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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Preceitos divinos



Preceitos divinos
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Abril 1929

            Um dos dez mandamentos, que o Senhor ditou a Moisés, no alto do Monte Sinai, diz: “NÃO MATARÁS” (Êxodo, XX, 13),

            No Evangelho de Mateus, lê-se: “E, senão quando, um dos que estavam com Jesus, metendo a mão à espada que trazia, a desembainhou, e, ferindo a um servo de sumo sacerdote, lhe cortou uma orelha.

            “Então, lhe disse Jesus: METE A TUA ESPADA NO SEU LUGAR; PORQUE TODOS OS QUE TOMAREM ESPADA, MORRERÃO À ESPADA. (Mateus, XXVI, 51 e 52)

            Não pode haver duas interpretações para essas palavras das Sagradas Escrituras. Aqueles que se empenham em seguir a Lei de Deus e os ensinamentos do Cristo, não podem matar, não podem ferir, não devendo, portanto, fazer uso de qualquer arma de defesa ou de ataque.

            Infelizmente, porém, não há dia em que se não verifiquem crimes de morte; não passa uma hora em que, de entre as inúmeras criaturas que se empenham em propalar aos quatro ventos que são cristãs, alguma não faça uso de qualquer arma para ferir ou matar o seu semelhante. E, se passarmos desses casos - que se podem considerar insulados, por somente dizerem respeito aos seus protagonistas - para a generalidade, verificaremos que a humanidade pouco tem conseguido caminhar na senda do progresso, sem o auxílio das mais sangrentas revoluções.

            Revoluções feitas pelo povo escravizado que quer, de qualquer forma reivindicar os seus direitos ou o que julga serem os seus direitos - que é o que agora não estamos discutindo - revoluções feitas por políticos que se veem privados de comer com os outros às mesas orçamentárias de todos os países; revoluções por isto, por aquilo, por aqueloutro mas revoluções sempre, e sempre sangrentas, porque delas há sempre mortos e feridos, como mortos e feridos há da reação que, com razão ou sem ela, a tais revoluções opõem os governos por elas visados!

            E é assim que a humanidade, sob este ponto de vista, cumpre a Lei de Deus e os preceitos do Cristo...

*

            Esse fato, porém, explica-se: A Lei de Deus foi ditada a Moisés há cerca de quatro mil anos; já passaram também dois mil anos aproximadamente, depois que o Cristo pregou a sua doutrina e, dos homens que têm vindo ao mundo depois disso e que, consequentemente, não ouviram os ensinamentos de Jesus, nem a Lei do Senhor, raros são aqueles que leem as Sagradas Escrituras e que, por esse motivo, conhecem as palavras que servem de início a este artigo.

            É verdade que, nos “Mandamentos da Lei de Deus”, ensinados pela Igreja Católica Romana aos adeptos do catolicismo, embora muito resumidos e diferentes dos que constam das Sagradas Escrituras, lá está bem claro o 5º Mandamento, que diz: “Não Matarás”; mas o que não é menos verídico é que, pelo exemplo é que se prega - foi assim que o Cristo pregou – e... nos exemplos da Santa Madre Igreja é que está todo o mal...

            Para não irmos muito longe, vejamos, somente e em resumo, o que se passa no México.        

            Já desde os tempos antigos, em que aquela República da América do Norte, era domínio de estrangeiros, que o povo mexicano tem sido espezinhado e explorado pelos senhores feudais e, talvez em maior escala, pelas congregações religiosas que, em grande número, se estabeleceram naquela desventurada nação. Depois de muitos anos de. martírio, aparecem alguns homens de energia férrea, que resolvem fazer vigorar a Constituição do país, que há muito tempo era verdadeiramente “letra morta” para os governantes; e é quando surgem no cenário político do México as figuras homéricas de Obregon e Calles, que, lutando e vencendo, restituem o México aos mexicanos e restringem os poderes às congregações religiosas - sem exceções - não tendo, pois em mira atingir, e não atingindo de fato esta ou aquela religião, mas todas as religiões.

            Que vemos nós?

            Começa a bramir o vento da rebelião contra o novo governo, e, à frente dos rebelados são presos padres católicos, que, para cúmulo de todos os cúmulos, são estrangeiros!

            Obregon cai assassinado por um católico, e, no processo, aparecem envolvidos padres e irmãs de caridade!

            Vem por fim, a revolução atual, e dizem-nos os telegramas de todas as ti fontes que. nos pontos do país que se encontram em poder dos rebeldes, já foram rezadas missas pelos padres que haviam abandonado o país por se rebelarem contra as ordens do Governo!

