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quarta-feira, 16 de junho de 2021

Olho por olho

 

Olho por olho

(Êxodo, cap. 21, v. 24)

por Geminiano Barboza

Reformador (FEB)    1916

 

            Eis um belo tema para estudo, esse dispositivo da lei mosaica. Seja-nos permitido toma-lo por objeto da presente meditação.

            “A letra mata, o espírito vivifica”, disse Jesus Cristo.

            “Tirai da letra o espírito” – aconselham os mensageiros do divino Mestre.

            Ora, conhecida como está hoje a crassa ignorância que dominava então o Senso humano; conhecido o alto grau de rebeldia que pesava sobre os sentimentos do homem; conhecida a ferocidade turbulenta e pertinaz dos povos daqueles tempos; concebe-se facilmente a razão de ser de um tal dispositivo de lei. “Para os grandes males os grandes remédios” – diz Perez Escrich.

            Isto explica a repugnante dureza das leis temporárias dadas a Moisés como garantia do seu domínio moral sobre o povo hebreu, confiado à sua jurisdição; leis que destoam da Lei Magna, a Lei das leis, o Decálogo.

            Consideremos, porém, que Moisés não legislava por conta própria, mas por inspiração.

            Médium em grau elevado que era, possuindo a intuição clara como possuía vidência e audição, o preposto do Altíssimo via os anjos do Senhor, ouvia a voz do Verbo de Deus e recebia inspiração dos mensageiros do céu.

            Daí dimanava a força moral de que dispunha e todo o seu poder sobre aquele povo indomável.

            Acresce a isso a circunstância de ser Moisés o iniciador da doutrina posteriormente fundada pelo Cristo, que é a mesma que hoje estudamos em espírito e verdade – a doutrina espírita.

            Como sabeis, Moisés foi o primeiro profeta do Cristianismo.

            Estas ligeiras considerações sobre a pessoa de Moisés visam apenas desviar a suposição de haver sido ele um pretencioso, um déspota, um rancoroso, um violento. Em vez disso, devemos ver nele o homem providencial, o restaurador do pacto de Israel especialmente escolhido pelo Soberano do Céu para guiar o “seu povo” na Terra, começando por tirá-lo do cativeiro em que se achava no Egito.

            Depois desse ligeiro esboço, basta atentar para o caráter corrupto e a índole rebelde daquele povo, pra nos convencermos da indeclinável necessidade de rixas e austeras leis de repressão e punição.

            Eis porque existe na legislação mosaica o aludido dispositivo – “olho por olho”.

            E porque se trata de legislação antiquíssima, de cuja época nos separa uma montanha de séculos, supõem muitos que aquele dispositivo caducou, é letra morta, é lei nula, sepultada pelos séculos. De fato, até certo ponto, essa ordem de ideias é incontestavelmente verdadeira; não devemos, porém, esquecer que o Cristo sancionou, se bem que veladamente, aquele “preceito” com outro preceito, que ainda hoje prevalece e domina o senso humano: “Quem com ferro fere com ferro será ferido.”

            Decorrerá daí um direito outorgado ao homem para ferir seu semelhante?

            Se assim é, se Jesus concede ao homem o direito de ferir seu irmão, não é muito que lhe conceda o de tirar-lhe o muito que lhe conceda o de tirar-lhe o olho. Mas, o absurdo deste conceito é palpável e vossas consciências sabê-lo-ão repelir com dignidade, porque vós bem o sentis que não é assim, porque o Cristo pregava a fraternidade, o amor ao próximo, a caridade, o perdão. Aí está a razão porque dizem muitos que a doutrina do Cristo é eivada de contradições.

            Fatalmente, meus amigos, sempre que a interpretação não for além da expressão da letra, surgirão contradições, atropelando o pensamento, transfigurando a verdade e estabelecendo a dúvida.

            Mas, não mandou o próprio Cristo restabelecer a Verdade – pela Revelação Espírita, pela Revelação Evangélica e sucessivas revelações que trazem seus mensageiros?

            Cumpre-nos abandonar a interpretação material, que já venceu sua época e preencheu o seu fim, e ocuparmo-nos com a interpretação espiritual, única que nos pode conduzir à Verdade e destruir as s contradições.

            Dos textos tradicionais daqueles tempos, ressalta a feição característica do regime moral dos povos de então; regime tumultuário e desordenado, onde dominava a cegueira da ignorância e imperavam as paixões, os vícios, os preconceitos e hábitos extravagantes; consequência natural da voluntariosa rebeldia que avassalava aqueles obscuros espíritos inveterados no erro.

