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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Fora da Doutrina Não Há Orientação Segura


Fora da Doutrina
não há orientação segura

Tibúrcio Barreto / Indalício Mendes
Reformador (FEB) Abril 1955

            Nota-se, com pesar, a multiplicação de "centros", "cabanas" e outros grupamentos ditos espíritas, onde se tem a impressão de ambiente nitidamente católico; em virtude das imagens espalhadas liberalmente em altares e de práticas que, longe de serem espíritas, pois o Espiritismo não as endossa, são evidentemente da liturgia romana. Além disto, pessoas sem suficiente educação doutrinária de Espiritismo, trazem para este preconceitos e hábitos católicos e de outras origens, assim como já estão levando para o perigoso setor das festividades sociais o nosso credo, deturpando-o pelo enxerto que realizam abusivamente. Assim, tal como há missas de formatura, batizados e casamentos, também já estão sendo feitas (!), em determinados agrupamentos ditos espíritas, "preces" de casamentos, batizados e formaturas...

            Mais do que nunca há necessidade de uma união muito íntima e permanente em torno dos princípios pregados e defendidos pela Federação Espírita Brasileira, sustentáculo da Doutrina firmada através dos livros de Allan Kardec. A facilidade com que são criados e improvisados 'centros" espíritas, por pessoas sem idoneidade doutrinária, muitas vezes sem o esclarecimento dispensável para assumir a enormíssima responsabilidade de direção de uma casa dessa natureza. Daí essa invasão de preceitos e procedimentos que se antagonizam com a Doutrina Espírita, que não aceita nem admite imagens, não cultiva a idolatria e não se prende a disciplinas litúrgicas, consoante os ensinamentos deixados por Allan Kardec. Tudo isso acontece porque muitos "centros" são dirigidos por quem não reúne qualidades para tanto. Um diretor de casa espírita, para desincumbir-se satisfatoriamente de sua função, deve estar atento aos preceitos doutrinários e não permitir que de modo algum a Doutrina seja desrespeitada e enfraquecida pela introdução de normas exóticas, trazidas de outras religiões, principalmente daquelas que se interessam pelo debilitação do Espiritismo como Religião racional, Ciência progressiva e Filosofia da Alma na dupla ambiência do material e do imaterial.

            Todos os esforços dos bons espíritas deve, pois, convergir para o estudo e para a difusão da Doutrina. Preliminarmente, ninguém deve ignorar que não são práticas normais nem admissíveis no Espiritismo as realizações de casamentos, batizados, batizados de animais (!), missas, bênçãos de espadas, de automóveis, de casas comerciais, de campos esportivos, preces de ação de graças por formaturas, etc., etc., etc. Os que assim procedem ou aceitam essas coisas demonstram não se haverem libertado ainda dos hábitos católicos, tanto que trazem para o Espiritismo as práticas que colidem frontalmente com a nossa Doutrina. Desse modo, estão favorecendo a intenção dos padres, que querem a corrupção do Espiritismo, de seus princípios doutrinários e de suas práticas simples, para que eles mesmos possam oportunamente encontrar pretextos para o combate à nossa crença.

            Eis porque importa muito estudar a Doutrina e propagá-la com tenacidade. Ninguém pode fazer-se espírita verdadeiro de um dia para outro, só porque aceitou sem maior estudo certas manifestações fenomênicas ou porque teve também o "seu caso positivo", que o fez voltar-se para o Espiritismo. Ninguém pode dizer-se realmente espírita apenas por ser médium, visto como este dom pode ser de qualquer um, espírita ou não, crente ou descrente. O que torna alguém espírita, no seu sentido mais puro, é o conhecimento e a exemplificação da Doutrina, sua conduta moral em face desta e do Evangelho. Já o dissera Allan Kardec: "Anos são precisos para formar-se um médico medíocre e três quartas partes da vida para chegar-se a ser um sábio. Como pretender-se em algumas horas adquirir a ciência do infinito? Ninguém, pois, se iluda: o estudo do Espiritismo é imenso; interessa a todas as questões da metafísica e da ordem social; é um mundo que se abre diante de nós. Será de admirar que o efetuá-lo demande tempo, muito tempo mesmo?" (Allan Kardec, "O Livro dos Espíritos" - "Introdução ao estudo da Doutrina Espírita".)

