Preceitos
divinos
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Abril 1929
Um dos dez mandamentos, que o Senhor ditou a Moisés, no
alto do Monte Sinai, diz: “NÃO MATARÁS” (Êxodo, XX, 13),
No Evangelho de Mateus, lê-se: “E, senão quando, um dos
que estavam com Jesus, metendo a mão à espada que trazia, a desembainhou, e, ferindo
a um servo de sumo sacerdote, lhe cortou uma orelha.
“Então, lhe disse Jesus: METE A TUA ESPADA NO SEU LUGAR;
PORQUE TODOS OS QUE TOMAREM ESPADA, MORRERÃO
À ESPADA. (Mateus, XXVI, 51 e 52)
Não pode haver duas interpretações para essas palavras
das Sagradas Escrituras. Aqueles que se empenham em seguir a Lei de Deus e os
ensinamentos do Cristo, não podem matar, não podem ferir, não devendo,
portanto, fazer uso de qualquer arma de defesa ou de ataque.
Infelizmente, porém, não há dia em que se não verifiquem
crimes de morte; não passa uma hora em que, de entre as inúmeras criaturas que
se empenham em propalar aos quatro ventos que são cristãs, alguma não faça uso
de qualquer arma para ferir ou matar o seu semelhante. E, se passarmos desses
casos - que se podem considerar insulados, por somente dizerem respeito aos
seus protagonistas - para a generalidade, verificaremos que a humanidade pouco
tem conseguido caminhar na senda do progresso, sem o auxílio das mais
sangrentas revoluções.
Revoluções feitas pelo povo escravizado que quer, de
qualquer forma reivindicar os seus direitos ou o que julga serem os seus
direitos - que é o que agora não estamos discutindo - revoluções feitas por
políticos que se veem privados de comer com os outros às mesas orçamentárias de
todos os países; revoluções por isto, por aquilo, por aqueloutro mas revoluções
sempre, e sempre sangrentas, porque delas há sempre mortos e feridos, como
mortos e feridos há da reação que, com razão ou sem ela, a tais revoluções
opõem os governos por elas visados!
E é assim que a humanidade, sob este ponto de vista,
cumpre a Lei de Deus e os preceitos do Cristo...
*
Esse fato, porém, explica-se: A Lei de Deus foi ditada a
Moisés há cerca de quatro mil anos; já passaram também dois mil anos aproximadamente,
depois que o Cristo pregou a sua doutrina e, dos homens que têm vindo ao mundo
depois disso e que, consequentemente, não ouviram os ensinamentos de Jesus, nem
a Lei do Senhor, raros são aqueles que leem as Sagradas Escrituras e que, por
esse motivo, conhecem as palavras que servem de início a este artigo.
É verdade que, nos “Mandamentos da Lei de Deus”,
ensinados pela Igreja Católica Romana aos adeptos do catolicismo, embora muito
resumidos e diferentes dos que constam das Sagradas Escrituras, lá está bem claro
o 5º Mandamento, que diz: “Não Matarás”; mas o que não é
menos verídico é que, pelo exemplo é que se prega - foi assim que o Cristo pregou
– e... nos exemplos da Santa Madre Igreja é que está todo o mal...
Para não irmos muito longe, vejamos, somente e em resumo,
o que se passa no México.
Já desde os tempos antigos, em que aquela República da
América do Norte, era domínio de estrangeiros, que o povo mexicano tem sido
espezinhado e explorado pelos senhores feudais e, talvez em maior escala, pelas
congregações religiosas que, em grande número, se estabeleceram naquela desventurada
nação. Depois de muitos anos de. martírio, aparecem alguns homens de energia
férrea, que resolvem fazer vigorar a Constituição do país, que há muito tempo
era verdadeiramente “letra morta”
para os governantes; e é quando surgem no cenário político do México as figuras
homéricas de Obregon e Calles, que, lutando e vencendo, restituem o México aos
mexicanos e restringem os poderes às congregações religiosas - sem exceções -
não tendo, pois em mira atingir, e não atingindo de fato esta ou aquela religião,
mas todas as religiões.
Que vemos nós?
Começa a bramir o vento da rebelião contra o novo governo,
e, à frente dos rebelados são presos padres católicos, que, para cúmulo de
todos os cúmulos, são estrangeiros!
Obregon cai assassinado por um católico, e, no processo,
aparecem envolvidos padres e irmãs de caridade!
Vem por fim, a revolução atual, e dizem-nos os telegramas
de todas as ti fontes que. nos pontos do país que se encontram em poder dos
rebeldes, já foram rezadas missas pelos padres que haviam abandonado o país por
se rebelarem contra as ordens do Governo!
