez questão de frisar que

            "os incrédulos farão sempre mil e uma objeções; mas para nós, que vimos o médium, a origem do livro não poderia ser posta em dúvida.
            (...) sua instrução era a das meninas de família decente, educadas com cuidado, mas, ainda quando tivesse uma memória fenomenal, não seria nos livros clássicos que iria encontrar documentos íntimos, dificilmente encontradiços nos arquivos da época".

            Infelizmente o livro não chegou até nós.

            O que é de lamentar, porquanto seria interessante fonte de estudo.

            Por outro lado, a obra de Léon Denis teve merecida divulgação por parte da Federação Espírita Brasileira. Trata-se de excelente biografia sobre a jovem que projetou Domrémy - sua cidade natal -, a todos os quadrantes. Além de apresentar dados biográficos, contém as opiniões favoráveis ou antagônicas àquela que fez coroar Carlos VII, em Reims, em 1429, e que, depois de repelir o exército inglês, teve sua condenação à fogueira por um tribunal camuflado de eclesiástico. Ainda na mesma obra fala o autor a respeito das vozes que a despertaram para sua missão. Vozes que a mantiveram firme durante longo tempo à frente das tropas francesas e que finalmente a sustentaram no momento do suplício das chamas.

            Já na Introdução de seu livro cita Denis os que foram acordes em exaltá-la, considerando-a uma heroína de gênio, uma espécie de messias nacional: Michelet, Wallon, Quicherat, Henri Martin, Siméon Luce, Joseph Fabre, Vallet de Viriville, Lanéry d'Arc.

            Mas não deixa passar a oportunidade para dizer:

            "Enquanto de um lado, exaltando-a sobremaneira, procuram monopolizá-la e
encerrar-lhe a personalidade no paraíso católico, de outro, por uma tática, ora brutal com Thalamas e Henri Bérenger, ora hábil e erudita, servida por um talento sem par, com Anatole France, esforçam-se por lhe amesquinhar o prestígio e reduzir-lhe a missão às proporções de um simples fato episódico.'

            A par de todas as opiniões catalogadas por Léon Denis à figura de Joana d' Arc, dos comentários sobre as vozes que a assistiam e da missão cumprida à frente dos homens de armas, uma das páginas que muito nos elucida e conforta do ponto de vista espiritual é aquela expressa pela própria comunicação que ela deu por via mediúnica.

            Confessa Denis que ele mesmo se esforçara no sentido de conseguir essa mensagem.



            Escreveu ele: (Cap. XVIII)

            "Cedendo aos nossos rogos, consentiu (Joana d'Arc) em resumir todo o seu pensamento numa mensagem, que nos consideramos no dever de reproduzir com escrupulosa fidelidade," (...)

            Adianta ele que a mensagem possuía todas as garantias desejáveis de autenticidade:

            "O Espírito que a ditou escolheu para intérprete um médium que vivera no décimo quinto século e conservava, no seu "eu" profundo, lembranças, reminiscências daquela época. Por esta circunstância, possível lhe foi imprimir à linguagem, dentro de certos limites, o cunho do tempo."

            Nesse sentido, o autor, ou seja, Léon Denis, teve o cuidado de colocar uma nota no rodapé da página para alertar os leitores:

            "Objetar-me-ão, talvez, que Joana não sabia ler, nem escrever. Responderei que depois de sua morte trágica, ao regressar para o espaço, ela recobrou todos os seus conhecimentos anteriores."

            A mensagem foi recebida no dia 15 de julho de 1909.  Não a transcreverei toda, limitando-me, apenas, a alguns tópicos.

            Bastará, porém, para que percebamos a inteligência do Espírito comunicante.

            A respeito da responsabilidade das encarnações, escreveu:

            "(...) as vidas que o Senhor nos dá devem ser utilizadas santamente, a fim de estarmos em sua graça.(...)

            Sobre a curiosa outorga de forças aos fracos, assim se expressou "Ele (ou seja Deus) sempre escolheu os fracos para realizar seus desígnios, porquanto sabe dar força ao cordeiro, conforme o prometeu;" (...)

            Confessando com humildade a fraqueza e o medo que a assaltaram no dia-a-dia de sua vida, sobretudo, depois de estar consciente de sua missão, considerou:

            "Ele me ocultou, por seus enviados, o fim doloroso que tive, compadecido da minha fraqueza e do medo que o sofrimento me causava; porém, chegada a hora, recebi, por intermédio daqueles enviados, toda a força e toda a coragem."