            Em suma, o que vem sendo feito para imitar a Igreja católica representa gravíssimo erro, digno de ser vigorosamente combatido. Aqueles que estão transformando casas chamadas de espíritas em capelas cheias de santos e velas, trazendo para os centros rituais próprios do Catolicismo e de outras religiões, estão contribuindo para o fortalecimento dos adversários do Espiritismo e para o enfraquecimento do movimento espírita. Não podem, portanto, estar bem orientados. Já o fato de alguns adotarem como denominação oficial de seus centros ou "cabanas" o nome de espíritos, sem dúvida iluminados, precedidos dos adjetivos "São", "Santo" e "Santa", revelam não se encontrarem ainda desvencilhados da influência católica, tanto que consideram imprescindível titular os patronos de suas casas como o faz a Igreja.

            Mais do que nunca, os espíritas esclarecidos devem cerrar fileiras em torno da Doutrina que nos legou Allan Kardec. Trabalhar por ela, difundi-la, popularizar cada vez mais seus princípios essenciais, pelo menos, a fim de que se possa, numa campanha de reeducação e de elucidação, impedir que o erro se propague e se consolide.


            Compreendam todos aqueles que se encontram a serviço da causa espírita: fora da Doutrina não há orientação segura.


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Na Escola


Na Escola
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Março 1955

            A Terra é uma grande e abençoada escola, em cujas classes e cursos nos matriculamos, solicitando - quando já possuímos a graça do conhecimento - as lições necessárias à nossa sublimação.

            Todas as matérias que constituem o patrimônio do educandário, se aproveitadas por nossa alma, podem conduzir-nos aos resultados que nos propomos atingir.

            Não existe, porém, ensinamento gratuito para a comunidade dos aprendizes.

            Cada aquisição tem o preço que lhe corresponde.

            A provação da riqueza é sedutora, mas repleta de perigos cruéis.

            A passagem na pobreza é simples e enternecedora, contudo, oferece tentação permanente ao extremo desespero.
            O estágio na beleza física é fascinante, entretanto, mostra escuros abismos ao coração desavisado.

            A demora no poder é expressiva, todavia, atrai dificuldades infernais, que podem comprometer-nos o futuro.

            O ingresso na cultura da inteligência favorece a posse de verdadeiros tesouros, no entanto, nesse setor, o orgulho e a vaidade representam impertinentes verdugos da alma.

            A estação de calmaria na vida familiar é tempo doce e agradável ao espírito, mas, ai dentro, no oásis do carinho, o monstro do egoísmo pode enganar-nos o coração.

            Em qualquer parte onde estiverdes, acordai para o bem!..

            Recordai que o ouro e a intelectualidade, os títulos e as honras, as aflições e os sofrimentos, as posses e os privilégios são meros acidentes no longo e abençoado caminho evolutivo.


            Lembrai-vos de que a vida é a eternidade em ascensão e não vos esqueçais de que, em qualquer condição, só no cultivo do amor puro conseguireis edificar para a vitoriosa imortalidade. 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Assemelha-se à criança


Assemelha-se
à criança

 19,13 Foram-Lhe, então, apresentadas algumas crianças para que as abençoasse e orasse por elas. Os discípulos, porém, as afastaram.
19,14 Disse-lhes Jesus: “ -Deixai vir a mim essas crianças. Não as impeçais. Porque o reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham.
19,15 E, depois de impor-lhes as mãos, continuou Seu caminho.

          Para Mt (18,13-15) -Assemelha-te a Criançaencontramos a orientação de Kardec, no Cap. VIII de  “O Evangelho...”:

            “... uma vez que o espírito da criança já viveu, por que não se mostra ele, desde o nascimento, tal qual é?”

            “...seria preciso que a atividade do princípio inteligente fosse proporcional à fraqueza do corpo que não poderia resistir a uma atividade muito grande do espírito, assim como se vê nas crianças muito precoces. É por isso que, desde a proximidade da encarnação, entrando o Espírito em perturbação, perde, pouco a pouco, a consciência de si mesmo; ele, durante um certo período, permanece numa espécie de sono durante o qual todas as suas faculdades se conservam em estado latente.”

            “...a partir do nascimento, suas idéias retomam gradualmente impulso, à medida que se desenvolvem os órgãos, de onde se pode dizer que, durante os primeiros anos, o espírito é verdadeiramente criança, porque as ideias que formam o fundo do caráter estão ainda adormecidas.”

