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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

As Superstições


As Superstições  
por José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Maio 1947

As superstições e as crendices são, em geral, antiquíssimos complexos mentais radicados na psiquê, herança de um passado que se perde pelos labirintos da História. Sob o impulso da fé, da convicção, as superstições, em determinadas circunstâncias põem em ação sutilíssimas energias espirituais, dando lugar a estranhos fatos, inexplicáveis para a ciência materialista, tais fatos têm, contudo, alimentado crendices mais ou menos absurdas. Seja como for, porém, as superstições devem ser combatidas, porque são sempre resultado de uma educação deficiente.

No Brasil, como em toda parte, as superstições pululam com as mais variadas finalidades, e, segundo a sua natureza, tanto pode produzir benefícios como malefícios, até mesmo ao próprio supersticioso. A borboleta negra, por exemplo, é, regra geral, sinal de morte de alguém da casa. A aranha é sinal de bonança e prosperidade nos negócios.

Há casas comerciais cheias de teias de aranha porque os seus proprietários acreditam que matar aranhas e destruir as suas teias faz desandar os negócios. O gato preto é tido como bicho azarento em alguns Estados do Brasil, enquanto que em outros é de boa sorte. Matar um gato traz sete anos de atraso, dizem. Lagartixa na parede é de bom agouro. Bode preto, assim como o cão e o gato são, para certas pessoas, êmulos de Satanás, Há pessoas que têm em casa animais pretos para "receberem" os "maus olhados" (fluidos perniciosos) e os "despachos" dirigidos às pessoas da casa. É crença também que cão danado não ataca quem estiver com a roupa vestida pelo avesso. Vassoura colocada atrás da porta, com o cabo para baixo, enxota as visitas indesejáveis. Sal no fogo produz o mesmo efeito. Varrer a casa de noite atrasa a vida. Espelho quebrado, más notícias. A figa (amuleto representando u'a mão fechada) afasta o mau olhado. Ferradura achada na rua e colocada atrás da porta, protege a casa dos maus Espíritos e traz felicidade aos seus moradores. Sentar à mesa 13 pessoas é de mau agouro e morte de uma delas. Passar por baixo de escada, atrasa os negócios. E muitas outras superstições que seria desnecessário mencioná-Ias aqui.

Não negamos os seus efeitos nem afirmamos que tudo se resume em coincidência ou auto sugestão, porque o valor teórico de cada uma delas não está certamente nos objetos ou nos animais, que apenas servem como ponto de apoio, mas na convicção, na certeza do supersticioso, onde a crendice criou profundas raízes. Eis porque para o supersticioso a superstição sempre se realiza.

O Dr. Irajá conta (Feitiços e Crendices, página 44) que certa vez, em viagem pelo interior de Minas, pernoitou num rancho pobre. Noite estrelada, um cão começou a uivar, Não era possível adormecer. - "Esse cachorro não deixa a gente sossegar!" disse o doutor à dona da casa. - "Ele já vai parar o uivo; verá o senhor", Num instante tudo sossegou; o cão emudecera como por encanto. Na manhã seguinte, tendo o doutor perguntado à dona da casa o que fizera para calar o cão, ela respondeu: - "Ué! não sabe não? Virei os meus chinelos". Aí está: virar os chinelos faz parar uivo de cão.

Os pedidos de "milagres" às "imagens" e aos "santos" para obter favores, curar doenças, etc., podem ser incluídos no rol das superstições de origem religiosa. Os jornais de vez em quando anunciam retumbantes milagres e assombrosas curas de santos de determinados lugares, mas ninguém de sã consciência (exceto o supersticioso) admitirá que a imagem esculpida pela mão do homem tenha tais poderes. Independente mesmo das influências espirituais que possam intervir em cada caso, a convicção, a certeza, a fé, ainda que mal dirigida, é a força realizadora, que, no dizer de Jesus, transporta montanhas. 

sábado, 9 de dezembro de 2017

Médiuns Católicos


Médiuns Católicos
José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Agosto 1944

O fato que vou narrar foi tomado da obra "O Mundo Invisível no Mundo Visível", do ilustre Rev. Padre Anthelmo Goud, página 262 - 'Tipografia do "Apóstolo", rua Nova do Ouvidor, 14, publicado em 1881. É caso típico de desdobramento da personalidade seguido de transporte de objetos materiais, fatos já bem estudados pela ciência espiritista. O médium no caso é o próprio São Front, primeiro bispo de Périgueux. O padre Anthelmo, depois de citar a obra "Vida de Santa Marta", de Rabano Mauro, de onde extraiu o dito fato, escreve:

            "Front, bispo de Périguex, e Georges, bispo de Puy-en- Veley, são perseguidos, expulsos de suas sés, e refugiam-se perto de Marta. Ela reza por eles e sendo as suas sedições acalmadas por suas os manda de novo às suas dioceses. Mas tomando a Front à parte, diz-lhe: “Tu sabes que o dia de minha morte se aproxima; promete-me vir assistir aos meus funerais?" - Hei de assistir a eles, responde o santo, por pouco que Deus me deixe de Vida.

Um ano mais tarde morre Santa Marta. Consagram-se sete dias para a preparação de suas exéquias e acorrem de toda parte as povoações avisadas por fogueiras acesas nas florestas - "accensis ignibus per nemora"(acender fogueiras na floresta). Estando tudo pronto, a grande e piedosa assembleia acha-se reunida na igreja. Pois bem, naquela mesma hora, São Front estava a celebrar os santos ofícios na sua igreja de Périgueux: adormeceu na sua sede esperando a chegada dos fiéis, e apareceu-lhe o Cristo que lhe disse: "Vem, meu filho, cumprir a tua promessa de assistir aos funerais de Marta."
           
