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sábado, 4 de julho de 2020

A namorada de Crookes




A namorada de Crookes...
por Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1967

            William Crookes foi um sábio inglês de extraordinário valor científico que teve a petulância, a ousadia de confessar dignamente o que viu, depois de longas, estafantes e rigorosas experiências, todas submetidas a uma vigilância fora do comum para que não surgisse o fantasma que mais preocupa os cientistas: a fraude.
            Mesmo assim, depois de tudo quanto fez, com a mais absoluta honestidade, fiel aos preceitos da ciência experimental, William Crookes não escapou à sanha dos difamadores, dos sectários e da imensa coorte de misoneístas (que são avessos a tudo que é novo) a serviço dos próprios interesses e dos interesses de tradições religiosas empenhadas em conservar as mesmas bolorentas e negativas concepções que, durante séculos, trouxeram a Humanidade prisioneira da ignorância e do despotismo.                                                                                                             Florence Cook
           

             Duma feita, no decorrer das famosas experiências com a médium Florence Cook, o célebre sábio declarou ser deslumbrante a beleza do Espirito que se materializava, apresentando-se como Katie King. Logo, os inimigos do Espiritismo passaram a difamá-lo, sob a afirmativa de que se apaixonara pela médium!
            Ora, Crookes nada mais fizera que salientar, como termo de comparação, talvez, que o Espírito era de invulgar beleza, tanto mais que, nessas experiências (leia “Fatos Espíritas”, de Crookes, editado pela FEB), todos os presentes puderam ver esta maravilha: “Durante quase toda a sessão em que o Espírito de Katie ficou em pé diante de nós, a cortina do gabinete estava afastada e todos podiam ver distintamente a médium adormecida, tendo o rosto coberto com um xale encarnado, para o resguardar da luz.”
            Não é realmente maravilhoso que fossem vistos a médium e o Espírito materializado, simultaneamente?
            No livro citado, as experiências de Crookes estão minuciosamente descritas. Mas o maravilhoso se repetiu muitas vezes e numa delas:                                                                                                                                                              
            Tendo terminado as suas instruções. Katie convidou-me (a Crookes) a entrar no gabinete com ela, e permitiu-me demorar nele até ao fim. Depois de ter fechado a cortina, ela conversou comigo durante algum tempo, em seguida atravessou o quarto para ir à médium, que jazia inanimada no soalho, inclinando-se para ela, Katie tocou-a e disse-lhe: “Acorda Florence, acorda! É preciso que você acorde agora!” A médium Cook acordou e, em lágrimas, suplicou a Katie que ficasse algum tempo ainda: “Minha querida, não posso!” A minha missão está cumprida, Deus te abençoe!” - respondeu Katie, e continuou a falar com Cook. Durante alguns minutos elas conversaram juntas até que as lágrimas da médium a impediram de falar. Seguindo as instruções de Katie, precipitei-me para suster Cook que ia cair sobre o soalho e que soluçava convulsivamente. Olhei ao redor de mim, mas Katie, com seu vestido branco, tinha desaparecido.”

            Ora, WilIiam Crookes tivera, pois, ocasiões inúmeras de comparar os dois semblantes o da médium e o do Espírito, com a frieza do sábio, do investigador a serviço da verdade. Nada mais natural que notasse ser Katie bela, tanto mais que a materialização perfeita lhe permitia examinar detidamente os traços fisionômicos do Espírito manifestado. Foi isso suficiente para que corresse a perfídia de que o sábio se apaixonara pela médium. Charles Richet escreveu, na “Revue Métapsychique”, em 1924, o seguinte, relativamente a esse inqualificável procedimento dos adversários do Espiritismo com relação a Wiliam Crookes:

            “Penso não trair nenhum segredo dizendo que tive a honra, outrora, de ser recebido por Sir William Crookes, e a Sra. Crookes me contava com emoção que tinha visto, muitas vezes, Katie King vir até à mesa da sala de jantar e conversar com seus filhos. Dir-se-á que Lady Crookes estava apaixonada por Katie King? E ainda que Crookes tivesse admirado a beleza de Katie, é isto razão para supor que este grande e maravilhoso sábio tenha perdido o sangue frio? Que o Sr Delmas (este o nome do maledicente, que trocou Katie por Florence Cook para melhor dourar a perfídia) se dê ao trabalho de ler a descrição de Crookes e talvez acabe dizendo como o meu caro amigo Ochorowicz que, arrependendo-se de haver chamado o grande Crookes de iludido, clamava, batendo no peito - Pater, peccavi” (Pai, eu pequei)  (*)

                (*) Os parênteses, nos trechos citados, são de Túlio Tupinambá.  
 
            Podem ver os leitores a que extremos têm ido e podem ir os inimigos do Espiritismo, muitos dos quais negam a realidade dos fatos espíritas sem jamais ter tido o trabalho de estudá-los com honestidade e isenção de ânimo.
            Mas, todos os detratores de Crookes estão sepultados no esquecimento; enquanto que o sábio até boje é reverenciado no mundo científico e no mundo espírita.


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Nem toda carne é a mesma carne



Nem toda carne
é a mesma carne

Lauro S. Thiago


Reformador (FEB) Setembro 1972


(Paulo, 1- Eplstola aos Coríntios, capo XV, v. 39.)

            Normal e habitualmente os Espíritos assumem a vida na Terra pela encarnação, isto é, revestindo- se de um corpo carnal, gerado através de um processo biológico vigente num mundo ainda material como o nosso: o da reprodução sexuada. Esse processo, que exige a união da matéria com a matéria e necessita, por isso, do concurso de dois indivíduos de sexos diferentes, é - não há negar - admirável pela precisão das leis que o regem e pelos resultados magníficos a que conduz; condiciona, além disso, dentro da estrutura social do nosso mundo, baseada na organização da família, uma tarefa nobilíssima, que é a tarefa dos pais, e na qual sobressai a mulher, em sua sublime missão de mãe.

            Ninguém ousará negar a grandeza da maternidade, que redime a mulher de qualquer mácula e lhe faz nascer no coração o mais puro sentimento de amor que existe neste mundo, que é o amor materno. Tudo isso é, pois, realmente admirável e digno do nosso maior respeito, como obra de Deus e como lei de Deus; o que não nos impede, entretanto, de reconhecer que esse processo biológico comporta uma elaboração longa e penosa, muito material, ainda, e própria de mundos pouco adiantados, sendo, pois, processo
relativamente atrasado, se comparado aos processos mais admiráveis que ocorrem além, noutros mundos bem mais adiantados que a Terra e onde a matéria cede ao Espírito.

            Nesses mundos, assume-se a vida em corpos mais sutis, formados segundo outras leis, que regem a matéria no seu estado etéreo ou fluídico. São corpos ainda materiais, de matéria semelhante à nossa carne, mas não da mesma carne, no sentido de que são formados não pela união da matéria com a matéria, mas sim pela ação magnética da vontade e do pensamento dos Espíritos sobre os fluidos existentes na natureza desses mundos.

            Pois bem, esses processos superiores de encarnação, que melhor se dizem de incorporação, podem ocorrer, também, embora excepcionalmente, nos mundos menos adiantados, mediante aplicação apropriada, aos fluidos que lhes são inerentes, das leis que presidem àqueles processos.

