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quinta-feira, 30 de abril de 2020

O Espiritismo-Cristão e o homem

Indalício Mendes

O Espiritismo cristão e o homem
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1972

            O Espiritismo cristão, do qual Allan Kardec, por delegação de Espíritos superiores, foi o Codificador; tem uma função social muito importante na vida humana, principalmente, como acontece nestes dias tumultuosos nas épocas de aguda crise moral, quando o mundo parece haver ensandecido, sob a influência maléfica de entidades trevosas. Dentro do equilíbrio salutar que decorre da Doutrina Espírita, não deve a Terceira Revelação ser confundida com certas práticas incompatíveis com o legítimo sentido de “O Livro dos Espíritos”, repositório precioso do pensamento, ético e espiritual, condensado em “O Novo Testamento”, conforme se poderá verificar, de pronto, nas páginas iluminadas de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

            A melhor maneira de o espírita andar certo, na caminhada desta vida cheia de sacrifícios, é não se afastar da Doutrina, buscando pôr em ação, tanto quanto possível, preceitos morais nela contidos, não desanimando ante os erros que possa cometer, mas conservando a decisão inflexível de procurar errar cada vez menos.

            O espírita não deve iludir-se esperando que tudo lhe corra maravilhosamente. A prática da Doutrina, numa era de tantas perturbações, como a que atravessamos, é difícil, porém, se cada qual insistir em vencer os obstáculos que se apresentarem ao seu esforço por melhorar adquirirá uma serenidade capaz de lhe propiciar melhor visão dos acontecimentos cotidianos.  

            Dentro do Evangelho e da Doutrina, podemos renovar, diariamente, as nossas perspectivas do momento e do futuro. Isto significa evitar a ferrugem da rotina, responsável, na maioria dos casos, pelo envilecimento do trabalho, em virtude de provocar a automatização do esforço e, por isto mesmo, acarretar a falta de estímulo, de entusiasmo, de motivação, condenando-se a uma inércia prejudicial ao progresso.

            Impõe-se a vivência do lema kardequiano – “Sem caridade não há salvação”. E a Caridade pode ser exercida a qualquer momento, através das suas múltiplas formas.
Fazer a caridade, portanto, é uma das inúmeras maneiras de praticar a Doutrina Espírita. Se cada um de nós adotar o critério de não se desligar dos deveres doutrinários e esforçar-se por melhorar progressivamente, a pouco e pouco a própria mentalidade chegará à conclusão de que somente a nós cabe a tarefa da reforma íntima, e essa reforma individual, desenvolvida, contribuirá para aperfeiçoar a humanidade inteira. Cada pessoa, consequentemente, pode colaborar em favor da transformação da mentalidade predominante, ainda, no mundo de hoje. Acresce a circunstância de que não há outra maneira de ajudar a humanidade a aproximar-se da paz e da felicidade. Decretos governamentais, leis sociais, tudo quanto de belo se pode fazer para orientar o homem pouco valerá se cada indivíduo não tentar a própria reforma moral, que lhe ensejará a compreensão da vida pelo prisma da fraternidade cristã verdadeira, sem guerras, sem perturbações violentas, sem choques ideológicos, nem anseios de hegemonia, nem a imposição de sistemas políticos não condizentes com o roteiro do “Sermão da Montanha”, o roteiro do Evangelho do Cristo, que se acha integrado na Doutrina que Allan Kardec codificou.

            Fazer o bem, nunca fazer o mal; transformar em bem o mal que nos atingir - eis
o caminho para prestigiar a educação evangélica, a educação espírita, porque o maior
problema da vida é justamente o Homem. O Espiritismo cristão prepara o indivíduo para a vida terrena, porque lhe dá todos os elementos indispensáveis ao entendimento com os seus semelhantes. A nossa Doutrina é o mais perfeito instrumento de relações humanas. Ao mesmo tempo, ela nos ensina a entender os problemas da vida de além-túmulo, porque, na realidade, a vida é uma só, em dois aspectos: o terreno e o espiritual. Tanto assim que a Doutrina, educando o homem, prepara-o para viver bem e utilmente com as demais criaturas humanas, sem choques, sem conflitos – sem desarmonia. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, todos os seus problemas, locais, nacionais ou internacionais, serão resolvidos pacificamente, sem o concurso da violência, que nada resolve em definitivo. E a prova simples e direta disto está em que a humanidade tem feito guerras terríveis pela paz e cada vez se distancia mais da tranquilidade, dentro e fora do lar. Vale recordar um aforismo latino: “Si vis pacem, para bellum” (Se queres a paz, prepara-te para a guerra). E tudo caí num irremissível círculo vicioso: fazer guerra para obter a paz; conquistar uma paz aparente, poluída (esta é a palavra da moda) pelos resíduos do conflito antecedente, que leva a nova guerra.

            Não. Só pela educação do ser humano será possível estabelecer, no mundo, uma era de paz definitiva. E esse é o trabalho extraordinário do Espiritismo cristão.

Página de Bezerra de Menezes



Página de Bezerra de Menezes
Editorial
Reformador (FEB) 21 Janeiro 1918

            Relendo os artigos doutrinários de Bezerra de Menezes, enfeixados em livro que a Federação carinhosamente editou, resolvemos desprender a página, que vamos engastar nesta coluna.

            Em lugar dos rabiscos de pena fatigada, apresentamos ao leitor uma joia do escrínio espirita.

            E o benévolo confrade lucrará destarte com a substituição. Se for antigo, se do tempo de Bezerra, se o tivesse acompanhado nos labores da propaganda relerá, com satisfação, talvez com lágrima nos olhos, esses períodos castiços, impregnados de fé sincera profunda.

            Se for moço, ainda embevecido pelos esplendores da aurora, terá a ventura de ler páginas em que um velho à borda do túmulo, canta a grandeza do amor.