            Como conter um tal povo? Como chamá-lo à ordem e incutir-lhe a ideia do respeito individual, da moral pública e privada, princípios de civismo e regime doutrinário? Como?

            Por meio de leis austeras, princípios terroristas, preceitos atrozes, dispositivos assombrosos daquele povo e da imensa responsabilidade que passava sobre seus ombros. Em compensação, recebia ele a intuição dos meios coercitivos e regeneradores que devia pôr em prática para garantir o êxito da sua árdua missão.

            Foi assim que, moralmente sustentado pelos poderes celestes, de quem se fizera dócil instrumento, conseguiu manter até ao fim sua autoridade sobre aquele povo, através de inúmeras peripécias.

            Mas aquela época passou; os séculos sucederam-se; a humanidade progrediu e o senso humano melhorou, através de penosas existências. Outro é o aspecto da humanidade em nossos dias; outras são as condições que nos envolvem. 

            Ora, a humanidade nunca esteve esquecida ou abandonada, antes esteve sempre sob a tutela dos poderes divinos, que lhe garantem a “assistência espiritual”.

            O Pai, porém, continua a ser indulgente e magnânimo. Por isso, quando julgou oportuno, fez baixar à Terra arautos do Céu, mensageiros do Cristo, a fim de despertarem a humanidade dessa letargia fatal que a vem aniquilando através dos séculos e de inúmeras existências.

            Assim, vieram as revelações e a Verdade foi restabelecida, até onde devia ser, na hora presente.

            O restabelecimento da Verdade, meus amigos, é, para nós, uma forte projeção de luz sobre as sombras dos mistérios, permitindo ver longe, através das escrituras, a fim de compreendermos a razão porque “a letra mata e o espírito vivifica”.

            Tentemos, pois, com o auxílio dos arautos da Verdade, extrair da letra o espírito, a fim de gravar no presente estudo o cunho de verdade, que deve ser a nota vibrante em todo e qualquer estudo espírita.

            No versículo 24 do capítulo 21 do “Êxodo” está escrito: - “olho por olho, dente por dente, mão em mão, pé por pé”.

            Ora, o pensamento ali é claro e pode ser assim traduzido: - mal por mal, violência por violência.” Mas, estes princípios, bem o sabemos, são anticristãos.

            Esta aparente contradição tem, naturalmente, sugerido a muitos a ideia de que Moisés, em um momento de arrebatamento, indignado contra a rebeldia do povo hebreu, cedendo à paixão humana, “tornara-se violento”, formando princípios que tão desumanos nos parecem.

            Mas quem nos disse que Moisés autorizou alguém a “utilizar” aquele instrumento de justiça?!

            Aquele formidável espantalho que figura no versículo 24, é um simples “exemplo”, meus amigos, a propósito da pena indicada no versículo 23 para o homem que ferisse uma mulher pejada, “se daí lhe resultasse a morte”. Pena: “vida por vida”.” Segue-se o exemplo – “olho por olho”, etc...

            Naquele tempo, como hoje, não podia ser dado ao homem o direito de trucidar o homem; porquanto já era vigente o Decálogo, o estatuto da família humana, dada no Monte Sinai e sancionado pelo Verbo divino, para garantia e uso de toda humanidade. O homem nunca foi autorizado à violência. Entretanto, o homem sempre foi e continua a ser violento, em consequência dos defeitos que motivaram a queda do Espírito e hoje o arrastaram ao jugo da matéria, sob o influxo do nosso ambiente “violento por sua natureza.”

            E como necessário se fizesse colocar junto ao homem fortes motivos de terror, fora Moisés inspirado no sentido de conter, ao menos em parte, a ferocidade do homem contra o homem.

            Não esqueçamos, porém, que Moisés era também profeta e iniciador da doutrina que veio a nós; Moisés pressentia em visão o futuro. Por isso mesmo, não é curial interpretar hoje aquele preceito como sendo “letra morta”, antes devemos tomá-lo por advertência permanente, traduzindo o modo por que é executada a lei providencial da Justiça Suprema.

            Se é verdade que Deus escreve o Direito por linhas tortas, o dispositivo da lei mosaica um preceito de Deus, não do homem.