No mesmo instante, e como em um lançar de olhos ("pariter in ictu oculi") (tanto em um piscar de olhos) foram vistos na igreja de Tarascon dois personagens misteriosos, tendo cada um livro na mão, colocarem-se um ao lado da cabeça da defunta (era Jesus Cristo), outro ao lado de seus pés (era o bispo) e ambos, depois de terem depositado o precioso corpo no sepulcro, demoraram-se perto dele com grande admiração por parte do povo, e não se retiraram senão depois de acabado o serviço fúnebre. Então, somente, um sacerdote os segue, pergunta ao Senhor quem é e de onde vem, e o Senhor sem responder lhe dá o manuscrito que tinha na mão. Esse sacerdote vai para o túmulo e mostra a todos aquele livro em que se achava escrita em cada uma de suas páginas a seguinte frase: "Marta, hóspede de Jesus Cristo, nada tem que temer, e eterna será sua memória". Não havia mais uma palavrar em todo o manuscrito.

No entanto, o que se passava em Périgueux, sé episcopal, de São Front?

Um momento antes um sacerdote acordara o bispo adormecido (São Front), prevenindo-o de que a hora de se principiar a missa já tinha desde muito passado e que o povo começava a ficar Incomodado. "Não vos perturbeis, respondeu o pastor, e não vos canseis de esperar, porquanto neste momento estou em Tarascon (em espírito ou em corpo; só Deus sabe), ocupado com meu Salvador nas exéquias de Marta, como eu lho prometi." E um pouco mais tarde, acrescentou: "Enviai agora a Tarascon um próprio que possa trazer meu anel e minhas luvas, que acabo de remeter ao sacristão enquanto eu sepultava a santa."

O povo escuta, admira e manda imediatamente a Tarascon. Os desta cidade respondem sem demora, dando todos os pormenores possíveis sobre o dia e a hora do ofício, sobre a personagem venerável e desconhecida que acompanhava o bispo Front, por eles muito conhecido há muito tempo; ao depois remetem aos enviados o livro, o anel e somente uma das luvas confiadas ao sacristão, porque querem conservar uma em sua igreja como testemunho do milagre, e efetivamente a guardam."



sexta-feira, 30 de junho de 2017

Benzedores e Curadores


Benzedores e Curadores
por José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Fevereiro 1956

            O “dom de curar" de que nos fala Paulo de Tarso, o insigne apóstolo de Jesus, independe do indivíduo que o possui. Só determinadas pessoas têm a faculdade de curar. Muitos desejariam possuí-la e não conseguem, enquanto outras a possuem bem a contra-gosto. Ainda mais: é um dom intransferível. Dizia um curador: “De muitos irmãos que tive, só eu saí curador. Debalde ensinou aos outros meu pai, que também era benzedor”.

            É desnecessário dizer que os benzedores e curadores do interior não são mais que médiuns curadores. As causas que promovem a cura são as mesmas em todos os médiuns dessa espécie. Os eflúvios magnético-mediúnicos emitidos pelo curador, sobretudo das mãos, contribuem de maneira decisiva para os resultados. Doenças dificilmente curáveis ou mesmo consideradas incuráveis com os recursos da Medicina clássica, cedem rapidamente com os eflúvios ódicos de determinados indivíduos. As palavras propriamente, as rezas, têm naturalmente valor secundário em todos os casos. Servem apenas para fixar a atenção e a vontade do curador durante a operação.

            Os processos, entretanto, variam de um para outro. Cada um tem o seu sistema. Alguns fazem determinada oração em voz baixa e não revelam o segredo das suas palavras a ninguém. Outros não fazem mistério disso e ensinam as suas rezas a quem quiser aprendê-las. Um detalhe mais ou menos comum a todos é que “rezam” fazendo cruz com a mão aberta sobre a parte afetada, o que corresponde à aplicação do passe mediúnico. Alguns há que utilizam um ramo de determinado arbusto, na crença de que o mal se transfere para a planta.

            No interior contam-se os mais extraordinários feitos dos curadores. O Dr. H, de Irajá, no seu livro “Feitiços e Crendices”, pág. 68, refere que em Santa Maria, Rio Grande do Sul, o Dr. Astrogildo teve em sua casa alguém com grave dermatose, a que o vulgo chama “cobreiro” .

            Como médico, fez tudo que a Medicina recomenda, sem resultados. Vieram os colegas, e nada de melhora. Dizia a criada da casa:

            - Se o doutor deixasse, eu trazia um benzedor.

            - Qual benzedor, qual nada! Acredito lá nessas asneiras... - dizia o doutor.

            Os remédios sobravam. Era remédio para pingar, remédio para tomar, remédio para passar. Mas o cobreiro aumentava cada dia. A criada continuava a dizer:

            - Se o patrão deixasse, eu trazia o “seu” Pedro, benzedor, e o cobreiro “morria”.
            Uma noite o DI', Astrogildo, já desanimado, depois de examinar a doente com febre alta, gritou para os de casa:

            - E porque não experimentam esse tal de benzedor?

            No dia seguinte o homem veio e “rezou”.

            Quiseram dar-lhe dinheiro. Não quis e saiu rindo.

            Nessa noite a febre não voltou; na manhã seguinte as bolhas tinham secado, e, dois dias depois, a doente estava boa. Mas o Dr. Astrogildo nunca acreditou em benzeduras.