            Com referência à alegria que experimentava ao ouvir as vozes que sempre a sustentaram no decorrer de seu trabalho missionário, de forma clara e objetiva escreveu:

            "Dizer-vos o que se passava então em mim não é possível, porque eu não vos poderia descrever a minha alegria calma e intensa;" (...)

            Finalmente, abrindo seu coração para manifestar o amor que dedicava à Igreja - à sombra da qual se criara -, mas ao mesmo tempo deixando perceber sua desilusão quanto a essa mesma Igreja, através da conduta dos adeptos que haviam plantado o ódio em suas fileiras no decurso dos anos, desabafou de forma muito incisiva:

            - "Choro o ódio que plantaram entre seus irmãos, o mau grão que semearam no campo da Igreja e que levou esta mãe que tanto amei a procurar mais a fé do que o amor do perdão. É-me grato, entretanto, vê-los emendar-se a confessar um pouco o erro que cometeram; porém, não o fizeram como eu desejara e a minha afeição à Igreja se desligará cada vez mais desta antiga reitora de almas, para se dar tão-somente ao nosso doce e gracioso Senhor."

            A comovente quão instrutiva mensagem, assinada com o nome Jehanne, é, assim, o espelho a refletir, ao mesmo tempo, a humildade e a superioridade moral da camponesa que um dia, acolhendo o chamado do Alto, partiu de sua quase desconhecida aldeia para libertar a França do jugo da Inglaterra!



*

            No volume referente ao ano de 1869, da Revista Espírita, na mesma parte que trata dos dados biográficos de Joana d' Are lemos esta curiosa informação:

            "(...) Dizia uma lenda que a realeza, perdida por uma mulher, seria salva por uma virgem. A mulher nefasta era Isabel da Baviera; a virgem libertadora - Joana D' Arc." (...)

            Uma lenda que na verdade passou a constituir uma realidade, consoante os próprios dados fornecidos pela História.

            Isabel da Baviera, rainha de França, nasceu em 1371,  tendo desencamado em 1435.

            Era filha de Estêvão Il, Duque da Baviera.

            Possuidora de grande beleza, casou-se aos 15 anos com Carlos VI, sendo coroada em 1389.

            Amava, de início, o marido, contudo, a corte corrupta que a cercava acabou por modificar sua vida: tomou-se frívola e imediatista.

            Quando o marido enlouqueceu, separou-se dele, dedicando-se a Luís de Orléans. Após a célebre carnificina dos Armagnacs, tomou Isabel partido contra o próprio filho, o Delfim Carlos. Por sua vez, o assassinato de João sem Medo, que já a libertara anteriormente quando fora ela para o desterro, lançou-a nas mãos dos ingleses. Por conselho então de Filipe de Borgonha, entregou o reino ao então rei da Inglaterra: Henrique V!

            Essa a França encontrada por Joana d' Are.

            Esse o país do qual condoeram-se as "vozes".

            Essa a terra que a menina nascida em Dornrémy haveria de libertar do jugo dos ingleses, afrontando a descrença e o escárnio de seus contemporâneos!

            Que jamais poderiam acreditar em sua forças.

            Que jamais poderiam julgá-la habilitada a vencer o exército inglês!

            A história de Joana d' Arc é parte, afinal, da história que durou um século, entre a França e a Inglaterra, a partir do ano de 1337.

            Não se tratava exatamente de um conflito entre dois povos constituídos em nações nitidamente diferenciadas.

            Senão, vejamos.

            Muitos "ingleses" eram normandos, isto é, franceses que chegaram à Inglaterra com Guilherme, o Conquistador, no ano de 1066. Por outro lado, muitos "franceses" eram bretões, ou seja, ingleses habitando há muitas décadas o norte da França!..

            De qualquer forma, os ingleses obtiveram em 1415 uma vitória decisiva e, por um tratado assinado em Troyes, metade da França passou para o domínio de Henrique V, rei da Inglaterra, ficando a outra metade sob o governo de Carlos VI.

            Morrendo Carlos VI, foi coroado rei da França o filho de Henrique V, um inglês, portanto! Para os franceses, todavia, rei mesmo era Carlos VII, filho do falecido monarca.

            Entre os franceses que não aceitavam o domínio inglês estava a camponesa Joana.

            A moça que haveria de enfrentar a Inglaterra!