*

            Daqui se depreende que aqueles que assim procedem, não podem, de nenhuma forma, ser representantes de Deus visto que não seguem os seus preceitos: e, perante isto, só nos resta intensificar mais e mais a propaganda do Espiritismo - doutrina de Amor e de Caridade onde ninguém ataca, nem se defende de armas na mão, e, portanto, a verdadeira doutrina de Jesus, o Cristo de Deus, o meigo Rabi da Galileia.

            Deixemos que “Sua Santidade” saia do seu luxuoso palácio, para fazer suas faustosas visitas, acompanhado pela sua “Guarda Nobre” - com cavalos ou sem eles, mas de qualquer forma em oposição absoluta com a humildade que o Cristo pregou e exemplificou -, e, entretanto, façamos conhecidos da humanidade os preceitos da Lei Divina, que outros tem pretendido deturpar e encobrir.

Continuação   Reformador (FEB) Maio 1929

Explicando...

            Desde que começamos a rabiscar coisas sobre Espiritismo - há cerca de seis anos - raríssimos têm sido os nossos escritos em que não temos dado combate à Igreja Católica; e, de temperamento um tanto arrebatado não temos, o mais das vezes, tempo para escolher os vocábulos ou formas brandas e agradáveis ao ouvido, resultando desse nosso defeito que, nem sempre o que escrevemos se reveste de doçura cristã que foi apanágio de Jesus e que deve sê-lo também de todos os Espiritistas. Confessamo-lo sinceramente e disso nos  penitenciamos, dando assim inteira razão ao benévolo crítico que, no REFORMADOR de 15 de Março findo, se referiu com palavras cheias de amabilidade ao nosso último opúsculo “A INQUISIÇÃO OBRA DA IGREJA CATÓLICA, editado na Bahia, por gentileza do nosso amigo c irmão Paulo Alberto.

            A crítica do REFORMADOR, ao nosso referido trabalho, que muito apreciamos e agradecemos pela benevolência e sinceridade de que se revestiu, ofereceu-nos ensejo, não só de escrever as palavras com que começamos este artigo, mas também as que seguem e que não são uma defesa mas sim uma explicação do nosso procedimento para que não nos julguem mal, principalmente os adversários da nossa doutrina.

*

            Não tem faltado, entre os Espiritistas, quem, guiando-se pela aparência nos tenha acusado de violento; e nós queremos deixar bem patente que a violência dos nossos artigos não é o reflexo dos sentimentos da nossa alma, mas sim o produto do nosso temperamento nervoso. É assim que nós, combatendo a Igreja Católica, respeitamos a Religião Católica como toda e qualquer outra - e amamos o homem-padre como a qualquer outro de nossos irmãos em Cristo.

            Parecerá, isto, talvez, um absurdo, mas não é, como veremos,

            Nós distinguimos entre Igreja e Religião, que não são realmente a mesma coisa. Para nós, a Religião Católica é, como o Espiritismo, uma religião baseada na doutrina do Cristo; e só nos caberia discutir se a interpretação dada por uns às Sagradas Escrituras é melhor ou pior que a que lhe dão os outros. Respeitamo-la, porque estamos convencido de que “muitos são os caminhos que levam à casa do Pai”, nada influindo para isso as crenças de cada um, visto que, daqueles que o Pai confiou ao Cristo, nenhum se perderá”, nem mesmo os ateus ou os materialistas. Podem progredir mais vagarosamente, mas todos lá chegarão um dia...

            A Religião Católica, para nós, é coisa muito diferente da Igreja Católica, que nós respeitamos também, como desejamos que nos respeitem, mas que nos julgamos no direito de discutir e combater porque a julgamos nociva ao progresso da humanidade. Segundo o nosso modo de ver, a Igreja Católica é uma grande e poderosa associação que, embora fundada talvez com outros fins há muitos séculos se serve da Religião Católica para explorar os adeptos do Catolicismo, por todos os meios e formas.

            Julgamos necessário combate-la porque ainda não podemos esquecer que ela nos ludibriou a nós pessoalmente até os trinta anos, e porque sempre nos lembramos de que ainda são inúmeras as almas que continuam a ser por ela ludibriadas como nós fomos.

            Não é sem uma certa revolta íntima que vemos, por exemplo, um desgraçado qualquer pedindo uma esmola “para mandar rezar uma missa por alma da mulher, que lhe morreu.”

