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sábado, 30 de outubro de 2021

"Milagres" Espíritas

 

“Milagres” Espíritas

Vinélius DI MARCO (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Agosto 1964

             Acabamos de reler interessante livrinho, de autoria de Dorothy Kerin, originalmente intitulado “The living touch”, editado em francês com a denominação “Une main me toucha” (“Uma mão me tocou”). Deixem passar o “mamão”, que a mim me “sabe” melhor que a indigesta contração “u’a”, tão em voga hoje em dia...

            Professando a religião anglicana, Dorothy Kerin, ao narrar fatos puramente espíritas, preferiu considera-los milagrosos, pois que obteve cura “diretamente de Deus, de Deus somente”, como se as curas propiciadas pelo Espiritismo tivessem outra origem. Depois de haver peregrinado penosamente pela vasta seara da Medicina, sendo desenganada, pois seu caso era considerado desesperador, diz ela, recorreu ao hipnotismo, a Espíritos benfeitores, à sugestão etc., sem alcançar a cura procurada, vítima que era da tuberculose consequente duma pleurisia.

            Dorothy assinala haver sua saúde começado a declinar a partir da morte de seu pai. Quatro anos andou às voltas com os médicos e no quinto adoeceu de difteria.  Mais tarde, uma pneumonia a encaminhou à pleurisia, que, então marcou a parte mais acidentada e dolorosa da sua existência. Tuberculosa, sofrendo crises agudas de hemoptise, perdeu as esperanças de sobreviver, quando o último dos vinte e oito médicos lhe disse que era humanamente impossível salvá-la. Uma peritonite tuberculosa lhe apontava o fim próximo.

            Foi quando começou a ter visões estranhas. Pareceu-lhe ver Jesus e formas vestidas de branco, tendo cada uma um lírio na mão. Acreditou ouvir de Jesus: “Dorothy, não poderás vir agora”, isto é, não desencarnarás agora. Sentiu que deslizava no espaço e ouviu uma voz gritar-lhe: “Dorothy! Dorothy! Dorothy! Estou escutando. Quem é?” Neste momento, viu-se envolvida em grande luz. Um anjo segurou-lhe a mão, dizendo: “Dorothy, teu sofrimento terminou. Levanta-te e anda! “Ele passou suas mãos sobre os meus olhos – narra a autora – e eu me encontrei sentada no leito.”

            Confessa não ter tido nenhuma explicação a dar a sua cura instantânea. O Dr. Norman, que a tivera sob os seus cuidados, declarou a um repórter do “Evening News” que já tinha perdido as esperanças de salva-la. “Suas enfermidades eram suficientes para matar meia dúzia de pessoas.”, ajuntou. Ela apresentava os mais graves sintomas de tuberculose avançada, de diabete e outras complicações. A curva térmica acusava os resultados mais inquietantes, subindo algumas vezes a 105 graus Fahrenheit. Tudo isso foi publicado no citado jornal inglês, em sua edição de 20 de Fevereiro de 1902.

            Em face da cura prodigiosa, o referido médico convidou várias sumidades da Medicina e realizarem rigorosos exames na ex-enferma e todos eles concluíram que ela estava curada, mas não podiam explicar como fora possível acontecer isso. “Quinze dia depois – acrescenta Dorothy Kerin – dois especialistas me fizeram passar pelos Raios X e reconheceram o meu estado de perfeita saúde. O Dr. Murray Leslie recorreu às reações de Von Parquet e de Calmette, mas ambas foram negativas. A partir desse momento, gozei de uma boa saúde, até o acidente que sofri em Paigton, em setembro de 1913”.

            Como nós sabemos, os fenômenos espíritas podem verificar-se em qualquer ambiente, seja ele católico, protestante, ateu, muçulmano, espírita, etc. O fato de haver a autora consultado “Espíritos benfeitores”, sem resultado, nada significa, porque talvez esses Espíritos não estivessem à altura da situação que a eles se apresentava. O fato de serem Espíritos não lhes confere onisciência e onipotência. Mas que ela foi curada através da intervenção espiritual, não há a mais mínima dúvida.  

            Tanto se tratava de manifestação espírita, que Dorothy Kerin narra, à partir da página 29 da edição francesa de seu livro: “No domingo, 11 de Março, fui despertada do meu sono por uma voz que me chamava “Dorothy!” Sentei-me na cama e percebi ao pé do meu leito uma claridade maravilhosa, da qual emanava o mais belo rosto de mulher que se possa imaginar. Ela tinha um lírio na mão e veio colocar-se a meu lado, esclarecendo:

            “- Dorothy, agora irás fazer o bem. Deus te salvou a vida para te atribuir uma missão importante e privilegiada. Graças às tuas preces e à tua fé, muitas doenças serão curadas. Consola os aflitos e incute a fé nos incrédulos. Conhecerás contratempos, mas supera-lo às, pois és três vezes abençoada. A graça de Deus te será suficiente, pois Ele não te abandonará jamais.”   

            E concluiu: “Depois de fazer, com o seu lírio, três vezes, o Sinal da Cruz sobre mim, ela desapareceu. No dia seguinte, quando despertei, o quarto estava impregnado do perfume de lírio.”

            Compreende-se sem esforço que Dorothy Kerin era médium, dotada de muita fé em Deus e habituada ao recurso consolador da prece.

            “A essa visão sucedeu um período de espera, durante o qual a minha alma aprendeu a se refugiar na paciência. Oh! Como foi difícil permanecer inativa e esperar, enquanto outros seres estavam mergulhando nas trevas espirituais eu ardia do desejo de participar com eles da alegria dessa saúde e dessa felicidade que recentemente eu obtivera! Enfim, a hora soou e fui convidada a participar de diferentes reuniões e a relatar as minhas experiências.”

            Em outubro de 1912, Dorothy sofreu sério desastre de ônibus, sendo lançada á estrada. Atingida na coluna dorsal, sentia-se desfalecer quando, nesse mesmo momento, foi envolvida por magnífica luz azul e ouviu distintamente uma voz gritar-lhe; “Deus é Amor”. Acrescenta; “Em menos tempo do que estou gastando para dizer estas palavras, fui erguida do chão por mãos invisíveis até a plataforma do auto-ônibus e, toda alegre, escalei depressa os degraus do veículo. Em seguida, o motorista procurou-me para saber se eu me encontrava gravemente ferida. Pude responder-lhe, com toda a verdade: “Não, e lhe agradeço sinceramente a atenção.” E continuei a viagem sem sentir coisa alguma.”

