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quarta-feira, 8 de abril de 2020

Preceitos e preconceitos



Preceitos e preconceitos
A Redação 
 Reformador (FEB) 1 Julho 1929

       Porque lhes dei as palavras que me deste e eles as receberam e reconheceram que verdadeiramente eu saí de ti e creram que me enviaste. (João XVII v. 8)

            De todos os tempos a natureza do corpo e a identidade do espírito de Jesus cindiram heréticas pela ortodoxia triunfante, como tais, combatidas a ferro e fogo pelo Bispo de Roma, entrosado natural e logicamente no prestígio tradicional do Cesarismo pagão agonizante. 

            A metrópole política e temporal do mundo a concentrar, por assim dizer, as maiores forças vivas e capazes de vivificar e irradiar a herança opima (produtiva) que do alto baixava, haveria de ser e foi, assim, a metrópole da religião inaugural de uma nova fase planetária, ao menos para um aglutinado de raças e povos, que constituem e caracterizam a denominada civilização ocidental.

            E verificou-se, então, este curioso fenômeno intelectivo: enquanto no seio da igreja nascente, apologistas e santos doutores patriarcas e varões ilustres consagravam, uns o Messias carnal, para terem de o divinizar dogmaticamente, sustentavam outros um Messias divino, transitória e aparentemente humanizado!

            É toda a história fulgurante do gnosticismo, ora vitorioso ora vencido, consoante os valores flutuantes da política eclesiástica, mas, não obstante, vivo e renascente a todos os tempos, sob várias designações e aspetos, qual desafio lançado à inteligência e à razão humanas por etapas progressivas, até a maturação facultativa de mais amplos aclaramentos.

            Estes, não podem, também eles, vir de jato ou em bloco, completos e acabados, sob pena de infirmarem a lei de trabalho e perfectibilidade, geral e absoluta no plano e no quadro de nossa humanidade, conforme o ensino unânime dos Espíritos.

            Assim, pois, na impossibilidade de conciliar os textos escritúricos com os conhecimentos correntes, tanto quanto na impossibilidade maior de os desmentir, tal como ainda hoje acontece, os exegetas enveredaram pelo mistério, pelo sobrenatural, pelo milagre, como se algo pudesse ocorrer fora da natureza.

            Porque o dilema era e continua a ser este: - ou Jesus disse o que disse, e fez o que d'Ele testificam as Escrituras, e, neste caso, não podia ser de natureza humana especifica, idêntica à nossa, ou as Escrituras são apócrifas e Jesus não passa de figura lendária.

            Ora, nós outros não somos do número dos iconoclastas que a tudo investem com a só preocupação de destruir instituições, crenças ou símbolos, certo incidentes na lei de caducidade, mas nem por isso desprezíveis, de vez que alimentaram e acionaram estágios de uma evolução seriada gradativa e necessariamente providencial.

            Todos os fatos, disse-o eminente filósofo, explicam-se por antecedentes e justificam-se por consequentes.

            Em matéria doutrinária, como em qualquer departamento do conhecimento humano, nada se pode analisar e julgar isoladamente.

            A síntese, e só ela, nos pode aproximar dá Verdade, maiormente relativa.

            Assim pensando, consideramos que tudo é obra de Deus, que nada ocorre objetiva ou subjetivamente à revelia dos seus desígnios, porque jamais deixaram nossos Guias de cumprir o seu dever sonegando ou afrouxando, sequer, sua assistência na medida exata de nossas capacidades realizadoras, de forma a nos não invalidar o livre arbítrio, mas, também de forma a não nos deixar estacionários na corrente da ascese universal.

            Dentro desta ordem de ideias, não só toleramos como até legitimamos, em parte, o antagonismo que vimos de assinalar, e que, afinal, perdura mesmo no entre os prosélitos da Nova Revelação, ainda que sob novos prismas, pois a verdade é que, se dúvidas não nos sobejam quanto à falsidade da personificação do Divino Mestre tal como o definiu o Símbolo de Niceia, nem todos o podemos aceitar como homem especifico, com genealogia e atributos terrenos.

            Que por havê-lo assim, rejeitando, como rejeitamos o conceito teológico-católico, haveríamos de enfrentar a derrocada de toda a doutrina evangélica, fundamental, respigando e aceitando da tradição apenas aquilo que nos conviesse, e relegando ao plano das fábulas quanto nos parecesse inexequível dentre das leis conhecidas.

            De mutilação em seccionamento chegaríamos, então ao critério exclusivista, pessoal, arbitrário e finalmente incompatível com a própria razão: que nos impõe uma unidade imanente, apanágio da verdade, e, portanto, contrário a universalidade da própria revelação, no tempo e no espaço.