            E a nossa consciência não ficaria tranquila se lhe não disséssemos: Não vás dar esse dinheiro ao padre. Se ele prega a caridade, que ta reze de graça, visto que nada pagou por ela. A missa como todas as orações pagas a dinheiro são uma exploração. Se tu mesmo podes fazer as tuas preces pela tua companheira, que se partiu, visto que Deus é igualmente Pai de todos nós, e, se as tuas preces são sinceras porque te partem do coração, ao passo que as dos mercenários não o são porque partem da tua bolsa, Deus ouvirá as tuas preces e não ouvirá as que lhe fizer o padre. Pede uma esmola, se assim o desejas, para distribuíres pelas crianças abandonadas e pelos teus irmãos famintos, mas não a peças nunca para dar dinheiro ao padre, que tem tão bom corpo como tu, para trabalhar. Acredita, se assim o queres, que há Santos e Diabos; que há Céu e Inferno com penas eternas; que Maria deu à luz e permaneceu virgem: que a Santíssima Trindade é composta de três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro; com isso nada perderás e eu não gastarei minuto a convencer-te de que isso tudo são absurdos: mas não pagues, não contribuas com um ceitil para que tu mesmo e o teu Deus e os teus Santos sejam torpemente explorados!

            A nossa consciência não ficaria tranquila se lhe não disséssemos isto, e, mais ainda, julgar-nos-íamos hipócrita sentindo-o e não o dizendo bem alto só pelo receio de que por esse motivo nos pudessem censurar. E, entre a violência da frase e o silêncio da hipocrisia, nós preferimos mil vezes a primeira ao segundo.

            Mas é necessário frisar bem que, se as nossas palavras são rudes, elas não encobrem a menor parcela de ódio, como ódio não sentia Jesus quando chamava aos fariseus “Raça de Víboras”. As nossas palavras são violentas, mas, com toda a sua violência, era, com toda a rudeza que as caracteriza, nós julgamo-las tão necessárias àqueles que ignoram o pouco que nós já sabemos, como é necessário a instrução ao analfabeto e o pão ao faminto.

            Bem sabemos que é mais da índole da doutrina Espiritista construir do que demolir, mas não podemos deixar de afirmar que, onde existe um edifício velho e carcomido e que, pelos seus defeitos, pôde prejudicar e prejudica a humanidade, e se quer construir um outro novo e isento desses defeitos, é indispensável destruir aquele antes de edificar este.

            Sabemos também que é muito mais simpático o papel de quem constrói de que o de quem arrasa, e, se nós soubéssemos construir, preferiríamos fazê-lo; mas, infelizmente, não sabemos edificar, não aprendemos ainda a lavrar a pedra para a nova construção, e então limitamo-nos a prestar o nosso concurso empunhando o camartelo de demolição, para desobstruir o terreno onde se está construindo a grande Obra da Emancipação da Humanidade, pelo seu Progresso!

            Estamos convencidos de que tudo é necessário à propaganda da doutrina; a lição moral, a lição filosófica e a lição científica, que devem ser ministradas por quem tenha a necessária competência, que a nós nos falta; mas o que julgamos também indispensável é o combate - não à mão armada que inda em nosso anterior artigo condenamos - mas o combate da pena, o combate da palavra que opõe a argumentação segura aos absurdos do adversário, que opõe fatos verídicos a argumentos falsos; o combate isento de grosserias, mas enérgico e vigoroso, dessa energia e desse vigor que demonstram a sinceridade do combatente.

            Para nós, pouco ou mesmo nada adianta indicar o bom caminho ao viandante para que o siga, se primeiro não mostrarmos que aquele por onde vai seguindo é perigoso, para que dele se desvie. E, já que não temos os conhecimentos necessários ao bom cicerone, por estarmos ainda no começo do bom caminho, deixamos que os nossos irmãos mais adiantados encaminhem os viageiros, enquanto nós nos limitamos a Indicar-lhes os precipícios do mau caminho que já percorremos, mas, em que eles inda se encontram. 

            É isso o que podemos fazer e é o que temos feito: porque se nos falece a competência para outra espécie de propaganda, sobra-nos a energia para esta. E, quem dá  o que tem...

            Infelizmente, porém, não tem sido somente à Igreja Católica que temos combatido, nem será somente ela que teremos de continuar a combater. Também há quem pretenda explorar o Espiritismo, dizendo-se Espírita, e a única diferença entre os que assim procedem e os que exploram o Catolicismo, consiste em que, ao passo, que os que exploram o Catolicismo são realmente Católicos porque se limitam à tabela de preços organizada pela própria Igreja Católica, os que exploram o Espiritismo, dizem-se Espíritas mas não o são, porque a nossa Doutrina manda “dar de graça o que de graça se recebe”, segundo o preceito de Cristo, e, quem assim não proceder não é Espirita l

            É necessário “expulsar todos os vendilhões do Templo” e, em outro artigo, se Deus o permitir e nos for consentido, trataremos destes últimos sem individualizar, é claro, porque não temos, nem nunca tivemos em mira o ataque pessoal.

Rio, 14-IV-929. Souza do Prado

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