            É assim que surgem, mesmo na Terra, seres como os agêneres, que não tiveram genealogia carnal, conforme as leis biológicas vigentes no nosso mundo, e, no entanto, apresentam totalmente a aparência humana, tanto no que concerne à visibilidade quanto à tangibilidade. Esses seres surgem muitas vezes espontaneamente, como consta da história de todos os povos e em todos os tempos. Mas, nos tempos modernos, têm surgido como resultado de investigação experimental, com o concurso dos médiuns de materialização. Quem conhece os extraordinários fenômenos obtidos por William Crookes, valendo-se da mediunidade de Florence Cook, na Inglaterra, de materialização do Espírito Kate King, que praticamente conviveu com os Crookes durante 3 anos e se apresentava com todas as aparências da corporeidade humana, deixando-se pesar, palpar, auscultar, revelando um coração batendo, pulmões que respiravam, membros que se movimentavam, olhos que viam, ouvidos que escutavam, laringe que falava, arguindo e respondendo, uma cabeça ornada por bastos cabelos de que algumas madeixas puderam ser cortadas para ficar como lembranças aos familiares de Crookes e seus amigos; que tinha um corpo, portanto, semelhante aos corpos carnais dos humanos, diferindo destes, porém, pelo fato, digno de toda a consideração, de que se formava e desfazia em breves instantes, tornava a formar-se e a desfazer-se, e tudo apenas pela vontade do Espírito que o assumia temporariamente; quem conhece esse fato notável, entre muitos outros análogos obtidos na Europa e na América, por diversos sábios pesquisadores e através de numerosos médiuns, e conhece, inclusive, entre outras havidas no Brasil, as materializações de Espíritos obtidas no Pará, por Eurípedes Prado, através da mediunidade de sua esposa, D. Ana Prado, e que ensejaram ao casal Frederico - Ester Figner rever sua filha Raquel, desencarnada, com todas as aparências que tivera em vida, contemplar-lhe a forma, a graça, o sorriso, sentir-lhe o hálito, o contato de suas mãos e de seus braços, receber seu carinho filial, beijos, abraços, afagos, tudo numa realidade viva que fez o velho Figner e sua esposa chorarem de comoção, impossível mesmo de sopitar ante tal manifestação que lhes era concedida como incomparável dádiva divina; quem conhece tudo isso, não pode deixar de compreender que existem no Universo outras leis regendo o aparecimento dos seres, que não só as que regem o processo comum da procriação no nosso mundo.

            Isso tudo, aliás, é pura doutrina dos Espíritos e nada há aí a contestar.

            É deplorável, pois, o engano que leva alguns confrades, por muitos outros títulos respeitáveis, à atitude de opositores da atuação da FEB, editando e reeditando a obra "Os Quatro Evangelhos", de Jean-Baptiste Roustaing, e recomendando-a ao estudo meditado e profundo de todos os espíritas, como obra complementar da nossa doutrina. Esse engano reside todo no pensarem que a ideia ali veiculada do corpo aparente de Jesus esteja em contradição com a codificação do Espiritismo. Tal pensamento não resiste, no entanto, à análise desapaixonada da realidade. Kardec tinha um espírito positivo e ponderado, é certo, mas também era eminentemente racional. Sobre os fatos ele raciocinava, como todo investigador da verdade, em busca de teorias explicativas, na ânsia de conhecer-lhes as leis. Kardec fazia, pois, sobre os fatos os seus próprios raciocínios. Não foi, porém, sobre os seus raciocínios que ele codificou o Espiritismo, e sim sobre as respostas dadas pelos Espíritos às perguntas por ele habilmente formuladas sobre esses fatos e esses raciocínios. Mais de uma vez as respostas dos Espíritos contrariaram a opinião de Kardec e ele teve de reformulá-la, adotando a dos Espíritos, como lealmente confessa. A obra de Kardec é
imensa, admirável, sólida, inabalável; jamais será superada. Mas, por maior que seja e mais durável, trazendo solução a angustiosos problemas da humanidade e explicando fatos até então inexplicáveis, nem por isso esgotou tudo o que essa mesma humanidade teve e terá ainda de saber através da Terceira Revelação. Após 15 anos de labor ininterrupto, Kardec, ao libertar-se, não tivera oportunidade de reexaminar, à luz de novos fatos - mormente os mais notáveis de materialização e ectoplasmia -, algumas de suas opiniões pessoais, que lealmente ele apresentou como tais e não como resultante do ensino dos Espíritos. Assim é relativamente à natureza do corpo de Jesus, que ele pessoalmente admitiu tenha sido de natureza carnal, igual ao de todos os homens, e não um corpo perispirítico, fluídico, semelhante ao dos agêneres ("A Gênese", capo XV, pág. 333, 15ª ed. da FEB).

            Mesmo aí, no entanto, Kardec também declara: "É fora de dúvida que semelhante fato não se pode considerar radicalmente impossível, dentro do que hoje se sabe acerca das propriedades dos fluidos; mas seria, pelo menos, inteiramente excepcional e em formal oposição ao caráter dos agêneres."

            Na obra fundamental, entretanto, que encerra os princípios básicos da Codificação - "O Livro dos Espíritos" -, bem como naquela que lhe serve de complemento, no que concerne aos fenômenos e faculdades mediúnicas, nada há, no ensino dos Espíritos, que contrarie a ideia do corpo fluídico de Jesus; os Espíritos nada dizem sobre isso, pela simples razão de que Allan Kardec não formulou pergunta alguma, especificamente sobre esse assunto. Há, porém, abundantes ensinos que podem levar o investigador a aceitar perfeitamente a ideia do corpo aparente do Mestre. Aquelas duas obras estão cheias de revelações sobre o fluido universal ou substância cósmica primitiva, a partir da qual, por modificações da íntima estrutura, se formam numerosas variedades fluídicas que, por sua vez, modificadas e combinando-se entre si, formam múltiplas outras variedades, processo em que a substância fluídica primitiva vai perdendo seu caráter etéreo de imponderabilidade e dinamismo, aproximando-se cada vez mais das características de macicez e ponderabilidade, impenetrabilidade e inércia próprias da matéria densa e grave.
           
            Assim, depois desses ensinos claros de "O Livro dos Espíritos", especialmente contidos na 1ª parte dessa obra admirável, o homem passa a compreender nitidamente que a nossa matéria bruta e pesada tem sua origem numa substância sutilíssima, sendo, pois, todas as coisas ponderáveis deste mundo originárias do imponderável cósmico. É interessante fazer notar, num parêntesis, que isso tudo, hoje positivamente objeto de revelação ostensiva por parte dos Espíritos, já foi em remotos tempos inspirado aos gregos que, mais filósofos do que experimentadores, admitiam na origem da matéria uma "matéria-prima" elementar, concebendo-a formada de partículas tenuíssimas e indivisíveis a que eles chamaram átomos. Hoje, a própria ciência experimental, apoiada nos fatos e servindo-se extensamente do instrumento lógico da matemática, vai se aproximando cada vez mais daquela "matéria-prima", essa substância simples, a matéria cósmica primitiva, a que os Espíritos chamaram fluido universal, e que é capaz de assumir, por suas modificações inumeráveis, a consistência de todas as coisas materiais.

            Mas, outras coisas nos revelaram os Espíritos, e uma delas é que, se a matéria, no seu estado bruto, pesado e inerte, só pode sofrer modificações oriundas de agentes materiais, mecânicos, físicos ou químicos, no seu estado etéreo, fluídico, imponderável e dinâmico, ao contrário, ela pode ser trabalhada, modificada pela simples ação do pensamento e da vontade do Espírito.

            São dignas de toda a consideração e profunda meditação também as explanações de "O Livro dos Médiuns" a esse respeito, no capítulo VIII - Do laboratório do Mundo Invisível -, onde Kardec se mostra profundamente impressionado com o notável fenômeno da escrita direta, por ele muito bem observado e estudado, no qual breves ditados são obtidos em caracteres visíveis e permanentes, sem que os Espíritos se tenham utilizado das mãos do médium, de lápis, tinta ou qualquer outro material preexistente neste mundo, o que prova que o material empregado foi feito por eles próprios no momento mesmo em que o depositavam diretamente sobre o papel, a partir de elementos imponderáveis e invisíveis, tornados na ocasião visíveis e tangíveis.



            Impressionado, também, por um caso de aparição do Espírito de uma pessoa viva, que se apresentara à noite em visita a uma enferma com todas as aparências da realidade, inclusive trazendo em uma das mãos uma caixa de rapé análoga à de seu uso habitual no estado de vigília, e da qual tirava, de vez em quando, uma pitada - Kardec, diante desse e de outros fatos, formula ao Espírito S. Luís perguntas cujas respostas, seguidas de oportunas notas e judiciosas considerações do próprio Kardec, encerram todos os informes que nos facultam compreender perfeitamente a extensão dos recursos de que dispõem os Espíritos, aplicando as eternas leis de Deus à natureza invisível, onde reinam os fluidos e atuam soberanos o pensamento e a vontade, para obter com as substâncias fluídicas as aparências de todas as coisas deste mundo.