            Bastaria o ter ganho ela - distanciada de todo e qualquer conhecimento militar - uma simples batalha para já merecer o elogio de seu país. Entretanto, o que a História haveria de registrar em suas páginas, para espanto de todos, é que a Pucela venceria muitas batalhas, libertando o seu povo dos grilhões do domínio inglês. Tudo isso, lançando mão de incríveis táticas de guerra!

            Esses feitos extraordinários, aliás, inspiraram na época inúmeras representações teatrais.

            Por exemplo, numa teatralização ocorrida em 1456, em Orléans, um dos atores exclamava em determinado ponto da peça:

            - Um só de nós vale por cem sob o estandarte da Pucela!

            Afirmava Joana d'Arc possuir muito medo da traição. E foi justamente a traição que a levou à fogueira, após ter passado por um julgamento que a História registraria como inteiramente irregular, onde os gestos de traição surgiam a cada instante! 

            Entre parênteses, devemos considerar que uma série de triunfos coroou esse martírio.

            Em 1435, pelo Tratado de Arras, a região da Borgonha voltaria às mãos da França

            Um ano mais tarde Paris foi reconquistada, seguindo-se a Guiena e a Normandia.

            A tomada de Bordéus em 1453, na batalha de Castillon, pôs termo à guerra e dos outrora extensos domínios ingleses na França, só restaria o porto de Calais!

            Mas, a respeito do julgamento irregular de Joana d' Are, da traição que a envolveu, um espírita da cidade de Antuérpia, ao tempo de Kardec, correspondente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, teve a lembrança de enviar ao Codificador um artigo escrito por Natalis de Wailly. A esse mesmo artigo o correspondente teve igualmente o cuidado de juntar uma nota que segundo Kardec era fruto das pesquisas pessoais do remetente.

            Dizia a nota (Revista Espirita, dezembro/1867):

            "(...) Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, e um inquisidor chamado Lemaire, assistidos por sessenta assessores, foram os juízes de Jeanne. Seu processo foi instruído segundo as formas misteriosas e bárbaras da Inquisição, que havia jurado a sua perda. Ela quis louvar-se no julgamento do Papa e do Concílio de Bâle, mas o bispo se opôs. Um sacerdote, L'Oyseleur, a enganou, abusando da confissão, e lhe deu funestos conselhos. Por força de intrigas de toda sorte, ela foi condenada em 1431, a ser queimada viva como mentirosa, perniciosa, enganadora do povo, adivinha, blasfemadora de Deus, descrente na fé de Jesus-Cristo, gabola, idólatra, cruel, dissoluta, invocadora dos diabos, sistemática e herética."

            A verdade sobre sua pessoa haveria, entretanto, de aparecer.

            No ano de 1456, um quarto de século portanto depois de seu julgamento e condenação, o Papa Calixto Il, através de uma comissão eclesiástica, fez pronunciar a
reabilitação de Joana d' Are, e por intermédio de solene sentença foi declarado que ela morrera mártir em defesa de seu rei, de sua pátria e de sua religião.

            As condições de venerável, beata e santa só seriam admitidas pela Igreja a partir de quatro séculos mais tarde, conforme vimos anteriormente. Mais precisamente, nos anos de 1894, 1909 e 1920.

            Quanto às reações à morte de Joana na fogueira, houve muitas que ficaram nas páginas da História.

            Na Alemanha, em 1800, Schiller, através de trágico poema vingava Joana d' Are das insânias de Voltaire.

            Goethe, reconhecendo o valor da obra de Schiller, escrevia a ele:

            "Sua obra é tão boa, tão boa, e tão bela, que não vejo o que se lhe possa comparar."

            Por sua vez A. W. Schlegel, um crítico eminente e amigo de Madame de Staël, consagrava uma peça em verso ao suplício da heroína, enquanto a própria Madame de Staël escrevia em seu livro "Da Alemanha":

            "Só os franceses permitiram que se insultasse a memória de Joana."

            A Itália também se incorporou, nessa época, ao grupo dos países que fizeram referências a Joana d' Arc. Destaca-se nesse particular a figura de Antônio Morosini, nobre veneziano e negociante armador. Com o título "A Crônica Geral de Veneza" ou "Diário", publicou um jornal mantido sem interrupção desde 1404 até 1434, a respeito do qual a Revue Hebdomadaire fez um comentário:

            "Observador perspicaz e judicioso, Morosini intercalou no texto vinte e cinco cartas ou grupos de cartas, em que se relatavam as ações da PuceIa, à medida que iam sendo praticadas." (...)