            Ouçamo-lo:

            “Amor é laço divino que o Criador pôs entre as almas para uni-los em única família, de que Ele é pai.
            Não há no infinito turbilhão humano um único indivíduo que não sinta a influência da sublime lei.
            A diferença é: que uns, por seu atraso, amam bestialmente, dominados da concupiscência, e que outros, por seu adiantamento, amam espiritualmente.
A medida, porém, que os primeiros forem progredindo, desmaterializando-se, chegarão a emparelhar com os segundos.
            O círculo vai sempre se alargando.
            Começamos por amar a mulher, amamos a família, amamos a pátria, amamos a humanidade.
            Na Terra, não podemos ir além porque a Terra é mundo de provas e expiações o que vale por dizer: mundo habitado por espíritos mais ou menos atrasados.
            Em mundo superiores, porém, a que todos devemos, mais cedo ou mais tarde, ascender o amor é tanto mais essencialisado quanto mais fino for o toque da elevação de cada um deles.
            Ali, o amor é escoimado de todo o apetite carnal; é fluido suavíssimo, que embebe todos os espíritos e funde-os, por assim dizer, em um único.
            Podemos fazer ideia do que é ele acima da terra, pelo que nos revelou o puríssimo Jesus em sua vida, em sua doutrina, e principalmente nestas palavras preceituais, impossíveis à natureza humana:
            “Ama o teu inimigo e faze o bem ao que te odeia”.
            Se Deus pôs à humanidade uma lei tão sublime, que a razão, que o coração, que a consciência abraçam, embora cegos escarneçam e esconjurem o espiritismo, que veio revela-la; como descer-se dessas alturas à lei repugnante da separação das almas em bem aventurados e precitos (condenados), à lei da transformação do amor em repulsa e em ódio? Não. O fim da humanidade é a perfeição pelo saber e pela virtude, para ser ligada, em amor celeste, numa única família - e com Deus, seu Criador e Pai.
            Portanto, o que se despede desta vida não afrouxa o laço que os prenderam aos entes queridos, que aqui deixou, como nós não o esquecemos, se verdadeiramente o amamos.
            Mas, como pela lei incontestável da perfectibilidade, senão pelas infinitas perfeições do Criador, não podem as almas ser privadas de progredir, encarceradas no inferno por toda a eternidade;
            Mas como, por aquela lei, não podem elas, com o que colhem na Terra, elevar-se até a convivência do Ser infinitamente perfeito, encarceradas no céu, de onde não lhes é dado sair: Segue-se, logicamente, que as almas desprendidas dos corpos fiquem livres para continuar seu progresso e, como tais, nada impede que se comuniquem conosco, mesmo porque o mundo invisível é este mesmo nosso, consistindo a diferença entre os seus habitantes em serem uns presos e outros livres da matéria corporal; em terem aqueles as restrições inerentes à sua condição e estes gozarem as liberdades da sua.
            Um dia, quando a Terra tiver subido de grau na escala do progresso, a faculdade de que, hoje, só alguns homens possuem, de ver os espíritos, será generalizada; e, então, conviverão francamente os vivos com os mortos, como convivem aqueles videntes.
            Repetiremos, a saciedade; isto não são deduções dos fatos de observações de experiência quotidiana que os incrédulos podem ver, ouvir e apalpar.
            Dizem os padres que tais ensinos e tais aparições são arte do demônio.  
            Mas, por Deus, senhores. A reposta deu-a Jesus:
            “Se Satanás ensina a salvação, Satanás destrói o seu reino!”
            Pode ser do demônio um ensino que eleva as sumas perfeições de Deus, um ensino que chama os homens ao amor do Pai e do próximo e à caridade?
            Se pode haver demônio, o demônio da Igreja, criado perfeito por Deus, e que se faz o que é, frustrando a Onipotente volição, diríamos: que o laço por ele armado seria o ensino de que não há nem mesmo sentimento humano, depois da morte, pois que diz um padre da igreja: “bem-aventurados, em sua felicidade, no céu, regozijam-se com as torturas dos condenados, no inferno.”
            Que injúria aos bem-aventurados!
            Que blasfêmia contra Deus!”, à lei da transformação do amor em repulsa e em ódio? Não. O fim da humanidade é a perfeição pelo saber e pela virtude, para ser ligada, em amor celeste, numa única família - e com Deus, seu Criador e Pai.
            Portanto, o que se despede desta vida não afrouxa o laço que os prenderam aos entes queridos, que aqui deixou, como nós não o esquecemos, se verdadeiramente o amamos.
            Mas, como pela lei incontestável da perfectibilidade, senão pelas infinitas perfeições do Criador, não podem as almas ser privadas de progredir, encarceradas no inferno por toda a eternidade;
            Mas como, por aquela lei, não podem elas, com o que colhem na Terra, elevar-se até a convivência do Ser infinitamente perfeito, encarceradas no céu, de onde não lhes é dado sair: Segue-se, logicamente, que as almas desprendidas dos corpos fiquem livres para continuar seu progresso e, como tais, nada impede que se comuniquem conosco, mesmo porque o mundo invisível é este mesmo nosso, consistindo a diferença entre os seus habitantes em serem uns presos e outros livres da matéria corporal; em terem aqueles as restrições inerentes à sua condição e estes gozarem as liberdades da sua.
            Um dia, quando a Terra tiver subido de grau na escala do progresso, a faculdade de que, hoje, só alguns homens possuem, de ver os espíritos, será generalizada; e, então, conviverão francamente os vivos com os mortos, como convivem aqueles videntes.
            Repetiremos, a saciedade; isto não são deduções dos fatos de observações de experiência quotidiana que os incrédulos podem ver, ouvir e apalpar.
            Dizem os padres que tais ensinos e tais aparições são arte do demônio.  
            Mas, por Deus, senhores. A reposta deu-a Jesus:
            “Se Satanás ensina a salvação, Satanás destrói o seu reino!”
            Pode ser do demônio um ensino que eleva as sumas perfeições de Deus, um ensino que chama os homens ao amor do Pai e do próximo e à caridade?
            Se pode haver demônio, o demônio da Igreja, criado perfeito por Deus, e que se faz o que é, frustrando a Onipotente volição, diríamos: que o laço por ele armado seria o ensino de que não há nem mesmo sentimento humano, depois da morte, pois que diz um padre da igreja: “bem-aventurados, em sua felicidade, no céu, regozijam-se com as torturas dos condenados, no inferno.”
            Que injúria aos bem-aventurados!
            Que blasfêmia contra Deus!”

Os vendilhões do templo



Os vendilhões do templo
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Junho 1929

            No nosso artigo anterior, afirmamos que “infelizmente, não é só no Catolicismo que se verifica a exploração das crenças alheias, visto que também, entre os que se dizem Espiritistas, há quem pretenda explorar a religião”, e prometemos, então, tratar destes últimos no presente artigo.

            E o que vimos fazer, não deixando, porém, de frisar novamente.- para que se lhe atribuam ao Espiritismo crimes que se lhe não podem atribuir - que, enquanto a Igreja Católica é a única responsável pela exploração do Catolicismo, porquanto é ela mesmo quem estabelece a tabela de preços para os serviços religiosos; no Espiritismo não se dá o mesmo, porque, quem receber qualquer importância a troco de preces, de receitas ou de quaisquer outros serviços medianímicos, está em completo desacordo com a doutrina, que nos manda “dar de graça o que de graça recebemos”, e, consequentemente, não é Espiritista.

            Somos daqueles que estão convencidos de que é necessário abrir os olhos ao povo, para que se não deixe explorar pelos charlatães de todas as religiões, o que não só o prejudica enormemente, como também faz que ele contribua, com o seu dinheiro e com a sua presença, para que se perpetuem crimes - chamemos-lhes assim, porque é esse o seu verdadeiro nome -; que, de há muito deveriam ter deixado de ser cometidos.