            As façanhas dos benzedores e curadores de vários matizes correm mundo. Os curadores de bicheiras de animais, os curadores-de-cobra, etc. são outras variantes de médiuns curadores. Quem não ouviu falar dos curadores de bicheiras, tão conhecidos nos sertões? É verdadeiramente extraordinário o efeito magnético-mediúnico de certos curadores . As larvas que se alimentam das carnes caem aos punhados, inanimadas, mortas, logo após a "reza" do curador.

            Contam-se coisas extraordinárias de curadores de picada de cobra. No Crato (Ceará) havia um curador-de-cobra famoso. Certa vez (obra citada, pág. 71) um cavalo puro-sangue, propriedade de um abastado chefe local, foi mordido por uma cobra venenosa. Só depois de muita procura encontraram o curador bebericando com alguns amigos.

            - Ainda respira bem o animal? Perguntou ele.
           
            - Ainda – responderam-lhe.
           
            - Bem, levem o meu chapéu e ponham sobre ele, que irei daqui a pouco.

            O curandeiro, apesar da insistência do dono do animal, demorou ainda duas horas. Quando ele chegou, o animal, com os olhos injetados de sangue, respirava com dificuldade. Dir-se-ia que pouco tempo tinha de vida. O curandeiro aproximou-se do cavalo, abriu-lhe a boca, murmurou algumas palavras e deu-lhe uma cusparada no fundo da garganta. Tirou o chapéu que estava sobre o animal, deu-lhe um ponta-pé na barriga, e disse:

            - Levanta-te, bruto!

            O animal levantou-se quase de um salto.

            - Dêem-lhe água e deixem-no descansar hoje. Amanhã já pode ser montado!

            Os estudiosos de Psiquismo sabem o que significa a providência inicial do curador, mandando colocar em cima do animal o próprio chapéu. Eles sabem, por experiência própria, que os objetos de uso pessoal do curador acumulam fluidos altamente curadores, e no caso acima o chapéu serviu de neutralizador do veneno ofídico.

            Para bem compreendermos tais fatos teremos de nos valer dos estudos do Barão de Reichenbach, do Coronel De Rochas, Durville, Luys, Baraduc e tantos outros que se ocuparam das radiações e dos eflúvios magnético-mediúnicos que, sem dúvida, serão um campo vastíssimo de observações da medicina espiritualista.


sábado, 24 de outubro de 2015

O Perispírito



O Perispírito
José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Julho 1970

            “Há corpo animal e há corpo espiritual.” diz São Paulo (I Cor. 15 :44). Com efeito, esse
corpo espiritual de São Paulo é o perispírito dos espíritas de hoje. O perispírito, aliás, não
é coisa nova. No Antigo Egito os sacerdotes ensinavam que além do “ka”, o Espírito, emanação divina, havia uma forma imaterial “sahu”, o fantasma propriamente, que reproduzia exatamente os traços do corpo físico e que se manifestava aos encarnados.

            Na Grécia antiga, a doutrina inspirada pelos hinos órficos ensinava: “Amai a luz e não as trevas. Lembrai-vos da finalidade da vossa viagem. Quando as almas voltam ao mundo espiritual trazem marcadas sobre os seus corpos etéreos, em manchas horrendas, todas as faltas da sua vida e, para as apagar, é necessário voltar à Terra. Mas os puros e os fortes se vão para o sol de Dionísio.

            Na Índia se fala também desse corpo espiritual, porque ele próprio se impõe como uma realidade incontestável.

            Mas não desejamos deter-nos em detalhes nem em considerações dos antigos filósofos. Preferimos abordar rapidamente as importantes funções do perispírito no plano material, assim como as suas consequências no plano espiritual.

            O corpo espiritual, isto é, o perispírito está em cada um de nós intimamente ligado ao corpo físico e é tanto mais sutil quanto mais elevado se acha o ser na escala da perfectibilidade.

            Vaporoso para nós encarnados é, no entanto, bem grosseiro ainda para os desencarnados; contudo, os Espíritos purificados podem elevar-se com ele na atmosfera e transportar-se aonde queiram.

            As suas funções no corpo físico são múltiplas e preside a todos os fenômenos fisiológicos da respiração, da alimentação e assimilação dos alimentos, extraindo toda a matéria aproveitável, afeiçoando-a a cada órgão e eliminando do corpo todos os elementos que lhe sejam inúteis ou nocivos. Com efeito, o nosso organismo é uma complicada máquina que funciona à nossa revelia, sem que, nem de leve, suspeitemos da sua complexidade.

            Um elevado Espírito, respondendo numa sessão a um jornalista inglês que lhe perguntara sobre o perispírito, disse: “Tenho um corpo que é uma reprodução do que tive na Terra: as mesmas mãos, pernas e pés, que se movem como o fazem os vossos. Na Terra eu tinha o corpo físico interpenetrado do corpo etéreo que ora tenho. O etéreo é o corpo real e é cópia perfeita do corpo terreno. Por ocasião da morte, emergimos de nossa cobertura de carne e continuamos a nossa vida no mundo etéreo, funcionando aqui por meio do corpo etéreo, exatamente como funcionávamos na Terra, metidos no corpo físico. O corpo etéreo é aqui tão substancial para nós como o era o corpo físico quando vivíamos na Terra. Temos as mesmas sensações. Sentimos e vemos como na Terra. Embora não sejam materiais, conforme entendeis esta palavra, os nossos corpos têm forma, aspecto e expressão.”

            É  ainda no perispírito que ficam registradas as nossas ações e os nossos atos, bons ou maus. De fato, todos os acontecimentos da nossa vida são maravilhosamente registados em nosso perispírito, nos seus mínimos detalhes; nada se perde.

            Segundo recente declaração do Dr. Wilder Penfield, diretor do Instituto de Neurologia de Montreal, Canadá, o nosso perispírito grava, como num filme, todos os acontecimentos da nossa vida. A recordação é de tal modo viva que é como se o indivíduo voltasse a reviver as mesmas cenas, os mesmos fatos.