            Muitas provas teve ainda a autora, todas intrinsicamente espíritas. Duma delas, conta: “Pouco tempo depois do acidente no local referido, passava eu de bonde pela ponte Vauxhall, onde o tráfego é intenso, quando, de repente, justamente atrás de mim, pesado caminhão veio atingir em cheio o veículo em que eu me encontrava, pegando-o de lado. Os vidros voaram em estilhaços e eu fui alvo de fragmentos.  Mas saí ilesa, sem a menor contusão ou mesmo o menor arranhão.”

            Cita o ataque sofrido de um ladrão, do que lhe resultou fratura na base do crânio e rutura do tímpano do ouvido esquerdo. Teve uma visão de Jesus e salvou-se. Todavia, continuou a sentir dorida a cabeça e a surdez persistia. Pouco depois, era acometida duma crise de apendicite. Ia ser operada quando recebeu de novo a visita do Grande Médico e se sentiu feliz por não precisar mais da operação. Horas antes, a dor que sentia na cabeça se tornara mais intensa e durante toda a noite seu ouvido esquerdo sangrava abundantemente, tornando-se necessária a aplicação constante de tampões de algodão. Tornara-se totalmente surda e não ouvia som algum.   

            Nova visão começara. Ela se sentia como que transportada para fora do quarto, no espaço, cercada de legiões de Anjos, segundo sua expressão.

            “Um deles se dirigiu a mim, dizendo: “Ainda tens confiança em Jesus? Respondi afirmativamente e, elevando os olhos, vi um grande círculo formado por Anjos e ao centro dele apareceu Jesus, que me disse: “Fiz muitas obras notáveis, mas eles não creram. Disse-lhes que os tempos chegavam. Então, retornei `Glória a fim de reunir os meus eleitos. E colocarei em meu seio, como cordeiros, aqueles que se mantiverem fiéis. Que a minha vontade seja o teu repouso, e eu te conduzirei.”

            “Muitas coisas – continua a autora – que não estou autorizada a divulgar me foram reveladas durante essa visão. Quando ela terminou reencontrei-me sentada em meu leito. Todas as dores haviam desaparecido e o meu ouvido estava completamente curado. Os meus amigos não haviam saído do quarto e disseram: “Estás curada, não estás? Nós também sentimos Sua presença”.

            “Retirei os tampões do ouvido e, desde esse instante, a hemorragia cessou inteiramente.

            “O Dr. George não podia crer em seus próprios olhos, tanto me achou mudada, e me declarou em perfeita saúde.”

            Evidentemente, se os fatos espíritas ocorrem em ambientes não espíritas, as impressões, interpretações e conclusões não podem deixar de trazer consigo os aspectos peculiares aos ambientes em que se verificam. Os católicos, protestantes e talvez outros falem em milagres. Se entendem por milagres os fatos que transcendem às leis naturais, discordamos, dentro da nossa posição simplesmente espírita, pois que tudo quanto sucede é perfeitamente normal e natural. Apenas não são tão comuns quanto ocorrências a que já nos habituamos a conhecer, analisar e qualificar. São tantas as leis naturais que permanecem desconhecidas da Ciência, que mais fácil se torna simplificar as coisas com a denominação de “milagres”.

            Os casos citados por Dorothy Kerin, realmente interessantes, mas perfeitamente banais no conhecimento espírita, não foram milagrosos, apesar de ela ter afirmado a presença de Jesus em suas visões. Não negaremos a possibilidade de essa presença se dar, em casos excepcionais, se grande for o merecimento moral daqueles que a afirmam. A familiaridade com a sua igreja, sem dúvida pode ter propiciado à autora a impressão de que estava cercada de anjos e que Jesus a visitava com a frequência citada no livro. Mas pode também acontecer que ela, em virtude de sua fé e do seu alto espírito de religiosidade, tivesse sido contemplada com a presença real do Mestre. Tudo isso, porém, é secundário, porque, agora, o que interessa à finalidade deste artigo é deixar claro que todas as visões assinaladas em “Une main me toucha” não foram milagres, mas, simplesmente, manifestações espíritas. Sob este aspecto, o livro é realmente interessante, ainda que, em tese, não ofereça nada diferente do que já consta de milhares de obras e testemunhos espíritas.

            Na visão a que nos referimos em último lugar, achavam-se no quarto outras pessoas, mas nenhuma viu Jesus nem os Anjos. Apenas sentiram, segundo disseram, a presença dele. Isto evidencia que Dorothy Kerin teve esse “privilégio” por ser médium e achar-se espiritualmente em condições de devassar o Invisível, tanto mais que a autora, segundo os documentos anexos em apêndice, teve uma vida verdadeiramente cristã e era dotada de grande fé. O testemunho dos médicos e enfermeiras que a assistiram, assim como de outras pessoas idôneas, demonstram de maneira irrefutável, uma vez mais, a espantosa realidade do Espiritismo.

 


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Espiritismo - força social

 

Espiritismo – força social

Vinélius DI MARCO (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Junho 1962

             O egoísmo é o “calcanhar de Aquiles” da criatura humana. Ele é que defrauda a ambição benéfica, que impele o homem para o progresso. Há um egoísmo simples e anônimo; há outro egoísmo, pérfido e cruel. O primeiro, constitui uma como que expressão do instinto de conservação. O segundo, envilece o outro, corrompendo os melhores sentimentos humanos.

            Ninguém foge aos efeitos de suas ações terrenas, sejam elas meramente morais ou materiais. A antiga “pena de talião” nada mais era que a “lei de causa e efeito”, mas interpretada erroneamente e erradamente aplicada. “Quem com o ferro fere, será ferido” é um axioma certo, utilizado, porém, pelos homens para vinganças e castigos cruéis. Ele, no entanto, está subordinado à lei cármica, que o homem antigo não conhecia e, consequentemente, não poderia interpretar com propriedade.

