Obra
meritória
A Redação Reformador (FEB) 3 Outubro 1919
O Reformador ilustra hoje as suas páginas de uma nova e valiosa colaboração.
Nosso
confrade Dr. Chrisanto de Brito pensou
e pensou bem em dar à nossa bibliografia uma obra de incontestável alcance,
fixando em vernáculo a personalidade do fundador do Espiritismo - Allan Kardec.
Respigando,
consciencioso, tudo quanto se lia dito e escrito sobre o mestre, e mais - estudando-o
em sua própria tarefa de missionário, presta o solicito confrade o melhor dos
serviços a causa que ele simboliza e, ao mesmo tempo, a mais bela das
homenagens àquele espírito, que, ao contrário do que vulgarmente acontece,
avulta ao transcorrer dos anos.
E
por isso mesmo que assim é, o trabalho do nosso companheiro será dos que ficam
para as gerações do futuro.
Sintético,
conciso, sóbrio como convém ser em tentames deste quilate, a fim de dar aos
estudiosos uma noção impessoal e desapaixonada, mas rigorosamente verdadeira do
seu modelo, estamos certos de que o estudo do nosso companheiro, destinado a
edição definitiva em livro, será por todos apreciado pela sua imparcialidade e
senso crítico do autor.
Do
seu estilo simples e sugestivo, defluindo límpido e sereno como regato em macio
álveo, nada diremos para que o leitor melhor o julgue e se delicie com ele.
E
fique, assim, consignado o nosso reconhecimento à preferência que nos deu o autor,
para as colunas desta Revista, preferência tanto mais valiosa quanto oportuna,
permitindo-nos dar, nesta data memorativa do venerando mestre, os prolegômenos
do seu criterioso labor.
Nascido em Lyon, na França, em 3 de Outubro de 1804, no
seio duma família respeitável pelas suas
virtudes, ele recebeu dos pais a educação a mais aprimorada. Pode-se dizer
portanto que o meio foi mais propício para o desenvolvimento das suas boas tendências.
Todas aa qualidades morais que concorrem para formar o homem de bem, foram logo
desabrochando no jovem Hypolitte Rivail, e constituíram sempre o fundo do seu caráter.
Quando apareceu
muito depois o grande movimento espírita, de que ele foi o diretor, ele já era
um homem experimentado nas lutas da vida, contando já mais de 50 anos de idade,
mas sempre guiado por uma consciência reta. O Espiritismo não veio trazer a
transformação súbita do seu caráter. Não veio modifica-lo de chofre, dando-lhe
imediatamente qualidades que não possuía. Já o encontrou, por assim dizer,
formado. Apenas o lapidou. Ele já era certamente um espírito adiantado, com um
longo tirocínio de outras existências e outras missões, perfeitamente aparelhado
portanto para desempenhar a nova missão que trazia.
Na vida, a coragem nunca lhe faltou. Ele não desanimava
nunca. A calma foi sempre uma das feições mais salientes do seu caráter.
Ficando logo arruinado, perdendo toda sua pequena fortuna no começo da vida,
mas sempre exercitando a caridade, e já casado com a mulher que foi depois incansável
na propaganda das suas ideias, ele consegue, por meio de um labor obstinado readquiri-la
quase toda no ensino, escrevendo, ao mesmo tempo, trabalhos didáticos, fazendo
tradução de obras estrangeiras ou preparando a escrituração de estabelecimentos
comercias. Ainda assim, não lhe faltava a coragem para fazer benefícios à
mocidade pobre, abrindo cursos gratuitos de ciências e línguas. Era essa mesma
coragem que ele devia mostrar mais tarde no momento tempestuoso da formação da
doutrina, recebendo sempre com a maior serenidade, sem nunca revidá-los, os
ataques mais veementes dos inimigos, as injustiças e as ingratidões dos amigos.
As cartas anônimas, as traições, os insultos e a difamação sistemática, lembra Leymarie, um seu íntimo, no dia do seu
passamento, perseguiam esse homem laborioso, esse gênio benfazejo e lhe abriam
moralmente feridas incuráveis. Tudo porém ele sabia perdoar.
Ele nunca fugia às
discussões, ao contrário, as desejava sempre, não por espírito de
combatividade, mas para elucidar os assuntos. Nós queremos a luz, venha donde
vier, dizia ele. O que quer dizer que não era homem orgulhoso. Ele nunca procurava
impor suas opiniões a ninguém. Ele discutia sempre lealmente e naquilo que não
constituía ainda uma questão já resolvida pelos Espíritos numa concordância
geral, os seus esclarecimentos eram mantidos como uma opinião meramente
individual, eram emitidos apenas como sua maneira de ver. E sempre estava
disposto a renuncia-la desde que ficasse demonstrado que
estava errado. Todos os
homens podem enganar-se, dizia ele uma vez a Jobard, (1) mas se há grandeza
em reconhecer os erros, há sempre baixeza em se perseverar numa opinião que se
reputa falsa.
De um humor as vezes alegre, na intimidade ele era um causeur
despreocupado mas brilhante, tendo um talento especial, refere um seu biógrafo,
para distrair os amigos e convidados que os tinha sempre em casa, dando alguns
vezes um certo encanto às reuniões.
Quem contempla hoje um retrato de Allan Kardec, não pode
ter ideia portanto do que foi o seu caráter, não pode imaginar que naquela figura
vigorosa, de fisionomia tão austera, aparentando antes uma rigidez exagerada de
sentimentos, pouco disposta a perdoar faltas,
escondia-se uma alma tão boa, tão simples e tão generosa.
O princípio enfim que constitui para o Espiritismo o
fundamento da sua moral: “Fora da
caridade não há salvação.”, pode-se garantir que foi sempre na vida a sua
bandeira: “Faço o bem quando me permitem
as minhas condições” já dizia ele num antigo documento encontrado entre os
seus papéis, “presto os serviços que
posso; nunca os pobres foram enxotados de minha casa, nem tratados com dureza,
antes são acolhidos sempre com benevolência. Nunca lamentei os passos dados em favor
de ninguém. “
“Continuarei a fazer o bem que me for possível mesmo aos
meus inimigos, porque o ódio não me cega; estender-lhes hei sempre a mão para
os arrancar aos precipícios, quando para isso se me oferecer ocasião.” (1)
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