            Reputamos, pois, como verdadeiro serviço prestado à humanidade, o esclarecer aqueles que - por ignorância, por falta de tempo, ou por despreocupação absoluta por coisas que muito lhes deveriam interessar - desconhecem o erro em que caem, a exploração de que são vítimas e o indevido concurso que, contra os seus próprios interesses, prestam a tais abusos, e a quem conscientemente os comete.

            “Prometemos não citar os nomes, e não os citaremos, não só porque isso nos faria descambar para o terreno do ataque pessoal - que é o que mais desejamos evitar, por preferirmos combater fatos a combater pessoas -, mas também porque, se citássemos nomes, poderia alguém supor-nos o propósito de prejudicar aqueles a quem nos referíssemos, em proveito de outros a quem deixássemos de nos referir por nem sabermos que eles existem.

            Nas nossas palavras, pois, não há qualquer propósito - nem poderia havê-lo - que não seja o de “expulsar os vendilhões do Templo”, para que os incautos se não deixem explorar por eles.

            Há cerca de um mês, vimos, no ‘Jornal do Brasil’ - que, nas páginas cuja matéria ele paga, faz a defesa cerrada do Catolicismo, enquanto que, nas páginas cuia matéria lhe pagam, publica anúncios, que poderiam ser mui prejudiciais ao Espiritismo, se alguma coisa houvesse que pudesse prejudicar a causa de Deus - um anúncio, que dizia assim: “MÉDICO ESPÍRITA - Dr. Fulano (o nome de um médico completamente desconhecido) - Rua (uma das ruas mais centrais da cidade, perto da Avenida Rio Branco) - Das 13 às 16 horas.”

            Pareceu-nos que aquele anúncio encobria uma exploração torpe e fomos verificar.         

            Introduzido no “consultório” do médico - um cavalheiro de idade madura, com uma barbicha que o faz parecer alemão -, dissemos-lhe que, tendo consultado os melhores médicos do Rio de Janeiro, por nos encontrarmos muito doente, tínhamos já desanimado da cura, porque cada vez nos sentíamos pior; mas que, tendo visto o seu anúncio, resolvêramos tratar-nos pelo Espiritismo e, assim, o tínhamos ido procurar para lhe pedir uma receita.

            - Sim, senhor; - disse-nos o suposto esculápio - queira sentar-se.

            - Mas - dissemos-lhe nós - eu desejava, antes de o Dr. Receitar, que fizesse o obséquio de me informar se costuma cobrar as receitas Espiritistas.

            - Sim, Senhor! - tornou o “médico espírita” - cobro trinta mil réis por cada receita!

            E nós, que nem nos sentáramos mas que já sabíamos o que desejávamos saber, dissemos simplesmente:

            - Nesse caso, voltarei em outra ocasião, visto que não estou prevenido para lhe pagar...

            Queríamos poder ter-lhe dado uma lição de moral, dizendo-lhe meia dúzia de verdades, mas, infelizmente, o asco que nos causou o cinismo do charlatão, impediu-nos de proferir mais qualquer palavra.

            Porque, diga-se de passagem, para que o fiquem sabendo aqueles que desconhecem o significado das palavras da língua portuguesa: charlatães não são os que gratuitamente recebem receitas dos Espíritos, e as dão pelo mesmo preço aos que delas necessitam; Charlatães são os que por qualquer forma e sob qualquer pretexto, exploram a credulidade alheia.

            E é o que faz o tal “médico espírita”; não tendo competência nem capacidade para ganhar a vida honestamente servindo-se do que aprendeu - se é que aprendeu alguma coisa – anuncia receitas espíritas, para explorar o Espiritismo, de que inda entende menos do que de medicina...

*
            Numa rua que desemboca em Haddock Lobo, perto da Rua Campos Salles, há um outro -- esse não é “médico espírita”, é simplesmente “médium” -, que recebe os doentes,
mui confidencialmente, no seu palacete, construído talvez à custa dos papalvos (tolos), e que, depois de ouvir do doente toda a descrição de seus padecimentos, se recolhe a um outro aposento, segundo diz, “para consultar os espíritos”. No entanto, o que vai fazer é consultar qualquer desses vulgaríssimos guias de medicina homeopática, enquanto o doente previamente industriado por quem lhe indicou o “médium”, coloca dez ou vinte mil réis em um vaso posto, para esse fim, sobre uma coluna existente no “consultório” ...

            E, não contente com essa exploração, inda receita em papel com o timbre de uma farmácia do centro da cidade, para, segundo presumimos, ir depois receber a sua comissão sobre os medicamentos vendidos por seu intermédio.

            O que é interessante, porém, é que o “médium”, quando sai do aposento, onde vai tirar a receita, volta de óculos, o que nos faz concluir que, para consultar os “espíritos”, precisa de os ver através das vidraças...

            Dessa exploração fomos nós vítimas quando inda éramos Católico. Podemos, pois, afirmar, sem receio de desmentido.

*

            Numa farmácia homeopática, situada bem próximo à Federação Espírita Brasileira, dá consultas um outro charlatão - esse é coxo e usa muleta-, que receita, com grande espalhafato, medicamentos homeopáticos, de mistura com um óleo e outras drogas de seu fabrico. Indo cada receita a trinta ou quarenta mil reis.

            O dono dessa farmácia, que se diz Espiritista e médium receitista, interpelado por nós a esse respeito, disse-nos, um dia, que “bem sabia que aquilo era charlatanismo, mas que essa era a parte comercial do negócio”!

            Realmente ele vive muito melhor depois que começou essa exploração, do que vivia até aí, e só nos admiraram as suas palavras até o dia em que deixamos de gastar dessa farmácia, por termos visto uma receita dele mesmo, do “médium receitista” que assim nos falara, que dizia o seguinte, a seguir ao nome da doente: “Laurus persea (tintura mater), - Persea gratissima (tintura mater), para alternar de hora em hora durante 6 dias.

            Foi então que nós compreendemos como é que esse “espírita) podia admitir o “outro” explorando a credulidade alheia dentro de sua própria farmácia ; é que ele mesmo também é “charlatão”; também explora a credulidade de seu próximo, visto que Laurus persea e Persea gratissima são sinônimos, são a tintura das folhas do Abacateiro; o que quer dizer que aquele “médium receitista”, quando está recebendo receitas, está pensando na melhor forma de extorquir ao doente seis mil reis, em vez de, três!..

            Ou, então, o “espírito” que lhe dá as receitas não entende nada do assunto, e ele, em vez de farmacêutico, não passa de simples lavador de frascos... 

*

            Nem só esses, porém, são dignos de lástima - que é caso mais para os lastimar que para os condenar. Há um outro assunto digno de atenção. São as “cartomantes espíritas”.