            A verdade é que ninguém foge às leis imutáveis que regem a vida moral, material e espiritual. Os que, imprevidentemente, lançam atrás de si os espinhos do ódio, da maldade, da incompreensão e da intolerância, esquecem-se de que terão de voltar, um dia, pelo mesmo caminho, e lá encontrarão os mesmíssimos espinhos, que lhe farão sangrar os pés...

            Por tudo isso, a Doutrina Espírita, sem hebetar o homem nem lhe tolher a liberdade de escolher e pensar, dá-lhe os meios de libertação individual pela educação.

            Desesperar é inútil e negativo. Toda reação-violência é prejudicial embora possa, aparentemente, trazer benefícios. No final, as consequências serão tão sérias que preferível teria sido mais paciência e esperança. A Doutrina Espírita desperta o homem para o conhecimento real da vida, porque ele aprende as lições existentes entre o mundo físico e o mundo invisível, afirmando-lhe que nunca estamos sós.

            Educando o homem, fazendo-o conscientemente melhor, o Espiritismo se constitui numa força social.  O conhecimento do problema reencarnacionista desvenda os olhos da criatura humana, pois lhe explica muitas aparentes contradições, muitas aparentes injustiças, muitos pretensos paradoxos, demonstrando que a vida de cada um de nós está fortemente ligada a outras existências, passadas e vindouras.   

 


sábado, 16 de outubro de 2021

Dever de Consciência

 

Dever de Consciência

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Fevereiro 1977

             Um dos mais importantes deveres do espírita cioso da sua responsabilidade no seio do movimento é a fidelidade integral Doutrina. O estabelecimento do Pacto Áureo fixou admiravelmente as normas de comportamento destinadas a preservar os princípios doutrinários e, felizmente, todas as instituições estaduais tem primado pelo respeito às determinações do referido Pacto, por elas examinado e aceito espontaneamente, consoante a tradição liberal do Espiritismo.

            O Codificador afirmou, com carradas de razão, que “a doutrina é, sem dúvida, imperecível, porque repousa nas leis da Natureza e porque, melhor do que qualquer outra, corresponde às legítimas aspirações dos homens. Entretanto, a sua difusão e a sua instalação definitivas podem ser adiantadas ou retardadas por circunstâncias várias, algumas das quais subordinadas à marcha geral das coisas, outras inerentes à própria doutrina, à sua constituição e à sua organização. Conquanto a questão de substância seja preponderante em tudo e acabe sempre por prevalecer, a questão de forma tem aqui importância capital; poderia mesmo sobrepujar momentaneamente e suscitar embaraços e atrasos, conforme a maneira por que fosse resolvida”. (“Obras Póstumas”, 15ª edição, páginas 346/7, FEB, 1975)

            A unidade e vistas existente no ambiente espírita do Brasil de hoje é uma bênção do alto, pois todas as entidades estaduais estão absolutamente irmanadas á Federação Espírita Brasileira, representando o pensamento de Ismael. Não obstante toda essa harmonia, ainda encontramos, aqui e ali, irmãos dedicados à causa, que defendem com entusiasmo o Espiritismo, desatentos às infiltrações de princípios estranhos àqueles divulgados por Allan Kardec, convencidos, em sua placidez, de que nada fazem de censurável, ao introduzirem em seus trabalhos ideias e práticas de outras procedências. Alguns querem inovar, por considerarem que sua iniciativa em nada altera o caráter da Doutrina Espírita. Kardec já esperava por isso, porque escreveu sobre “a ambição dos que, a despeito de tudo, se empenham por ligar seus nomes a uma inovação qualquer”. Esquecem-se de que não há necessidade de se ir buscar em outras doutrinas o que se supõe não constar da nossa. Enganam-se. A Doutrina Espírita é uma síntese admirável de verdades relacionadas com a vida psíquica do homem, com a realidade do mundo espiritual e sua conexão direta com o mundo físico. Seu caráter eminentemente progressivo e o fato de apoiar-se tão-só nas leis da Natureza lhe conferem uma permanência irrevogável, em virtude da plasticidade que possui, através da qual é capaz de assimilar “todas as ideias reconhecidamente justas, de qualquer ordem que sejam, físicas ou metafísicas”, faculdade que lhe assegura a garantia de perpetuidade.

            Todos sabemos que “não será invariável o programa da Doutrina, senão com referência aos princípios que hoje tenham passado à condição de verdades comprovadas. Com relação aos outros, não os admitirá, como há feito sempre, senão a título de hipóteses, até que sejam confirmados. Se lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ela se modificará nesse ponto.” (Ob. Cit. pág. 350.) O conceito de Kardec é firme: critério de aceitação pelo bom senso.

            O espírita, se integrado à Doutrina, deve ser disciplinado e coerente. Antes de inovar deve pensar, ponderar, verificar as bases doutrinárias, para não vir a criar embaraços perfeitamente evitáveis. Muitos erros são cometidos pela má assimilação dos princípios que regem o Espiritismo. Há necessidade de estuda-los, de examiná-los a fundo, porque, não raro, o que se busca fora do Espiritismo nele está explícito e implícito, bastando apenas meditar um pouco mais.

            Quando, por determinação do Alto, foram lançados os estupendos livros de André Luiz, certos conhecimentos foram mais ampla e minuciosamente abordados, surgindo no campo espírita com naturalidade e agrado. Até então, vários aspectos do psiquismo e suas implicações mais graves não haviam encontrado oportunidade para ganhar o domínio público. Tudo veio na hora certa, em dose certa, de maneira certa, comprovando a vitalidade do princípio progressivo da Doutrina, princípio que, disse Kardec, “será a salvaguarda de sua perenidade” e a segurança da sua unidade, “exatamente porque ela não assenta no princípio da imobilidade”.

            Todos sabemos que quase nada foi dito sobre Espiritismo. Mas o que já nos foi dado, por misericórdia de acréscimo, é o de que necessitamos. E não é pouco. Pelo contrário, é mais do que podemos, salvo um caso ou outro, realizar no período de uma reencarnação. Quando for necessário, do Alto virá a providência para a ampliação dos conhecimentos que nos são dados presentemente. O Espiritismo é assunto sério, não se prestando, portanto, a devaneios e especulações pueris, a voos da imaginação, por vaidade ou presunção de sabedoria.