            “...o espírito reveste, pois, por um tempo, a túnica da inocência e Jesus está com a verdade quando, malgrado a anterioridade da alma, toma a criança por emblema de pureza e da simplicidade.”

            Colocada a palavra de Kardec, leiamos a Néio Lúcio por Chico Xavier, em  “Jesus no Lar”, que nos conta uma historieta onde Jesus nos fala de criança, de caridade e de benemerência:

            “...em zona montanhosa, através de região deserta, caminhavam dois velhos amigos, ambos enfermos, cada qual a defender-se, quanto possível, contra os golpes do ar gelado, quando foram surpreendidos por uma criança semimorta, na estrada, ao sabor da ventania de inverno.

            Um deles fixou o singular achado e clamou, irritadiço: “Não perderei tempo. A hora exige cuidado comigo mesmo. Sigamos em frente!”

            O outro, porém, mais piedoso, considerou:
            - “Amigo, salvemos o pequenino. É nosso irmão em humanidade.”

            - “Não posso - disse o companheiro, endurecido - sinto-me cansado e doente. Este desconhecido seria um peso insuportável. Temos frio e tempestade. Precisamos ganhar a aldeia próxima sem perda de minutos.”

            E avançou para adiante em largas passadas.

            O viajor de bom sentimento, contudo, inclinou-se para o menino estendido, demorou-se alguns minutos colocando-o paternalmente ao próprio peito e, aconchegando-o ainda mais, marchou adiante, embora menos rápido.

            A chuva gelada caiu, metódica, pela noite a dentro, mas ele, sobraçando o valioso fardo, depois de muito tempo atingiu a hospedaria do povoado que buscava. Com enorme surpresa, porém, não encontrou aí o colega que o precedera. Somente no dia imediato, depois de minuciosa procura, foi o infeliz viajante encontrado sem vida, num desvão do caminho alagado.

            Seguindo à pressa e a sós, com a ideia egoística de preservar-se, não resistiu à onda de frio que se fizera violenta e tombou encharcado, sem recursos com que pudesse fazer face ao congelamento, enquanto que o companheiro, recebendo, em troca, o suave calor da criança que sustentava junto do próprio coração, superou os obstáculos da noite frígida, guardando-se indene de semelhante desastre. Descobrira a sublimidade do auxílio mútuo... Ajudando ao menino abandonado, ajudara a si mesmo. Avançando com sacrifício para ser útil a outrem, conseguira triunfar dos percalços da senda, alcançando as bênçãos da salvação recíproca...

            Foi então que Jesus, depois de curto silêncio, concluiu expressivamente:


            -As mais eloquentes e exatas testemunhas de um homem, perante o Pai Supremo, são as suas próprias obras. Aqueles que amparamos constituem nosso sustentáculo. O coração que socorremos converter-se-á agora ou mais tarde em recurso a nosso favor. Ninguém duvide. Um homem sozinho é simplesmente um adorno vivo da solidão, mas aquele que coopera em benefício do próximo é credor do auxílio comum. Ajudando, seremos ajudados. Dando, receberemos: esta é a Lei Divina. ”

Casamento e Divórcio


Casamento
e Divórcio

19,3   Os fariseus vieram perguntar-lhe, para po-lo a prova: É permitido a um homem rejeitar sua mulher por um motivo qualquer? 19,4  Respondeu-lhe Jesus:“ -Não lestes que o Criador, no começo, fez o homem e a mulher e disse:
19,5  Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois viverão uma só vida!
19,6  Assim, já não são duas, mas uma só vida, portanto, não separe o homem o que Deus ajuntou”
19,7  Disseram-lhe eles: - Por que, então, Moisés ordenou dar um documento de divórcio à mulher, ao rejeitá-la?
19,8 Jesus respondeu-lhes: “É por causa da dureza de vosso coração, que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres, mas, no começo, não foi assim.
19,9 Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de noiva infiel, e esposa uma outra, comete adultério. E, aquele que esposa uma mulher rejeitada, comete também adultério.
19,10 Seus discípulos disseram:  - Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor  não  casar!
19,11 Respondeu Ele: “ -Nem todos são capazes de compreender o sentido destas palavras, mas somente aqueles a quem foi dado compreender.
19,12 Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, e há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmo se fizeram eunucos por amor do reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda.”