            Da mais alta importância, porém, para o assunto que abordamos, são os itens 5 e 6 do capítulo I da Parte Segunda de "O Livro dos Espíritos": Diferentes ordens de Espíritos e Escala espírita. Por isso, pedimos permissão aos leitores para reproduzir, senão total, pelo menos parcialmente o que ali se nos informa e que é resumidamente o seguinte:

            Os Espíritos "são de diferentes ordens, conforme o grau de perfeição que tenham alcançado"; essas ordens "são ilimitadas em número, porque entre elas não há linhas nítidas de demarcação traçadas como barreiras, de sorte que as divisões podem ser multiplicadas ou restringidas livremente". "Todavia, considerando-se os caracteres gerais dos Espíritos, elas podem reduzir-se a três principais. Na primeira, colocar-se-ão os que atingiram a perfeição máxima: os puros Espíritos. Formam a segunda os que chegaram ao meio da escala: o desejo do bem é que neles predomina. Pertencerão à terceira os que ainda se acham na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos. A ignorância, o desejo do mal e todas as paixões que lhes retardam o progresso, eis o que os caracteriza." Essas três ordens são subdivididas em classes. A terceira ordem, em que estão os Espíritos imperfeitos, caracterizados pela "predominância da matéria sobre o Espírito", pela "propensão para o mal" e pela "ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes", subdivide-se em 5 classes: Espíritos impuros (l0ª classe), Espíritos levianos (9ª classe), Espíritos pseudo sábios (8ª classe), Espíritos neutros (7ª classe), Espíritos batedores e perturbadores (6ª classe). São todos Espíritos muito materializados e sujeitos necessariamente a encarnações e reencarnações em corpos carnais. A segunda ordem, a dos bons Espíritos, caracterizados pela "predominância do Espírito sobre a matéria" e pelo "desejo do bem" e cujas "qualidades e poderes para o bem estão em relação com o grau de adiantamento que hajam alcançado", tendo uns "a ciência, outros a sabedoria e a bondade", reunindo os mais adiantados o saber às qualidades morais, apresenta 4 classes: Espíritos benévolos (5ª classe), Espíritos sábios (4ª classe), Espíritos de sabedoria (3ª classe), Espíritos superiores (2ª classe). Em todos há predominância do Espírito sobre a matéria, mas, "não estando ainda completamente desmaterializados, conservam mais ou menos, conforme a categoria que ocupam, os traços da existência corporal, assim na forma da linguagem, como nos hábitos, entre os quais se descobrem mesmo algumas de suas manias. De outro modo seriam Espíritos perfeitos". Ainda têm, por isso, "que passar por provas, até que atinjam a perfeição". Entre todos destacam-se, porém, os da 2ª classe - os Espíritos Superiores -, que "em si reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade". "Da linguagem que empregam se exala sempre a benevolência; é uma linguagem invariavelmente digna, elevada, às vezes sublime. Sua superioridade os torna mais aptos do que os outros a nos darem noções exatas sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se complacentemente com os que procuram de boa fé a verdade e cuja alma já está bastante desprendida das ligações terrenas para compreendê-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem só a curiosidade impele, ou que, por influência, fogem à prática do bem. Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e, então, nos oferecem o tipo de perfeição a que a Humanidade pode atingir neste mundo." ("O Livro dos Espíritos", 28ª ed. da FEB, págs., 83 a 91.)

            Vemos, assim, que os Espíritos de todas essas classes, desde os mais impuros, da terceira ordem, até os mais aperfeiçoados, da segunda, todos estão sujeitos à encarnação na Terra em corpos carnais, porque são mais ou menos materializados, inclusive os que, quase mas não totalmente desmaterializados - os Espíritos Superiores -, só encarnam na Terra em missões de progresso.

            Assim não sucede, porém, com os da primeira classe, classe única da primeira ordem - os Espíritos puros, cujos caracteres gerais incluem: "Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta com relação aos Espíritos das outras ordens." É o que claramente se pode inferir desses caracteres gerais e sobretudo da descrição seguinte, com que o Codificador encerra o citado item 6 do capítulo I da Parte Segunda da obra fundamental do Espiritismo e para a qual chamamos vivamente a atenção. "Os Espíritos que a compõem percorreram todos os degraus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus." (O grifo é nosso.)

            "Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não é a de ociosidade monótona, a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para manutenção da harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes são inferiores, auxiliam-nos na obra de seu aperfeiçoamento e lhes designam as suas missões."

            Ora, não está aí, exatamente, a descrição da categoria espiritual de Jesus? A sua classe, a sua ordem, a sua hierarquia na escala espírita? Não é o Mestre um Messias Divino junto aos homens deste mundo, um Ministro de Deus, representante legítimo do Criador para gerir as coisas deste departamento do Universo e governar, instruindo-as e guiando-as, as criaturas que aqui trabalham e aqui fazem o seu estágio de aperfeiçoamento, preparando-se para galgar outros degraus da escala espírita e a dos mundos? Não é assim que, inteiramente de acordo com o ensino dos Espíritos, devemos entender a posição do Cristo de Deus em relação ao nosso mundo e à sua humanidade, como nosso Governador, nosso Mestre, nosso Pastor? Como, então, se ele é um Espírito absolutamente puro, sem mais afinidade alguma com a matéria, não mais sujeito, portanto, à encarnação num corpo perecível, como poderemos sequer pensar que ele tenha tido um corpo carnal como o nosso, cheio de necessidades materiais e exposto a todas as contingências da
materialidade?

            Sim, o Mestre teve certamente um corpo, mas de natureza perispiritual apenas, feito com os fluidos existentes na atmosfera do nosso mundo, que ele atraiu a si pela ação da sua potentíssima vontade, aglomerou-os e deu-lhes a forma que quis, tornando-o aparente, visível e tangível para os efeitos da sua missão entre os homens.

            E que há de impossível nisto para o Mestre, Espírito puro, Governador do nosso planeta, que "existia no princípio com Deus, tendo sido todas as coisas feitas por ele", quando qualquer Espírito possui um perispírito que pode, à sua vontade, tornar visível e mesmo tangível? De fato, no item 4 do mesmo capítulo I da Parte Segunda de "O Livro dos Espíritos" lê-se o seguinte:

            93 - O Espírito propriamente dito, nenhuma cobertura tem ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?

            "Envolve-o uma substância vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira."

            94 - De onde tira o Espírito o seu invólucro semimaterial?

            "Do fluido universal de cada globo, razão por que não é idêntico em todos os mundos.  Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório como mudais de roupa."
a) - Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm ao nosso meio, tomam um perispírito mais grosseiro?

            "É necessário que se revistam da vossa matéria, já o dissemos."

            95 - O invólucro semimaterial do Espírito tem forma determinada e pode ser perceptível?

            "Tem a forma que o Espírito queira. É assim que este vos aparece algumas vezes, quer em sonho, quer no estado de vigília, e que pode tomar forma visível, mesmo palpável."


            Vê-se, pois, que há nos livros fundamentais da Codificação elementos mais que suficientes para tornar perfeitamente compreensível a ideia do corpo aparente de Jesus, que ele teve de tomar para exercer sua missão entre os homens, mas que formou pela ação de sua vontade sobre a substância fluídica do perispírito, que - esse sim -, obrigatoriamente, teve de tomar ao descer à Terra, em harmonia com a natureza própria deste mundo.

            Sobre a legitimidade da natureza fluídica do corpo de Jesus, porém, o que sobretudo deve valer é o que disse o próprio Mestre de si mesmo e que os Evangelistas registraram, seguramente sob influência mediúnica. No Evangelho de João, que a esse respeito é o que mais nos instrui, lê-se o seguinte (cap. X, vers. 17 e 18):

            "Por isso o Pai me ama, porque deixo a minha vida para a retomar. Ninguém ma tira; eu por mim mesmo a deixo; tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar. Este mandamento eu o recebi de meu Pai."