            Pelos fatos registados nas obras espíritas já sabíamos que em momentos críticos, como nos acidentes graves, nas quedas perigosas, na asfixia por afogamento, etc., o indivíduo pode rever, com incrível nitidez, a sua vida até aquele momento, como se assistisse a um filme no qual ele próprio tomasse parte.

            Naturalmente os seus atos bons são motivos de satisfação para o seu Espírito, enquanto os atos maus são motivo de tristeza e arrependimento. Por aí se pode avaliar a situação dolorosa de certos Espíritos libertos da carne, tendo diante de si, permanentemente, os acontecimentos deploráveis que desejariam esquecer.

            Eis um fato significativo que comprova as afirmações do Dr. Penfield. O almirante Beaufort, quando ainda jovem, caiu de um navio à água do porto de Portsmouth. Antes que fosse possível ir em seu socorro, desapareceu; ia morrer afogado.

            Depois de algumas considerações sobre a angústia do primeiro momento, diz ele: “Com o enfraquecimento dos sentidos coincidiu uma super excitação extraordinária da atividade intelectual; as ideias sucediam-se com rapidez prodigiosa. O acidente que acabara de dar-se, o descuido que o motivara, o tumulto que se lhe deveria ter seguido, a dor que iria alcançar meu pai e outras circunstâncias intimamente ligadas ao lar doméstico, foram o objeto das minhas primeiras reflexões. Depois, veio-me à memória o último cruzeiro, viagem acidentada por um naufrágio; a seguir, a escola, os progressos que nela fizera e também o tempo perdido, finalmente, as minhas ocupações e aventuras de criança. Em suma, a subida de todo o rio da vida, e quão pormenorizada e precisa!”

            E acrescenta: “Cada incidente da minha vida atravessava-me sucessivamente a memória, não como simples esboço, mas com as particularidades e acessórios de um quadro completo! Por outras palavras, toda a minha existência desfilava diante de mim numa espécie de vista panorâmica, cada fato com a sua apreciação moral ou reflexões sobre suas causas e efeitos. Pequenos acontecimentos sem consequências, há muito tempo esquecidos, se acumulavam em minha imaginação como se tivessem passado na véspera. E tudo isso sucedeu em dois minutos(Léon Denis, “O Problema do Ser”, pág. 173).


            Com efeito, todos os atos da nossa vida são maravilhosamente registados em nosso perispírito. Os menores detalhes são cuidadosamente guardados para, no momento preciso, aflorarem nítidos, inconfundíveis. Eis porque Jesus, estabelecendo a nossa responsabilidade diante da vida, diz: “Até os cabelos da vossa cabeça estão contados.”

domingo, 24 de novembro de 2013

Divórcio



Divórcio

José Monteiro Lima
Reformador Agosto 1946

            Muito se tem comentado acerca do divórcio, que hoje está mais uma vez em evidência. Os que o defendem, dentro ou fora da Constituinte, apresentam argumentos históricos, jurídicos e sociais que justificam a sua aplicação, e os que o combatem quase sempre o fazem por sistema ou, então, como os católicos, para fazer valer a autoridade da sua Igreja, que acredita poder, com a indissolubilidade do casamento, evitar o adultério e conservar a estabilidade da família.

            Na Caldéia, o homem comprava a mulher, se bem que esta teria de trazer um dote. Não obstante, o marido podia repudia-la quando bem quisesse, devolvendo-lhe o dote que trouxera, dizendo-lhe: "Não sois mais minha mulher". E mandava-a de volta para a casa dos pais com um escrito declarando a ruptura do laço matrimonial. Quando se tratava de mulher do povo, de escravas ou prisioneiras de guerra, a situação era mais grave, ficando a mulher à mercê do marido, que poderia conserva-la ou expulsa-la de casa quando bem quisesse.

            Na Grécia antiga o divórcio era quase desconhecido, mas na época clássica se tornou frequente. No Egito era também raro nas classes altas, em virtude das pesadas obrigações dos casais, mas se tornara comum nas classes baixas. Moisés, que certamente encontrara o divórcio em vigor entre o povo judeu, procurou regulamenta-lo, estabelecendo que o homem podia repudiar sua mulher desde que não lhe agradasse, e, uma vez liberta, poderia ela casar-se com outro homem, mas, ao primeiro marido não era permitido, de nenhum modo, retoma-la. Isso, certamente, teve por fim restringir a sua prática, porquanto o marido, não podendo retomar a mulher repudiada, refletia antes de decidir-se ao divórcio. Estipulara ainda Moisés que o marido teria de entregar à mulher uma declaração escrita, mas como em geral os judeus naquele tempo não sabiam escrever, era necessário recorrer a um sacerdote ou a um levita, o que dava à mulher as melhores garantias. O sacerdote poderia recusar-se a escrever a carta de divórcio quando havia abuso da parte do marido . Apesar dessas medidas, os abusos eram frequentes.

            Flavius Josefo, célebre historiador do primeiro século, admitia o divórcio por qualquer coisa, acrescentando, ingenuamente, que os homens achariam com facilidade os motivos. Ele mesmo declarara que havia despedido sua mulher, mãe de três filhos, porque, não lhe agradava mais, e que havia tomado outra. Hiller, célebre doutor judeu da mesma época, que também era favorável ao divórcio, admitia-o desde que houvesse antipatia, e até pelos motivos mais fúteis, Um prato mal preparado, um assado que queimasse, um descuido, ter saído sem véu, a divulgação de um segredo, etc., eram suficientes para o divórcio. O rabi Akiba autorizava mesmo o divórcio a favor do marido que encontrasse uma mulher mais bonita que a sua.