            Para Mt (19,3-12), -Casamento e Divórcio - encontramos a palavra de Kardec, em  “O Evangelho...”, no seu Cap. XXII:

            “Não há de imutável senão o que vem de Deus; tudo o que é obra dos homens está sujeito a mudanças. As leis da Natureza são as mesmas em todos os tempos e em todos os países; as leis humanas mudam segundo os tempos, os lugares e o progresso da inteligência. No casamento, o que é de ordem divina é a união dos sexos para operar a renovação dos seres que morrem; mas, as condições que regulam essa união são de ordem tão humana, que não há no mundo inteiro, e mesmo na cristandade , dois países em que elas sejam absolutamente as mesmas, e que não haja um em que elas não tenham sofrido mudanças com o tempo.”

            “Mas na união dos sexos, ao lado da lei divina material, comum a todos os seres vivos, há uma outra lei divina, imutável, como todas as leis de Deus, exclusivamente moral e que é a lei de amor. Deus quis que os seres estivessem unidos não somente pelos laços da carne, mas pelos da alma, a fim de que a afeição mútua dos esposos se transportasse para seus filhos, e que eles fossem dois, em lugar de um, a amá-los, a cuidá-los e fazê-los progredir.”

            “Mas, nem a lei civil, nem os compromissos que ela faz contrair, podem suprir a lei do amor se esta lei não preside a união; disso resulta que, freqüentemente, o que se une à força, se separa por si mesmo; que o juramento que se pronuncia ao pé do altar torna-se um perjúrio se dito como uma fórmula banal; daí as uniões infelizes, que acabam por se tornar criminosas; dupla infelicidade que se evitaria se, nas condições do casamento, não se fizesse abstração da única lei que o sanciona aos olhos de Deus: a lei do amor. Quando Deus disse: “Vós não sereis senão uma mesma carne”; e, quando Jesus disse: “Vós não separareis o que Deus uniu”, isso se deve entender da união segundo a lei imutável de Deus, e não segundo a lei variável dos homens.”

            “O divórcio é uma lei humana que tem por fim separar legalmente o que está separado de fato; não é contrária à lei de Deus, uma vez que não reforma senão o que os homens fizeram, e não é aplicável senão nos casos em que não se levou em conta a lei divina...”
           
          Para Mt (19,6), -O que Deus ajuntou não o separe o homem... - buscamos Emmanuel por Chico Xavier, em “Caminho, Verdade e Vida”:

            “A palavra divina não se refere apenas aos casos do coração. Os laços afetivos caracterizam-se por alicerces sagrados e os compromissos conjugais ou domésticos sempre atendem a superiores desígnios. O homem não ludibriará os impositivos da lei, abusando de facilidades materiais para lisonjear os sentidos. Quebrando a ordem que lhe rege os caminhos, desorganizará a própria existência. Os princípios equilibrantes da vida surgirão sempre, corrigindo e restaurando...A advertência de Jesus, porém, apresenta para nós significação mais vasta.

            “Não separeis o que Deus ajuntou”    corresponde também ao “não perturbeis o que Deus harmonizou.”

            Ninguém alegue desconhecimento do propósito divino. O dever, por mais duro, constitui sempre a vontade do Senhor. E a consciência, sentinela vigilante do Eterno, a menos que esteja o homem dormindo no nível do bruto, permanece apta a discernir o que constitui  “obrigação” e o que representa “fuga”.

            O Pai criou seres e reuniu-os. Criou igualmente situações e coisas, ajustando-as para o bem comum.

            Quem desarmoniza as obras divinas, prepara-se para a recomposição. Quem lesa o Pai, algema o próprio “ eu ” aos resultados de sua ação infeliz e, por vezes, gasta séculos, desatando grilhões...

            Na atualidade terrestre, esmagadora percentagem dos homens constitui-se de milhões em serviço reparador, depois de haverem separado o que Deus ajuntou, perturbando, com o mal, o que a Providência estabelecera para o bem.

            Prestigiemos as organizações do Justo  Juiz que a noção do dever identifica para nós em todos os quadros do mundo.


            Às vezes, é possível perturbar-lhe as obras com sorrisos, mas seremos invariavelmente forçados a repará-las com suor e lágrimas. ”    

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

2a. AntiCristo Senhor do Mundo



II. Significação emblemática da Páscoa - Primórdios do Cristianismo - Organização comunista da primeira geração cristã - Trajeto da Boa Nova, da Palestina a Roma. - Heroicidade dos mártires cristãos.

            Retrocedamos um pouco.