            Na Inglaterra, Sir Edward CIarke escrevia:

            "(...) Consideramos Joana a maior heroína que o mundo já conheceu; lamentamos quanto com ela fizeram, o que tudo foi muito malfeito." (...)

            Nesse mesmo país, James Darmester, em sua obra "Nouvelles Études Anglaises", deixaria uma curiosa observação:

            "(...) Na Inglaterra, a vida de Joana d'Arc, a partir de sua morte até nossos dias, se divide em três períodos: feiticeira, heroína, santa; primeiramente, dois séculos de insultos e ódio; depois, um século de justiça humana; finalmente, em 1793, uma era de adoração e de apoteose!"

            De minha parte, acrescento que à acusação de feiticeira, soube Joana d' Arc demonstrar ao mundo a confiança irrestrita que depositava nas vozes do céu que a
assistiam, isto é, nos Espíritos que se postaram a seu lado, sustentando-a em todos os momentos; muitos anos depois, já na Espiritualidade, à expressão heroína, buscaria o cultivo da humildade de coração; e à designação de santa, manteria o raciocínio de que tanto ela quanto todos nós, não passamos, em verdade, de simples viajores na eterna caminhada em busca de novos estágios evoluiivos ...

            Em consequência, nenhuma criatura de bom senso poderá reclamar para si qualquer expressão de santidade, uma vez que "puro", na real acepção do termo, o Planeta somente conheceu um Espírito: - Jesus!



*

            Difícil a alusão a todas as circunstâncias que cercaram a donzela de Orléans.

            Difícil a consideração - em simples artigo -, a todos os segmentos correlacionados com as teses espíritas.
           
            Desta forma é de grande proveito para o estudioso do Espiritismo a leitura da obra de Léon Denis, insistentemente mencionada neste trabalho.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Joana D'Arc


Joana D’ Arc

A Personalidade de Joana D'Arc

            O motivo que nos leva a escrever sobre a Donzela de Orleans, não é o de pormenorizar a sua vida, cheia de heroísmo e estoicidade, porque se acha descrita de modo magnífico na obra monumental de Léon Denis, que se intitula "Joana D'Arc Médium".  Essa obra é toda apoiada em documentos insofismáveis, da qual respigamos alguns dados para a elaboração desta despretensiosa monografia.

            Foi com vistas ao período agudo por que passa a humanidade, pejada de sofrimentos e apreensões, que achamos de bom alvitre lembrar, aqui, a figura da grande guerreira que foi Joana D'Arc.

            Os seus feitos nobilíssimos na expulsão dos ingleses da França, no século XV, foram decisivos para a independência e liberdade desta grande e portentosa nação, graças ao feliz desempenho da sua mediunidade.

            Não é possível, a quem quer que seja, recordar esta criatura, sem citar algumas das suas inúmeras realizações alevantadoras.

            É o que, com a devida vênia, tentaremos fazer, embora resumidamente.

            O que torna mais admirável esta jovem extraordinária é a evidência das faculdades mediúnicas de que era possuidora, quais sejam: as da visão, audição e premonição, às quais obedecia sem discrepância.

            Sem tais faculdades, de per si ela nada teria realizado, tendo-se em vista a sua pouca idade e a sua nenhuma cultura.

            Joana D'Arc nasceu em Domremy (França) em 1412. Era filha de pobres lavradores. Quando não fiava a lã junto de sua mãe, apascentava o rebanho às margens do Vale do Mosa, tendo, muitas vezes, ladeado seu pai no manejo da charrua.

            Joana era morena, alta, forte e bela[1]; a sua voz era suave, a expressão graciosa, o todo modesto.

            Em uma moça como quase todas de sua idade, sonhadora. Comprazia-se em contemplar o céu, à noite, quando pontilhado de estrelas; apreciava vaguear pelas frescas campinas, pelas manhãs e, à tarde, sentar-se sob o carvalho anoso, fronteiriço à sua casa, onde ouvia, embevecida, o tanger dos sinos da igreja de sua aldeia.

            Joana frequentava assiduamente essa igreja, onde orava com devoção.

            Próximo à sua casa havia um jardim, bem cuidado, onde igualmente costumava orar.

            A sua primeira visão, segundo Léon Denis, teve-a ela nesse local, quando se achava em prece.

