Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador Amaral Ornellas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Amaral Ornellas. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

João Batista

 Amaral Ornellas 


João Batista

por Amaral Ornellas (*)

Reformador (FEB) Maio 1919

 (*) Gustavo Adolfo do Amaral Ornellas, poeta, 

dramaturgo, jornalista e médium espírita brasileiro. 

Nascimento: 20 de outubro de 1885   Desencarne: 5 de janeiro de 1923.   Fonte: Wikipédia


Quem foi João Batista, o homem da solidão e do deserto, que alimentava o seu corpo com mel silvestre e a sua alma com os cânticos maravilhosos das glaucas folhagens, com as vozes misteriosas e soturnas da floresta?

Porque se embrenhava ele pelo fundo verde da mata, com o corpo mal coberto por uma pele de camelo, procurando o silêncio da sombra e bebendo o sol coado da folhagem dos arbustos?

Porque semelhava uma fera humana, de cabelos revoltos como um leão, de olhar felino como de um tigre e mãos crispadas como uma garra ameaçadora?

Porque fazia ecoar pelo deserto a sua voz rouquenha e tonitruante como a linguagem cavernosa dos trovões?

Porque o João falava ainda pelos lábios espirituais de Moisés, porque o Batista sentia a atração maravilhosa da floresta, em cujo seio Elias tinha meditado sobre a grandeza do Pai, chorando a miséria dos homens.

Porque o sol pequenino e brilhante que iluminava o corpo de Moisés, o óleo sagrado que lubrificara os músculos de Elias, foi o mesmo óleo que acendeu a lâmpada corpórea do João, foi o mesmo sol encarcerado na matéria do Batista.

Quando Moisés se despojava do invólucro material na terra de Moab, o seu espírito subia às tranquilas regiões siderais, embalado pelos soluços do povo que o chorava na planície. Subia para adquirir novas forças, beber novas luzes, sorver novos ensinos. Ascendia para descer depois mais iluminado e mais forte para viver o corpo de Elias, enquanto a sua primitiva carcaça se decompunha no vale de Moab entrando no grande laboratório da natureza para o geral aproveitamento das suas moléculas. A alma do profundo legislador hebreu, do divino pastor do rebanho de Israel, que, conhecendo o refluxo das águas do mar vermelho as passou a pé enxuto; profeta que, como nos diz a Bíblia, outro não houve semelhante em todas as coisas fortes e maravilhas grandes, veio com Elias viver a vida das feras, habitar as cavidades dos rochedos. De onde, na frase de Renan, saía como o raio para fazer e desfazer os reis.

Despojado da vestidura carnal de Elias, ergue-se Moisés novamente às paragens serenas do Bem, e assumindo no Alto a máxima integridade do seu espírito, volta ao Planeta na ascética figura de João Batista, para ser a voz clamante do deserto de que falava Isaías.

Aí é que a grandeza do seu espírito assume luminosidades fantásticas.

Seu Deus não é mais o que lhe aparecia numa chama ardente no meio de uma sarça; não mais o que incitava a cólera do anacoreta na aspérrima solidão do Carmelo, é o Pai todo carinho e brandura, que o mandara aparelhar o caminho da vida para a passagem luminosa do Amor.

Ouçamos a sua voz trovejando no deserto: “Fazei penitência!”

 “O machado está posto à raiz das árvores. Toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo. Eu na verdade nos batizo em água para vos trazer a penitência; porém o que há de vir depois de mim é mais poderoso do que eu, e eu não sou digno de desatar as correias das suas sandálias. Esse batizará no espírito santo e em fogo.”

Que extraordinário poeta era João! Poetar é traduzir por palavras as maravilhas da natureza! O poeta no momento em que sente acender-se no cérebro a lâmpada maravilhosa da inspiração é o mortal que mais sobe a Deus, porque interpreta o mundo através do verbo.