            A verdade, entretanto, é que foi o ascendente de uma entidade extraordinária, por assim dizer - miraculosa, incontestável e insofismável para os seus coevos (contemporâneos), que originou a divinização do Médium de Deus. (1)

                (1) A frase é dos Espíritos à Kardec.

            Na impossibilidade de justificar e explicar, então, os milagres e profecias, exegetas e apologistas simplesmente deificaram o seu autor.

            Para eles, como também para nós, os Apóstolos não poderiam ter sido meros visionários, não tendo, corno bem o demonstraram com sacrifício de vida, interesses secundários a consolidar e defender, inimigos a destruir.

            Doutrina de pura fé espontânea, estruturada em fatos, poder-se-ia, a rigor, admitir fossem estes exagerados.            
           
            Entretanto, concordes seus pontos fundamentais medianímicos - nascimento, morte, ressurreição - não há como julga-los apócrifos, tanto mais quanto o conhecimento hoje adquirido da lei dos fluidos e das suas aplicações contingentes nos autorizam aceita-los, não como possíveis, mas como reais.

            Ainda agora, o grande sábio e intrépido vulgarizador, que é Ernesto Bozzano, provoca a atenção dos críticos e dos céticos para o desaparecimento do médium, no curso de uma daquelas famosas sessões da villa Millesimo.  

            Até o presente, conhecia-se a desmaterialização parcial, testificada por Crookes,  Aksakoff e outros investigadores de renome: agora, temos o fenômeno de uma desmaterialização total evidente com transporte através da matéria e consequente  recomposição específica, sem prejuízo de integridade somática e biológica.

            Estamos a prever a objecção: neste caso o médium, criatura normal, ser específico  do nosso ambiente, podendo dest'arte dissolver-se e recompor-se, isso prova que o Cristo poderia ter sido um homem normal.

            Sim, de certo, mas há de convir, também, que temos aqui um fenômeno mediúnico, involuntário para o médium e promovido, e condicionado pelos Espíritos em ambiente adrede preparado; ao passo que lá, no Evangelho, temos fenômenos espontâneos, voluntários e conscientes, quais o desaparecimento de entre a multidão ou ainda e melhor. - a transfiguração do Tabor.

            Aliás, era o que significavam estas palavras de Jesus: ninguém m’a tira, (a vida) eu por mim mesmo a deixo, tenho o poder de a deixar e retomar (João Cáp. 10 v. 18).

            Outras muitas passagens do Antigo e do Novo Testamento autorizam a presunção da corporeidade extraterrena do Messias de Deus, umas veladas, outras categóricas, como, por exemplo a de referência ao Precursor: - dos nascidos de mulher, nenhum maior que João Batista. (Mateus XI v, ll)

            Infirmar esta passagem, no só pressuposto de modéstia, fora, além de excessivo preito à gratuidade do conceito, contraditar ao próprio Cristo em face da confissão de Pedro - tu és O Cristo, filho de Deus vivo.

            Enfim, muitas outras razões se poderiam aduzir a prol da orientação que adotamos, oriunda da Revelação da Revelação, e que, seja dito, não é pessoal mas coletiva, e também facultativa, se nosso intuito fora o de suscitar polêmicas e controvérsias, aliás inúteis em face das necessidades primaciais de serenidade para realizar a doutrina em sua mais lata finalidade - a predisposição dos descrentes para a homogeneidade dos sentimentos, mediante a qual todos, indistintamente, temos ensanchas (ampliada a disposição) de servir a Deus e ao próximo.

            Ao demais, dos arcanos do Infinito, da Ciência Divina, a única afirmativa absoluta que poderíamos fazer é a de que pouco ou nada sabemos em relação ao que desconhecemos.

            As realidades de hoje, adstritas aos nossos sentidos materiais, precaríssimos, podem ser as ilusões de amanhã, e não se diga nem suponha, tão pouco, que os Espíritos Superiores tudo nos possam e venham dizer.

            A ilação legítima a tirar dos ensinos da Revelação, é de que eles são constantes e progressivos, de todos e para todos os tempos,

            Absoluto, só Deus. E o que d'O Cristo devemos querer, para praticar, é a doutrina de tolerância, de amor e perdão, sejam quais forem os imperativos de consciência que, em matéria de Fé, correspondem à evolução de cada um.

            A doutrina, temo-lo dito, não é de um homem nem de muitos homens; não é de um Espírito nem de muitos Espíritos.

            Os homens, como os Espíritos se confundem na mesma lei de progresso universal, eterno, indefinito. A doutrina é, sim, de Jesus, e a ninguém se impõe por teorias mas por atos. E estes só podem ser de bem entendida tolerância, sem a qual não há fraternidade possível.

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