Oposições
e dissidências
A Redação
Reformador (FEB) 1º de
Novembro de 1929
Se o Espiritismo é a doutrina dos Espíritos traduzida em
comércio de ideias e sentimentos com os encarnados, a processar-se indefinida e
progressivamente sob desígnios providenciais, é licito indagar até que ponto se
justificaria uma centralização de esforços e vontades,
meramente humanos, com programas fixos, determinativos e absolutos.
E, se o comércio de encarnados e desencarnados, por força
de lei insofismável se processa por ordem de afinidades e pendores, é licito
cogitar de como e até que limites poderia um homem, ou um grupo de homens,
reivindicar primados de orientação e disciplina moral.
Em nosso país, logo de início, medrou a ideia da
constituição de núcleos fortes pela coesão moral, tanto quanto pela amplitude
intelectual, capazes de sistematizar o estudo e, pela própria experiência, irradiar
os melhores métodos de trabalho espírita.
Dessa ideia, acolhida e patrocinada por irmãos nossos,
dignos a todos os respeitos, de acatamento, já por sua enfibratura moral, já
por sua posição social, originou-se esta associação de crentes, que vem
mantendo há quase meio século e não sem lutas, vezes acerbas, o patrimônio do
seu programa doutrinário, em substância.
Em substância, dizemos, porque, com o evolver dos tempos
e das ideias, providências e reformas se impuseram, necessárias à manutenção de
sua atuação
como entidade coletiva, a
justificar, assim, a improcedência dos atributos que gratuitamente lhe
emprestam, de um conservantismo dogmático.
Mas a verdade é que a Federação tendo em vista, “ab initio”, atrair todas as entidades úteis
e capazes de corresponder aos fins precípuos da Revelação, sempre teve no seio
do próprio proselitismo adversários e dissidentes a lhe atribuírem propósitos
de uma hegemonia que seria ridícula se não fora simplesmente inviável, por
colidente com a índole da própria doutrina.
Essa oposição, essa hostilidade de caráter permanente,
pode-se assim dizer - visto que a experimentaram e sentiram todos quantos a
esta instituição têm dado o esforço de sua atividade - não pode nem deve
impressionar, senão aos que observam superficialmente e de um modo restrito a
obra complexa e demorada da graduação das consciências para a integração do
problema: em suas finalidades coletivas.
Por agora, o que nos cumpre assinalar é que ela - essa
oposição - filia-se a dois fatores por assim dizer - naturais e os removíveis
com o tempo, ao critério dos Espíritos superiores, sob a égide daquele que -
Pastor do rebanho - como governador e protetor do Planeta, encaminha e dirige a
sua evolução.
Um desses fatores radica-se à natureza humana, está na tendência
do maravilhoso, que, aliado à ignorância, se desentranha em ânsias de autonomia
individualista, num racionalismo singular, rebelde a quaisquer métodos e
disciplinas fora da sua mentalidade, ou da mentalidade do seu círculo.
E não há como lhes modificar convicções e atitudes,
porque se as manifestações vêm a todos e para todos, eles estão dentro da lei e
com a lei.
Não importa que a lei seja também, e principalmente, de
progresso moral, de esforço mental e mesmo de sacrifício material. Os Espíritos
aí estão, com eles, para lhes dar parcelas de verdade e até toda a verdade, ao
sabor de seus desejos e conveniências.
O outro fator, de ordem espiritual, por mais sutil, não
deixa de ser mais resistente e temeroso: este não se filia nem se conjuga à ignorância
e à indolência propriamente humanas, antes, pelo contrário, procura tirar
partido da boa vontade, da atividade, da inteligência humana, insinuando-lhe
realizações grandiosas, atitudes destacadas, benemerências singulares, que
pouco a pouco, insensivelmente, conduzem o crente a um personalismo radical,
como donatário, senão único de toda a Verdade, ao menos de sua maior parcela
baixada ao mundo para a época que transcorre.
Para esses não há, não pode haver outras verdades, outros
princípios, outras leis que as compendiadas nos livros que leem e com a
interpretação que lhes dão.
Os seus centros, os seus métodos de trabalho, as suas ideias
são a doutrina mesma e toda a doutrina, e a quem não concorde com as suas práticas
e teorias - anatema sit (que ele seja).
Aos assinalados na primeira corrente, não haverá que lhes
falar da Federação, cuja existência não lhes interessa nem preocupa; aos
segundos, falar-lhes da Federação seria lhes exacerbar lhes o ânimo para
definirem o chamam candidamente – o papado.