            Há muito trabalho a realizar com o que temos. “Indiscutivelmente, uma doutrina assente sobre tais bases tem que ser forte, em realidade, capaz de desafiar qualquer concorrência e de anular as pretensões dos seus competidores. Aliás, a experiência já comprovou o acerto dessa previsão. Tendo marchado sempre por esse caminho, desde a sua origem, a Doutrina avança constantemente, mas sem precipitação, verificando sempre se é sólido o terreno onde pisa e medindo seus passos pelo estado da opinião. Há feito como o navegante que não prossegue sem ter na mão a sonda e sem consultar os ventos” – concluiu Kardec.

            Que ninguém crie embaraços ao desenvolvimento sadio da obra doutrinária. E a melhor maneira de colaborar com essa obra é respeitá-la, é segui-la com fidelidade. Fraternalmente, esperamos que aqueles que se julgam mais avançados do que a própria Doutrina, sigam o conselho de Paulo (I Timóteo, 4:15):

             “Medita estas coisas: ocupa-te nelas para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos.”

 


quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Ver, ouvir e... corrigir-se.

 

Ver, ouvir e... corrigir-se.

por Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Maio 1977

             Disse Allan Kardec que “a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega”. Enorme e profunda significação tem essa pequena frase do Codificador. Deve ela exigir demorada reflexão, para que se possa recolher a gama de valiosíssimos ensinamentos ali contidos. A misericórdia não exclui a responsabilidade, nem o perdão isenta o culpado do cumprimento da Lei Divina. É um perdão condicionado, uma espécie de sursis, que adverte o beneficiado de que o mal que praticou terá de ser ressarcido, para que se desfaçam os efeitos perniciosos que dele derivaram. É um perdão pronto a concretizar-se, desde que haja do faltoso empenho real em se recuperar. Se, beneficiado, persistir no real, reincidir na falta, sua responsabilidade é aumentada.

            Emmanuel considerou que “todas as contas a resgatar pedem relação direta entre credores e devedores”. O perdão também pode significar uma oportunidade para que o decaído se erga, disposto ao esforço regenerativo. O essencial é que aprendamos esta verdade: ninguém progride sem ninguém, que vale pelas palavras do luminoso Espírito acima citado: “Ninguém progride sem alguém”. Na vida, somos todos solidários. Ninguém se basta a si mesmo, pois é necessário que encontremos quem partilhe da nossa caminhada, para que possamos avaliar o grau do procedimento que temos, não nos deixando influenciar pela vaidade, pela inveja, pela presunção de superioridade, pelo orgulho etc... Tendo alguém conosco, melhor poderemos exercer a vigilância sobre nós mesmos, comparando o que fazemos com o que os outros fazem, de maneira a julgarmos se estamos indo certos ou se, pelo contrário, estamos agravando a nossa situação moral. É verdade que isso costuma também ocorrer sem que nos apercebamos. Eis por que Emmanuel disse que “ninguém progride sem alguém”, reconhecendo, porém, que, “em toda parte, o verdadeiro campo de luta somos nós mesmos”.

            A Lei Divina, atenta, acompanha todos os nossos pensamentos, todos os nossos passos, pois “não é cega”. E se, perdoados, supomos que podemos reverter ao abuso, então será bem mais grave a responsabilidade contraída. Sofremos porque insistimos no desrespeito à Lei de Deus. A dor é o chicote que nos encaminha para a purificação moral e espiritual. É qual enérgico pastor, que procura evitar tresmalhemos e abandonemos o aprisco. Pode ser considerada, em determinadas circunstâncias, um sinal de alarme, para que, prevenidos, evitemos recair no erro. Muita gente, entretanto, considera a dor apenas como um fenômeno físico, quando, na realidade, ela tem apenas uma função altamente regeneradora. Assim como a febre, para o médico, é um aviso de que há algo de irregular que altera o estado normal do indivíduo, a dor, para o entendimento do espírita, é, em grande número de casos, um chamado à reflexão, uma advertência para que, meditando, busquemos reexaminar a nossa vida até encontrarmos onde falhamos e como falhamos. Não há efeito se causa, já se costuma dizer.

            Para melhor se romper o nevoeiro que nos circunda a Terra, a melhor providência é a humildade. Não a humildade premeditada, oca, aparente, que pode iludir os homens, mas não engana a Deus. É preciso, contudo, que se limpe essa palavra de definições falsas. Ser humilde, do ponto de vista espírita, é ser simples, bom, prestativo, tolerante, mas precavido. É guardar o ânimo sereno, quando se veja envolvido em tribulações e mal entendidos. O humilde não se arrasta servilmente no chão, não bajula, não se degrada. Veja-se o comportamento de Jesus em todas as passagens de sua curta peregrinação na Terra. Ele deve ser para nós o modelo de humildade. O verdadeiro humilde não se despoja da sua dignidade, mas também não confunde dignidade com orgulho. É paciente diante dos arrogantes, sereno diante dos impacientes, indulgente diante dos faltosos sem, contudo, permitir que os seus sentimentos possam contribuir, malgrado seu, para agravar a situação daqueles que lhe cruzam o caminho.

            Entretanto, o fundamental, o mais importante, por ser essencial, é que não tenhamos a pretensão de ser modelo para ninguém. “No estudo da perfeição, comecemos por vigiar a nós mesmos, corrigindo-nos em tudo aquilo que nos desagrada nos semelhantes”.   

 

 


terça-feira, 21 de setembro de 2021

Andrologia perigosa

 

Andrologia perigosa

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Fevereiro 1966

             Não obstante a advertência contida em numerosas obras espíritas, há incoercível tendência da criatura humana para “divinizar” os médiuns, o que constitui um perigo para eles e um desserviço para o Espiritismo.