Que extraordinário poeta era João! Vê-se nas suas palavras essa estranha poesia do Oriente, forte porque rescende às virgens florestas; odorante, porque está impregnada da essência suave dos castanheiros em flor; límpida, poque reflete a pureza cristalina das águas dos córregos mansos que rasgam como uma lâmina o colo aveludado da selva.

O verbo de João tem pela forma por estrídulo (som agudo, penetrante) da floresta agitada, e o odor dos castanheiros e a limpidez das águas, se a ele pudermos erguer o nosso espírito. As suas palavras tem o poder admirável da síntese. Tentemos traduzir em linguagem corrente o poder dos seus símbolos: Fazei penitência; isto é, limpai a vossa alma, tornai-a pura como o vosso Pai é puro. Fazer penitência é não reincidir nos erros, é caminhar para Deus com a alma voltada para Ele, sem olhar para o caminho percorrido pelos crimes do pecado. Feita a penitência “eu vos batizo com água, porém outro virá depois de mim que vos batizará em fogo.”

A água é o símbolo da pureza, o fogo é a simbolização da tortura. Parece-me que o Batista queria dizer que limpava a alma para o futuro, mas o Outro, investido de funções mais santas, levava essa alma a olhar para o seu passado e sofrer o que era necessário para a sua purificação.

A dor é o cadinho por onde passam as nossas imperfeições. Eis o batismo de fogo, que só Deus poderia impor. Não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias. Forma admiravelmente poética para exprimir a inferioridade do seu espírito diante da maravilhosa espiritualidade daquele que vinha dizer ao mundo que a Terra é apena um pouso na estrada infinita da criação, porque muitos e muitos são os palácios de seu Pai.

“O machado está posto à raiz das árvores. Toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo.”

Forte imagem que num rápido traço sintetiza com máscula eloquência o que seria preciso acumular vocábulos sobre vocábulos, orações sobre orações, períodos sobre períodos para exprimir em linguagem comum o que o gênio define com um só jato do seu pensamento. O machado é a revelação de Jesus, é o verbo divino que se coloca ao lado do coração de cada homem. Aqueles cujos ensinamentos não aproveitarem serão entregues a sua própria ignorância, serão fechados dentro do círculo de fogo da sua imaginação, que anseia a luz mas que caminha para a treva, que aspira o Bem, mas que se chafurda no mal. O fogo é a própria tortura como a de um cego que sente o sol queimar lhe a epiderme mas não pode fita-lo entre as colchas douradas do poente ou no túmulo ensanguentado do Ocaso.

Imaginai agora o que a semente da doutrina de Jesus poderia produzir dentro do cérebro de cada homem, que diverge desta maleabilidade do seu caráter, como aquele diverge dos demais pelo entusiasmo das paixões que se aninham no seu íntimo, e chegareis à conclusão de que sobre esse símbolo do Batista poderiam escrever-se não períodos, porém livros sobre livros, tomos sobre tomos, toda a copiosa literatura de uma raça.

O Batista, como todos os grandes sonhadores, deixem-me chamar assim àqueles que passam pela Terra, sem viver na Terra, queria dar uma forma, um corpo à sua ideia. E essa corporificação da sua ideia ele a foi encontrar na fresca e límpida corrente do Jordão. O próprio Jesus não quis despertá-lo do seu grande sonho e lá foi, ainda como prova da mais rara humildade, receber o batismo daquele que não era digo de desatar as correias das suas sandálias.

“Eu vos batizo em água!”

Como acharemos profundas essas palavras se nos remontarmos à época em que floresceu João Batista. A água para os hebreus o único princípio de todas as coisas. Eu vos batizo em água! Isto é, eu vos batizo com o poder que tenho sobre a Terra. O Outro vos dará o batismo do fogo, porque tem em suas mãos o altíssimo poder dos céus.

A palavra do Batista era como uma vergasta de luz chicoteando e impureza dos homens. E como a abundância de luz ofusca as retinas, Herodíades que se ofendera com a pública verdade do seu adultério estigmatizado por João, consegue de Antipas o seu encerramento na fortaleza de Machero.