Arguição insubsistente e injusta, na verdade, para quem
acompanha intimamente a nossa vida social e a nossa vida doutrinária, adstritas
a um programa libérrimo (extremamente
livre) e susceptível de eficiência para
todas as cooperações bem entendidas, programa de princípios, não de
pessoas.
Em sustentar esse programa, os que lhe têm dado o melhor
do seu tempo e da sua atividade não pretendem renome nem galardões, como jamais
pretenderam os que aqui o serviram no passado, firmando tradições de humildade,
abnegação e disciplina moral.
Também por isso, cônscios da magnitude da tarefa, que não
visa lisonjear ideias e interesses mundanos e oportunistas, porque visa, antes
de tudo, cristianizar as almas ao serviço de si mesmas, no ciclo de provações
em que se encontram, não leva em conta a Federação aplausos e adesões convencionais,
a não ser aqueles movidos por ditames de uma espontânea afinidade de vistas e
sentimentos.
As oposições e dissidências - valha-nos o poder dize-lo à
face de Deus e dos homens - são, pois, assim a pedra
de toque desta nova existência coletiva, desde os seus primórdios.
Elas são naturais e porventura necessárias à comprovação
da nossa fé. Baseadas na incompreensão do nosso escopo, incompatíveis
substancial ou formalmente com os processos adotados por atingir esse escopo ou
simplesmente assopradas pelos que do mundo espiritual em conhecer a magnitude
desse escopo presumem poder diminui-lo ou aniquila-lo, de
qualquer forma, não as malsinamos, a essas oposições e dissidências.
A um proselitismo heterogêneo, numeroso e rumoroso
preferiremos, sempre, um proselitismo homogêneo, modesto e consciente de que
toda a reforma social decorre da reforma individual, à revelia da qual todos os
tentames e realizações, por mais grandiosos que pareçam, são efêmeros,
transitórios e até contraproducentes. A obra dos nossos irmãos católicos,
grandiosa em seus aspectos materiais, aí está para atesta-lo. Feita
principalmente de feição a avultar aos olhos da humanidade, acabou por minguar
nos corações. Imposta por força ou por astúcia às consciências, acabou por inanimar
as consciências, a produzir essa religiosidade automática de parada, mas
incapaz de viver os princípios de salvação que são os postos e não impostos no
evangelismo d'O Cristo e Senhor.
Com este ficaremos nós, sem temores de isolamento, desse
isolamento com que nos acenam os dissidentes deste nosso programa, velho de
quase meio século, mas na verdade, sempre novo e renovado pelos nossos Guias, a
proporção que chegam os tempos e a luta cresce para todos os chamados de boa
vontade.
Aos que de boa-fé por ajudar-nos, venham espontaneamente
ao nosso encontro, aqui estamos para os receber de braços e corações abertos;
aos dissidentes de todos os matizes nada impomos e também não os desestimamos, porque
exercem um direito intangível - o da liberdade de pensamento.
E ainda que os pudéssemos considerar inimigos, dado que o
fossem, ainda assim, lícito não fora desconhecermos o preceito que manda amar
os inimigos e orar pelos que nos perseguem e caluniam.
E se o Espiritismo é, como de começo afirmamos, a
Doutrina dos Espíritos a traduzir-se em comunhão de encarnados e desencarnados,
indefinida e progressivamente, é claro que a nenhuma entidade individual ou
coletiva se pode atribuir direitos de suserania para pontificar a verdade. Os
Espíritos manifestam-se por toda parte, onde e como querem e lhes é permitido,
por força de lei imanente, providencial, que a ninguém é lícito infirmar.
Estudando teoricamente a doutrina compendiada, a
Federação procura, praticamente afeiçoar os homens a esses princípios
regeneradores por excelência, a fim de que possam eles, homens, tirar maior e
melhor partido da lei, para si e para o seu próximo.
Não é assim, como se vê, nem obra catedrática nem obra de um
momento para uma geração, mas obra vivida, obra de sentimentos, de todos e para
todos os instantes, demorada e difícil, portanto, porque de transformação
profunda do próprio ser e para
todas as gerações.
Que na prossecução (prosseguimento) desse ideal haja lacunas e falhas próprias dos homens
que o interpretam, é natural. Que haja falências e deserções, também se
justifica e compreende. Mas, que esse
ideal não corresponda em altitude e na essência aos ditames da Revelação em
suas finalidades superiores e à consciência universal, isto é que se não pode
conceber nem explicar, a não ser por leviandade dos homens e malícia dos Espíritos
da treva, argutos e filauciosos (arrogantes), quanto prontos a explorar as fraquezas e misérias
humanas.
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