            Refere um dos três evangelhos sinóticos - o de Lucas - que, ao sentar-se o Senhor Jesus à mesa com os seus apóstolos, para celebrarem juntos a cerimônia da Ceia pascoal, começou por estas comovedoras expressões o seu discurso, em que se sente, como o exalar de um perfume divino, toda a ternura que transbordava de seu amantíssimo coração:

             "Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta páscoa antes da minha paixão. Porque vos declaro que a não tornarei mais a comer, até que ela se cumpra no reino de Deus."

            Que alcance e que significação teriam, no pensamento do Mestre, essas palavras, que envolvem, evidentemente, uma promessa?

            A páscoa dos judeus, como é sabido, era celebrada em rememoração de sua retirada do Egito, notabilizada pela travessia do Mar Vermelho a pé enxuto, rumo à Terra da Promissão, denominada Canaã. Esse trânsito significava a libertação do cativeiro civil e, tendo como decalque o episódio humano, valia por um símbolo. Símbolo cuja significação espiritual corresponde à egressão não apenas de um povo, mas da humanidade, por ele representada emblematicamente, das esferas do mal, que a aprisiona, e sua laboriosa e acidentada ascensão às regiões da liberdade e da luz, isto é, do bem, que é seu destino. Daí a sua celebração, menos como festa cívica da nacionalidade proscrita e, enfim, dispersa e perdida para sempre em seu enquistamento fragmentário no seio de todos os outros povos, do que como cerimônia religiosa, e do máximo relevo.

            Assim também a páscoa dos cristãos, que a veio substituir e tende a cada vez mais universalizar-se. Como tantos outros episódios e parábolas referidos no Evangelho, o gesto do Senhor Jesus, a pretexto da magna solenidade anual do povo hebreu, reunindo em orno do ágape rememorativo os apóstolos, para lhes transmitir suas derradeiras, inolvidáveis instruções, envolveu, de par com o novo testemunho de amor que lhes queria dar, a intenção de erigir para a posteridade o emblema coletivo da futura raça humana, redimida pela aceitação e consequente prática de sua doutrina e assim congregada em torno de sua excelsa figura, celebrando, pelos séculos em fora, o banquete da fraternidade. Símbolo hebraico, por então, que - afirmou - nunca mais tornaria a honrar com sua presença em forma visível e humana, até que o símbolo cristão venha a exprimir-se em realidade objetiva, sob a direção de seu Espirito, presente no reino de Deus, a que se terá então, na Terra, convertido a humanidade.

            Pouco importa que a extrema lentidão com que, no sentido moral, se efetua o progresso humano, mesmo em consequência dos embaraços obstinadamente suscitados pelas forças reacionárias do invisível, autorize a previsão de que milênios hão de porventura ainda transcorrer, antes que seja atingido tal desiderato. As palavras de Jesus, hauridas nos conselhos do Altíssimo, "não passarão, ainda que passem céus e terra". Poderão aquelas forças tenebrosas, na órbita de ação que lhes é permitida pelo Criador, tolher, parcial e temporariamente, o surto da obra cristã em nosso mundo. Mas não impedirão que a sua marcha, por natureza e por necessidade, acidentada, se encaminhe à realização do plano evolutivo na Mente Divina traçado em relação à Terra e sua humanidade. Mais ainda, as próprias manobras adversas, consoante a lei do ritmo, a que obedecem os fenômenos da evolução e da vida no universo, longe de constituírem irremovíveis obstáculos, vêm, sobretudo nos períodos de transição que, por assinaladas perturbações, caracterizam o termo e a renovação dos grandes ciclos históricos, a contribuir como poderosos estimulantes para mais acentuado surto de progresso.

            Vimos que a conjuração das trevas, levando o Cristo a imolação na cruz, visou indubitavelmente aniquilar, ou pelo menos reprimir o surto da doutrina, com a violenta supressão de seu excelso Instituidor. Em lugar disso, porém, o que resultou do sacrifício do Filho de Deus, que de resto Ele mesmo previra e antecipadamente aceitara como uma fatalidade propícia à fecundação da Boa Nova, foi uma irresistível e deslumbrante eclosão de fé naqueles mesmos que, apavorados e dispersos, na hora suprema da consumação do inominável  atentado, não tardaram em reunir-se e organizar um plano de ação realizadora, tão depressa as sucessivas aparições do Crucificado redivivo lhes transfundiram no ânimo, assim retemperado, a radiosa convicção da Imortalidade, de que entraram a ser os invictos arautos pelo mundo a fora.