            Só em uma página do ‘Jornal do Brasil’, e seguidinhos na mesma coluna encontramos nós nada menos de doze anúncios, qual deles o mais cheio de sandices, chamando a freguesia, a quem se propõem dizer o passado e o presente, e revelar o futuro, a troco de quantias que variam entre dois e cinco mil reis!

            E, enquanto a polícia e a medicina oficial perseguem os verdadeiros médiuns, porque, com todo o direito praticam a Religião da Caridade, “dando de graça o que de graça recebem”, esses outros, os exploradores da medicina, da farmácia, do Espiritismo e da credulidade alheia, proliferam por aí, como verdadeiras quadrilhas, enchendo as algibeiras, e rindo-se daqueles que, preocupando-se de mil futilidades, se desinteressam lamentavelmente de saber donde vieram, ao que vieram e para onde vão. 

            Se se preocupassem de o saber estudariam necessariamente a doutrina Espiritista, e  ficariam, assim, aptos a defender-se da exploração desses “vendilhões”, que é necessário “expulsar do Templo”, a todo transe, para que se não julgue o Espiritismo conivente com eles...

            É com esse intuito que estamos prevenindo os incautos contra as explorações das cartomantes espíritas, dos médicos espíritas, e dos farmacêuticos espíritas, que nunca foram nem são e jamais serão senão, simples charlatões, exploradores da boa-fé dos que “andam no mundo por ver andar os outros”...


quarta-feira, 29 de abril de 2020

A imanência cristã do Espiritismo



A imanência cristã do Espiritismo
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Junho 1966

            Evidentemente, o Espiritismo kardequiano é e sempre foi cristão, o que é fácil verificar, porquanto, já em “O Livro dos Espíritos”, aparecido em 1857, 1ª edição, lia-se, na: “'Introdução”': “A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal.” Ora, só o ato de mencionar o Cristo e a máxima evangélica seria suficiente para identificar a natureza lidimamente cristã do Espiritismo.

            Todavia, nele há comunicações subscritas por eminentes Espíritos que, na Terra, foram expoentes do Cristianismo, como se poderá ler no final de "Prolegômenos", no capítulo que trata “Das penas e gozos futuros”, terminando desta maneira essa obra magistral: “Por bem largo tempo os homens têm estraçalhado e anatematizado mutuamente em nome de um Deus de paz e misericórdia ofendendo-o com semelhante sacrilégio. O Espiritismo é o laço que um dia os unirá, porque lhes mostrará onde está a verdade, onde o erro. Durante muito tempo, porém, ainda haverá escribas e fariseus que o negarão, como negaram o Cristo. Quereis saber sob a Influência de que Espíritos estão as diversas seitas que entre si fizeram partilha do mundo? Julgai-o pelas suas obras e pelos seus princípios. Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal; jamais aconselharam ou legitimaram os ódios dos partidos nem a sede das riquezas e das honras, nem a avidez dos bens da Terra. Os que são bons, humanitários e benevolentes para com todos, esses os seus prediletos e prediletos de Jesus, porque seguem a estrada que este lhes indicou para chegarem até ele.”

            Sabem quem deu tão preciosos conselhos? O Espírito daquele que, na Terra, foi chamado “Santo Agostinho”. Uma vez liberto dos liames da carne, conheceu a verdade integral na Espiritualidade e veio dar testemunho valioso da importância do Espiritismo.

            Mas as obras codificadas por Allan Kardec continuaram a afirmar a imanência cristã do Espiritismo. Em “O Livro dos Médiuns” o espírito verdadeiramente cristão está presente em suas páginas, inclusive também no capítulo das “Dissertações Espíritas”. Isto, desde a primeira edição dessa obra, em 1861. Corroborando a sua natureza eminentemente cristã, surgiu, em 1864, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, todo ele dedicado à interpretação dos textos evangélicos, desprezando fantasias e alegorias inúteis, afastando o véu da letra e pondo a descoberto o espírito oculto nas palavras do Cristo.

            Nem precisaria mais nada para comprovar que o Espiritismo é cristão, muito mal cristão que certos credos que cada vez mais se afastam de Jesus, apesar de se inculcarem seus intérpretes, dizendo-se seus fiéis seguidores. Dizem, mas não sentem o que dizem. São cristãos dos lábios para fora e seus atos geralmente negam as palavras que proferem. Não estamos fazendo acusações, porque a História e os fatos mais corriqueiros da vida diária ai estão para confirmar nossas afirmativas.

            Sendo o Espiritismo realmente do Cristo, claro que tudo quanto promana de suas fontes puras é cristão. Prova-o outro livro – “O Céu e o Inferno”, também subscrito por Allan Kardec, aparecido pela primeira vez em 1865, no qual estuda a questão das penas e recompensas futuras, explica o que é céu e inferno, sem a encenação terrível que durante séculos, trouxe a Humanidade sob o látego do terror e a lançou nas garras da superstição e da intolerância. Esse livro tem como subtítulo “A justiça divina segundo o Espiritismo”. Nele se revela que a justiça de Deus não é esse amontoado de iniquidades e incoerências que religiões ditas tradicionais impingiram à Humanidade, dominando-a pelo medo, pela ignorância e pela força, em vez de a atrair e instruir pela explanação simples e clara das leis divinas e pelo amor que deve ser o ponto de partida e o fim de tudo quanto se relaciona com o homem e a vida humana.

            Todavia, não estava ainda finda a exemplificação dos Espíritos através de Allan Kardec, quanto à realidade cristã do Espiritismo. Por isso, em 1868, era dada à luz da publicidade a primeira edição de “A Gênese – os milagres a as predições segundo o Espiritismo”. O trigo dourado da verdade foi também debulhado cuidadosamente nesse livro, que derrubou definitivamente ideias absurdas e errôneas, predominantes no mundo religioso. O capítulo referente ao “Caráter da revelação espírita” está este magnífico trecho: “o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem.” É obra interessantíssima e de inavaliáveI utilidade, principalmente para quem deseja ampliar seus conhecimentos a a respeito da religião. O mesmo valor tem o livro “Obras Póstumas”, aparecido em 1890, assim como a “Revue Spirite” que Kardec fundou e onde desenvolvia comentários pertinentes ao Espiritismo, fixando pontos antes duvidosos de religiões e seitas pseudo-cristãs, mostrando a simplicidade e a grandeza doutrinária do Espiritismo, iríamos longe, muito longe, sem pormos de lado as obras e os artigos que Kardec subscreveu. Citaríamos ainda, se indispensável, a vastíssima fileira de obras espíritas, de Emmanuel, André Luiz, etc., etc., etc.