            São palavras do Mestre, muito descuradas, mas que encerram uma verdade profunda, embora velada, porque os homens de então não estavam capacitados para entendê-la e, sobretudo, suportá-la; destinada, porém, a ser desvelada no futuro, quando o Espírito de Verdade, com o seu advento já tivesse trazido, à Humanidade, então mais amadurecida, todos os elementos necessários à sua perfeita compreensão. Reflitamos, pois, maduramente sobre elas e não nos será difícil perceber que contêm a afirmação integral da tese que nos ocupa. A que vida, de fato, poderia referir-se o Mestre naquela passagem evangélica? À vida eterna do Espírito, àquela que se manifesta por uma atividade inteligente e livre através do infinito do espaço e da eternidade do tempo? Não, certamente; mas sim à vida segundo o acanhado ponto de vista humano, aquela do homem carnal, essencialmente transitória, que ele perde morrendo e que se lhe pode tirar matando-o ou submetendo-o à execução da pena máxima. E o que representa a vida transitória deste mundo para o homem carnal? Não é o seu corpo? O corpo só por si não vive sem unir-se ao princípio vital, é certo; mas também o princípio vital sozinho não é a vida. É preciso a união dos dois para que a vida se manifeste. É o que os Espíritos nos ensinaram e a nossa razão aceita perfeitamente. Como quer que seja, assumir o Espírito a vida neste mundo é revestir-se de um corpo animado pelo princípio de vida; deixar a vida é despi-lo, é deixar esse corpo.

            Estabelecidas essas premissas, absolutamente verdadeiras, como compreender agora aquelas palavras de Jesus, tivesse ele tido uma vida humana exatamente como a nossa, um corpo carnal igual ao de todos os homens terrenos? Quem nesta humanidade imperfeita e impura deixa a vida e a retoma, "ressurrecto", com o mesmo corpo, e, ainda mais, fazendo uma e outra coisa por ato exclusivo da própria vontade? Ninguém; todos somos mortais para a vida deste mundo e temos nossa hora de deixar o corpo marcada pelo desígnio e a vontade divina, e o suicida, se pode matar o próprio corpo, não o poderá jamais retomar. O homem só poderá retomar a vida terena reencarnado em outro corpo, e em nova existência, de expiação ou de provas ou, ainda, em missão. No entanto, Jesus afirmou: "Deixo a vida para a retomar; ninguém ma tira; eu por mim mesmo a deixo." Não significarão essas afirmativas do Mestre que ele apareceu neste mundo por ato exclusivo da sua vontade, submisso apenas à vontade de Deus, não sujeito à vontade dos homens, sem genealogia humana, portanto?



            Em suma, sem corpo carnal igual ao nosso, mas com um corpo de outra natureza, formado segundo outras leis que não as que regem o processo habitual da encarnação nos mundos materiais como a Terra? Essas outras leis existem: presidem ao aparecimento dos seres nos mundos superiores e fluídicos e podem ser adaptadas aos mundos inferiores e materiais, porque são leis universais que comandam os fluidos e fluidos existem em todo o Universo, em todos os mundos. Elas foram, pois, aplicadas por Jesus para atrair os fluidos existentes na atmosfera do nosso globo e com eles formar o seu corpo aparente, fluídico, incorruptível, não sujeito à morte, como os corpos de carne igual à nossa, mas que ele podia fazer e desfazer ao influxo da sua potentíssima vontade; corpo, portanto, formado por processo semelhante, embora não igual, porque lhes é ainda superior, aos que ocorrem mesmo neste mundo, excepcionalmente, com relação aos agêneres e aos seres formados por ectoplasmia nos fenômenos de materialização.

            Confrontemos aquelas palavras do Mestre com estas outras, dirigidas aos judeus, respondendo às suas indagações, na seguinte passagem, também do Evangelho de João, capo 11, vers. 18 a 22, as quais seguem o relato da expulsão dos vendilhões do templo: "Interpelaram-no os judeus assim: Por que milagre nos mostrarás que tens o direito de fazer o que fazes? Respondeu-lhes Jesus: Destruí este templo e eu o restabelecerei em três dias. - Retrucaram-lhe os judeus: Quarenta e seis anos foram gastos em edificar este templo e tu o restabelecerás em três dias?! - Ele, porém, falava do templo de seu corpo. - Quando, pois, ressuscitou dentre os mortos, seus discípulos se lembraram de que dissera isso e creram na Escritura e no que Jesus havia dito". (O grifo é nosso.)

            Aí, nessa passagem, nem velado está o pensamento do Mestre, mas inteiramente desvelado pelo próprio Evangelista, ao afirmar que Jesus não se referia ao templo de Jerusalém, mas ao seu corpo: "Ele, porém, falava do templo do seu corpo".

            São passagens dos Evangelhos, contendo as afirmativas do Mestre. Haverá ali inverdades substanciais? Fechemo-los, então, definitivamente, como imprestáveis para a Humanidade. Mas não; Jesus é a "luz que resplandece nas trevas" deste mundo e os seus Evangelhos encerram todas as verdades. Reflitamos, pois, maduramente, sobre suas passagens. Que corpo seria esse, capaz de ser restabelecido em três dias, como realmente o foi, no fato culminante da vida de Jesus - a sua ressurreição -, que firmou na consciência dos homens a verdade dos seus ensinos e a sua suprema autoridade como Senhor e Mestre da Humanidade? Um corpo de carne igual ao nosso? Capaz de ressurgir do sepulcro após sua morte? Mas não percebemos, então, que admitir tal coisa é coonestar a horrenda e repelente doutrina da ressurreição da carne, que o Espiritismo veio rechaçar com plena energia, afirmando ser a verdadeira ressurreição a do Espírito, que pode reencarnar em novo corpo, nunca, porém, ressurgir no mesmo de carne?

            Mas, prossigamos na análise dos Evangelhos e fixemo-nos agora sobre a instrutiva e comovente descrição da "Aparição de Jesus aos Apóstolos", segundo Lucas, cap. XXIV, vers. 36 a 49.

            "Quando ainda falavam desses fatos, Jesus se apresentou no meio deles e Ihes disse: A paz seja convosco; sou eu; não temais. - Eles, porém, espantados e perturbados, imaginaram estar vendo um Espírito. - Disse-lhes então Jesus: Por que vos turbais e se levantam tantas dúvidas em vossos corações? - Vede minhas mãos e meus pés e reconhecei que sou eu mesmo; apalpai-me e lembrai-vos de que um Espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que eu tenho. - E, dizendo isso, lhes mostrou as mãos e os pés. - Como, todavia, ainda não acreditassem, tanto eram neles a alegria e o espanto, Jesus lhes perguntou: Tendes aqui alguma coisa que se possa comer? - Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado e um favo de mel. - Ele comeu diante de todos, e pegando do que sobrara lhes deu, dizendo: lembrai-vos de que, quando ainda estava convosco, eu vos disse ser necessário se cumprisse tudo quanto de mim fora escrito na lei de Moisés, nas profecias e nos Salmos. - No mesmo instante lhes abriu o espírito, a fim de que compreendessem as Escrituras. - E lhes disse: Assim é que, estando isso escrito, importava que o Cristo sofresse e ressuscitasse dentre os mortos ao terceiro dia; - e que em seu nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. - Ora, sois testemunhas destas coisas. Vou mandar-vos o dom de meu pai, que vos foi prometido; permanecei, entretanto, na cidade, até que sejais revestidos do poder do alto."

            Poderá haver descrição mais viva e perfeita do que de maravilhoso ocorreu, então, diante dos apóstolos, tomados a um tempo de espanto e alegria, duvidando do que viam, mas querendo que aquilo fosse mesmo verdade - o Mestre de novo entre eles, confirmando tudo, tudo o que lhes havia dito a respeito de si mesmo e de sua altíssima missão de Enviado do Senhor? Através dessa descrição, torna-se claro que Jesus ressurgiu com o mesmo corpo diante de seus apóstolos, pois que tinha as mesmas características do que ficara, no supremo instante, no topo do Calvário: - "Vede minhas mãos e meus pés e reconhecei que sou eu mesmo; apalpai-me e lembrai-vos de que um Espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que tenho."