            Os benefícios alcançados espiriticamente isto é, através do trabalho espírita concomitantemente através dos médiuns, é obra exclusiva do Alto, dos obreiros do bem, dos seareiros do Cristo. “Os médiuns, em sua generalidade, não são missionários na acepção comum do termo” (1). “Devendo evitar, na sociedade, os ambientes nocivos e viciosos, podem perfeitamente cumprir seus deveres em qualquer posição social a que forem conduzidos, sendo uma de suas precípuas obrigações melhorar o seu meio ambiente com o exemplo mais puro de verdadeira assimilação da doutrina de que são pregoeiros. Não deverão encarar a doutrina como um dom ou como um privilégio, sim como bendita possibilidade de resgatar seus erros de antanho, submetendo-se, dessa forma, com humildade, aos alvitres e conselhos da Verdade, cujo ensinamento está frequentemente numa Inteligência iluminada que se nos dirige, mas que se encontra igualmente numa provação que, humilhando, esclarece ao mesmo tempo o Espírito, enchendo-lhe o íntimo com as claridades da experiência. (2)

            Não há razão, portanto, para que os médiuns, principalmente os que se tornaram produtivos, se envaideçam. Não há razão para que, certos ambientes espíritas, quando recebem a visita desses médiuns, os apresentemos como “famosos”, “ímpares”, etc., etc., porque semelhante procedimento, contrariando a Doutrina, ferindo a humildade e a discrição, pode prejudicar profundamente o futuro espiritual dos médiuns, espicaçando lhes o amor-próprio, dando-lhes a impressão de que não são simplesmente médiuns mas taumaturgos (3), e que todos os seus atos e efeitos mediúnicos são principalmente obra sua, o que não é verdade.

Se aos leigos ou simples simpatizantes do Espiritismo essas atitudes laudatórias são desculpáveis, o mesmo não se poderá dizer dos que conhecem ou têm a obrigação de conhecer a Doutrina. Já vimos médiuns recebidos com estrepitosos aplausos e adjetivos exagerados, que não sancionam as recomendações de nobres Espíritos como Emmanuel, André Luiz e outros.

Respeitem os médiuns mas não os divinizem. Devem ser tratados como trabalhadores dedicados mas nunca como adivinhos ou milagreiros, seres dotados de poderes mágicos. Nada disso. Eles mesmos hão de sentir-se, muitas vezes, constrangidos. Atentemos para estas palavras: “O primeiro inimigo do médium reside dentro de si mesmo. Frequentemente é o personalismo, é a ambição, é a ignorância  ou a rebeldia no voluntário desconhecimento dos seus deveres à luz do Evangelho, fatores de inferioridade moral que, não raro, o conduzem à invigilância, à leviandade e à confusão dos campos improdutivos.” (4) Acrescentamos nós: a vaidade, estimulada, excitada pelo procedimento de administradores sem formação doutrinária real, constitui perigo muito sério para a estabilidade moral e espiritual do médium. “O segundo inimigo mais poderoso do apostolado mediúnico está no próprio seio das organizações espiritistas” (5), onde o Evangelho esteja em lugar secundário.

Assumem enorme responsabilidade perante o Alto, aqueles que concorrem, ainda que inconscientemente, para enfraquecer a capacidade de resistência moral dos médiuns, adulando-os, tratando-os como semideuses, em vez de encara-los como irmãos dignos do maior respeito e estima, mas evitando diviniza-los, transformá-los em ídolos. Muitos médiuns tem soçobrado no campo das tarefas mediúnicas por não saberem resistir aos abraços envolventes do polvo da vaidade e da superestimação do próprio valor.

“Médiuns, ponderai as vossas obrigações sagradas! Preferi viver na maior das provações a cairdes na estrada larga das tentações que vos atacam, insistentemente, em vossos pontos vulneráveis.” (6) Temei os elogios exagerados, as louvaminhas excessivas, porque “quanto maior a altura, maior será a queda”.

 (1)    “Emmanuel” – F. C. Xavier, pág. 65

(2)    Idem, idem, pág. 67

(3)    Homens que fazem milagres.

(4)    “O Consolador” (Emmanuel) F. C. Xavier, pág. 211

(5)    Idem, idem, idem  – pág. 211

(6)     “Emmanuel” – idem , pág.  68


terça-feira, 7 de setembro de 2021

"Ser ou não ser, eis a questão"

 

“Ser ou não ser, eis a questão”

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Fevereiro 1972

             Todos nós nos dizemos Espíritas, porque todos queremos ser espíritas.  Será que o somos, realmente? Será que sabemos ser espíritas? Eis duas perguntas aparentemente fáceis de responder, mas, na realidade, tão difíceis quanto ser, verdadeiramente, espírita.

            De certo modo, somos espíritas, porque acreditamos nas manifestações das almas desencarnadas no mundo físico., porque os fatos nos trouxeram a convicção inabalável dessa maravilhosa realidade, além de evidências outras que provam, à saciedade, a existência do plano invisível. Disse Kardec, que é espírita “o que tem relação com o Espiritismo: adepto do Espiritismo aquele que crê nas manifestações dos Espíritos” (“O Livro dos Médiuns”, página 411)

            Mas, há diversas gradações de espíritas. Uma condição distingue o espírita perfeitamente consciente de seus deveres doutrinários: a vontade de estudar, para compreender, cada vez melhor, os problemas que nos darão meios de conhecer, em toda a sua extensão e profundidade, o Espiritismo Cristão, a Doutrina Espírita, que é a sua espinha dorsal. Estudando, o espírita adotará uma atitude serena em face de qualquer manifestação fenomênica, nada afirmando ou negando sem demorada reflexão, seguindo, a este respeito, o exemplo do eminente Allan Kardec. Para os gratuitos desafetos do Espiritismo, somos demasiado crédulos, acreditamos sem vacilação em tudo que nos pareça de natureza espiritual. Ora, isso não é totalmente verdade. Há, sem dúvida, e isso não acontece somente no Espiritismo, os crédulos sistemáticos, mas há, igualmente, os que seguem o exemplo e as recomendações de Allan Kardec, examinando e refletindo antes de aceitar, em definitivo, certas manifestações mediúnicas. E são esses os que beneficiam o Espiritismo pela segurança de suas opiniões, pelo equilíbrio dos seus pontos de vista, quando defrontam os céticos sistemáticos, os céticos bolorentos e falidos, que lutam desesperadamente para sobreviver, assim como os enfatuados da meia-ciência, que, não estudando a fundo os fenômenos, buscam sempre uma justificativa para negar a sua natureza espirítica, pretendendo explica-los. diferentemente, sem, contudo, chegar a uma conclusão lógica, sensata e, sobretudo, imparcial.

É dever dos espíritas mais aptos esclarecer os que não possuem o recurso do estudo meticuloso da doutrina e da fenomenologia espíritas. Os fatos espíritas não serão jamais modificados pela atitude dos negadores, sejam eles de que procedência forem. Fatos são fatos. Mas, é indispensável que, dentro do Espiritismo, procuremos demonstrar que nem tudo quanto acontece é devido à interferência de Espíritos.