E uma noite em que o palácio do tetrarca se abrira luminosamente em festa, Salomé, a lubrica filha de Herodíades, depois de provocar Antipas, meio ébrio, com a formosura estuante da sua carne em flor, entre lascivos volteios de um dança caracteristicamente voluptuosa, estende, por insinuação materna, uma salva de prata ao tetrarca maravilhado e pede, com os lábios desabrochando em sorrisos, que sobre ela seja deposta a cabeça de João Batista.

Antipas, bêbado de vinho e ébrio de volúpia, ordena a um guarda que cumpra o estranho desejo da irrequieta Salomé.

E desce a guarda à fortaleza subterrânea. O Batista lá estava sereno, confiante, pensando - quem nos dirá? -  nas passagens mais íntimas do grande pastor das ovelhas de Israel, no canavial ondeante que à margem do rio escondeu o cestinho de junco que mal abafava o seu choro inocente.

E pensando em Moisés, talvez que um jato de sangue rubro lhe tivesse manchado a brancura da sua divagação espiritual, lembrando-se do cadáver daquele egípcio que soubera esconder na areia, como soubera esconder-se da cólera do Faraó, refugiando-se em terras de Madian.

Range soturnamente a porta do presídio, aproximando-se o guarda, refulge no ar uma lâmina brilhante, e eis calada a voz do que clama no deserto.

E assim terminou a missão do Batista, que foi a do precursor divino, a de preparar com o arado da sua palavra o terreno infértil onde Jesus plantou a semente do Amor.


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

O manjar de Jesus

 


O Manjar de Jesus

por Amaral Ornellas

Reformador (FEB) Abril 1919

             Quando os apóstolos, com Pedro à frente e Judas à retaguarda contemplando a bolsa cheia das moedas de Cesar, em troca das quais lhes foram dados os alimentos que tinham ido buscar à cidade, voltaram à herdade de Jacó, onde se achava Jesus, e, sentando-se em torno do Mestre abriram os seus farnéis para fazerem um ligeiro repasto, o meigo filho de Maria lhes disse com aquele sereno sorriso de bondade que sempre lhe pairava nos lábios: “Para comer tenho um manjar que vós não sabeis”.

                       Entreolharam-se admirados os discípulos e algum deles sussurraram para os outros: “Porventura alguém lhe trouxe de comer?” E Jesus, compreendendo a admiração de todos, deu uma forma mais completa à ideia que apenas tinha esboçado: “A minha comida é fazer a vontade d'Aquele que me enviou para cumprir a sua obra”. E mais uma parábola de ouro jorrou dos seus lábios para ilustrar a literatura dos evangelhos. Reflitamos sobre essas palavras que não foram compreendidas por Pedro, que causaram pasmo a todos, deixando Judas, como sempre, desatento e indiferente, imerso naquela frieza que o induziu à traição e ao desespero.

             Que manjar era esse que os discípulos ignoravam e que ele tinha para comer?

             Era a frutificação das boas noções praticadas na Terra, ações que subiam nos céus para serem cosidas pelo Pai, e de lá voltavam para o alimento da sua alma. Se nos  lembrarmos que Jesus, na ausência dos seus apóstolos, sentado à borda do poço de Jacó, confabulava com aquela mulher samaritana, mostrando-lhe que a verdadeira água viva é aquela que se bebe nas cisternas do Bem, veremos que o manjar que ele tinha para o sustento do seu espírito, era a conversão daquela ovelhinha desgarrada que balindo junto ao grande rebanho da Samaria, ia conduzi-lo pelos Campos do Senhor, onde também pasciam (pastavam) as outras ovelhas irmãs - os judeus - separadas do aprisco comum pelas constituições políticas.

             Ele próprio nos afirma quando conclui o seu pensamento; “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou para cumprir a sua obra”.

             Segue-se a parábola:

             “Levantai os vossos olhos e olhai para estas terras que já estão branquejando próximas à ceifa.”    