                                                                                                                                                                                                                                                                                 

 

 

segunda-feira, 8 de março de 2021

Bilhetes

 


Bilhetes

G. Mirim (Antonio Wantuil de Freitas)

Reformador (FEB) Junho 1944

             Escreveram-nos uma carta não assinada, no entanto, fácil nos foi descobrir a sua origem pelo latinório (palavreado repleto de termos e citações latinas de forma confusa e imprópria). E como esse anônimo nos pediu que lêssemos as recomendações de Moisés, proibindo toda e qualquer comunicação com os mortos, fomos ao Velho-Testamento à procura do texto original, e vimos, claramente, que o missivista não soube interpretar o que leu ou julgou que seria fácil convencer-nos com frases e mais frases latinas.

            Lá se nos deparou, pelo contrário, a certeza da possibilidade de nos comunicarmos com os chamados mortos, porque Moisés, ao fazer a proibição que se encontra no versículo, afirmou para todos os séculos e gerações essa possibilidade, visto como, se ela não fosse possível, não haveria necessidade de ser proibida.

            Além dessa afirmativa de Moisés, pudemos concluir, pelas suas palavras, que ele somente proibiu que se procurassem as criaturas que viviam desse comércio criminoso, tanto assim que se não referiu aos médiuns, conhecidos naquela época pelo nome de profetas.

            Já nos dispúnhamos a abandonar o Velho Testamento e a virar as folhas da Bíblia, na ânsia de conhecermos algumas gotas da água viva dos Evangelhos, quando aos nossos olhos se apresentaram alguns pedacinhos de ouro daquele mesmo livro. E como o amigo que nos dirigiu aquela carta deve esperar que lhe enviemos alguma coisa em troca do que nos ofereceu, aqui lhe deixamos alguns excertos que merecem meditados:

             - "Os sacerdotes não farão calva na sua cabeça". - (1)

            - "Não cortareis os cabelos arredondando os cantos de vossa cabeça". (2)

            - "Não vestirá o homem vestido de mulher, porque abominação é ao Senhor teu Deus". (3)

            - "E o sacerdote tomará por esposa uma mulher na sua virgindade". (4) .

 (1) Lev., 21-5.

  (2) Lev., 19-27.

   (3) Deut., 22-5.

   (4) Lev., 21-13.

             Cremos que Moisés não falou para os espíritas, porque não usamos coroas, não cortamos os cabelos à frade, não vestimos batina e não aconselhamos o celibato.

            Se acreditam realmente no Velho Testamento e se proclamam a autoridade de Moisés como infalível, parece-nos que deveram ser coerentes aceitando as recomendações bíblicas, acima citadas, e todas as outras que dariam para encher inteiramente as páginas desta revista.

            O caso, porém, não é de crença e nem de fé no Evangelho, e muito menos do que apresentam os Livros do Velho Testamento. O amigo que nos escreveu, como milhares de outros que percorrem o mundo, sabe muito bem que a razão está conosco, com o Espiritismo, mas a ordem é combatê-lo, ainda que sem armas, visto que a razão e a lógica não podem ser combatidas com palavras ocas e ameaças, numa época em que o homem atingiu adiantamento intelectual que lhe permite examinar e distinguir aquilo que se lhe apresenta ao estudo.

            A ordem é lançar mão de todos os meios, e Moisés lhes pareceu utilíssimo... Erraram ainda, como o fizeram com outros meios e processos, abandonados hoje por improdutivos e contraproducentes.

            Todas as várias modalidades de guerra que moveram ao Espiritismo, nada mais conseguiram que despertar criaturas para o estudo da Nova Revelação. Não se convencem disso, bem o sabemos. Todavia, as nossas estatísticas asseveram que cresce o número de espíritas todas as vezes que os seus inimigos lhe abrem campanha; aliás, isso não é novidade, porque, há dois mil anos, os sacerdotes também lançaram mão de inúmeros processos, apoiados por todas as forças da época, e, quando se supunham em caminho para a vitória, jubilosos com a crucificação do Justo, eis que a ruína da classe sacerdotal foi completa e o Cristo reinou através da palavra daqueles humildes pescadores da Judeia.

            E a vitória atual, a vitória do Terceiro Milênio, é a vitória daquele mesmo crucificado sobre o erro e a mentira dos que lhe deturparam a palavra e lhe esqueceram o exemplo.