            A questão do divórcio foi apresentada nessa época ao Divino Mestre, quando os fariseus lhe perguntaram se era permitido repudiar a mulher por qualquer motivo. Jesus respondeu: "Não tendes lido que o Criador desde o princípio os fez homem e mulher? Por esta razão o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne. Assim já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem." (Mat., 1,9:3-6) - (Salvo, por adultério. Mat., 19:9).

            "Então - voltaram a perguntar - porque mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio e repudia-la?" Jesus respondeu-lhes: "Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas no princípio não foi assim."

            Jesus sabia que para evitar os abusos era necessário restringir o divórcio, isto é, a separação propriamente, Hoje, porém, o divórcio que se discute tem por fim separar legalmente o que de fato já estava separado. Deste modo, o divórcio e um novo casamento poderão legalizar muitos casos de uniões ilícitas, que subsistirão mesmo sem divórcio.'

            Não há dúvida, porém, de que o único recurso capaz de fortalecer os laços matrimoniais e evitar o divórcio, legal ou ilegal, é a evangelização dos lares, a educação espiritual da família. Educar a família sob base essencialmente cristã, iluminar os espíritos para que se tolerem e saibam suportar com resignação o fardo da vida que lhes foi dada para o progresso dos seus Espíritos, eis o recurso para a solução do magno problema.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

'Mediunidade Curadora'


Mediunidade Curadora
José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Outubro 1947

            A força magnético-mediúnica que emana principalmente dos dedos, dos olhos, da boca e, finalmente, do corpo todo, não é coisa nova. Desde os mais antigos tempos tem sido empregada pelos mais diferentes povos como recurso de cura das doenças do corpo e do Espírito. Os antigos sacerdotes da Caldeia, do Egito e da Índia praticavam este processo de cura. Jesus e os seus apóstolos empregaram muitas vezes a cura mediúnica com o mais extraordinário êxito. Eis como o evangelista Lucas (4 :40) se refere a Jesus: "Todos os que tinham enfermos de várias doenças lh'os traziam, e, pondo as mãos sobre cada um deles, os curava".

            Paracelso, Vinhelmont, Mesmer e os seus seguidores aplicaram também este processo de cura, mas infelizmente não foram compreendidos. A História nos conta numerosos fatos, onde o magnetismo animal foi empregado com o fim de curar.

            Pirro diz que Plutarco curava as doenças de origem nervosa, passando as mãos no lugar onde supunha ter origem o mal. Vespasiano curou um cego, esfregando lhe saliva nos olhos e curou um paralítico, apenas tocando-lhe com as mãos. Plínio sustenta que há pessoas dotadas de propriedades medicinais. É o "dom de curar" de que nos fala São Paulo.

            Na história religiosa dos judeus, egípcios, gregos e romanos, encontramos, a cada passo, a aplicação das mãos, as fricções, o sopro, etc., como elementos de cura das doenças. Próspero Alpino refere que os egípcios curavam por meio de misteriosas fricções. Sto. Agostinho (admitamos aqui o "santo" para precisar o indivíduo) reconhece que há pessoas que podem curar por meio do contato e do sopro.

            Durville, De Rochas, Luys, Goudard e tantos outros cientistas afirmaram em caráter científico que "todas as pessoas de ambos os sexos emitem de todo o seu ser, especialmente dos olhos, nariz e dedos, o fluido ódico ou vital em maior ou menor quantidade; tanto maior, quanto melhor o estado de saúde física ou psíquica da pessoa".

            As experiências de Reichenbach provaram que o fluido humano, melhor que os raios X, não conhece obstáculos.

            "Os seres humanos, diz o. Dr. Luys, não emitem apenas calor em torno deles. Modernas experiências, começadas por Reichenbach e prosseguidas por De Rochas e nos meus trabalhos sobre hipnologia, nos permitem afirmar que, ao lado do fluido calorífico, há agentes elétricos e magnéticos que irradiam -dos seres vivos, e que constituem forças vivas que se exteriorizam e formam, em torno dele, uma sorte de atmosfera invisível aos nossos olhos, mas visível para certos indivíduos e em determinadas condições" (Spiritisme et Anarchie, Bouvery, pág. 386). 

            Com efeito, o Dr. Baraduc obteve fotografias destas radiações por meio de processos eletrográficos .

            As experiências mais extraordinárias foram, sem dúvidas, as do Dr. Iodko, que conseguira, por meio de um dispositivo que utilizava os raios Roentgen, tornar visível a todos a fluorescência eletro-humanas.

            Como se vê, nada há aí de miraculoso, mas apenas a exteriorização de uma força natural, que em certos indivíduos é altamente curativa. Estão, nesse caso, as curas conseguidas pelo padre Antônio Ribeiro Pinto, de Rio Casca, que é apenas um médium curador.

            Segundo declarações publicadas em ‘O Globo’ de 5 do corrente, um japonês que se chama Mituso Sato, de Lins, São Paulo, está fazendo igualmente curas extraordinárias em nome do Buda. São os sinais dos tempos.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Mozart, Impressionável




Mozart,
 impressionável
José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Jan 1946


            Collin de Plancy conta que certa vez estava Mozart mergulhado em profunda melancolia (melancolia que se lhe tornara habitual pela ideia do seu fim próximo); quando ouviu um carro parar à sua porta e alguém da sua casa lhe anunciar que um desconhecido desejava falar-lhe.