Léon Denis, cuja autoridade permanece íntegra, tantos anos após a sua desencarnação, pelo equilíbrio de suas opiniões, pela pujança de seus argumentos e também pela pureza de seus argumentos, afirma:

Nada é mais prejudicial à causa do Espiritismo que a excessiva credulidade de certos adeptos.” (1) E temos observado o acerto desse reparo. Já ouvimos pessoas de gabarito intelectual dizerem, com ares de superioridade, que os espíritas são vítimas da própria imaginação e aceitam como boas as fantasias que ouvem, que veem ou que leem... Mas, convidadas a lerem alguma coisa de substancial sobre o Espiritismo, sorriem, sempre superiormente, e recusam o oferecimento... Negam a luz porque estão de olhos fechados e não querem abri-los, por isso ou por aquilo... Se há espíritas simplórios, há também espíritas instruídos, investigadores e desejosos de fatos reais.

 (1)     Léon Denis, “No Invisível”, edição FEB, páginas 58, 59 e 113.

 “O homem crédulo é dotado de boa fé; a si mesmo se engana inconscientemente e torna-se vítima de sua própria imaginação. Aceita as coisas mais inverossímeis e muitas vezes as afirma e propaga com entusiasmo extravagante. É isso um dos maiores estorvos para o Espiritismo, uma das causas que dele afastam muitas pessoas sensatas, muitos sinceros investigadores, que não podem tomar a sério uma doutrina e fatos tão mal apresentados. É preciso não aceitar cegamente coisa alguma. Cada fato deve ser objeto de minucioso e aprofundado exame. Só nessas condições é que o Espiritismo se imporá aos homens estudiosos e racionalistas. As experiências feitas superficialmente, sem conhecimento de causa, os fenômenos apresentados em más condições fornecem argumentos aos céticos e prejudicam a causa a que se pretende servir.” (2)

 (2) Idem, ibidem.

 Mesmo na intimidade das casas espíritas, é preciso haver mais rigor na observação das manifestações, de maneira a distinguir, das legítimas, as que são produto da auto sugestão, do animismo ou da simulação. Tal cuidado se torna imprescindível, para a própria segurança dos serviços mediúnicos. A mediunidade não se improvisa. O médium tem características fáceis de notar. Além disso, não é possível padronizar a faculdade, dada a variedade de suas manifestações. O que se deve é observar cada médium de per si, de modo a aproveitar ao máximo o potencial que ele demonstrar possuir e, adequadamente, metodicamente, traçar-lhe o programa de exercício para o apuramento dos seus dons. Não devemos esquecer, em nenhum instante, que “o estudo da mediunidade prende-se intimamente a todos os problemas do Espiritismo; é mesmo a sua chave”, segundo ainda a palavra de Léon Denis. Esse mesmo apóstolo da Terceira Revelação, na obra a que nos estamos reportando, salienta que “a mediunidade apresenta variedades quase infinitas, desde as mais vulgares formas até as mais sublimes manifestações. Nunca é idêntica em dois indivíduos, e se diversifica segundo os caracteres e os temperamentos. Em um grau superior, é como uma centelha do céu, a dissipar as humanas tristezas e esclarecer as obscuridades que nos envolvem.” Em face de tudo isso, é meridianamente clara a impossibilidade de se pretender clara a impossibilidade de se pretender padronizar a mediunidade, como já tem sido tentado em alguns “centros”.

Não nos podemos atribuir a condição de espírita se não nos empenhamos, seriamente, em praticar os deveres determinados pela nossa Doutrina, mesmo que o façamos com falhas, desde, porém, que nos anime o desejo permanente de melhorar mais e mais. Falíveis todos o somos. Uns mais; outros menos. A nossa vontade de progredir é que nos mostra até onde nos poderemos considerar espíritas. Se sentimos essa preocupação de vence as nossas próprias deficiências, lutando contra nós mesmos, erguendo-nos depois de cada queda, com o propósito de diminuir os tombos, então já somos espíritas.

A Doutrina deve ser o guia dos nossos passos diários. Não importa que outros estejam mais adiantados que nós. O essencial é que nos esforcemos por progredir moralmente, apoiados na Doutrina e no Evangelho, porque, assim, venceremos também o mundo, pelo menos o nosso mundo individual, preparando-nos para desbravar o caminho do Mundo Maior.

            Parodiando Hamlet, monologamos: “Ser espírita ou não ser espírita, eis a questão.” Não nos preocupemos em mostrar aos outros que somos espíritas. Procuremos, pelo exemplo, pela humildade, sentir que o somos, sem qualquer preocupação com o juízo que possam fazer de nós os pretenciosos, os arrogantes, os agitadores, porque cada um terá a sua parte, contada e dividida, quando chegar a hora.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

O Espiritismo e a Mulher


O Espiritismo e a Mulher

Vinélius Di Marco / Indalício Mendes

Reformador (FEB) Junho 1962

            Vivemos num século de reivindicações gerais, num século de reajustamentos sociais, que representam indiscutível tomada de contas. Tudo isso, porém, se processa em ambiente de inquietação, porque o mundo vive assustado, presa do medo e sujeito a perturbações decorrentes da educação materialista em que se desenvolveu.

            Povos fracos realizam o velho sonho da autonomia, da autodeterminação, como é moda dizer-se, ansiando por dirigirem seus próprios destinos. O desmoronamento da opressão colonialista comprova a sabedoria dos Espíritos também quanto ao conceito de liberdade e justiça.

            Defendem as mulheres brasileiras, no momento, a modificação do art. 6º do Código Civil, que colocou a mulher casada em nível inferior ao do silvícola: “São relativamente incapazes a certos atos, ou à maneira de os exercer, os menores de idade, as mulheres casadas, os pródigos e os silvícolas.”

            Em virtude do regime patriarcal estabelecido no Brasil antigo, tão desumano quanto o matriarcado, ainda hoje as mulheres brasileiras sofrem inadmissíveis restrições e coações incompatíveis com a mentalidade moderna.

            No parágrafo único do referido artigo está dito que “os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País”. Quer dizer que a lei se preocupou em amparar o silvícola, o que é mais do que justo, mas deixou a mulher entregue à própria sorte...