            Erguei os olhos para a humanidade, em cujo seio, plantando a semente da verdade, fiz brotar o amor que se vai preparando para sega (ceifa).

             “E o que sega recebe galardão e ajunta fruto para a vida eterna; para que assim o que semeia, como o que sega, juntamente se regozijem.”

             Aquele que colher o Amor e souber conserva-lo nos vasos dourados da sua alma, terá alcançado essa virtude para sempre, terá conseguido a bem-aventurança para a sua vida imperecível. E quem semeou essa graça, quem conduziu a ignorância ao tabernáculo da verdadeira ciência sentirá o seu coração inundado de felicidade vendo a frutificação dos seus esforços.

             “Enviei-vos a segar o que vós não trabalhastes; outros foram os que trabalharam e vós entrastes nos seus trabalhos.”

             Homens! não pudestes plantar porque não tínheis o segredo da semente que eu lancei sobre a infertilidade do solo, depois de adubado pela revelação de mim próprio. Mas podeis segar, podeis colher os frutos por mim semeados. Outros foram os que trabalharam por vós: fui eu, foi o Batista, depois de ter passado pela fase da ignorância e pelo cadinho da purificação, pondo o livre arbítrio em auxílio da moral e em caminho do progresso da ciência que nos dá o perpétuo conhecimento de todas as coisas.

             Lembremo-nos de que Jesus, falando aos discípulos, falava para a humanidade inteira, porque eles eram o espelho onde se refletiam os raios de luz que se tinham de projetar pelos anos em fora.  

             Depois da colheita, plantai o que colhestes para que outros possam gozar dos vossos trabalhos. Um planta e outro colhe, porém ambos se regozijam, porque a humanidade é uma grande cadeia, em cujos elos se prendam desde o homem das cavernas - uma das primeiras manifestações do espírito consciente - até o Espírito dos Espíritos, o Elo dos Elos, que é Deus.

             O alimento da carne são as múltiplas modalidades da carne, mas a luz é o pão único da alma. Fortalece-se o espírito nas lutas intelectuais em demanda da moral reparadora e em busca da ciência que revela os mistérios do Todo.

             Trabalha-se para o bem comum, para que outros se completem com o produto do nosso engenho. Mas esses que de nós aprenderam, que por nós souberam caminhar, levam aos outros que mal ensaiam os primeiros passos, o segredo do equilíbrio da vida.

             Assim tem sido e assim continuará a ser pelos séculos afora. Os homens bebem a luz nas gerações do passado e lançam novas luzes à geração do futuro.

             E aquele que jornadeia pela Terra, inspirando-nos no Bem e empunhando o facho da verdade para iluminar as tortuosas veredas da existência, aclarando os caminhos para os outros que lhe seguem os passos, recebe, por certo, a esperança que alimenta a alma, o manjar que Jesus tinha reservada para o seu repasto divino.

             Os apóstolos não compreenderam as palavras do Mestre, mas talvez as tivessem adivinhado pelo coração.

             Nós, porém, refletimos sobre elas à luz do século XX e iluminados por esses dois grandes sóis que são Kardec e Roustaing.


segunda-feira, 29 de junho de 2020

A proibição de Moisés

A Proibição de Moisés
por Amaral Ornellas
Reformador (FEB) Julho 1919

            Sob a autoridade do grande legislador do povo hebreu, os inimigos do espiritismo florescente condenam-a na prática e os seus mais santos misteres, relembrando palavras que se acham consignadas nas composições bíblicas.
            Ilustremos com essas próprias palavras o nosso despretensioso artigo.
            Diz o cap. XVIII do “Deuteronômio” versículos 10 e 11: 

     “Nem se ache entre vós quem consulte adivinhos ou observe sonhos e agouros, nem quem seja feiticeiro ou encantador, nem quem indague dos mortos a verdade.”