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A Proibição de Moisés


A Proibição de Moises
Irmão X por Chico Xavier
Reformador (FEB) Julho 1947

Conta-se que, ao tempo de Moisés, no deserto, Grandes Sábios da Espiritualidade estudaram os recursos de fornecer ao mundo novo roteiro de revelações. Com semelhante empreendimento, os homens poderiam excursionar aos domínios da morte, aprendendo, pouco a pouco, a se aprimorarem, de acordo com a Lei Divina. Concretizado o projeto, cujas particularidades eram privativas das autoridades superiores, intercâmbio natural se faria entre os vivos do Planeta e os vivos do Além, religando-se a Terra, gradativamente, ao paraíso perdido, pelo reajustamento espiritual de seus filhos.

Informado quanto à iniciativa, o grande legislador dos hebreus passou a colaborar com os instrutores desencarnados, na execução da experiência. .

Organizaram-se os primórdios do serviço.

Necessitavam, para começar, de uma organização feminina, suficientemente passiva, que atendesse na qualidade de medianeira, entre os dois mundos. Ouviria os espíritos desencarnados e encarnados, com a serenidade precisa, colocada num campo de vibrações delicadas, entre ambas as esferas, iniciando-se o arrojado experimento.

O assunto era novo e interessaria milhões de seres. Em razão disso, a mulher-instrumento exibiria trajes despistadores para não provocar obsessões afetivas. Não se lhe identificaria a condição pelas vestes. Envergaria túnica de homem e não seria conhecida nem pela feminilidade interior, nem pela masculinidade aparente. Seria o oráculo, destinado a abrir novos caminhos à mente do povo escolhido.

Os hebreus teriam direito de indagar com nobreza e valer-se do serviço em necessidades importantes, numa cota de vinte por cento das atividades, reservando-se os demais oitenta por cento de possibilidades da tarefa ao plano espiritual, a benefício coletivo. Quanto ao oráculo, manter-se-ia em posição de serviço desinteressado a todos, sem grandes laços no coração para não comprometer a obra e cultivando o trabalho comum do pão de cada dia pelo suor digno, de modo a não parecer orquídea dos mortos ou sanguessuga dos vivos.

Encontrada a pitonisa, que se submeteu às condições estabelecidas, encetou-se o trabalho. Moisés rejubilava-se. Quem sabe? Talvez a iniciativa viesse melhorar o espírito geral. O povo necessitava iluminação pelos dons celestes. Tentava explicar diariamente as obrigações da alma para com o Deus Único; entretanto, encontrava somente dureza e ingratidão. A intervenção pública da Esfera Maior provavelmente lançaria imensa luz sobre o Decálogo. Os mandamentos divinos, certo, seriam interpretados com a beleza sublime de que se revestiam. E o Testamento do Céu seria glorificado.

Inaugurou-se o serviço com grandes esperanças.

As primeiras semanas foram de ação ambientadora, que se consumou, aliás, com a rapidez do relâmpago.

Quando o povo reconheceu que os mortos se comunicavam efetivamente e que aquela organização se constituía de bálsamo e verdade, o ministério assumiu característicos inquietantes.

Judeus de todas as tribos afluíram de todos os lados. Do deserto em que se achavam, partiram mensageiros para as regiões circunvizinhas, espalhando a notícia. Descendentes de Abraão em Mara e Socoth, Horma e Hesebon foram cientificados. Remanescentes de Israel, no Egito e na Caldeia, receberam informes. E, em breve, rodeava-se o oráculo de impulsiva multidão.

Moisés, que se alegrara a princípio, tremeu de receio.

A pitonisa, que se dedicara ao experimento, com sincero otimismo, viu-se, de instante para outro, qual frágil barquinho no dorso de vagas enfureci das. Sustentada por um fio do plano espiritual que, a custo, lhe evitava completa imersão nos estranhos recôncavos do abismo, resistiu, corajosa, nos primeiros tempos, e a missão prosseguiu curso anormal.

O povo, ao qual se destinavam as bênçãos do intercâmbio com a esfera superior, não compreendeu o serviço instituído. Ninguém desejava elucidações referentes aos mandamentos divinos. Não desejava informar-se quanto à natureza da luz que visitara o Sinai e muito menos aceitava diretrizes edificantes para que, mais tarde, atingisse mais altos círculos da vida. Queria gozar a hora presente, assenhorear-se de patrimônios dos vizinhos, ganhar guerras com o estrangeiro, armazenar trigo e vinho, pilhar terrenos devolutos, conquistar rebanhos indefesos, construir carros de triunfos sanguinolentos. Para isso, o oráculo, ao invés de ouvir a Espiritualidade Superior que o sustentava na difícil empresa, passou a receber milhares de consultas sobre os mais rasteiros interesses da vida material. Cruelmente enganados pelas próprias ilusões, homens e mulheres de Israel cobriam-no de glórias exteriores; transportavam-no, de um lugar a outro, sob manifestações festivas e impunham-lhe destaque singular nos galarins da fama.