*
Daqui se depreende que aqueles que assim procedem, não
podem, de nenhuma forma, ser representantes de Deus visto que não seguem os
seus preceitos: e, perante isto, só nos resta intensificar mais e mais a
propaganda do Espiritismo - doutrina de Amor e de Caridade onde ninguém ataca,
nem se defende de armas na mão, e, portanto, a verdadeira doutrina de Jesus, o
Cristo de Deus, o meigo Rabi da Galileia.
Deixemos que “Sua Santidade” saia do seu luxuoso palácio,
para fazer suas faustosas visitas, acompanhado pela sua “Guarda Nobre” - com
cavalos ou sem eles, mas de qualquer forma em oposição absoluta
com a humildade que o Cristo pregou e exemplificou -, e, entretanto, façamos
conhecidos da humanidade os preceitos da Lei Divina, que outros tem pretendido deturpar e encobrir.
Continuação Reformador
(FEB) Maio 1929
Explicando...
Desde que começamos a rabiscar coisas sobre Espiritismo -
há cerca de seis anos - raríssimos têm sido os nossos escritos em que não temos
dado combate à Igreja Católica; e, de temperamento um tanto arrebatado não
temos, o mais das vezes, tempo para escolher os vocábulos ou formas brandas e
agradáveis ao ouvido, resultando desse nosso defeito que, nem sempre o que
escrevemos se reveste de doçura cristã que foi apanágio de Jesus e que deve sê-lo
também de todos os Espiritistas. Confessamo-lo sinceramente e disso nos penitenciamos, dando assim inteira razão ao benévolo
crítico que, no REFORMADOR de 15 de Março findo, se referiu com palavras cheias
de amabilidade ao nosso último opúsculo “A INQUISIÇÃO OBRA DA IGREJA CATÓLICA,
editado na Bahia, por gentileza do nosso amigo c irmão Paulo Alberto.
A crítica do REFORMADOR, ao nosso referido trabalho, que
muito apreciamos e agradecemos pela benevolência e sinceridade de que se
revestiu, ofereceu-nos ensejo, não só de escrever as palavras com que começamos
este artigo, mas também as que seguem e que não são uma defesa mas sim uma
explicação do nosso procedimento para que não nos julguem mal, principalmente
os adversários da nossa doutrina.
*
Não tem faltado, entre os Espiritistas, quem, guiando-se
pela aparência nos tenha acusado de violento; e nós queremos deixar bem patente
que a violência dos nossos artigos não é o reflexo dos sentimentos da nossa
alma, mas sim o produto do nosso temperamento nervoso. É assim que nós,
combatendo a Igreja Católica, respeitamos a Religião Católica como toda e
qualquer outra - e amamos o homem-padre como a qualquer outro de nossos irmãos
em Cristo.
Parecerá, isto, talvez, um absurdo, mas não é, como
veremos,
Nós distinguimos entre Igreja e Religião, que não são
realmente a mesma coisa. Para nós, a Religião Católica é, como o Espiritismo,
uma religião baseada na doutrina do Cristo; e só nos caberia discutir se a
interpretação dada por uns às Sagradas Escrituras é melhor ou pior que a que
lhe dão os outros. Respeitamo-la, porque estamos convencido de que “muitos são
os caminhos que levam à casa do Pai”, nada influindo para isso as crenças de
cada um, visto que, daqueles que o Pai confiou ao Cristo, nenhum se perderá”,
nem mesmo os ateus ou os materialistas. Podem progredir mais vagarosamente, mas
todos lá chegarão um dia...
A Religião Católica, para nós, é coisa muito diferente da
Igreja Católica, que nós respeitamos também, como desejamos que nos respeitem,
mas que nos julgamos no direito de discutir e combater porque a julgamos nociva
ao progresso da humanidade. Segundo o nosso modo de ver,
a Igreja Católica é uma grande e poderosa associação que, embora fundada talvez
com outros fins há muitos séculos se serve da Religião Católica para explorar
os adeptos do Catolicismo, por todos os meios e formas.
Julgamos necessário combate-la porque ainda não podemos
esquecer que ela nos ludibriou a nós pessoalmente até os trinta anos, e porque
sempre nos lembramos de que ainda são inúmeras as
almas que continuam a ser por ela ludibriadas como nós fomos.
Não é sem uma certa revolta íntima que vemos, por
exemplo, um desgraçado qualquer pedindo uma esmola “para mandar rezar uma missa
por alma da mulher, que lhe morreu.”