            Mas, como teria Jesus podido aparecer com o mesmo corpo que vestira durante a sua romagem terrena, sendo esse corpo igual ao de todos os homens, da mesma carne e ossos de matéria compacta, em que a agregação material não pode ser obtida e desfeita pela simples ação da vontade e sim obedecendo rigorosamente às leis da Biologia e da Química, corpo que uma vez morto não poderá reviver e terá de submeter-se à corrupção, à desintegração, à decomposição? Isso, sim, se tivesse ocorrido, seria flagrante derrogação das leis.




            Sim, Jesus teve um corpo com todas as aparências da carne, mas não feito da mesma carne que a nossa. "Nem toda carne é a mesma carne" (Paulo, lª Epístola aos Coríntios, XV, v. 39). Nós temos corpos terrestres, animais, formados segundo a lei biológica da reprodução no planeta que habitamos e à qual estamos jungidos pela materialidade; corruptíveis, sujeitos à morte fatal e definitiva, após o que são entregues à natureza que os decompõe irreparavelmente. Jesus teve um corpo celeste, fluídico, formado não pelo contato da matéria com a matéria, mas por simples atração fluídica, de natureza magnética, segundo leis vigentes em mundos elevados e apropriadas pelo Mestre aos nossos fluidos terrenos; incorruptível, não sujeito à morte e à decomposição, mas que ele podia formar e desfazer pela ação magnética da sua potentíssima vontade.

            Que há de espantoso ou de incrível nisso para os espíritas de hoje, após a extraordinária messe de conhecimentos que lhes foi outorgada? Pois não temos aí as materializações de Espíritos, tão eloquentes pela perfeita impressão de visibilidade e tangibilidade que dão, e de vida, a ponto de parecer estarmos ante seres humanos como nós, gerados como nós, e que, no entanto, não o foram, formando-se e desfazendo-se os seus corpos - que vivem, pulsam, respiram, andam, falam, ouvem e respondem, sorriem e choram em breves instantes?

            A isso Kardec não chegou a assistir; do contrário - espírito positivo, sensato e racional que era -, teria tomado na mais alta consideração tais fatos e, confrontando-os com as descrições evangélicas, teria certamente afirmado o que hoje todos podemos afirmar, sem pensar na hipótese de derrogação das leis universais, mas, ao invés, compreendendo a extensão e flexibilidade dessas mesmas leis.

            É que Kardec tinha a sua missão bem definida. Ele foi o marco estupendo de uma nova era para a Humanidade, que, enfim, teria de libertar-se das peias, a um tempo, do materialismo ateu e do dogmatismo religioso. Ele cumpriu a sua missão gloriosamente; sua glória é legítima e ninguém lhe poderá usurpá-la. Discípulo fiel do Mestre, soube desincumbir-se, com honra e exação perfeita, da tarefa que lhe coube.

            Mas, Kardec, em toda a sua pujança espiritual, não foi, nem poderia ser, o único obreiro da portentosa obra da Nova Revelação. Ele abriu corajosamente o caminho para que, preparados os homens com os novos conhecimentos e podendo, assim, entender em espírito e verdade os ensinos do Mestre, se capacitassem para receber novas revelações, que teriam de ser sucessivas e progressivas, e, enfim, a verdade integral sobre a natureza, hierarquia espiritual e missão de Jesus, levantando completamente o "véu da letra", despindo a "capa do mistério" e destruindo o "prestígio do milagre", que por tantos séculos tiveram de imperar no mundo, por causa do despreparo espiritual, intelectual e moral dos homens.




            Como se vê, obra de tal magnitude pedia obreiros que pudessem prosseguir no caminho aberto pelo Codificador. Um desses obreiros foi Roustaing. É preciso lê-lo, para verificar que a sua obra está toda alicerçada na obra básica da Codificação, e isso a tal ponto que certos trechos daquela reproduzem literalmente trechos desta, em todas as suas partes, desde os primeiros capítulos da Parte Primeira - Das causas primárias -, que tratam de Deus e dos elementos gerais do Universo, até a Parte Quarta - Das esperanças e consolações -, passando extensamente pela Parte Segunda - Do mundo espírita ou dos Espíritos - e, com especial relevo, pela Parte Terceira - Das leis morais -; o que revela conhecimento perfeito daquela obra básica e preocupação constante de nela fundamentar-se, com o maior apreço. Nada, absolutamente nada, nesse livro admirável discrepa da gigantesca e inabalável codificação de Kardec. Apenas avança um pouco mais e o faz para dar-nos a ideia exata da grandeza espiritual do nosso Mestre e Senhor, ao mesmo tempo que apagando definitivamente da mente humana a ideia de divindade que lhe foi erroneamente atribuída. Sabem todos os estudiosos espíritas que Jesus havia sido divinizado pelo Cristianismo em sua roupagem de religião organizada, sacerdotal, ritualística e dogmática; e o foi no dogma da Santíssima Trindade ou das Três Pessoas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo -, trindade concebida com base não sabemos em que princípios de razão ou de lógica, mas de nenhum modo preconizada pelo Mestre e Senhor da Humanidade. Foi um enxerto fincado no tronco puro do Cristianismo. E por quê? Porque os detentores da dominação religiosa não quiseram ou não puderam penetrar o mistério da concepção e do nascimento de Jesus, com a mediação de uma virgem e por obra do Espírito Santo, tal como os descrevem os evangelistas Mateus e Lucas, respectivamente, em "Anunciação" e "Nascimento de Jesus".

            Ora, esse mistério foi desvendado pelos próprios Evangelistas, por vontade do Mestre, no momento oportuno, e após o esclarecimento das consciências pela admirável codificação de Kardec. E o foi pela revelação comunicada a Jean-Baptiste Roustaing, através da mediunidade de Mme. Collignon e dada a público na obra "Os Quatro Evangelhos". Essa obra é complementar da Doutrina Espírita, como tantas outras que têm vindo e continuam a vir por outros médiuns, num trabalho de esclarecimento progressivo da Humanidade. Sim, a Codificação não fechou as portas do manancial eterno que jorra do Alto! Ao contrário, ela as abriu definitivamente, e de tal modo que não há mais como conter o fluxo que continuamente está descendo à Terra, para dessedentar os homens.



            E o que disseram os Evangelistas, nessa obra, sobre o misterioso fato da concepção de Maria, bem como do nascimento de Jesus? Que foram fatos ocorridos apenas em aparência, e que encobriram o grande e verdadeiro fato, impossível de ser, então, compreendido e sequer concebido - dado o atraso e imaturidade dos homens daquela época -, qual o do aparecimento do Cristo com um corpo aparente, isto é, semelhante aos corpos carnais, gerados com o concurso da carne, mas não igual a eles, no sentido de que formado sem genealogia carnal, apenas pelo arbítrio do Mestre, atraindo pela sua potentíssima vontade os fluidos necessários a esse objetivo; corpo que ele tomou desse modo e por análogo modo deixou, desfazendo a atração fluídica; bem como pelo mesmo modo o retomou, no ato da sua ressurreição; que ele podia, por sua vontade, tornar aparente ou inaparente, visível ou invisível, ao qual podia dar ou retirar a tangibilidade, quantas vezes quisesse; o que fez inúmeras vezes durante a sua pregação, para escapar das mãos dos judeus enfurecidos contra ele, notoriamente no cume da montanha de Nazaré, aonde o tinham levado preso "para o atirarem dali abaixo", e ainda dentro do templo de Jerusalém, na galeria de Salomão, onde o cercaram "munidos de pedras para o lapidarem"; até o dia em que, submisso à Divina Vontade, voluntariamente entregou-se aos seus algozes para a consumação do sacrifício do Gólgota, em cumprimento das Escrituras.