            Nessa visão, aparece-lhe um espírito de grande formosura, cujo esplendor deslumbra-a. Em seguida, é S. Miguel que lhe surge com urna corte de espíritos puros, que lhe fala da situação angustiosa de seu país e lhe revela a missão que lhe estava destinada de salvá-Ia.

            A princípio, Joana reluta, confessando sua incapacidade para tão alto desígnio, sendo encorajada  com a promessa de ajuda dos bons espíritos que a guiariam nesse arrojado empreendimento.

            As entidades que mais frequentemente se comunicavam com ela, eram os espíritos boníssimos de Sta. Catarina, Sta. Margarida e S. Miguel, assim designados por ela, em virtude dos ensinamentos católicos, adquiridos naquela época em que o Catolicismo Romano imperava quase absoluto.

            É de se notar que Joana jamais saiu de sua aldeia. Adorava seus pais, aos quais ajudava dedicadamente nos seus misteres e nunca ia deitar-se sem antes depositar-lhes na fronte seu ósculo filial.


Joana aceita a Missão


            Um dia, na sua visão, reaparece-lhe S. Miguel que lhe diz: "Filha de Deus, tu conduzirás o Delfim a Reims, a fim de que receba aí sua digna sagração". A essas palavras Joana junta-lhes ação. Assim, antes do romper da aurora, em plena estação hibernal, Joana se levanta da cama e, pé ante pé, sem fazer ruído para não trair o sono de seus pais que a impediriam, por certo, de realizar seu intento divino, faz uma mala de roupas, salta a janela de seu quarto e vai para onde mandam suas vozes.

            Quando sua fuga se deu, para cumprimento dessa missão, contava Joana a idade de 17 anos.

            Só, ignorante, contando unicamente com o auxílio de seus espíritos, nos quais depositava toda a fé, ela deixa a aldeia que muito amava e onde nascera, e que não veria mais. Deixa ainda, o seu rebanho do qual nunca se tinha apartado e, conforme suas vozes, segue em direção a Paris, passando, antes, por Vaoucoleres, onde põe seu tio ao par do que lhe cumpria fazer por determinação do Alto.

            Até então, sua vida havia transcorrido entre o trabalho, que muito amava, e o repouso.

A França no Século XV

            Descrever a situação trágica, horrível, da França no século XV, não é fácil.

            Tão somente lembraremos o leitor que, a luta contra a Inglaterra durava Já cem anos. Quanto à nobreza da França, esta tinha sido aniquilada em quatro derrotas sucessivas. Toda a França se achava dividida em partidos rivais, que se hostilizavam por querelas de somenos.

            A França já se ressentia da sua insegurança. Ao seu Rei, então Carlos VII, falecia autoridade para as necessárias providências, por ter sido deserdado pelo pai, Carlos VI, que passou a coroa, num momento de demência[2], a Henrique da Inglaterra, o qual viu assim, com satisfação, que não demora-ria a alargar-se seu Império.

            Nessa situação miserabilíssima, é que aparece em cena Joana D'Arc.


Na prisão

            Não foi fácil, a Joana, convencer Carlos VII, "rei de Bourges", (assim chamado por escárnio )
da sua alta missão de libertar a França.

            Inúmeras provas foram-lhe pedidas por esse rei orgíaco, indiferente à sorte da Nação, que se chafurdava, e com ele o seu reino, nos prazeres das bacanais.

            A muito custo, depois de satisfeita a corte e o Rei quanto às exigências de provas da sua missão divina, à Joana foi entregue o comando de um poderoso exército, com o qual deveria escrever a mais brilhante página da história militar do mundo.

            Quando Joana surge na Iiça, Rouen capitula após encarniçadas batalhas, inimagináveis pelo horror com que se verificaram ..

            A população de Paris, alquebrada pela fome e epidemias, achava-se nas mãos dos ingleses. Só Orleans, que mais tarde Joana libertaria, resistia com denodo.

            Na França, reinava o pânico, o terror, as misérias e os incêndios oriundos das devastações da guerra.

            Os campos, abandonados; as cidades, evacuadas pelos seus habitantes que, acovardados pelas constantes derrotas, buscavam no mato o abrigo que aquelas não lhes ofereciam.

            Era esta, em rápidas palavras, a situação que Joana defrontou não sem grande pavor. Da fidelidade da sua missão ia depender o salvamento da França e do seu grande povo ao qual muito amava.

            Joana, graças às suas faculdades mediúnicas, conseguiu entusiasmar esse povo desmoralizado, abatido pelos reveses anteriores, dando-lhes novas esperanças.