            Condenava Moisés a consulta aos adivinhos, a interpretação dos sonhos, os sortilégios e encantamentos e as perguntas feitas aos mortos para indagação da verdade.
            O espiritismo, não a baixa magia negra que muitas vezes se oculta sob as suas asas benéficas, outra coisa não faz do que repetir aos inexperientes os mesmos conselhos do legislador hebreu.
            Combate o espiritismo toda sorte de superstições e jamais aconselhou que, pela curiosidade, fossem os seus adeptos movidos a interrogar aqueles que impropriamente denominamos mortos.
            Os espíritas nada perguntam. Os seus irmãos de além-túmulo vêm sob o protetorado de Jesus e dizem, clara ou veladamente, o que lhes é permitido.
            Moisés, porém, não proibia nem podia proibir as comunicações com o invisível, pois o seu espirito brilhante não se achava ainda corrompido pelo maquiavélico conceito jesuítico que só muito mais tarde veio a humanidade conhecer: “Faze o que eu digo e não o que eu faço.”
            Moisés confabulava com os espíritos do Senhor e não fazia mistério desse comércio intelectual que mantinha com o Além. Não podia, portanto, condenar o que ele próprio praticava.
            Ele não disse: ninguém converse com aqueles que já se foram, e sim: ninguém indague dos mortos a verdade.
            A proibição de Moisés é repetida por todos os espíritas: Não procureis saber dos desencarnados aquilo que devereis adquirir pelo vosso próprio esforço. Não perturbeis o silêncio dos vossos amigos do Espaço com indagações frívolas e perguntas pueris.
            Mais estremado da doutrina de Moisés do que os pregadores de hoje, deveriam mostrar-se Saul e outras personagens bíblicas.
            Elias, no entanto, como médiuns que eram, mantinham com o Espaço relações muito estreitas. Colhendo dessas relações salutares princípios de moral, governavam os povos sob a inspiração que lhes vinha da pátria. Elas bem compreendiam o alcance das palavras de Moisés.
            Os antagonistas da nova Revelação não procuram refletir sobre os motivos que determinaram aquelas palavras e, decalcando a Bíblia nos versículos transcritos, combatem as manifestações espíritas sem o apoio do bom senso.
            Acham eles que os fenômenos mediúnicos se dão por artimanhas do Demônio, símbolo algumas vezes empregado pelo Cristo e que a ignorância elevou à categoria de um deus maligno.  
            O missionário que conduzia o povo de Israel, acreditava na comunicação com os mortos; não as atribuía a Satanás, afirma com bastante clareza o texto citado, que vem demonstrar à evidência que a casta sacerdotal hoje se encontra em pleno desacordo com Moisés.
            Se pensasse como ele não veria nas sessões espiritistas manobra do inferno.
            Não professando as suas ideias, por que é, então, o seu nome lembrado como uma grande autoridade no assunto? Para estabelecer a confusão que baralha e ensombra o mundo das ideias que se vão espiritualizando.
            Mas os sectários da doutrina do Amor que vem evangelizando os povos, terão o cuidado de dizer bem alto para que todos escutem; Nós ainda respeitamos, com fervor religioso, esse útil conselho dado à humanidade pelo profeta do Sinai. Mas, quando o desrespeitássemos, não poderia ser o espiritismo derrocado, porque Moisés legislou para a sua época e nunca para os tempos modernos. Muitas das suas ordenações já não se cumprem, pois o progresso, na sua marcha de luz, vem demolindo a obra perecível do homem para desvendar-lhe os segredos da harmonia divina.
            Depois de Moisés novos instrutores surgiram e após eles o Profeta dos profetas: - Jesus.
            Cumprindo as leis morais exemplificadas pelo Augusto Filho de Maria, teremos dado insofismável cumprimento a todos os preceitos perdidos na noite tenebrosa dos tempos.
            Os espíritas ainda prestam franco apoio à proibição de Moisés, quanto às perguntas feitas nos mortos, E assim é. Seguem-no quando os seus decretos ainda condizem com as máximas de Amor preconizadas pelo Cristo; desprezam-no quando ele, arvorado em condutor de um povo de cerviz dura, ditava leis ainda mais duras do que a sua cerviz.
            Mas os que combatem o espiritismo em nome da Igreja de Roma, não seguem Jesus nem Moisés. Não seguem Jesus por que da tolerância fizeram o dogma; do amor, um artifício; da caridade, um balcão.
            Estando cm pleno desacordo com Moisés, como patenteamos acima, também desrespeitam as suas leis, como provaremos transcrevendo apenas dois versículos do “Deuteronômio”, na impossibilidade de encher estas colunas com inúmeros outros.