            Ao escrever estas linhas, temos o nosso pensamento voltado para caríssimos confrades, irmãos nossos que ainda não aceitam as coisas como nessa obra estão tratadas, para dizer-lhes, com espírito fraterno, que não nos move um intento polêmico ou um vão capricho, nem desconsideração acintosa ao seu modo diverso de encarar essas mesmas coisas, mas um clamor da consciência que nos ordena apresentar lealmente, a irmãos que consideramos e cuja estima prezamos, o nosso sincero modo de ver conforme àquela obra, que reputamos, após extensivo e profundo estudo, renovado muitas vezes, como verdadeira obra complementar e necessária à Codificação de Kardec. Não é, pois, um desejo de polêmica que nos anima, mas um propósito de definição leal e de entendimento fraterno. Longe de nós as polêmicas que, nos nossos arraiais, são totalmente estéreis e - dir-se-ia mesmo - agem como o fermento dos fariseus, que acabam levedando toda a massa, isto é, estendendo os seus efeitos, tornados maléficos pelo acirramento dos ânimos,
inspirando réplicas e forjando grupos que se hostilizam. Nada disso é o nosso objetivo. O a que visamos, e assim também outros que antes de nós e com mais proficiência têm procurado versar o mesmo assunto, é chamar a atenção para uma obra de inestimável valor, oriunda de Espíritos Superiores que procuram levantar aos olhos dos homens, completamente, o véu que lhes encobriu, durante séculos, a verdadeira natureza e hierarquia espiritual do Mestre e Senhor da Humanidade.




            Examinem, pois, os que nos lerem, com isenção de ânimo, o que aqui dizemos e confrontem com o Evangelho de João, todo inteiro. Verão, então, que este é, dos Evangelhos, o mais completo e o mais profundo e que fornece valiosos elementos para o esclarecimento de muitas coisas relatadas nos chamados Evangelhos Sinóticos, que são os de Mateus, Marcos e Lucas. Embora ainda sob o véu da letra, mas já permitindo, ao pensador que busque sinceramente a verdade, encontrar o sentido encoberto das afirmações do Mestre acerca de si mesmo, da sua natureza, da sua hierarquia espiritual, da sua missão e posição em relação a Deus e aos homens, esse 4º Evangelho, do principio ao fim, é uma afirmação constante da natureza altíssima de Jesus, da sua pureza absoluta, da sua nenhuma escravização à matéria, que, ao contrário, ele domina inteiramente, não sendo mais, portanto, passível de revestir um corpo carnal como o nosso, tal qual Kardec revela, de acordo com, o ensino dos Espíritos, estabelecendo a classe única da 1ª ordem da escala espírita - a dos Espíritos Puros.

            Todos os espíritas sabemos que, ao cumprir-se a promessa do advento do Espírito de Verdade, com a codificação do Espiritismo, atingiu a Humanidade a era do espírito - que vivifica, em oposição à da letra - que mata. Chegou, assim, a hora de despojar o Cristianismo das roupagens obscuras dos dogmas e malversações devidas à imaturidade dos homens e estabelecidas nos concílios dos padres, mais interessados na dominação sectária e no poder temporal do que na contemplação da verdade sem véus. É preciso, pois, que os espíritas não percamos de vista que o Espiritismo veio, quebrando ortodoxias e dogmatismos, abrir definitivamente ao espírito humano as sendas da livre investigação da verdade; com fundamento, é claro, nas revelações dessa mesma verdade, constantes nas Sagradas Escrituras, no Velho e no Novo Testamento, para cuja judiciosa interpretação e compreensão trouxe a Terceira Revelação todos os elementos necessários.

            Luz radiosa clareou os horizontes do conhecimento humano com a codificação de Kardec. Continuemos, pois, com Kardec, lendo Kardec, estudando Kardec, difundindo Kardec, mas não pretendamos ser mais kardequistas que o próprio Kardec, porque correríamos o risco de recair nas ortodoxias e dogmatismos, repetindo as seitas cristãs do passado, que o Espiritismo veio corrigir. Lembremo-nos, ao revés, de que foi o próprio Kardec quem lançou aos quatro ventos o conceito de que o Espiritismo é doutrina essencialmente progressista, inalterável nos seus fundamentos, mas destinada a ampliar-se cada vez mais no transcurso dos tempos, trazendo sucessivamente à Humanidade mais luzes e mais consolações e esperanças.

            Estudemos, pois, também a obra de Roustaing, que só nos fala do Mestre e Senhor, procurando trazer-nos elementos para a melhor compreensão da sua natureza superior e da grandeza e excelsitude da sua altíssima missão entre os homens.


sábado, 7 de fevereiro de 2015

O Duplo dos Vivos

O Duplo dos Vivos
Reformador (FEB) Julho 1955

            (Artigo extraído do Boletim trimestral da "Fédération Spirite Internationale"
de Julho de 1954; foi escrito por M. Horace Leaf,
espirita distinto e editor do Boletim acima citado.)

            Há alguns anos, o Strand Magazine publicou uma fotografia, tomada por um sábio alemão, da aparição de um homem de pé, atrás de um grupo de ióguis mergulhados em silenciosa meditação. Era a fotografia de um homem vivo, iógui também, mas residente a alguns quilômetros dali.

            Os espíritas ou psiquistas iniciados não foram surpreendidos por essa imagem, pois uma de suas crenças mais comuns é a de que o homem, a mulher ou, mesmo, uma criança possuem um corpo etéreo, duplo de seu corpo físico. Nada há de novo nesta crença. Reportando-nos, pois, às práticas religiosas das raças primitivas, deduz-se que esta ideia é ao certo, tão antiga quanto a Humanidade.

            Existem numerosos testemunhos deste fenômeno da separação do duplo, na religião cristã, e a Igreja já aceitou esta crença sob o nome de "bilocação”. Conta-se que numerosos santos experimentaram e praticaram esta faculdade, dentre os quais podem citar S. Severo de Ravena, Santo Ambrósio e Santo Antônio de Pádua. Conta-se que este último deixou realmente o púlpito de S. Pedro de Queyroix, onde estava a pregar, e seu corpo etéreo apareceu e falou perante uma assembleia de monges em um convento do outro extremo da cidade.

            Conta-se, também, que, lembrando-se de que devia assistir a um serviço divino neste mosteiro, justamente no momento em que se encontrava no púlpito da igreja, ajoelhou-se deliberadamente perante os fiéis, puxou o capuz para a fronte, e assim ficou durante alguns minutos, no decurso dos quais os fiéis esperaram com todo o respeito. Comparecendo perante os monges e tendo assim cumprido sua promessa, tomou novamente seu corpo físico e reencetou sua pregação na igreja.

            Não é necessário multiplicar as citações, visto que possuímos numerosos exemplos contemporâneos, autenticados por testemunhos certos. Talvez não seja fora de propósito citar um caso pessoal sobre este assunto tão raramente tratado. Pessoalmente, estou consciente de ter deixado meu corpo físico e, assim fazendo, ele se pôs a falar-me.  Aquele esforço fez que eu tornasse a tomar meu corpo; ouvi-o- claramente pronunciar as palavras por ele formuladas. Em minhas viagens pelo mundo, tenho ficado admirado do grande número de pessoas, algumas das quais sem nenhum conhecimento do Espiritismo e nem das pesquisas psíquicas, que me têm declarado haverem feito tal experiência.

            A prova experimental completa desta forma de Psiquismo é rara; mas, há mais ou menos 70 anos, certo número de homens altamente qualificados chegaram a ponto de dar um testemunho positivo deste fenômeno supranormal.

            O primeiro que o testemunhou foi o Coronel Eugênio de Rochas. Seu método consistiu em magnetizar a pessoa, obtendo, por meio da sugestão e de ordens, a separação do "duplo". Revelam algumas das suas fotografias uma separação completa. A forma etérea era, na maior parte do tempo, porosa, mas completamente idêntica à forma humana. Descobriu De Rochas, além de tudo, certo número de traços interessantes concernentes a esta forma vaporosa, demonstrando que ela corresponde ao controle mental do indivíduo a que ela pertence. Ela pode, por exemplo, diluir-se ao atravessar corpos sólidos e, o que é igualmente característico, torna-se a sede das sensações, fato muito significativo, dado que toda sensação parte do domínio mental.

            O Dr. Durville, que vem, em seguida, como experimentador, utilizou-se também de diversos indivíduos; ele conseguiu, com êxito, obter a separação do duplo por meio de passes magnéticos. "O "duplo", disse ele, tem o aspecto do médium, torna-se mais ou menos luminoso e acha-se ligado ao corpo do médium por um tênue fio que parte do umbigo."