            Todos os franceses queriam combater ao seu lado, após inteirados do seu papel providencial.

            Assim é que, com Joana à frente de um grande exército, Orleans foi livrada do ceroo dos ingleses, no domingueiro dia 8 de Maio de 1429, depois de terem suas fortificações sido tomadas uma a uma.

            (sic.) Cada assalto era uma vitória.

            Jargeau, Meung, Beaugency, são retomadas pelo seu exército.

            Em Patay, os ingleses são batidos em campo raso e o Gal. Talbot, cognominado o "Aquiles da Inglaterra", que os comandava, cai prisioneiro. Seguem então, as tropas vitoriosas, sob o comando de Joana, para Reins, onde Carlos VII é sagrado Rei da França, cumprindo-se, assim, as palavras de S. Miguel, ditas à Joana, numa de suas visões

            Apesar de todos esses triunfos, Joana não se deixa envaidecer. Continua sendo a mesma criatura de Domremy: humilde, bondosa e caritativa.

            Após todos os sacrifícios por que passou nos campos de batalha, como se isso não bastasse, começa para ela um novo ciclo de outros mais acerbos, quando a ingratidão e a perfídia de alguns juízes se patenteiam de modo desumano e cruel.

            Queremos nos referir aos interrogatórios execráveis que se seguiram às suas lutas heroicas, quando juízes mercenários, de conivência com os inimigos de sua Pátria, urdiram para perdê-Ia.

            Um número superior a 60 juízes compõem o tribunal, sob a presidência do Bispo de Beauvais, a quem os ingleses prometeram o arcebispado de Rouen se desempenhasse seu papel conforme seus interesses. Soldados de má catadura guardavam as portas desse iniquo tribunal.

            Os juízes, porém, nada conseguiam com as ciladas que armavam a Joana D'Arc nesses interrogatórios, porque, esta, sempre amparada por suas vozes, respondia-lhes à altura, confundindo-os muitas vezes, apesar da fadiga que lhe infligiam, deixando-a longo tempo de pé.

            Assim procediam para desmoralizá-la no seio do seu povo, porque temiam-na quando pegava em armas.  Julgavam-na possuída de algum "encantamento".

            Ansiavam seus inimigos, livrar-se dela a todo custo, porque só assim, pensavam, poderiam retomar a França. O clero não se sentia menos interessado na sua perda. Queria que ela renegasse à sua missão. Para isso, usavam de meios os mais hediondos, porque o clero sentia-se diminuído diante da superioridade dessa jovem que, com apenas 19 anos, salvava a França sob o influxo divino que intimamente reconhecia.

            Em 1430, os Borgonheses tentam contra Compiégne.  Joana, diante disso, decide libertar essa praça, mas cai prisioneira de seus inimigos, que a vendem aos ingleses.

            Carlos VII teve conhecimento de sua prisão, porém, nem sequer tentou resgatá-Ia.

            Segundo a obra já referida, na prisão começa para Joana uma paixão de seis meses. Imaginem os leitores, a situação de uma moça de dezenove anos, posta sob a guarda de soldados sem brios, sensualistas, estúpidos. Atribuiam-Ihe, eles, a causa de seus reveses , por isso, cevavam nela o seu ódio.

            Nesse cárcere, acorrentada, indefesa, batiam-lhe, dirigiam-lhe desaforos e impropérios, tendo Joana resistido sempre às contínuas tentativas de animalesco sensualismo. Por isso não consentia ela em privar-se dos trajes masculinos, que lhe permitiam segurança contra esses ignóbeis atentados.

            Apesar de todos esses sofrimentos, suportados com resignação inaudita, a sua fé em Deus e nas suas vozes permaneceu inabalável.

            Momentos houve em que suas vozes a abandonaram, como que para sondar, no íntimo dessa criatura, até onde ia sua fé no Criador, sua perseverança no desempenho da missão que lhe fora confiada.


Joana é conduzida ao suplicio
           
            O dia 30 de Maio de 1431, assinala o término da sua gloriosa missão na Terra. Nesse dia, os sinos bimbalham o dobre fúnebre desde á 8 horas da manhã. É que anunciam a morte de uma inocente criatura, cujo único crime fora ter amado e servido fielmente à sua Pátria.

            Diante de tanta injustiça, de tantos sofrimentos, que iriam, dentro em breve, culminar numa fogueira, Joana chora amargamente. Preferiria, ela própria o diz, ser decapitada sete vezes, a morrer queimada.