            Cap. VII, versículo 26:
            “Nem em tua casa meterás coisa alguma que seja de ídolo, para não vires a ser anátema como ele o é também.”

            Moisés mandava escrever essas palavras no limiar e nas portas de todas as casas, para que elas se gravassem em todos os corações.
            Eles não as inscrevem no íntimo da alma, pois mercadejam com breves, amuletos e escapulários e levantam estátuas para serem idolatradas.
            Infringem, assim, uma das leis que os espíritas respeitam integralmente.  
            Ouçamos agora o versículo 8 do capítulo XIV:  

            “O porco também será para vós imundo: não comereis da carne desse animal.

            Os espíritas que refletem sobre as causas dessa prescrição inteligente, que tem bem vivos na memória os ensinamentos de Jesus quando ele dizia que não era o alimento que tornava o homem impuro, não ligam o mínimo apreço à essa censura que já produziu os seus frutos, porque eles só acompanham os preceitos bíblicos no que concerne com o adiantamento moral da humanidade de agora.
            Os seus contraditores, porém, que tão zelosos se mostram pelos dispositivos contidos no Velho Testamento, não dispensam nos lautos banquetes com que humilham os famintos, o tradicional leitãozinho de fomo, encolhido e amortalhado com rodelinhas de limão verde.
            Nova e indesculpável infração para aqueles que se arraigam à letra, menosprezando os símbolos. 
            E nada mais precisamos acrescentar para que fique demonstrada esta verdade que nos entristece: De Moisés e do seu código eles só se recordam para apavorar os incautos; de Jesus, desgraçadamente, eles não se lembram nunca.
            Os espíritas amam a Jesus, sem negar a Moisés o papel proeminente que lhe coube no cenário do mundo.
            Veneram o rutilo espírito que conduzia através do deserto o povo de Israel, mas o seu grande Mestre é Jesus, o Eleito dos eleitos, o médium de Deus.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

A Bíblia



A Bíblia
por Amaral Ornellas
Reformador (FEB) Julho 1919

            A Bíblia é um livro primoroso, que, atravessando séculos, se tem imposto à literatura de todos os tempos.

            Esse admirável conjunto de belezas enfeixado no livro dos livros, poemas esparsos pela multidão que os repetia de boca em boca, como os rapsodos (é o nome dado a um artista popular ou cantor que, na antiga Grécia, ia de cidade em cidade recitando poemas (principalmente epopeias de Homero) os versos de Homero, constitui um manancial de virtudes e de poesia, onde todas as literaturas têm ido haurir o Belo, onde todas as religiões se têm abeberado da Verdade.    

            Encontram-se na Bíblia os fastos históricos, narrados segundo os costumes da época, obedecendo a crença e nos hábitos daqueles povos ainda na infância, episódios que ora aumentados pela imaginação ora desvirtuados pelo paganismo reinante, envoltos naquela misteriosa poesia do Oriente, se reuniram para formar esse códice precioso, onde a parte celeste, vestindo a túnica da lenda, se promiscui com os fatos terrenos, muitas vezes despidos de eloquência na sua simplicidade ingênua, e várias outras cobertos pelos andrajos humanos.

            Da Bíblia devemos separar as leis onde se acha impresso o sinete divino dos preceitos firmados pelos homens para servirem de norma à conduta de um povo escravizado e inculto como era o de Israel.