            Podemos, ainda, ressaltar o papel desta Revista no ingente trabalho de propaganda, pregação evangélica e difusão doutrinária, e que tem como lema esta trilogia da Federação Espírita Brasileira; “Deus Cristo e Caridade”, sendo apresentada como órgão religioso "de Espiritismo Cristão".

            Demonstramos, parece-nos, a origem e a imanência cristã do Espiritismo, através das obras da codificação kardequiana. O assunto, pormenorizado, daria grosso volume, porque, então, poderíamos juntar exemplos sobre exemplos, citações inúmeras, salientar o trabalho de assistência espiritual e material realizado por espíritas e instituições espíritas, trabalho todo ele orientado segundo as diretrizes evangélicas. O mestre Allan Kardec se referiu com firmeza a “espírita cristão” e a “Espiritismo Cristão”, mas coube justamente ao seu insigne seguidor - J. B. Roustaing - apresentar, na monumental obra "Os Quatro Evangelhos", que está fazendo agora cem anos, a expressão “Cristão Espírita”.

            Não se trata, porém de criação humana, conforme se poderá verificar do trecho que vamos transcrever abaixo, com a comunicação subscrita por “Isabel”, na qual é evidente ter vindo de Jesus tal expressão, recentemente lançada no Brasil.

            No segundo tomo de “Os Quatro Evangelhos”, edição de 1954 da Federação Espírita Brasileira, às páginas 69 e 70, comentar sobre os Cap. VII, v. 21-29, de Mateus, e Cap. VI, v. 46-49, de Lucas – “Deus julga pelas obras”, lemos:

            Nem todos os que dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino de Deus. As palavras morrem no espaço sem chegar ao Senhor quando não têm por apoio os atos. Portanto, praticai sempre o que ensinais, o que admirais, o que louvais. Não bastará que admireis a lei de Jesus, que digais: ela é perfeita, se nada fizerdes por cumpri-la e por vos aperfeiçoardes. Não vos bastará dizer: somos cristãos, se obrardes contra a vontade do Cristo. Não vos bastará declarar: somos espíritas, se continuardes a ser o que éreis antes.  Não bastará declareis: somos médiuns e usamos das nossas diversas faculdades mediúnicas, se não praticardes os ensinamentos recebidos, se não puserdes cordial e intencionalmente essas faculdades ao serviço da casa de Deus, do melhoramento moral dos vossos irmãos, dando-lhes o exemplo dos esforços constantes e porfiados que empregais por vos melhorardes pessoalmente, se não vos utilizardes com humildade e desinteresse  dessas mesmas faculdades para o fim exclusivo de fazer propaganda séria, útil, eficaz, da lei de Jesus e da sublime doutrina dos Espíritos do Senhor que, despojando da letra o Espírito, vem explicar essa lei, fazê-la compreensível, amada, praticada, preparando o cumprimento das promessas do Mestre.

            Hoje, e sobretudo a vós, espíritas, a prática é necessária.

            Quem quer que haja enveredado por esse caminho fique certo de que não mais pode deter-se, de que não mais deve desviar-se, porquanto muito lhe tendo sido dado, muito lhe será pedido. Não terá desculpa. Não o protege mais o véu da ignorância, pois que a luz o rasgou. Tão pouco lhe servirá de escusa a sua fria indiferença. Dele se aproximou a caridade para aquecê-lo. Se o coração se lhe conserva enregelado é porque o quer.

            Ao espírita muito será reclamado. Que ele, portanto, se prepare para prestar contas exatas do que lhe foi confiado.

            No momento em que estas palavras acabavam de ser escritas, o médium, colocado espontaneamente sob nova influência medianímica, escreveu, com uma grafia diferente e magistral, o seguinte:

            Não basta se diga que certa moral é sublime; cumpre seja posta em prática. Não basta ser-se cristão e mesmo cristão-espírita, se se não pratica a moral por mim ensinada (1), Assim, pois, que os que querem entrar no reino de meu pai sejam seus filhos pelo coração e não pelos lábios, obedeçam com submissão, zelo e confiança às instruções que recebem e recebam hoje dos Espíritos enviados, de acordo com as minhas promessas, para ensinarem progressivamente aos homens todas as coisas, para conduzi-los à verdade e lembrar-lhes o que eu lhes disse.

            Que digam: Senhor, Senhor! mas que o digam do fundo de seus corações; que seus atos correspondam às suas palavras e o reino dos céus lhes pertencerá.

            Por aquele cuja mão protetora sustenta os humildes e os fracos e humilha os orgulhosos e poderosos. ISABEL.”

            Depois, também de modo espontâneo, o médium escreveu mediunicamente, e em caracteres idênticos aos com que fora traçado o ensinamento que acabava de ser recebido, esta última comunicação:
  
            Bendizei ao Senhor a graça que vos fez e pedi-lhe, de coração, o apoio daquele que se manifestou hoje por intermédio do seu enviado. Perseverai no caminho que trilhais, tende confiança e fé, mas fé séria, e o Senhor estenderá suas mãos por sobre vós, para afastar os obstáculos que vos pudessem deter.” João, Mateus e Lucas.

            Nada devemos dizer depois do que acabamos de reproduzir. Os que tiverem coração de sentir, sentirão no recesso da sua alma as repercussões singulares de tão belas, profundas e significativas comunicações vindas de MAIS ALTO.

            (1 ) Ver J. B. Roustaing – “Révelation de la Révelation” Les Quatre Evangiles – 1er vol. - 1866 - Page 386: "...il ne suffit pas de dire qu'une morale est sublime, il faut la mettre pratique; il ne suffit pas d'être Chrétien et même christo-spirite, si l’on ne pratique pas le morale enseigné par moi.”

Santuário interior



Santuário interior
Agar por Chico Xavier  
Reformador (FEB) Abril 1958

            Na procura da felicidade e da paz todos somos viajantes do mundo, caminhando sobre as cinzas de nossos ídolos mortos.

            Construímos palácios de ouro de que nos retiramos desencantados e abraçamos paixões que nos calcinam os sonhos a fogo de angústia e arrependimento.

            Seguimos para diante, entre flores que morrem, luzes que se apagam, cânticos que emudecem...

            Só existe, na vida, em verdade, uma edificação que resiste à ventania implacável das horas - aquela que, em nossa alma, recolhe da argila humana a experiência necessária para erguer em si mesma o templo da humildade e do amor.

            Santuário feito de suor e de lágrimas, nele rendemos culto incessante à compreensão e à fraternidade, por facultar-nos mais amplo entendimento da Bondade de Deus.

            Nele, por vezes, agoniada solidão nos aflige, entretanto, é aí dentro que conseguimos o silêncio bastante para ouvir os apelos do alto proclamam à Glória Celeste, através da renunciação incansável no bem dos outros.

            E, quase sempre, a fim de erigi-lo no coração e na consciência, é imprescindível padecer todas as provas e conhecer todas as dores.