E a tarefa prosseguiu.

Abnegados orientadores da vida mais alta acompanhavam a missão sempre dispostos a beneficiar; todavia, nunca chegaram a dez por cento das realizações elevadas que lhes competiam.

O povo apenas procurava fugir à execução dos Desígnios do Pai Supremo. Não pretendia ouvir as vozes do Alto e sim fazer vozerio e tumulto em baixo. De modo algum, desejava elevar a Terra à luz do Reino Celeste e sim converter o Reino Divino em escuro subúrbio das paixões terrestres. Em face dos benfeitores que vinham atendê-lo, solicitamente, intentava somente alijar dificuldades benéficas, resolver questões profundamente inferiores do drama evolutivo, com plena obtenção de favores baratos e elixires da juventude. Ninguém procurava trabalho, iluminação, elevação, conhecimento, aperfeiçoamento ou melhoria própria. Em vista disso, o oráculo era muito mais pomo de discórdia terrestre que elemento de construtividade espiritual. Vivia como um terreno litigioso, provocando malquerença e desentendimentos sem fim...

Tantas lutas estéreis foram acesas, que os Missionários de Cima deliberaram interromper a experimentação. A turba era demasiado infantil para receber a revelação que não chegava nem mesmo a vislumbrar. No auge da tempestade que se fazia cada vez mais intensa para a opinião israelita, cortaram o fio de ligação e o oráculo desapareceu no torvelinho.

Acirrou-se a tormenta. Azedaram-se os debates. Surgiram deploráveis semeaduras de ódio, desânimo e desesperação.

O grande legislador, apavorado com as atitudes de sua gente, escreveu então as célebres palavras do Capítulo XVIII, do Deuteronômio, situando a consulta aos mortos entre os assuntos abomináveis.


E a proibição perdurou, oficialmente, no mundo, por mais de mil anos, até que o Cristo, em pessoa, a abolisse, no cume do Tabor, conversando com o espírito do próprio Moisés, perante os discípulos espantados. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