            "- Fui encarregado, disse-lhe o desconhecido, por importante personagem, de vos vir falar."  "- De quem se trata?"  interrompeu Mozart. - "- Não posso dizer-lhe - continuou o desconhecido - não deseja que se saiba."  " -Mas, que deseja ele?"  "- Acaba de perder uma pessoa que lhe é muito cara, cuja memória lhe será eterna, por isso deseja celebrar, todos os anos, sua morte com um serviço fúnebre, e vos manda pedir para compor um Réquiem para esse serviço."

            Mozart se sentiu tocado pelo tom grave das palavras do desconhecido e o aspecto misterioso do pedido ainda mais o impressionou. Mozart prometeu compor o Réquiem.

             " -Dispensai a esse trabalho todo o vosso talento. Trabalhais para alguém que conhece música."  " -Tanto melhor", respondeu Mozart.  "- Em quanto tempo estará pronto?"  " -Quatro semanas".  " - Muito bem! Voltarei no fim de quatro semanas. E o preço?"  "- Cem ducados".

            O desconhecido, depois de contar o dinheiro, colocou-o sobre a mesa, e desapareceu. Mozart ficou mergulhado por alguns momentos em profundas reflexões. Depois pediu uma pena, tinta e papel e, apesar dos conselhos da esposa, se pôs a escrever. Este ímpeto de trabalho durou vários dias. Trabalhava dia e noite, mas o seu corpo enfraquecido não podia resistir a tão grande esforço. Certo dia caiu desacordado.

            Como sua mulher procurasse distraí-lo dos pensamentos sombrios que o atormentavam, disse-lhe Mozart bruscamente:  "- Estou certo de que este Réquiem servirá para os meus funerais!" E não houve argumentos que pudessem afastá-lo desta triste ideia. Continuou, porém, a trabalhar, como Rafael no seu quadro da transfiguração, com a ideia fixa na sua morte próxima. Mozart sentia que as suas forças diminuíam cada dia mas o seu trabalho avançava. No fim das quatro semanas o desconhecido voltou a casa de Mozart, conforme tinha combinado.  "- Não me foi possível cumprir a minha palavra..."  "- Não se preocupe - disse-lhe o desconhecido. De quanto tempo necessitais ainda?"  "- Mais quatro semanas. O trabalho inspirou-me um interesse que eu não imaginava, aumentando-o muito mais do que eu queria."  "- Neste caso, disse-lhe o desconhecido, é justo que os seus honorários sejam aumentados. Eis aqui mais 50 ducados." "- Mas,disse-lhe Mozart cada vez mais admirado, quem sois vós?" " -Não vem ao caso. Voltarei no fim das quatro semanas."

            Saindo o desconhecido, Mozart mandou que um dos seus domésticos o seguisse a fim de saber onde ia ele, mas o criado voltou pouco depois sem encontrar o menor vestígio do desconhecido.

            Daí em diante se meteu na cabeça de Mozart de que o desconhecido não era um homem comum. Tinha a certeza, dizia, de que aquele homem estava em relações com o outro mundo, e vinha como aviso do seu fim próximo.

            Não trabalhou mais com ardor no seu Réquiem, mas, apesar de ter desfalecido várias vezes, o trabalho ficou finalmente pronto antes das quatro semanas.
           
            O desconhecido voltou no tempo marcado, mas Mozart já não existia... 






sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O Batismo


O Batismo
José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Novembro 1946


            Moisés, o célebre legislador hebreu, no intuito de orientar o seu povo nos mais rudimentares preceitos de higiene, estabeleceu, além das leis de natureza político-religiosas, uma série de medidas que visavam defender a saúde daquele povo ainda inculto e agreste. Com efeito, o Velho Testamento recomenda lavar as mãos, os copos, os pratos, as camas, a roupa, etc., enfim, uma série de medidas de feição religiosa, cuja finalidade era formar certos hábitos indispensáveis à saúde do povo. Ora, o batismo judaico era, em última análise, uma dessas medidas de higiene, e, nesse ponto, ninguém tem maior autoridade para dizê-lo do que Flávio Josefo, célebre historiador 'judeu do 1º século. Profundo conhecedor das seitas religiosas do seu povo, diz, referindo-se a João, "chamado o Batista", que "a imersão na água (o batismo), agradável a Deus, era feita, não para a remissão dos pecados, mas para purificar, o corpo, desde que a alma tivesse sido purificada por uma via justa." (Antiguidades XVIII, 5, 2)

            A lavagem das roupas era também considerada um dos meios de santificação, mesmo antes da revelação do Sinai (Êxodo, XIX :10) e os rabis ligavam a isso o dever de banhar-se por imersão completa (Lev., XV:5; Números, XIX:7, etc.)

            Lendo os preceitos religiosos de outros povos antigos, chega-se à conclusão de que o batismo não começou com o Batista nem o batismo teve origem propriamente no povo judeu. Na antiga Babilônia, na índia, na China, etc., o batismo, no adulto ou na criança, de modo geral, se assemelhava ao batismo judaico-cristão. Mesmo entre os antigos pagãos, astecas, incas, etc., o batismo era praticado muito antes da influência do Cristianismo. Entre os pagãos, de onde provavelmente se originou o batismo que hoje se faz nas igrejas, a cerimônia, em geral, tinha lugar logo após o nascimento, ocasião em que o recém-nascido recebia o nome, sendo então colocado sob a proteção dos deuses.

            De acordo com os ensinos rabínicos, o batismo era praticado no antigo Judaísmo como meio de penitência, a fim de poderem pronunciar, em perfeita pureza, o nome de Deus nas orações. Os essênios, sem dúvida por isso, costumavam batizar-se, isto é, banhar-se, todos os dias pela manhã (The Jewish Encyclopedia, Isidore Singer, 2º vol., pág. 500).