            Nestas experiências, igualmente os órgãos das sensações se situam no "duplo" separado do corpo físico. Assim, uma das características mais notáveis do fantasma é que, por vezes, ele se torna meio sólido e húmido, quando o tocamos.

            As experimentações ulteriores demonstraram que o corpo etéreo tem peso e que ele se pode dilatar e contrair à vontade. Seu peso seria aproximadamente de duas onças e meia (mais ou menos, 70 gramas).

            A confirmação disso foi obtida pelo Dr. Duncan Mac Dougall, de Haverfield (Massachusets, U.S.A.), que pesou agonizantes e observou, em seis casos, que o defunto havia perdido entre 2 onças e 2 onças e meia.

            A fotografia psíquica tem oferecido grande número de provas da separação do "duplo" psíquico. Assim, a primeira fotografia obtida por Mumber, o primeiro fotógrafo deste gênero, era a de uma pessoa viva. Posteriormente, no momento em que Mumber fotografava um de seus clientes, este cai em transe e a placa respectiva revela uma representação perfeita dele próprio, de pé, atrás de seu corpo! É desnecessário acrescentar que estes fatos deram origem à teoria de que todos os Espíritos, vistos pelos videntes, não seriam nada mais do que os "duplos" psíquicos de pessoas vivas! Esta teoria, como é fácil deduzir, de forma alguma seria contrária à hipótese da sobrevivência da alma, pois, se se pode afirmar que o espírito humano pode existir fora de seu organismo físico durante a vida, não haveria razão para que o não pudesse após a morte. Só um prejulgamento estúpido poderia diminuir a força desta argumentação.

            Outros psiquistas realizaram experiências análogas e, dentre eles, Frederico Hudson, o primeiro fotógrafo espírita inglês. Certa vez, ele obteve a fotografia do "duplo" de Frank Herne, então famoso médium de efeitos físicos, em estado de transe.

            Eis uma prova evidente de que o desenvolvimento da mediunidade se acha intimamente ligado ao desdobramento etérico, na maior parte das vezes parcial, mas, em certos casos, total. Em razão da sutileza do "duplo" etéreo, é ele raramente visível, e não se devem tirar conclusões senão depois dos testemunhos daqueles que por experiência podem falar da separação do "duplo". A maior parte dos testemunhos se refere a separações parciais, mesmo porque a separação completa divide de forma tão radical os dois corpos que, em geral, o cérebro se torna incapaz de registar as reações mentais que se produzem quando o espírito funciona no "duplo" psíquico. Todavia, é possível, para um indivíduo experimentado, registrar, por seu cérebro, quando houve uma separação completa. Em tais casos, somos autorizados a concluir que existe uma conexão muito ativa entre os dois corpos. Porque isto se dá em determinados casos e não em ontros, ignoramos.

            O exemplo seguinte demonstra quão real pode ser um desdobramento para o organizador, mas não para o sujet: Uma de minhas amigas, que sofria de insônia crônica, havia perdido uma joia de valor. Veio procurar-me com o desejo de poder reencontrar o objeto, e eu pude informá-la de que a joia se achava em sua própria casa, além de lhe indicar o local a que deveria dirigir as suas buscas. Dando-lhe essas informações, eu me aventurei a lhe afirmar que, depois de se ter deitado essa noite, ela pegaria no sono dentro de um quarto de hora e acordaria na manhã seguinte, completamente refeita.

            No dia seguinte ela me veio ver, tomada de viva emoção, e me comunicou que havia recuperado a joia como eu lhe havia dito, após o que, tinha ido deitar-se. De repente, ela me viu passeando no quarto. Logo exclamou: "Oh, Sr. Leaf, encontrei o anel!" E eu lhe respondi: "Agora, durma!"

            Alguns minutos depois, ela caiu em profundo sono, que durou oito horas. Mas eu não possuía a menor ideia deste acontecimento! Também não posso duvidar dele. Foi o primeiro, e, que eu saiba, o único exemplo de haver eu realizado tal experiência.

            Este fato se parece muito, em princípio, com aquele que foi relatado pelo Rev. Stainton Moses e publicado em Phantasms of the Living ("Fantasmas dos Vivos"). Ele resolveu aparecer, durante o sono, a um amigo que residia a alguns quilômetros de sua casa, sem informá-lo previamente de sua intenção. Em seguida, deitou-se, e acordou no outro dia, sem possuir a menor ideia de que alguma coisa tivesse acontecido. Entretanto, seu amigo o viu sentado em uma cadeira que ele próprio acabava de deixar. Para se certificar de que não estava dormindo, ele abriu um jornal e colocou-o diante de sua face; ao baixá-lo, viu a aparição sempre na cadeira. Nenhuma palavra foi pronunciada pela visão, que logo desapareceu.

            Muldom tem provavelmente toda a razão quando diz que a projeção inconsciente do "duplo" se produz, quase sempre, no estado de sonho. Há entretanto numerosas provas de que ela se faz também no momento em que os indivíduos estão em vigília e em estado consciente. A melhor forma de explicar o aspecto de sonho da questão, é analisar os sonhos imediatamente após o despertar. Concluir-se-á, então, que há grande percentagem de formas simbólicas nas experiências de desprendimento do corpo físico. Por uma razão inexplicável, o cérebro etéreo não regista a experiência da mesma maneira como o faz o cérebro físico. Este último recorre ao simbolismo, no esforço de simplificar o fenômeno.

            A questão do desdobramento é bastante complicada para a nossa condição. Por experiência pessoal eu sei que ele se pode produzir de diferentes maneiras, e que mais de um corpo super físico se poderá formar. O verdadeiro corpo etéreo pertence, de certa forma, ao nosso mundo físico, mas não é certamente constituído da mesma matéria, ou de matéria semelhante à de nosso organismo físico comum. Neste ponto de vista, os teósofos têm mais ou menos razão quando afirmam com insistência que, enquanto o corpo físico comporta quatro graus de matéria densa, o corpo etéreo consiste em três, porém mais sutis.

            Pode-se adotar esta teoria de graduação apenas como ilustração; entretanto, ela representa mais do que simples conjectura. Segundo os teósofos, o corpo etéreo desaparece, desde que morre o corpo físico. É esta a indicação que deve existir na íntima relação entre os dois corpos, e pode-se, por isso, esperar que sejam encontradas ainda outras relações fisiológicas com referência ao assunto.

            O que se chama "cordão umbilical" é caso provado. Dele se encontram testemunhos na Bíblia. Pretende-se que os dois corpos sejam ligados por um cordão vital, da existência do qual depende a continuidade da aliança deles. Se ele se rompe, a volta do corpo etéreo ao corpo físico não é mais possível, e o resultado é a morte deste último. Não possuímos provas evidentes deste cordão e não se conhece muita coisa a seu respeito. Entretanto, deve existir uma relação vital entre os dois corpos, e ela existe provavelmente graças àquela espécie de cordão umbilical.

            Experimentei, por muitas vezes e de diferente maneiras, o desdobramento, mas não tenho o menor conhecimento da existência de tal cordão. Pode ser que a causa disto resida no fato de minha atenção estar sempre dirigida para outros elementos. Sou fervoroso partidário da introspecção e, invariavelmente, nessas experiências, minha atenção se prende às reações mentais e emocionais. Elas foram tão atraentes, que eu poderia, perfeitamente, omitir certos fatos salientes, dentre os quais, o cordão psíquico.

            "Este cordão ou cabo", declara o Dr. Nad Fodor, que estudou atentamente este assunto, "de semelhança impressionante com o corpo físico de um recém-nascido e seu cordão umbilical, está ligado à medula cervical em certas partes do crânio e, segundo alguns pesquisadores, ao plexo solar”. Esta contradição na localização corresponde perfeitamente às diversas maneiras pelas quais se procede às experiências do desdobramento. Parece não haver leis que regulem esta matéria, mas apenas uma regra geral. Por exemplo, certos indivíduos desdobram-se imediatamente e por completo; outros, escapam-se pela cabeça; outros, pelos pés, enquanto que alguns pretendem que se dissolvem e tornam a formar-se acima do organismo físico. E é por diversas formas que se efetua o retorno ao corpo físico.