b Moisés

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Moisés



Ernani Cabral
Reformador (FEB) Dezembro 1952

            Moisés foi, sem dúvida, um grande condutor de homens, quer como político, quer como sacerdote supremo de seu povo, verdadeiro fundador da religião de Israel;. Mas pairou acima de tudo, naquela personalidade de escol, o seu amor a Jeová, o Pai Celestial, o Deus único e verdadeiro. Aquele que, no dizer do salmista, ‘está na congregação dos poderosos e julga no meio dos deuses.’(Sal., 82:1)
            Sua individualidade, qual pequeno sol que iluminasse um povo, espraia-se em várias nuanças, com aspectos multiformes: foi legislador, higienista, político, moralista, sacerdote supremo e chefe absoluto.
            Conseguiu despertar o sentimento nacional dos hebreus que viviam escravizados no seio dos egípcios, de cujo jugo os libertou.
            Criou o culto externo, que adornou com ouro e querubins, e que seria a preparação do culto interno, ‘espírito e verdade’.
            Idealizou as leis do holocausto, de expiação do pecado e de expiação da culpa, do sacrifício da paz etc, que obrigavam a oferta de louvores materiais a Deus, e que seria a expressão do amor de homens rústicos e belicosos ao Criador, a Jeová, Deus dos Exércitos, que ele, desse modo primitivo, ensinava a adorar.
            Criou, outrossim, a casta sacerdotal, consagrando Arão e seus descendentes a esse mister, porque, sendo o povo incapaz de compreender devidamente as coisas divinas, era necessário que tivesse orientadores, os quais zelariam também pela pureza do culto, que obedeceria ao ritual e aos preceitos.
            E até hoje os que se não sabem conduzir em matéria religiosa ou os que se não querem dar ao trabalho de estudar ou de investigar pelo seu próprio esforço, encontram no sacerdote o seu ‘diretor espiritual’, a exemplo do que sucedia no tempo de Moisés, muitos séculos antes do Cristo!
            Daí porque as diversas religiões não devem ser condenadas, nem proscritas. Os espíritos encarnados têm diversas idades e vários graus de entendimento. Muitos ainda precisam de padres ou de pastores, de rabinos ou de sacerdotes para, quais crianças, serem conduzidos a Deus...
            E nós outros mesmos, espíritas, temos, nos Mensageiros do Senhor que se comunicam conosco, os melhores conselheiros e guias espirituais.
            Escrevendo os cinco primeiros livros do Velho Testamento, do Gênese ao Deuteronômio, Moisés afirmou, categoricamente, a concepção monoteísta, merecendo por isso a referência de Jesus, de que a ‘salvação vem dos judeus’ (João 4;22), porque no Deuteronômio está expresso:
            “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma e de todo o teu poder.” (Deut 6:5)
            O grande legislador judeu, por influência dos Espíritos Superiores (o Espírito Santo), criou, assim, o primeiro mandamento, e ainda este outro, que também surgiu em seu terceiro livro, o Levítico: “O amor do próximo como  a nós mesmos”, que seria o desdobramento ou o complemento do primeiro (Lev 19:18). “Destes dois mandamentos”, afirmava depois Jesus, “depende toda a lei e os profetas”. (Mat 22:40)
            Moisés expressou, portanto, a Primeira Revelação de Deus feita aos homens, de que Ele é uno, supremo criador; eterno e verdadeiro, onisciente, onipresente, puro, bom, misericordioso, justo, ilimitado, perfeito, isto é, senhor de todos os atributos inerentes à Sua perfeição e grandeza. Destarte, Moisés lançou, por assim dizer, as bases, o fundamento do Cristianismo, que seria a Segunda Revelação, assim como o Espiritismo, calcado nessas mesmas verdades, é a Terceira Revelação de Deus ( João 16;12 a 14), e que viria dar a interpretação exata dos textos bíblicos, tirando, “da letra que mata o espírito que vivifica”.
            Varão enérgico, mas culto e justo, Moisés era possuidor de uma fé profunda, tornando-se o primus inter pares de seu povo, que o considerava “eleito de Deus” e que tem, realmente, figura assinalada na história das religiões.
            Devemos compreender que as Revelações de Deus são dadas, progressivamente, à Humanidade, à medida que ela se vai tornando adulta no entendimento e capaz de sentir uma verdade maior, ou uma porção maior da verdade, que é una e indestrutível, embora se nos apresente até com aspectos diferentes. Daí o laço de amor que deve ligar todas as religiões, pois todas possuem um ponto único de referência, que é Deus. Ele representa o centro do círculo, atingido pelos diversos raios, pelas várias cordas, pelas múltiplas coordenadas, que são os diversos caminhos que levam ao Pai Celestial.
            Mas é somente através do Espiritismo que se pode ter uma idéias mais perfeita desse conjunto ou da verdade eterna. É através do estudo, da pureza moral, do sentimento de tolerância para com todas essas religiões e do amor indistinto a toda as criaturas, seja qual for o credo que adotem, que poderemos sentir a beleza do conjunto, a harmonia do todo, que é a obra perfeita do Criador.
            As Revelações de Deus são progressivas, porque, como pondera o Eclesiastes, “tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.”(Ecl., 3:1)
            Porque Moisés veio tantos séculos antes de Jesus? Porque o Divino Mestre não o antecedeu e nem lhe foi contemporâneo?
            É porque no tempo de Moisés a Humanidade ainda era muito endurecida e atrasada, merecendo uma porção certa, porém menor, da verdade, que Jesus depois completaria, deixando ainda muitas coisas envoltas no véu da letra, para que seus Mensageiros, mais tarde, as elucidassem, devidamente.