            O batismo de João era, pois, um velho preceito de caráter religioso, que lembrava a ideia de purificação, cuja finalidade era evitar a propagação de doenças, sobretudo da lepra, comum entre os judeus daquela época. Jesus mesmo reconhecera a sua necessidade, tanto que, embora ele próprio não batizasse, os seus discípulos batizavam ainda mais que João (João, 4-:2). O próprio Batista via na tradição do batismo da água uma medida indispensável à saúde daquele povo que vivia em promiscuidade num país quente seco e poeirento. Jesus mesmo, para não escandalizar, pede ao Batista para ser batizado dizendo: "Deixa por agora, porque assim nos convém cumprir toda justiça" (Mat., 3:15). É claro que Jesus não tinha nenhum "pecado original" .

            Para Jesus o batismo tinha significação espiritual. Quando dois dos seus discípulos se aproximaram dele, e pediram que, no seu reino, lhes permitisse assentar-se um à sua direita e o outro à sua esquerda, Jesus respondeu: "Não sabeis o que pedis; podeis vós beber o cálice que eu bebo e ser batizado com o batismo com que sou batizado?" Eles responderam: "Podemos". Mas Jesus, como se já esperasse essa resposta, disse: "Em verdade vós bebereis o cálice que eu beber, e sereis batizados com o batismo com que sou batizado; mas assentar-se à minha direita ou à minha esquerda, não me pertence a mim conceder, senão àqueles para quem está preparado." (Marcos, 10:35-40) Compreende-se, pois, que Jesus aí não se refere ao batismo da água, mas às dificuldades e às lutas que teria de enfrentar. O cálice e o batismo simbolizam a vitória do seu Espírito diante das dificuldades terrenas. Não têm outra significação as suas palavras: "quem crer e for batizado será salvo", isto é, quem vencer a batalha da vida, quem vencer o mundo como ele venceu, alcançará a paz. A história do batismo da água para "lavar o pecado original" é pura invenção da Idade Média.

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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Relíquias



Relíquias
                                                                                              por José Monteiro Lima
in Reformador (FEB) Março  1946


            Sabemos, pelo estudo do magnetismo animal, que do corpo humano se escapam radiações magnéticas de natureza especial que vão influir nos objetos mais próximos, impregnando-os de fluido bom ou mau, segundo o indivíduo que o emitiu.
Deleuze diz, com efeito, que a maior parte dos sonâmbulos veem um fluido luminoso e brilhante envolver o seu magnetizador, principalmente na cabeça e nas mãos, acrescentando que o homem pode acumular à vontade este fluido e dirigi-lo no sentido de impregnar as diversas substâncias.

            Ainda que não haja o desejo de magnetizar, os objetos de uso pessoal são, naturalmente, os que mais facilmente podem ser impregnados pelo fluido emitido. Bozzano, num exaustivo estudo sobre tão importante problema "Enigmas da Psicometria", reconhece que tais objetos são verdadeiros intermediários entre as pessoas distantes, mercê de uma "influência" real impregnada no objeto pelo seu antigo possuidor e perceptível pelos sensitivos.

            Ora, as relíquias dos santos são objetos de uso pessoal, podem, algumas vezes, estar impregnados desse fluido. Catarina Emmerich, médium vidente-psicômetra, religiosa do convento de Agnetenberg (Alemanha), por exemplo, segundo o abade Cazales ("Vie d' Anne-Catherine Emmerich", pág. 15), de posse das relíquias dos santos podia contar não só as particularidades desconhecidas das suas vidas, como ainda a história da relíquia que  lhe fosse apresentada e os diversos lugares onde tinha sido colocada.

            De certo modo, algumas das curas conseguidas por intermédio de relíquias, objeto deste estudo, vêm corroborar a teoria de uma influenciação originária do objeto impregnado, assim como o auxílio que os próprios espíritos dos chamados santos, com os quais o doente entrou em relação.

            O Rev. Brewer ("Dictionary of Miracles", pág. 16) conta que Eutícia, mãe de Sta. Lúcia, estando aflita com um fluxo de sangue que os médicos não tinham podido curar, foi, a conselho de sua filha, visitar as relíquias de Sta. Ágata em Catânia. Quando Eutícia e sua filha chegaram ao túmulo de Sta. Agata, Lúcia orou pedindo que a santa intercedesse por sua mãe, a fim de curá-la da sua enfermidade. Quando orava, Sta. Ágata apareceu-lhe e disse: "Irmã Lúcia, porque me pedes uma coisa que tu mesma podes fazer? Pede a Deus, porque sabemos que Ele nos ama, e uma vez que ouve as minhas preces, ouvirá também as tuas". Terminada a oração, Lúcia encontrou sua genitora restabelecida.

            Pelos numerosos fatos registrados nos meios católicos e acatólicos, conclui-se que os objetos de uso pessoal, impregnados dos fluidos de determinado indivíduo, têm a propriedade de não só estabelecer relação entre o sensitivo e o antigo dono do objeto, como ainda podem agir benéfica ou prejudicialmente, segundo a natureza dos fluidos que acumularam. Com efeito, um objeto que tenha pertencido a um indivíduo que morrera de determinada doença tem, pelos fluidos que acumulou, a propriedade de pô-la em imediata relação com o médium, fazendo-o sentir todos os sintomas da moléstia.

            Se se tratar de um médium espírita que frequente  sessões bem orientadas, naturalmente a causa poderá ser facilmente afastada, o que nem sempre é possível quando o médium não é espírita. Deduz-se daí que nem só os micróbios materiais transmitem moléstias, porque fluidos perniciosos, doentios, agindo embora por intermédio do perispírito, podem, pela continuidade, influir no corpo físico a ponto de produzir a doença propriamente.    