            Alcançando-o, porém, respiramos na antecâmara da Vida Mais Alta, porque, aí, nesse altar indevassável e luminoso, fala o Mestre e ouve o aprendiz, assimilando, por fim, a lição preciosa que o integrará na posse do Céu para sempre.

Nosso dever diante da Doutrina



Nosso dever ante a Doutrina
Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Abril 1958

            Ninguém pode julgar-se espírita somente porque frequenta sessões práticas, toma passes e ouve palestras doutrinárias. Há muito engano nessa atitude. Ser espírita é conhecer seguramente a Doutrina codificada por Allan Kardec e o itinerário cristão que de toda ela resuma e, sobretudo, porque nisto é que se encontra o essencial, viver o Espiritismo, aprimorando as próprias qualidades morais e ajudando a Humanidade a ser melhor.

            Sem estudar e sem exemplificar os ensinamentos doutrinários, ninguém poderá em são consciência dizer-se espírita. Sentimos a incompreensão daqueles que ainda influenciados pelo Catolicismo, de onde vieram, dão nomes de “santos” a centros espíritas. O alto clero católico tem protestado contra isso, assustado, dizendo que os espíritas, que já lhe tomam os crentes, querem também tomar-lhe os santos!.. Deixemos os santos nas igrejas católicas, porque temos outra noção religiosa, despreocupando-nos, portanto, de imagens, que apenas fazem relembrar remota época em que o Paganismo inculcava no espírito do povo a idolatria. No Espiritismo não há imagens nem santos, nem sacerdócio organizado. Desejamos libertar os homens de todos os preconceitos e não iríamos, portanto, prende-los a prejuízos disfarçados com outros nomes e formas diferentes. Nada disso. Tudo é espírito, para nós. Não necessitamos de imagens para fortalecer nossa fé, porque ela não se fez com absurdos, mas com o raciocínio claro de que todos os homens podem dispor.

            Tem faltado a muitos confrades o conhecimento real da Doutrina. Em vez de se preocuparem com exterioridades, devem estudar as obras de Kardec e Roustaing, porque são um extraordinário monumento de sabedoria. Por mais que sejam lidas e estudadas, sempre oferecem alguma coisa de novo para a nossa compreensão, espicaçando a nossa capacidade analítica e estimulando-nos a novas reflexões. Ler rapidamente os livros de Kardec e Roustaing, não é cultura espirítica. A Doutrina é profunda, exige estudo e meditação. Em Roustaing tiremos encontrar todo um manancial de belezas acerca do Espiritismo Cristão. “Os quatro Evangelhos” constituem, portanto, um complemento valioso da obra do insigne Mestre Allan Kardec.

            Quanto maior for o número de conhecedores reais da Doutrina, mais forte será o Espiritismo. Precisamos ver que temos responsabilidade com o presente e o futuro. Não nos encontramos na senda espírita por mera casualidade. Nem o Espiritismo se presta a manifestações pueris de vaidade. É uma doutrina de ordem, trabalho, disciplina e compreensão. Temos de provar pelo exemplo que somos espíritas, que nos achamos integrados da verdade espíritas, que podemos realizar e realizamos o que o Espiritismo tem o direito de esperar de nós. Do mesmo modo, devemos alertar os confrades que a esse respeito não estejam ainda bem esclarecidos: o Espiritismo não é doutrina de vencidos, de melancólicos, de desesperados. Evidentemente, não se trata de uma religião festiva, mas, pela sua essência, tem de ser otimista, porque nos ensina a encarar a vida de maneira franca e sincera, pois nos ensina o que é a vida, o que ela representa para nós em face do presente e do futuro, qual a posição em que nos devemos situar para que alcancemos o prêmio de nossa evolução moral. É uma doutrina de vencedores, porque aprendemos a triunfar sobre o medo da morte: é uma doutrina de alegria sã, porque mostra o motivo das desigualdades sociais, a razão do mal, as virtudes do bem, o aperfeiçoamento que se vai operando no Espírito, de encarnação em encarnação. Não é também uma doutrina de desesperados, porque não promete ao homem senão a evolução de seu ser espiritual, se seus postulados forem seguidos respeitosamente.

            Há muito que fazer, irmãos, no Espiritismo. Mais do que todos possamos avaliar. Trabalhando pelo bem da Humanidade, estaremos trabalhando por nós mesmos, porque somos partícula desse todo que sofre e luta, mas que, graças ao Espiritismo, já sofre e luta mas que graças ao Espiritismo já sabe porque sofre e conhece o motivo de sua luta. O Espiritismo não promete o Nirvana nem o Paraíso: mostra aos homens que a sua felicidade é obra de si mesmo. Não tem que esperar por milagres, mas realizar, ele mesmo, o milagre de sua recuperação através dos tempos. A felicidade que procura pode não estar hoje ao alcance do seu Espírito, mas será um dia alcançada porque o Espiritismo mostra o que leva o homem até ela!

            Estudar a Doutrina, analisa-la, disseminá-la, propaga-la, defendê-la e sobretudo exemplifica-la, - eis o dever dos espíritas que possuem legítima noção de suas responsabilidades dentro do Espiritismo.


terça-feira, 28 de abril de 2020

Agora, arrima-te em meu braço...



Agora, arrima-te em meu braço

José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Março 1958

            - Negas a existência da alma? Contestas a realidade da vida espiritual? Afirmas que tudo é matéria? Asseguras que fora do mundo físico nada existe? Peço-te humildemente perdão. Jamais supus que a tua sabedoria fosse tão grande...

*

            A propósito: vês esta formiguinha que diligente passa inquieta em busca de alguma coisa? Tu, que és sábio, poderás fazer uma formiguinha igual a essa, que se move para onde quer, que ataca ou recua, avança ou se defende? Será que terás o poder para fazê-lo? Diante do que disseste amigo, não me é lícito duvidar da tua sabedoria.

*

            - O homem tem procurado imitar a Natureza usando todos os recursos que a  inteligência lhe dá. Se nada existe fora do mundo físico, então a inteligência nada mais é que uma manifestação da matéria. E a matéria, meu irmão, sente, sofre, ama, sofre, experimenta todas as gradações emocionais? Evidentemente, sim, segundo a tua sabedoria. Como explicar, no entanto, que matéria e sentimento sejam uma só coisa?   Perdoa-me a profunda ignorância em que vivo. Faze a caridade de romper as muralhas do desconhecimento, que me trazem prisioneiro, e me ensina um pouco da tua sabedoria.