            De minha parte, sei que volto sempre pela cabeça, quando retomo gradativamente o controle de meu corpo físico, o que se processa lentamente para baixo, como se o corpo etéreo se fixasse, com lentidão, no corpo físico. Certa vez, mesmo, foram-me necessárias duas horas para realizar o retorno completo, e eu me encontrava inteiramente consciente do fenômeno durante toda a sua duração.

            O Dr. Fodor declara que o cordão umbilical não é um simples tecido de teia de aranha, mas que se distende mais longe, sendo, como se supõe, mais denso, desde que não se alongue muito. "É de cor branco-acinzentada (prateada) e elástico até uma extensão incrível", como se pode imaginar, desde que se considere a enorme distância que o corpo etéreo pode percorrer para aparecer fora de sua outra parte, física. É ele o condutor da corrente vital que permite ao Espírito ou à alma fazer a coordenação com o corpo físico, o que parece impossível sem o seu concurso. Sua separação completa significa a morte imediata.

            A primeira experiência de desdobramento pode ser bastante perturbadora. Em mim, aconteceu que me acordei antes de ter obtido pleno controle de meu corpo físico. Imaginai uma pessoa completamente despertada, mas incapaz de mover seu corpo da maneira mais insignificante! Sentimo-nos como um prisioneiro dentro da mais ínfima das células, sem auxílio e fazendo esforços para se tornar senhor de seu próprio corpo! Depois eu me certifiquei, depressa, de que, mantendo-me em estado perfeitamente calmo e deitado, a volta se efetuaria normal e agradavelmente. A utilização da vontade não somente retarda o controle, mas também nos conduz ao temor.

            No momento atual, a questão do duplo etéreo e suas possibilidades representa ainda um mistério em vários pontos, e ninguém possui competência bastante para poder falar com autoridade absoluta. Da mesma forma que outros fatores naturais, concernentes à vida, é assunto totalmente particular e pode-se dizer que, talvez no futuro, se descobrirá que o assunto encerra faces multiformes. Jamais chegaremos, nesta matéria, a estabelecer uma ciência exata, da mesma maneira como não poderemos, jamais, formar uma ciência exata no campo da Psicologia.

            O que poderá ser ainda mais embaraçoso, é o caso de vermos o nosso próprio "duplo"! Entretanto, isto parece ser um fato averiguado. Por outro lado o "duplo" psíquico pode agir a distância, desde que o paciente o ignore por completo e viva, por todo esse tempo, sua vida normal.

            Certo número de pessoas têm feito experiência com este fenômeno e, dentre elas, Maupassant, de Vigny, Musset, Shelley, e o poeta alemão, Goethe.

            Goethe descreveu fielmente o fenômeno. Assim, conta que, viajando a cavalo, ficou surpreso de ver a si próprio vindo a seu encontro e vestido com roupas que jamais havia usado! Oito anos depois, encontrava-se na mesma estrada e com os mesmos trajes da visão anterior. Foram essas as próprias palavras: "Isto não aconteceu por minha vontade, mas por acaso."

            O exame minucioso de todos estes casos conduz-nos à conclusão de que existem exemplos de previsão do futuro. Entretanto, a dificuldade repousa na incrível realidade do "duplo". Um dos exemplos mais significativos deste fenômeno foi-me  dado por um senhor que se encontrava em Exeter, no Devonshire, na Inglaterra, e que o aterrou. Ele teve ordem da casa que representava de procurar certo cliente em determinado lugar, às onze da manhã seguinte. Com grande surpresa o cliente apresentou-se uma hora mais cedo, trazendo pequena valise. Apertaram as mãos, discutiram em pormenores o assunto comercial e se separaram. Uma hora após, o mesmo fato se repetiu: todos os gestos e palavras foram renovados e, contudo, tem-se a prova de que o cliente não se encontrava em Exeter na ocasião do primeiro enconntro!

            Certas pessoas, em diferentes épocas, têm-me  declarado que elas próprias me haviam visto e ouvido falar. Entretanto, na maioria dos casos, eu pude provar que me encontrava muito longe da cena, cuidando normalmente do meu trabalho ou atividade de sempre.             

            Assim, foi-me possível provar a um eminente membro da Sociedade Americana de Pesquisa Psíquicas que o Espírito ou alma é capaz de viver independentemente, mesmo a grandes distâncias, fora do organismo físico. A prova mais convincente  da existência do "duplo" etéreo se revela no fato de poder ser visto simultaneamente por diversas pessoas. O professor Charles Richet cita vários exemplos no seu livro –‘ Trinta Anos de Pesquisas Psíquicas’. Existem além disso outros testemunhos.

            Um dos argumentos preferidos pelos negativistas da hipótese espírita, no que concerne às materializações é este: não é outra coisa senão o ‘duplo etéreo’ do médium, modificado para ser ser semelhante a alguma outra pessoa. Entretanto, os  moldes de parafina apresentam a prova objetiva de são formados por Espíritos materializados. O próprio físico inglês, Sir William Crookes, confirma  que realizou tais experiências.

            Posso testemunhar, sem hesitação, a possibilidade de uma pessoa, residente a mais de 500 quilômetros, manifestar-se sob uma forma sólida e sustentar comigo uma palestra prolongada e inteligente, enquanto eu segurava sua mão, parcialmente materializada. E, para confirmar que realmente se achava presente, antes de se desmaterializar, ela confiou um segredo, cuja veracidade, mais tarde, pude verificar. Isto a convenceu de que foi a manifestação do seu "eu" etéreo, se bem que ela tivesse a menor lembrança do que aconteceu.

            Pouco se conhece sobre a melhor forma de efetuar- se conscientemente um desdobramento etéreo. A maior parte daqueles com os quais tenho discutido o assunto, sentiram espontaneamente o fenômeno, e isto com grande admiração. Entretanto, encontrei diversas pessoas que me declararam serem capazes de se desdobrar à vontade. Uma delas é um engenheiro que prestava serviços técnicos a uma usina elétrica do sul da Inglaterra. Ele, no fim, suspendeu estas experiências por temer que, algum dia, não pudesse mais retomar seu corpo físico. Era chefe de pequena família e acreditava em que o risco seria muito grande. Ele não era espírita.

            O estudo aprofundado das circunstâncias referentes ao desdobramento, mesmo o espontâneo, revela um esforço bem organizado e um objetivo bem definido. Isto poderia produzir-se abaixo dos limites da consciência. Não há razão alguma para se fazer esta sugestão, pelo motivo de que a pessoa normalmente ignorava o fim visado. Sabe-se perfeitamente que a consciência normal não é mais do que uma parte especializada do Espírito e que ela se acha bastante limitada quanto ao conhecimento das demais possibilidades do Espírito. Os recalques e a hipnose o provam.

            Nas regiões inferiores do Espírito há muitos comportamentos dos quais nada conhecemos; certamente é aí que vivemos a maior parte de nossa vida mental.

            Se os recalques podem causar - como nós sabemos - uma forma de histeria, e reagir inesperadamente sobre o corpo físico, há poucas razões para negar que, existindo outros elementos estranhos ao corpo físico, possam produzir-se muitas coisas no domínio do etéreo, a respeito das quais ainda devemos permanecer na ignorância. Isto naturalmente deve ser considerado como especulação, mas não uma especulação sem finalidade justificada.

            Devem existir explicações de aparições fora do corpo físico, e não há, desse assunto, melhor explicação a não ser aquela que se oferece com a saída do corpo etéreo.

            Se um dia a ciência oficial puder explicar este fenômeno, ter-se-á realizado grande progresso concernente à natureza do homem, e poder-se-ão, também, descobrir novas condições de existência. Isto implica em novas concepções do tempo e do espaço, pois o mundo etéreo não será, talvez, inteiramente físico. Então, nós nos convenceremos de que o homem poderá encontrar-se ao mesmo tempo em dois lugares diferentes e duas vezes no mesmo lugar, como no caso de Goethe. ( * )

(Ext. de "Survie" nº 238.)


(Traduzido por Max Kohleisen)