            A parte humana foi apagada pelo surto luminoso do progresso; a divina ficou a
irradiar-se pelas épocas em fora.

            Se podemos olhar com os olhos do espírito para as ordenações que embalaram os primeiros vagidos da humanidade do passado, devemos fazê-lo para que nós possamos embrenhar na história dos nossos ancestrais e dela tirarmos o suco da fé que nos alimenta a vida.

            Mas, se para essas páginas santas olharmos com os olhos da carne, não procuremos jamais interpretá-las, pois conduzidos seremos aos mesmos desatinos que afastaram a Igreja de Roma do Redentor da Humanidade.

            À sombra do Velho Testamento armaram-se fogueiras, em cujo fogo ainda nos abrasamos. São de ontem e bem de ontem os soluços das vítimas.

            Não lentemos ressuscitar esse pretérito lúgubre.

            A Bíblia, nos tempos presentes, deve ser estudada e lida pelos olhos da espiritualidade.

            Ela é um livro de símbolos, e como tal deve ser aberta à luz do século que nos ilumina.

            Aferrados à letra da Bíblia, alheios aos prejuízos oriundos das suas interpretações errôneas, os inimigos da luz fazem dela um espantalho com que procuram apavorar aqueles que, trôpegos ainda, procuram palmilhar a estrada da Verdade.

            Torcem e retorcem a seu modo os velhos símbolos colecionados nos livros santos, cheios de entusiasmo pelas asperezas da forma que os reveste e de manifestos rancores pela essência que dos mesmos se desprende.

            Moisés é a cada momento lembrado para esmagar os seus inimigos. Não meditam sobre o caráter da sua missão em face da humanidade endurecida daquela época.

            Eles bem sabem que na Bíblia há decretos de caráter transitório e preceitos imutáveis como as leis da natureza. Preferem, porém, simular ignorância, apontando aos neófitos os textos bíblicos interpretados a seu talante, onde a alma sedenta de luz, encontra o vácuo e a treva.

            Mas, à frente das suas investidas perniciosas encontrarão eles os denodados apóstolos da Fé Nova, abrindo aos olhos dos incautos as páginas da história criminosamente deslembradas.

            Jesus, - o espírito máximo em relação ao nosso planeta -, veio dar exato cumprimento à pura lei emanada do Alto e sempre lembrada pelos profetas, como registra a Bíblia. No entretanto, os decretos de caráter transitório, suscetíveis de modificação como todas as constituições políticas dos povos, quando não mais satisfazem as suas condições de vida, envolveram-no nas suas malhas de ferro, conduzindo-o ao mais execrando dos suplícios.

            Dizia Moisés ao povo para o qual legislava: “Se se levantar no meio de ti um profeta e predisser algum sinal ou prodígio e suceder assim como ele falou, e te disser: Vamos, sigamos os deuses estranhos que não conheces, não ouvirás as palavras do tal profeta que será entregue à morte. Não estejas pelo que ele te diz, mas logo o matarás”.

            Jesus aos olhos pasmos de toda a Judeia operava prodígios. Jesus vinha pregar um Deus estranho. Eles conheciam o deus do extermínio; Jesus falava em nome de um Deus de Doçura. Era um falso profeta!

            E se os doutores de outrora conduziram o Mestre dos mestres ao cimo do Gólgota sob o patrocínio da letra da lei, não é de estranhar que os teólogos de agora procurem esmagar o Consolador por ele prometido à humanidade escrava das suas impurezas, sob a autoridade desses mesmos decretos.

            Mas outros são os tempos. Vinte séculos de progresso trazem a experiência e o amadurecimento da razão.

            Podem eles erguer a Bíblia como um grande espantalho no meio dos simples.
Os simples terão olhos para ver, a luz que da mesma se irradia.

            Os próprios versículos bíblicos dirão com sabedoria e eloquência: Esses crucificariam de novo o Cristo, se Ele descesse dos píncaros da sua glória ao inferno paul (pantanoso) das nossas misérias.