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            Tenho meditado sobre tudo quanto me disseste, irmão. Todavia, não consigo compreender o que dizes. Desce do cume do saber, em que te achas; vem à planície da ignorância, onde me encontro. Salva-me do naufrágio da incompreensão e ensina-me com base sólida que não há alma, que a vida espiritual não existe, que fora do mundo físico nada se encontra. Sinto dentro de mim uma força interior, que vem de algo que não posso definir. Tenho aspirações, sonhos, anseios, emoções, pressentimentos, visões que antecedem a consumação dos fatos. Isto tudo me parecia partir da alma que vitaliza meu corpo. Agora, porém, minha insciência se curva, derrotada, diante da onipotência de teu saber. Quem sou eu, que nada sei, em face de ti, que tem a fronte emoldurada pela sabedoria?

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            - Quem, és? Porque choras? Qual a razão do desespero que te atormentas? Dize, irmão: quem és?
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            Sei que te chamam Galaor. De mim, que poderei dizer? Um dia, na Terra, encouraçado na vaidade, te afrontei com a sabedoria que julgava ter acumulado.  
Neguei a alma, contestei a realidade da vida espiritual, afirmei que tudo é matéria e que fora do mundo físico nada existe... Lembras-te de mim, Galaor?

            - Sim. Prossegue...

            - Deixei o envoltório carnal e me surpreendi. As minhas negativas começaram a pesar sobre mim, porque avultava ante a minha percepção a grandeza da vida espiritual. Busquei meu corpo e vi-o inerte, sujeito às transformações determinadas pela morte. Lentamente fui-me apercebendo de verdades que desconhecia, e, por desconhecê-las, negava-as.  Pensava que tudo fosse matéria... Hoje, soam-me aos ouvidos as tuas palavras: “-Peço-te humildemente perdão. Jamais supus que a tua sabedoria fosse tão grande.”

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            Galaor contemplava, sereno, o Espírito inquieto que permanecia diante de si. A doçura de seu olhar constituía um bálsamo para o visitante intranquilo.

            Amigo: a verdadeira sabedoria não está em negar o que se desconhece, mas em libertar-se de hábitos e preconceitos enraizados, para se admitir a possibilidade de revelações novas. O sábio que se prende irremediavelmente a ideias fixas, renuncia ao princípio inicial da sabedoria, que é a evolução. Nada está destinado à estagnar: tudo passa por transformações, impostas pela lei do progresso. Principalmente o espírito humano. Há a realidade física como há também a realidade não física. Empolgado pelas conquistas da ciência, o homem esqueceu da alma. Na ânsia de automatizar suas atividades, perdeu a lembrança do espírito, escravizando-se a si mesmo. Mas a morte é uma das lições que redimem o ser humano dos preconceitos adquiridos.  Ela se exerce através dos tempos, promovendo desencarnações propiciatórias de esclarecimentos como o que acabas de ter. Como o espírito reencarna e volta, como todos os operários, à oficina de trabalho, terás novas experiências a realizar no mundo físico e as de guardar a lembrança destes instantes. O saber adquirido é patrimônio que não perderás. Entretanto, melhor orientado agora, saberás utilizá-lo, porque sentirás o que o orgulho te permitira, antes, percebe-lo.

             Agora, arrima-te em meu braço...

            Depois de longos esclarecimentos, Galaor silenciou. O visitante estava perplexo. Porém, humilde e reverente, confessou:

            - Quando supus ser sábio, ignorava muito do que acabas de revelar-me. Onde então, a minha sabedoria? Distancio-me tanto de ti, que me envergonho da atitude de vã superioridade que mantive. Não compreendia, sinceramente, que teus conhecimentos fossem tão vastos e a tua humildade ainda maior do que eles. Agora entendo porque meus sentimentos estavam embotados, a ponto de me impedirem vislumbrar as belezas do mundo dos Espíritos. A legítima sabedoria está na compreensão da Verdade e a Verdade está em todas as coisas que nos rodeiam, quer no plano invisível, quer no plano visível. Sim, agora, graças a ti, Galaor, compreendo que a Verdade está mais perto de nós do que acreditamos. Nossas deficiências é que nos afastam dela e nos forçam a ter uma noção errada dos problemas do Ser. Ah, Galaor, Galaor! Quanto te devo nestes poucos instantes de esclarecimentos! Quanto me disseste que me seria possível fazer uma formiguinha igual àquela que me mostravas com simplicidade, havia sabedoria na tua pergunta. No entanto, nem sequer te dei resposta porque considerei fútil a interrogação. Alcanço neste momento a importância do que indagaste. Com toda a sua sabedoria, pode o homem fazer uma simples formiguinha, dando-lhe vida? Insensato que fui! Nas coisas mais singelas ou mais complexas, afirma-se a Inteligência Suprema! Sim, Galaor, agora, somente agora é que consigo compreender a pequenez do homem em face de Deus!

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            Espírito que se confessava vencido, iluminando-o, enchendo-o de paz, Galaor, conservando a mesma atitude respeitosa em que se havia postado, sorriu, feliz, e consumou a festa magnífica dessa noite maravilhosa, com uma frase que era toda uma  prece:      

            - Louvado seja o Altíssimo!..


Indulgência



Indulgência
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Março 1958

Concedeu-te o Senhor:

O berço em que nasceste.
O ar em que respiras.
O lar que te abençoa.
O Sol que te ilumina,
O corpo em que estagia.
O passo equilibrado.
A escola que te ajuda.
À lição que te acolhe.

O amigo que te ampara.
O pão que te alimenta.
A fonte que te acalma.
A ação que te renova.
A fé que te sustenta.
O afeto que te nutre.
A flor que te consola.
Estrela que te inspira.
A ideia e o sentimento.
A bondade e alegria.
O trabalho e o repouso.
A oração e a esperança.

Ante a eterna Indulgência,
Com que o Céu te acompanha,
Sê também complacente.
E usa a misericórdia.
Para que a Paz Divina
Permaneça contigo,
À maneira de luz
Que te guarde hoje e sempre.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Espiritismo e Mediunidade



Espiritismo e Mediunidade
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Março 1958

            Nas relações do mundo visível com o invisível, torna-se imperioso não perder de vista o papel importantíssimo da mediunidade, elo que liga os dois mundos, permitindo se estabeleça valioso intercâmbio para o desenvolvimento moral e espiritual de encarnados e desencarnados.