E a nossa consciência não ficaria tranquila se lhe não
disséssemos: Não vás dar esse dinheiro ao padre. Se ele prega a caridade, que
ta reze de graça, visto que nada pagou por ela. A missa como todas as
orações pagas a dinheiro são uma exploração. Se tu mesmo podes fazer as tuas
preces pela tua companheira, que se partiu, visto que Deus é igualmente Pai de
todos nós, e, se as tuas preces são sinceras porque te partem do coração, ao passo que as
dos mercenários não o são porque partem da tua bolsa, Deus ouvirá as tuas
preces e não ouvirá as que lhe fizer o padre. Pede uma esmola, se assim o
desejas, para distribuíres pelas crianças abandonadas e pelos teus irmãos
famintos, mas não a peças nunca para dar dinheiro ao padre, que tem tão bom
corpo como tu, para trabalhar. Acredita, se assim o queres, que há Santos e
Diabos; que há Céu e Inferno com penas eternas; que Maria deu à luz e
permaneceu virgem: que a Santíssima Trindade é composta de três pessoas
distintas e um só Deus verdadeiro; com isso nada perderás e eu não gastarei
minuto a convencer-te de que isso tudo são absurdos: mas não pagues, não
contribuas com um ceitil para que tu mesmo e o teu Deus e os teus Santos sejam torpemente explorados!
A nossa consciência não ficaria tranquila se lhe não disséssemos
isto, e, mais ainda, julgar-nos-íamos hipócrita sentindo-o e não o dizendo bem
alto só pelo receio de que por esse motivo nos pudessem censurar. E, entre a
violência da frase e o silêncio da hipocrisia, nós preferimos mil vezes a
primeira ao segundo.
Mas é necessário frisar bem que, se as nossas palavras
são rudes, elas não encobrem a menor parcela de ódio, como ódio não sentia
Jesus quando chamava aos fariseus “Raça de Víboras”. As nossas palavras são violentas,
mas, com toda a sua violência, era, com toda a rudeza que as caracteriza, nós julgamo-las
tão necessárias àqueles que ignoram o pouco que nós já sabemos, como é
necessário a instrução ao analfabeto e o pão ao faminto.
Bem sabemos que é mais da índole da doutrina Espiritista
construir do que demolir, mas não podemos deixar de afirmar que, onde existe um
edifício velho e carcomido e que, pelos seus defeitos, pôde prejudicar e prejudica
a humanidade, e se quer construir um outro novo e isento desses defeitos, é
indispensável destruir aquele antes de edificar este.
Sabemos também que é muito mais simpático o papel de quem
constrói de que o de quem arrasa, e, se nós soubéssemos construir,
preferiríamos fazê-lo; mas, infelizmente, não sabemos edificar, não aprendemos
ainda a lavrar a pedra para a nova construção, e então limitamo-nos a prestar o
nosso concurso empunhando o camartelo de demolição, para desobstruir o terreno
onde se está construindo a grande Obra da Emancipação da Humanidade, pelo seu
Progresso!
Estamos convencidos de que tudo é necessário à propaganda
da doutrina; a lição moral, a lição filosófica e a lição científica, que devem
ser ministradas por quem tenha a necessária competência, que a nós nos falta;
mas o que julgamos também indispensável é o combate - não à mão armada que inda
em nosso anterior artigo condenamos - mas o combate da pena, o combate da
palavra que opõe a argumentação segura aos absurdos do adversário, que opõe fatos
verídicos a argumentos falsos; o combate isento de grosserias, mas enérgico e
vigoroso, dessa energia e desse vigor que demonstram a sinceridade do combatente.
Para nós, pouco ou mesmo nada adianta indicar o bom
caminho ao viandante para que o siga, se primeiro não mostrarmos que aquele por
onde vai seguindo é perigoso, para que dele se desvie. E, já que não temos os conhecimentos
necessários ao bom cicerone, por estarmos
ainda no começo do bom caminho, deixamos que os nossos irmãos mais adiantados
encaminhem os viageiros, enquanto nós nos limitamos a Indicar-lhes os precipícios
do mau caminho que já percorremos, mas, em que eles inda se encontram.
É isso o que podemos fazer e é o que temos feito: porque
se nos falece a competência para outra espécie de propaganda, sobra-nos a
energia para esta. E, quem dá o que tem...
Infelizmente, porém, não tem sido somente à Igreja
Católica que temos combatido, nem será somente ela que teremos de continuar a
combater. Também há quem pretenda explorar o Espiritismo, dizendo-se Espírita,
e a única diferença entre os que assim procedem e os que exploram o
Catolicismo, consiste em que, ao passo, que os que exploram o Catolicismo são
realmente Católicos porque se limitam à tabela de preços organizada pela
própria Igreja Católica, os que exploram o Espiritismo, dizem-se Espíritas mas
não o são, porque a nossa Doutrina manda “dar de graça o que de graça se recebe”,
segundo o preceito de Cristo, e, quem assim não proceder não é Espirita l
É necessário “expulsar todos os vendilhões do Templo” e,
em outro artigo, se Deus o permitir e nos for consentido, trataremos destes
últimos sem individualizar, é claro, porque não temos, nem nunca
tivemos em mira o ataque pessoal.
Rio, 14-IV-929. Souza do
Prado
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