            Ainda há países onde as mulheres são tratadas como escravas, sujeitas ao domínio arbitrário e à vontade tirânica dos homens. Tudo isso terá de desaparecer e desaparecerá mais depressa do que se poderia prever há cinquenta anos.

            Vale lembrar que, há mais de um século, já continha ‘O Livro dos Espíritos”, codificado por Allan Kardec, a defesa da mulher.

            Considerava iguais aos direitos dos homens os seus direitos e afirmava que a inferioridade moral da mulher em certos países provém “do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É o resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito” (1)

            Perguntados: “... uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher?” – os Espíritos responderam: “Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada um esteja no lugar que lhe compete. Ocupa-se do exterior o homem e do interior a mulher, cada um de acordo com a sua aptidão. A lei humana, para ser equitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da Civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos”. (1)

            É indispensável que ambos, o homem e a mulher, compreendam a alta significação do papel que representam na vida e não se deixem vencer por sentimentos que conduzam à debilitação da família. Não devem esquecer que o cumprimento dos deveres importa muito mais do que a satisfação de alegados direitos. Cada qual precisa sacrificar um pouco do seu próprio “eu” em benefício da vida matrimonial, da harmonia que pode tornar imperecível o amor conjugal. A humildade esclarecida é tão útil quanto a necessidade de saber renunciar.

            Por qualquer coisa, nos dias que correm, sobrevêm desquites, frutos de divergências entre esposos que não se esforçam, as mais das vezes, para encontrar um clima de compreensão real. A educação materialista afrouxa o sentimento. Num mundo dito cristão, mas que de cristão só guarda a aparência, quem domina e decide é o materialismo, desde o lar à vida mundana. O desequilíbrio moral provém justamente do abandono dos princípios evangélicos. Pensa-se muito em dinheiro e em prazeres nem sempre defensáveis. No ambiente materialista do mundo atual, os assuntos do espírito não interessam tanto quanto aqueles que proporcionam vantagens imediatas. Falta reflexão, não há tempo para pensar no espiritual. A vida é absorvente, agitada, fatigante, porque o dinheiro e os prazeres dos sentidos exigem muito da criatura humana não espiritualizada.

            Os Espíritos ensinam que os dois – homem e mulher – cabe “o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor” (1) quando a provação lhes bate à porta.   

            Os vícios sociais, a ambição de aparecer bem nas reuniões elegantes, a vaidade exacerbada, a escassa noção de responsabilidade familial, provocam atritos entre os cônjuges. Cada vez um exige mais do outro e as exigências acabam por abrir entre eles um abismo. Somos favoráveis ao remédio do divórcio, quando a incompatibilidade entre marido e mulher é irremediável. Reprovamos, porém, a fragilidade dos laços matrimoniais atualmente, pois se rompem pelos mais fúteis e ridículos pretextos.

            A razão dessa fragilidade está na falta de educação moral, na ausência de obrigações espirituais, na carência de orientação evangélica, que subordinem o homem e a mulher a preceitos éticos indispensáveis à estabilidade do vínculo conjugal.

            A mulher acha bonito fumar e beber álcool, frequentar reuniões e espetáculos impróprios à visita da virtude. As conversações livres são comuns, durante as quais o tema preferido é o sexo. Pensa-se muito no adultério e há quem considere a infidelidade uma demonstração de bom-tom... As peças de teatro e os filmes cinematográficos, com poucas exceções, oferecem tramas licenciosos, porque asseguram excelentes tramas licenciosos, porque asseguram excelentes resultados financeiros. No rádio e na televisão, o “humorismo” predominante é deletério, acintosamente imoral. Eles entram livremente, pelo som e pela imagem, na intimidade dos lares. Para lá dirigem os germes da corrupção moral, de forma sutil, insidiosa, simuladamente humorística, mas que tem por fim gangrenar o espírito da mulher, da criança, da juventude. As canções, tanto no Carnaval como fora dele, têm, não raro, muita inconveniência. Mas são gravadas e difundidas pelo Brasil inteiro.

            Para combater essa ofensiva organizada da corrupção, somente a educação moral com base evangélica poderá ter efeito. Mas será um trabalho moroso, embora de resultados fecundos, se convenientemente orientado. É mister, por isso, que se lute com o bem para rechaçar o mal.

     (1)     “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec, edição 1950, Cap. IX – Da lei de igualdade, n° 817, 822 e 819.    


sexta-feira, 30 de julho de 2021

O Lugar do Evangelho

 

O Lugar Do Evangelho

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Julho 1962

             Dizia Benaisar ao amigo irado:

            - Digo-te que te precipitas, Yala. Não deves condenar ninguém por simples suposição.

            - Não é suposição. É certeza. Disse-me Beraida que ouviu o que de mim se falou, pois estava presente. Ninguém mais digno de crédito do que ele, Benaisar.

            - Esse mesmo juízo faço eu da pessoa que tu acusas. Ouve, amigo: Às vezes somos levados a admitir coisas que nos iludem os sentidos, embora estejamos convencidos de que ocorreram realmente conforme acreditamos. Tua informante pode ter sido vítima de um equívoco, tanto mais que a ocorrência se verificara em ambiente agitado.

            - Julgas-me louco? Não! Não! Tenho certeza absoluta do que houve e meu julgamento está feito. Sou um homem de grandes virtudes, como sabes, Benaisar, e não mereço ser tratado assim.

            Já que tendes tanta certeza nada mais tenho a fazer aqui. Retirar-me-ei, porque não desejo discutir contigo. Todavia, acho-te intolerante e bom seria que te recordasses daquela passagem do Evangelho que diz: “Não julgueis para não serdes julgados; porquanto sereis julgados conforme houverdes julgado os outros; empregar-se-à convosco a mesma medida de que vos tenhais servido para com os outros”...

            - Lembro-me bem dessas palavras, Benaisar. Deverias, então, ensiná-las a quem disse mal de mim...

            -Evidentemente, eu o faria se tivesse a mesma certeza que tens. De qualquer forma, Yala, medita um pouco a respeito desta outra frase do Mestre: “Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado”...

            Depois do rápido diálogo, cada qual tomou o seu rumo.