            Do mesmo modo, sem que haja milagres, as relíquias de pessoas que tiveram vida modelar, naturalmente impregnadas de bons fluidos, podem curar ou ajudar na cura de um doente que tenha fé. 



sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Jesus de Nazaré


O Jesus de Nazaré
por José Monteiro Lima
 Reformador (FEB)  Junho 1946

            Nenhum livro tem sido tão discutido e analisado como os Evangelhos. No intuito de elucidar certos pontos e demonstrar a sua autenticidade, dirigentes escribas tem, nos últimos cinquenta anos, examinado os mais antigos documentos, visando estabelecer relações históricas entre Jesus e a sua época. Os quatro Evangelhos bastariam para confirmar a vida e a obra de Jesus naqueles recuados tempos, contudo teólogos e cientistas tem procurado em outras fontes, pelo exame das obras de antigos historiadores, comprovar a autenticidade do livro sagrado.
            Tchendorf, célebre teólogo alemão, que teve a felicidade de encontrar em 1859, no mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai, o antiquíssimo manuscrito bíblico, contendo o Velho e o Novo Testamento completos, chamado Códice Sinaíta, que está hoje no Museu Britânico, declarou, como resultado das suas observações, que “para nenhum livro clássico da Grécia antiga é possível convocar três testemunhas primitivas comparáveis aos códices Sinaítas, Vaticano e Alexandrino, para a confirmação e retificação do seu texto.”
            As “Biografias” de Suetônio, os “Anais” de Tácito, as “Cartas” de Plínio e outras obras antigas tem sido fontes de preciosas informações. Suetônio, célebre historiador do primeiro século, numa passagem que certamente se refere a Jesus (Cláudio, cap. 25), conta que o imperador Cláudioexpulsara de Roma os judeus que andavam continuamente agitados com a doutrina de Chrestus”. Alguns comentadores admitem que Suetônio, como os demais romanos da época, confundiam os judeus com os cristãos e que Chrestus, que lhe davam como chefe, não era outro senão Jesus Cristo, cujo nome alteraram.
            Tácito (Anais XV, 44) numa passagem ainda mais decisiva, conta que Nero, após o incêndio de Roma, mandou matar grande número de cristãos, explicando que esta seita devia o seu nome a um indivíduo chamado Cristus “que no reinado de Tibério, havia sido condenado ao suplício pelo procurador Pôncio Pilatos”. Temos, aí, com efeito, uma declaração definida da comunidade cristã do primeiro século.
            Tácito não nos dá, infelizmente, detalhes da crença e dos costumes dos membros desta seita, se bem que nos declare o nome do seu fundador, a época da sua morte e o nome do magistrado que o condenou. Tácito certamente não conhecera Jesus pessoalmente, se bem que os seus “Anais” tenham sido escritos provavelmente 36 anos depois da crucificação do Mestre, mas é possível que houvessem conhecido alguém que tivesse estado em contato com os seus discípulos.
            Entre os judeus é digno de menção o historiador Josefo, que deixou na sua obra “Antiguidades Judaicas” (XVIII, 5, 2), escrita vinte anos após a morte de Jesus, o seguinte trecho: “Nesse tempo (no tempo de Pilatos) - diz ele - viveu Jesus, homem sábio, se se pode chamá-lo de homem, porque fazia muitas maravilhas. Ensinava a verdade aos que desejavam ser instruídos, atraindo assim muitos judeus e gentios; era o Cristo. Acusado perante Pilatos pelos principais da nossa nação, Pilatos o mandou crucificar. Os que o amavam antes, não cessaram de o amar, porque, três dias depois da sua morte, se mostrou aos seus discípulos, vivo novamente. Os santos profetas haviam predito estas coisas dele, assim como de outras maravilhas, e a seita dos cristãos, que lhe deve o nome, subsiste até hoje.”
            Esta passagem, entretanto, tem sido contestada sob a alegação de que Josefo, judeu e fariseu da classe sacerdotal, que recebia favores do império, não iria exaltar o chefe de uma religião da qual o imperador era inimigo declarado.
            Renan não acredita que tenha havido interpolação, admitindo, porém, que o trecho acima tenha sido retocado por algum cristão, aceitando a passagem autêntica, no seu conjunto.
            O Talmud, livro sagrado dos judeus, poderia dar-nos páginas de grande valor histórico, mas, infelizmente, só encontramos referências sobre os processos de punição de ‘sedutores’ que atentam contra a pureza da religião judaica, declarando finalmente que Jesus tinha sido condenado segundo o testemunho de duas pessoas que o haviam trazido. Defensores do Judaísmo, provavelmente por causa das perseguições dos judeus, procuram esclarecer, porém, que esse Jesus não teria sido o fundador do Cristianismo, mas um outro Jesus que vivera 100 anos antes.
            De todos os testemunhos antigos, porém, nenhum se compara com o de Paulo de Tarso, cujas epístolas, principalmente a dirigida aos Gálatas, as duas aos Coríntios, e aos Romanos, que Renan classifica de ‘autenticidade incontestável’, são provas irrefutáveis da obra de Jesus.

            É desnecessário acrescentar outros testemunhos de teólogos e historiadores do primeiro século, mesmo porque não necessitamos de outra provas senão aquelas que os Evangelhos nos trazem pela sua beleza espiritual. Poderíamos responder aos contraditores, perguntando como Goethe quando, no fim da vida, lhe vieram dizer que haviam descoberto que o Evangelho de João não era autêntico: “Que é autêntico - respondeu o autor de Fausto - senão aquilo que é eternamente belo e verdadeiro?”