            Antes de Moisés, somente certos filósofos ou alguns iniciados possuíam o conhecimento da existência de um Deus único e da imortalidade da alma, percepções até então esotéricas. Muitos homens cultos daquele tempo tinham mais a intuição do que a certeza dessa verdades. Eles constituíam a ciência oculta, transmitida cautelosamente aos discípulos, aos novos adeptos, aos iniciados que tivessem mérito para recebê-las, mas ainda eram vedadas ao povo, que só aceitava como deuses as forças da Natureza, e que só podia admitir o politeísmo no seu entendimento ainda pagão, isto é, primitivo.
            Mas, quando o Senhor achou oportuno, lançou a uma nação inteira a Primeira Revelação, o monoteísmo, que logo se estenderia por toda a Terra.
           Entretanto, como o povo hebreu era ignorante, brutal, materializado e belicoso, esse Deus se manifestava ainda como o Senhor dos Exércitos, que dava também terra boa, fartura e proteção aos que n’Ele criam, assim como castigava, inexoravelmente, os que não cumpriam os seus mandamentos e nem guardavam os seus preceitos. Isto levou os profetas de Israel a proclamarem que o Deus dos Exércitos era terrível, vingativo e poderoso, castigando até à quarta geração!
            Era preciso que a Humanidade inculta e grosseira, daquele tempo, tivesse temor de Deus, enquanto que hoje compreendemos que Ele quer é o nosso amor.
            Séculos depois veio o Cristo, o Messias prometido, que também surgiu na época apropriada. Não veio revogar a lei enunciada por Moisés, mas dar um sentido novo aos seus mandamentos. A Humanidade, embora ainda endurecida, havia progredido um pouco, e já merecia uma Revelação maior. Então Jesus esclareceu que “só o amor constrói para a eternidade’. O que importa não é o culto externo (pois que o reino de Deus está dentro de nós mesmos) mas a regeneração, a prática do bem, o perdão, a humildade. Deus é uno e também é amor. Tempera a justiça com a bondade e dá “a cada um, segundo as suas obras” (Mat 16:27). Todavia, o Nazareno declarou que tinha ainda muitas verdades que dizer, mas que os homens de seu tempo não as podiam suportar, nem entender. Mas quando viesse o Espírito da Verdade, o Paracleto, ele guiaria a Humanidade em toda a verdade e anunciaria as coisas que teriam de vir (João 16;12 e 13). Seria então a fase posterior, complementar, a da Terceira Revelação, que é o Espiritismo.
            Os Mensageiros do Senhor, o Espírito Santo, são a síntese da verdade, manifestando aos homens o espírito, a essência dessa mesma verdade, através de uma Revelação maior, que vem do Criador.
            Devemos acentuar que a verdade completa não está com os homens, mas com Deus, que é a própria verdade. Nossa cultura e nossa zona lúcida de conhecimentos não permitem a percepção da verdade absoluta. O finito não pode compreender o infinito, mas apenas senti-lo, relativamente. Assim, a verdade está fragmentada em todas as religiões; todavia, a  verdade maior encontra-se no Espiritismo, que é a última Revelação de Deus à Terra, mas que também é progressiva. À medida que os homens se forem desenvolvendo moral e intelectualmente, multiplicar-se-ão os fenômenos espíritas, maior será seu grau de entendimento, mais extensa a Revelação.
            E a Humanidade caminha para a fusão de todas as religiões em uma só, mesmo que seja daqui a séculos, quando haverá “um só rebanho e um só pastor”, conforme Jesus previu (João 10:16).
            Nós, espíritas, devemos contribuir para que seja implantada na Terra, o mais breve possível, esse reino da fraternidade: amando-nos uns aos outros e a todos, indistintamente, tendo tolerância para com as crenças alheias.
            Nada de ataques às outras religiões! Nem devemos responder aos que nos caluniam e perseguem, mas orar por eles. O que temos a fazer, é trabalhar pelo bem. Nosso exemplo convencerá mais do que as palavras e do que quaisquer contendas, que o apóstolo Paulo já condenava. As discussões, geralmente, são frutos, assim como as polêmicas, de vaidade ou de orgulho intelectual, que não constróem mas desunem. Prestam serviço às trevas, mais do que a Jesus, mesmo que motivadas pelo zelo em prol da verdade. Esta não se impõe, porém desce como graça aos corações amadurecidos, dignos de a reconhecer. Quem não está em idade espiritual de aceitar a Revelação Maior, que é o Espiritismo, mesmo vendo e sentindo, nele não crê. A estes, nosso sentimento de tolerância, nosso perdão, nossa prece e nosso amor, pois o silêncio é também força construtiva.
            Assim. sejamos fraternos, não somente conosco, mas com os adeptos de quaisquer religiões, e até com os seus sacerdotes, muitos dos quais prestando ainda serviços reais à causa divina. Só procedendo assim, seremos verdadeiramente cristãos; só assim cumpriremos os ensinamentos de Jesus: amar e perdoar sempre!
         Moisés foi, em síntese, um grande varão, um espírito fulgurante, que prestou, em sua época, um assinalado serviço à Humanidade.
            Lembremo-nos porém de que ele enunciou mandamentos humanos e mandamentos religiosos ou divinos. Somente os de moral religiosa constituem, propriamente, o Torá, como os rabinos chamavam, isto é, a lei de Deus. Os outros, de culto externo ou de preceito, como a proibição de falar com os mortos, duraram até João (Lucas 16:16).
            E os próprios mandamentos divinos são sintetizados no amor (Mat 22;37 a 39), conforme a palavra autorizada do Divino Mestre, mesmo porque, como disse o apóstolo João, “Deus é amor” e o amor é a própria verdade, a quem Moisés também serviu com tanta sinceridade e com tanto valor. 