            Doutrinas espiritualistas e pseudo-espiritualistas não faltam ao homem da Terra. O Espiritismo, porém, não fantasia nem se engrandece à custa de liturgias misteriosas e enigmáticas, como também não se oculta por detrás de dogmas absurdos. Irracionais e intolerantes. Nossa Doutrina está natural e perfeitamente integrada no pensamento do Cristo. Não sugestiona o homem com afirmativas confusas e paradoxais. Não ensina que homem foi redimido por Jesus, porque todos sabemos que os fatos demonstram ainda se encontrar a Humanidade a caminho da redenção, e que Jesus, tal como está no Evangelho, deixou claros os meios de que o homem precisa para alcançar essa redenção, reeducando-se, aprimorando suas qualidades morais, purificando seus sentimentos, combatendo primeiro suas próprias inferioridades, antes de pretender fazê-lo às de seus semelhantes. Limitemo-nos ao “Sermão da Montanha” e veremos que ali está um admirável código de moral capaz de disciplinar o homem, preparando-o para a salvação, através do trabalho, que não é castigo, mas que é bênção. O Espiritismo ensina que se torna necessário o progresso moral do indivíduo, para que este possa influir na coletividade a que pertence, estimulando-a, levando-a a progredir incessantemente. As dores do mundo irão diminuindo à medida que a Humanidade for evolvendo moralmente. Não ensina o  Espiritismo fique o homem inativo, à espera de milagres que o absolvam dos erros cometidos. Assim, como não há penas eternas, assim também todos estamos subordinados à lei do progresso.

*

            O único milagre admissível está na reforma individual. O homem terá que derrotar seus instintos inferiores e dominá-los. Não precisa temer as consequências de seus atos, se buscar por suas próprias mãos o aperfeiçoamento moral de que necessita. Sujeito que está a vidas sucessivas, que são imposição do progresso, que a lei de causa e efeito acoroçoa, colherá sempre o que semear. O Espiritismo ensina-lhe o caminho da redenção pelo disciplinamento de sua conduta perante seus companheiros de jornada terrena. Para auxiliar esse esforço gigantesco, a mediunidade desempenha função essencial. Por isto, os médiuns precisam dar muita atenção a essa faculdade, que permite o contato com o Além. Se um homem prevenido vale por dois, segundo o anexim popular, um médium preparado vale muito mais que vários médiuns sem base doutrinária e evangélica, sem recursos morais para precatar-se de perigos previstos e perfeitamente esclarecidos, por exemplo, em “O Livro dos Médiuns”, do nosso insigne Allan Kardec, assim como em “Os Quatro Evangelhos”, de J. B. Roustaing, que nos deu magníficas lições complementares da obra do Codificador, que permitem clara compreensão do Espiritismo Cristão.

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            O Espiritismo é objetivo em seus ensinamentos. Instrui, orienta, encaminha, ampara,  fortalece a posição do homem em face da vida, porque lhe diz porque se nasce, para que se nasce, razão do sofrimento, a razão da morte física e a necessidade da reencarnação. Mostra como pode a criatura humana atenuar os encargos espirituais, preparando-se hoje para um amanhã melhor, que lhe permita alcançar alegrias puras, que não sejam apenas festas para os olhos, mas, sobretudo, festas para a alma. O Espiritismo tem elevada função psicológica, é igualmente didática. Mostra-nos a razão da vida humana, o destino que destino que podemos ter, consoante a lei cármica de causa e efeito. Não ilude: esclarece; não persegue: auxilia; não condena: educa; não abandona: ampara; não repele: acarinha; não deturpa a personalidade: aprimora-a: não estimula o egoísmo: substituí-o pelo altruísmo consciente.

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            As ferramentas do médium capacitado de sua responsabilidade são a Doutrina Espírita e o ‘Evangelho segundo o Espiritismo’. Estudá-los, reestudá-los todos os dias, exercitando-se sempre na exemplificação de seus princípios, eis o que melhor se poderá oferecer à dignificação da mediunidade. Veja o médium quantas belezas derivam do trabalho mediúnico metódico, feito com dedicação e amor: Não vá o médium inexperiente lançar-se a cometimentos prematuros e inadequados ao seu grau de desenvolvimento. Dedique-se ao estudo e ao trabalho, com menos pressa e mais devotamento e assiduidade. Dentro de pouco tempo colherá os frutos da semeadura inteligente. Em “O Livro dos Médiuns” está o roteiro completo, que permite avançar com segurança. A preocupação deve ser sempre esta: SERVIR e nunca pretender maravilhar. Nada deve ser forçado; tudo deve obedecer a um plano metódico de trabalho, sob a  supervisão de experimentado diretor de serviços mediúnicos, em dia com a Doutrina e familiarizado com o Evangelho.

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            Sem dúvida, há e pode continuar havendo médiuns sem preparação evangélica, para as quais surpresas desagradáveis podem estar reservadas, se sua linha de conduta não coincidir com aquelas determinadas na Doutrina Espírita e no Evangelho. Muitas vezes o médium sem orientação nem apoio doutrinário e evangélico acaba por ceder a injunções das trevas e acabará por ao ver arrastado a complicações difíceis de destruir, arrastando na desventura os que se entregarem cegamente ao seu arbítrio. O médium consciente de seus deveres morais não anda separado da Doutrina e do Evangelho. Reaprende todos os dias as lições que a vida nos dá, buscando condicioná-las aos imperativos doutrinários e transmitir a outrem os frutos da experiência cotidiana. Precisamos tanto da Doutrina Espírita e do Evangelho segundo o Espiritismo, como do ar que respiramos. Este é imprescindível à nossa sobrevivência moral.

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            Para combater os erros, temos os recursos da Doutrina e do Evangelho, que nos permitem corrigi-lo sem ódios nem prevenções. Preguemos e propaguemos mais do que nunca, em todos os lugares e de todas as formas, principalmente pela exemplificação leal e diária, o Espiritismo de acordo com as determinações doutrinárias e evangélicas, sem jamais esquecermos de que “fora da Caridade não há salvação”. E a caridade não se resume apenas no óbolo entregue ao mendigo que sofre a sua provação, pois se estende a todo os pensamentos e atos. Tanto pode estar representada na palavra falada e escrita, como nas atitudes de todos momentos. Tolerância não quer dizer conivência, assim como bondade não significa passividade ante o mal. A tolerância tem de ser ativa: ao exercê-la, devemos apontar ao que dela se beneficia o caminho da reabilitação. A bondade não nos manda fechar os olhos ao mal. Diz-nos que abramos mais para podermos vencer o mal e seus efeitos com a assistência moral, os conselhos oportunos, a energia temperada de amor, mas não debilitada pela incompreensão. Jamais a violência deve tisnar o pensamento ou o ato do verdadeiro espirita . Para demonstrar nossa caridade pelos que nos atacam ou perseguem, também pelo que se prevalecem da nossa tolerância para incursões sorrateiras e lamentáveis à nossa seara, temos que proceder evangelicamente. Como temos fé, oramos; como temos esperança de que os desviados e transviados de hoje um dia estarão conosco, oramos; como temos caridade para quantos tentam trair--nos a confiança ou ferir-nos desapiedadamente, oramos. E, orando cumpriremos também dever doutrinário e, sobretudo, um dever evangélico.

            Em tão grande obra de expansão do Espiritismo, a tarefa dos médiuns sobreleva de  importância, e eles, como vanguardeiros do trabalho de ligação entre o mundo visível e o mundo invisível, estão sempre convocados para as experiências mais sérias e de maiores consequências.