            Os monstros conduzem-na numa carreta. Oitocentos soldados ingleses escoltam-na até ao local do suplício. Grande multidão se comprime na praça onde Joana deveria receber o gênero de morte destinado aos piores assassinos.

            Na praça Vieux-Marché, em Rouen, são erguidos três palanques, para serem ocupados pelos altos dignitários. Entre eles achavam-se presentes o Cardeal de Wenchester, o Bispo de Beauvais e o de Bolonha, e todos os juízes e capitães ingleses.


            Entre os palanques ergue-se um monte de lenha, de grande altura, dominando toda a praça. A intenção dos verdugos era aumentar o sofrimento de Joana, espetacularizando-Ihe a morte, a fim de que ela renegasse, pela dor, à sacrossanta missão e às suas vozes.

            Nessa ocasião, é lido um libelo acusatório, composto de 70 artigos, no qual transparece todo o ódio, toda a calúnia dos seus inimigos.

            Joana ora com fervor, em voz alta, e pede, nessa prece, Q Deus, que lhe dê a coragem precisa para suportar a prova final, sem queixumes, sem tergiversar.

             Em seguida, implora o perdão divino aos seus algozes, tal como fizera Jesus quando pregado ao madeiro.

            Em dado momento, suas palavras comovem aquela gente, em número superior a 10 mil pessoas, que soluçam ante os horrores daqueles momentos. Os próprios juízes, sentindo o remorso morder-lhes a consciência, choram diante dessa cena.

            A um aceno do cardeal, Joana é amarrada ao poste fatídico, com fios de ferro.

            A vítima dirige-se, então, a uma pessoa que se achava perto e pede-lhe que vá buscar uma cruz na igreja mais próxima. Ao ter o símbolo da dor entre as mãos, cobre-o de beijos e lágrimas. É que nesse momento trágico, ela queria ter diante de seus olhos a imagem do Crucificado, para inspirar-lhe a coragem de que carecia.

            Naquele momento, Joana reviveu todo o seu passado de glórias, cheio de gratas recordações, que só pode acudir à mente das criaturas verdadeiramente puras, como ela, que ia, daí a instantes, sacrificar sua vida pela verdade.

Queimada Viva

            Eis que o momento azado chega. Ao monte de lenha que se ergue da praça, os carrascos lançam fogo. As labaredas começam a subir atingindo a vitima. Já lambem suas carnes. O Bispo de Beanvais aproxima-se da fogueira e grita: "Joana! Abjura!" ao que lhe responde: "Bispo, morro por vossa causa, apelo de vosso julgamento para Deus!"

            Quando o fogo começa a chamuscar seu corpo, Joana, estorcendo-se nos ferros onde se achava presa, grita à multidão: "Sim, minhas vozes vinham do Alto! Minhas vozes não me enganaram. Minhas revelações eram de Deus. Tudo que fiz, fi-Io por ordem de Deus!"

            Seu corpo arde-se todo. Eis q:ue novo grito abafado pelo crepitar da fogueira, ecoa de dentro dela; era seu apelo ao mártir do GóIgota: "JESUS".

            Seu corpo fora carbonizado nessa fogueira e reduzido a cinzas, as quais, depois foram lançadas ao Sena.

            Desta forma, negaram-lhe seus inimigos uma sepultura onde pudessem seus admiradores ir pranteá-Ia!

            Os ingleses pensavam terem vencido com a morte de Joana, Mas, enganavam-se. Carlos VII consegue reorganizar rapidamente suas tropas e ganhar as batalhas de Formigni e Castillon, findando-se, assim, a guerra com o triunfo dos franceses.

            Seus inimigos mataram-na tal como queriam, isto é, lentamente, com requintes de crueldade.

            Joana morreu para os ingleses, para a Terra; porém, viveu para o céu. É' a recompensa divina.

Canonização de Joana

            Alguns anos mais tarde, Joana é canonizada pela Igreja Romana, a mesma que a tinha acusado de herética. A sua santificação foi mais por conveniência política, que por outro motivo qualquer, porquanto Joana sempre inspirou à Igreja sentimento de repulsão em virtude da sua mediunidade; e por isso, era tida, pelo clero, como "feiticeira", por não querer obedecer-lhe negando a origem extraterrena da sua missão.

            O processo de reabilitação de Joana, levado a efeito no século XV, marca a queda da Inquisição na França. Eis o que os franceses devem, ainda, a Joana D'Arc.