sábado, 9 de julho de 2011

AC - 'Velhos Registros de Fenômenos Espíritas'



Velhos Registros
de Fenômenos Espíritas


Lino Teles
Reformador (FEB) Maio 1963

            Já vimos em ‘Os Atos dos Apóstolos’ e ‘A Gênese’ alguns fatos espíritas que serviram de base ao Cristianismo e ao Judaísmo. Aqui vamos continuar examinando esses venerandos documentos do passado.
Em Êxodo- Aparece no Monte Oreb um anjo a Moisés e com ele trava vigorosa discussão: declara-se o deus dos hebreus e dá a Moisés a missão de levantar o povo que está escravizado aos egípcios, fazendo dos escravos uma nação. Moisés se declara inepto para essa missão e tenta recusá-la; mas o deus insiste. É preciso libertar os escravos e levá-los para uma terra livre. Essa conversação continua nos capítulos seguintes (3:2 a 22).
            Em 4:27, o mesmo Espírito fala a Aarão, irmão de Moisés, convocando-o a colaborar com o irmão. Aarão é bom orador e falará por Moisés. Todo o livro está repleto de conversações de Moisés e de Aarão com esse deus dos hebreus, que é um Espírito elevadíssimo, de tremenda energia.
            Miriam, irmã de Moisés e Aarão, igualmente é profetisa (15:13).
            Em 20:1 a 7, Moisés recebe o Decálogo. Continua a conversação e o deus dos hebreus vai ditando as leis civis e religiosas. Chega a todos os pormenores. Todo o Êxodo é formado de conversações dos homens com o Espírito que se diz o deus dos hebreus. Passemos ao livro seguinte.

Em Levítico    
- Continuam as conversações de Moisés com o deus dos hebreus. Entra nos pormenores das leis religiosas. Fica estabelecida uma sábia Reforma Agrária, por ordem do deus dos hebreus. Acha-se em 25:8 a 32, juntamente com outras leis sociais interessantes. A finalidade dessas leis era evitar os latifúndios e o empobrecimento do povo. Todo o capítulo 25 do Levítico tem hoje muita atualidade, porque estão se fazendo a ferro e fogo as reformas sociais já propostas pelos Espíritos há mais de 3 mil anos, e que deveriam ser feitas em paz, como dever religioso.

Em Números  
- O livro que se segue ao Levítico na Bíblia é o de Números, onde continuam as conversações do deus dos hebreus com Moisés e Aarão.
            Em 12:1 a 15 vem relatada a diferença entre as faculdades mediúnicas de Míriam e Aarão e as de Moisés. Com Moisés o deus fala diretamente, face a face, diríamos mesmo de igual para igual; com seus irmãos ele fala apenas por inspiração. Estes são menos elevados e não podem opor-se a Moisés.
            Em 23:31 a 35 aparece um anjo a Balaão e conversa com ele. Depois disso, Balaão se torna profeta.
            Em 27:12 a 18, o deus anuncia a Moisés sua própria morte e este lhe pede que nomeie seu sucessor. Jeová, isto é, o deus dos hebreus, nomeia Josué para dirigir o povo depois da morte de Moisés.

Em Deteronômio
            - Em seguida ao livro de Números vem Deuteronômio, que é a recapitulação dos três livros anteriores. No capítulo 5: versículos 7 a 21, reaparece o Decálogo. Moisés relembra ao povo as ordens que recebeu de seu deus. Em 15:12 a 14, fica estabelecido que o escravo ficará livre no sétimo ano de serviço e não sairá pobre da casa de seu senhor: receberá bens de acordo com a riqueza do senhor. Era uma lei social adiantadíssima para aquele tempo. Até hoje o Deuteronômio é considerado o maior monumento legislativo de todos os tempos e Moisés é respeitado como o maior legislador, mas a obra toda é ditada pelos Espíritos e Moisés nunca redigiu nela uma única cláusula. É obra tão mediúnica como a de Francisco Cândido Xavier, recebida em nossos dias.
            É de sumo interesse do estudioso confrontar a velha literatura religiosa da Bíblia com a moderna do Espiritismo, para ver que a Revelação é progressiva e eterna, mas una em sua essência: sempre são Espíritos comunicando-se com os homens.