 ***

            Dias depois, encontraram-se de novo e Yala retornou ao assunto, com a mesma disposição de espírito:

            - Cada vez tenho mais certeza do que te disse, Benaisar.

            E repetiu as mesmas razões anteriormente defendidas. O amigo as ouviu em silêncio, falando em seguida:

            Continuo a pensar que te precipitaste no julgamento feito, Yala. Robusteceu-se em mim a convicção de que estás alimentando um mal-entendido, porque, na realidade, ninguém falou mal de ti.

            - Então duvidas de mi?! Que amigo és? – exclamou, irritado, fazendo um gesto nervoso, o amigo de Benaisar. – Não perdoarei jamais o que de mim foi dito. Não o mereço, porque sou um homem de grandes virtudes!

            - Está bem, Yala, está bem. Eu deveria dizer antes: Está mal, Yala, está mal, porque desperdiças uma oportunidade magnífica de exemplificar as lições sublimes do Evangelho. Assemelhas-te àquela personagem para quem disse Jesus: “Como é que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, quando não vedes uma trave no vosso olho? Ainda que fosse expressão da realidade o que supões, não deverias ser tão extremado. Yala, porque cada vez mais te distancias do Evangelho, que conheces e tens o dever de respeitar? Lamento-o por ti. Louvas te numa opinião que não pode ter o dom da infalibilidade. Hoje sei que nada se passou como o afirmas. Neste caso, os papéis estão invertidos: és tu quem está em falta, porque insistes no erro de sancionar um equívoco...

            - Já que discordas de mim, sigamos caminhos diferentes. Minha convicção é inabalável e jamais apagarei com o perdão essa nódoa às minhas virtudes. És um falso amigo; abandonas-me na hora em que sou humilhado.

            - Entrego-te à tua consciência, Yala. Ela será teu juiz, no amanhã que se aproxima. Antes que te vás, porém, faço minhas estas palavras de um cristão de verdades reais: “Queres ser feliz um instante? Vinga-te. Queres ser feliz para sempre? Perdoa. “Posso dizer-te, concluindo, que, pelo outro lado, há muito que estás perdoado...

            Retomando seu caminho, Benaisar murmurou tristemente:

            - É bem mais fácil ter o Evangelho nos lábios do que no coração... que é o seu verdadeiro lugar.


quarta-feira, 28 de julho de 2021

O Difícil Mister da Caridade

 


O Difícil Mister da Caridade

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Outubro 1962

            Várias maneiras há de fazer-se a caridade, que muitos dentre vós confundem com a esmola. Diferença grande vai, no entanto, de uma para a outra. A esmola, meus amigos, é algumas vezes útil, porque dá alívio aos pobres; mas é quase sempre humilhante, tanto para quem dá, como para o que a recebe. A caridade, ao contrário, liga o benfeitor ao beneficiado e se disfarça de tantos modos! Pode-se ser carinhoso, mesmo com os parentes e com os amigos, sendo uns indulgentes para com os outros, perdoando-se mutuamente as fraquezas, evitando não ferir o amor-próprio de ninguém.” Este é pequeno trecho de uma comunicação de “Cárita”, encontrável em “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

             Todos nós precisamos de caridade, embora talvez nem todos temos necessidade de esmola. A caridade, segundo o conceito espírita, encerra tolerância, devotamento, fraternidade, humildade, prestabilidade, paciência, perdão, altruísmo, finalmente – amor, que é tudo isso, de par com a sinceridade e a renúncia.

             Ser caridoso não é atender exclusivamente à necessidade que outros demonstrem de alimentos, roupas e dinheiro. Preservar alguém de se destruir pelos maus hábitos, orientar para o bem, ajudar a reerguer-se, tudo isso pode ser uma forma de caridade. Mas só o será se o ato fraterno não se macular pela vaidade e pela soberba. Dar é servir, mas é necessário saber dar, para que aquele que recebe não se sinta inferiorizado a ponto de sofrer intimamente com a ajuda que lhe e dada.

           Precisamos compreender que, de um modo geral, todos necessitamos de caridade, às vezes mais do que aqueles que vemos aparentemente menos felizes. Bem diz o ditado: “Quem vê cara, não vê coração.” Outro afirma: “As aparências enganam.” Legitimamente inspirado, o poeta Raimundo Corrêa pôs num dos mais belos sonetos da literatura brasileira estas verdades ao qual denominou “Mal Secreto”:

 “Se a cólera que espuma, a dor que mora

n’alma, e destrói cada ilusão que nasce,

tudo o que punge, tudo o que devora

o coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,

ver através da máscara da face,

quanta gente, talvez, que inveja agora

nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo

guarda um atroz, recôndito inimigo,

como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,

cuja ventura única consiste

em parecer aos outros venturosa!”

             Nessa maravilha de concisão e de expressão, Raimundo Corrêa deixou estratificada uma das verdades que campeiam no mundo, retratando a realidade da vida humana nesse aspecto íntimo, não raro doloroso, muitas vezes inescrutável.

             Desejamos concluir este artiguete com as palavras de “Irmã Rosália”, colhidas na mesma fonte atrás indicada:

             “Desejo compreendais bem o que seja a caridade moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente falando, porém, que é mais difícil de exercer-se.

            “A caridade moral consiste em se suportarem umas às outras as palavras e é o que menos fazeis nesse mundo inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito há, crede-me, em um homem saber calar-se, deixando fale outro mais tolo do que ele. É um gênero de caridade isso. Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira se escapa de uma boca habituada a escarnecer; não ver o sorriso de desdém, com que vos recebem pessoas que muitas vezes erradamente, se supõem acima de vós, quando na vida espírita, a única real, estão, não raro, muito abaixo, constitui merecimento, não do ponto de vista da humildade, mas do da caridade, porquanto não dar atenção ao mau proceder de outrem é caridade moral.

            “Essa caridade, no entanto, não deve obstar à outra. Tende, porém, cuidado, principalmente em não tratar com desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de tudo o que já vos tenho dito: Tende presente sempre que, repelindo um pobre, talvez repilais m Espírito que vos foi caro e que, no momento, se encontra em posição inferior à vossa. Encontrei aqui um dos pobres da Terra, a quem, por felicidade, eu pudera auxiliar algumas vezes, ao qual, a meu turno, tenho agora de implorar auxílio.