*

            A vida de Joana D'Arc, verdadeiro martirológio, continuará sendo sempre a fonte inexaurível de supremos consolos a todos os que sofrem neste vale de dor.

            Mártir da mediunidade, a sua fé em Deus, o seu amor a Jesus, cujo nome fora a sua derradeira palavra, reavivará a fé nos corações atribulados que a ela Se voltarem.

*

            Formosa flor de Lorena! Donzela santa! Alma Iirial! Destas plagas sombrias e expiatórias, eu, humilde rabiscador destas linhas, saúdo-te ó pastora -de Domremy, heroína de OrIeans, mártir de Rouen!

Conclusão

            Por que, dirão, Joana teria sofrido tanto? A verdade é que, ninguém sofre se não pecou. Esta é uma das leis divinas que cabia ao Espiritismo revelar aos homens, mostrando-lhes que Deus não é um experimentador de almas, concedendo, a umas privilégios, e a outras martírios.

            A reencarnação, ensinada pelo Cristo e sancionada pelo Espiritismo, veio patentear aos homens a misericórdia Divina. Assim é que se numa existência o homem vem a falir, desarmonizando-se com as leis naturais estabelecidas por Deus, outra lhe é facultada, para que ele possa resgatar (mais duramente em virtude da sua reincidência no mal) o passado delituoso, e ascender, assim, a outros mundos mais felizes, que Deus destinou a todas as suas criaturas. Deus não criou estes mundos que gravitam no espaço imensurável, inutilmente. E o Cristo dissera que "nenhuma ovelha do seu rebanho se perderá,", o que equivale dizer: não existe o tão lendário inferno com a eternidade de suas penas.

            O que existe, e isto é muito justo, porque se concilia perfeitamente com a justiça de Deus, é a reparação de erros; em seguida, provação, para ficar evidenciado se o pecador incorrerá ou não no mesmo erro ; após o que - redenção, uma vez triunfante da prova.


Uma encarnação passada de Joana, segundo um Espírito


            H. de Campos, chamado com justeza o repórter do Além, lançou um pouco de luz sobre a vida da grande personagem de quem acima tratamos.

            Das páginas de um de seus livros post-mortem, depreende-se que Joana fora a reencarnação do espírito de Judas Iscariotes.

            Não deve causar estranheza aos espíritas, a diferença de sexos dessas duas existências, porquanto, o sexo, conforme nos ensina a Doutrina dos Espíritos, não é mais que um acidente na vida humana, necessário à execução dos desígnios divinos.

            O ter sido, Joana D'Arc, a reencarnação do espírito de Judas Iscariotes, conforme revelação do espírito citado, deve ser motivo de júbilo, principalmente para os espíritas, porque isso vem demonstrar que o perdão de Jesus concedido a Judas, que o traiu, não foi em vão.

            Consoante a concepção católica, Judas é um espírito errante, sem probabilidades de remissão, cuja eterna existência ele arrastará penando.

            Assim sendo, perguntamos, de que valeu, então, ter Jesus perdoado a Judas? Felizmente assim não é. O perdão de Jesus não foi inútil. Judas penitenciou-se, pedindo a Deus uma nova existência, cheia de renúncia e de sofrimentos dolorosos, que se epilogou numa fogueira, na pessoa de Joana D'arc.

            Que o espírito de Judas Iscariotes, emancipado aos olhos de Deus pelo seu martírio de Rouen, se compadeça dessas infelizes criaturas que, desconhecedoras da lei reencarnacionista, e da misericórdia do Pai ainda queimam - "o Judas de pano" - como desagravo à sua alta traição, ocorrida no passado remoto.

            Não encerraremos esta página sem antes louvarmos a ideia do nosso amigo e confrade, José Russo, de dar ao Centro Espírita que fundou na cidade de Franca, o nome de "Judas Iscariotes".

            Esse Centro, que traz no seu frontispício o nome de Judas Iscariotes, será, sempre, um protesto
permanente aos detratores de sua memória.



 Demetri Abrão Nami

in “Páginas Espíritas’ (Ed. Alarico 1960)
publicado, pelo autor, em formato de opúsculo, em 1949




[1] ) "Elle avait les cheveux noirs et le teint um peu hâlé .. ' Tous s'accordent à Ia représenter "grande et trés belle" bien. composée de rnembres et forte et cependant d'une rernarquable élégance ... " (Lavisse).
[2] Tratado de Troyes (1420).