            A primeira delas verificou-se no próprio dia da Ressurreição, segundo o testemunho do evangelista João, unicamente a Maria Madalena, segundo Lucas, todavia, não somente às piedosas mulheres que haviam, pela madrugada acorrido ao túmulo deserto, a "buscar entre os mortos ao que vive", mas, na tarde desse mesmo dia, a dois discípulos, que se encaminhavam para a aldeia de Emaús, os quais, entretanto, só "ao partir do pão" é que o reconheceram. Dualidade de narrativa que se não exclui mutuamente, antes se completa e explica sem dificuldade pela posição dos respectivos historiógrafos em face dos sucessos.

            De todo modo, o que ressalta evidente é que, desaparecido do sepulcro o corpo de Jesus e desse fato procurou em todos os tempos a incredulidade obstinada tirar pretexto para forjar lendas de subtração pelos apóstolos, sem lograr jamais indicar o sítio em que por último teria sido, e ninguém sabe quando (1), inumado o Mestre - mostrou-se este, por quarenta dias, aos discípulos maravilhados, "falando-lhes do reino de Deus" e edificando-os com o testemunho vivo da ressurreição. E tão positivo e substancialmente necessário se impôs esse fato à consciência dos apóstolos, incorporando-se à tradição de seus contemporâneos e transmitindo-se à de seus imediatos sucessores, como pedra angular do novo credo, que Paulo, o grande convertido de Damasco e o mais ativo organizador da Igreja Cristã, numa de suas epístolas aos Coríntios resolutamente clama: "Se o Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação".


            (1) Todas as objeções, com efeito, opostas ao assombroso fato se dissipam ante a consideração de que ninguém mais que os inimigos visíveis de Jesus tinha interesse em desmascarar o embuste - se embuste houvera - do desaparecimento, seguido da ressurreição, do seu corpo, a qual, associada às repetidas aparições, tão decisiva influência deveria exercer, e realmente exerceu, na propagação da fé cristã. Apesar contudo da insistência com que os apóstolos timbravam, nas suas prédicas, em afirmar a ressurreição corporal do Mestre, nunca foram desmentidos positivamente por aqueles inimigos, que, se o pudessem, não deixariam, entre os meios de combate e as perseguições que lhes moviam, de incluir a comprovação negativa de tal fato. Não o lograram fazer. Por que? Indubitavelmente porque o corpo glorioso com que o Cristo ressuscitado se apresentou repetidamente aos discípulos e com que, por fim, "subiu ao céu", era o mesmo que desaparecera do túmulo, sem jamais ser reencontrado, o mesmo que servira aos fins do sua missão terrestre. De que natureza então era ele - ocorre agora perguntar - para poder assim, após a "ascensão", desaparecer para sempre, sem deixar vestígios, e remontar às regiões superiores, se "o que é corruptível não pode fruir a imortalidade"? 
            Os católicos e os filiados às diferentes seitas denominadas cristãs, sustentando embora a divindade de Jesus, do mesmo modo que certos crentes modernos, que a impugnam, mas aceitam o seu Evangelho, uns e outros partidários de ter Ele tido um corpo humano comum, parece não terem suficientemente meditado sobre a singularidade daquela ressurreição "em carne e osso". Como, em tal caso, teria ela ocorrido e, com ela, a "ascensão" posterior' Que espécie de corpo teria então revestido o Cristo para o exercício de seu ministério no mundo e para que, em seguida, pudesse ocorrer aquele duplo fato?
            Essa questão embaraçosa, suscitada num dos primeiros séculos cristãos e que deu lugar ao Docetismo, foi renovada em nossos dias, provocando novas controvérsias, que a seu tempo, todavia, terão que dissipar-se com o restabelecimento de todas as coisas, em seu verdadeiro sentido, relativas aos ensinamentos e à vida do Divino Mestre.

            Mas não o foi, senão que, verdadeiro aquele testemunho palpitante da Imortalidade, tornou-se ele o inamovível fundamento sobre que veio a alicerçar-se a estrutura moral do novo mundo, organizado sob o lábaro cristão, constituindo-se ao mesmo tempo o eixo em torno do qual entrou a gravitar a atividade evangelizadora dos apóstolos, o mais poderoso estímulo da intrepidez com que as sucessivas gerações cristãs afrontavam as torturas e a morte física, trocando-a jubilosamente pela vida imortal, em que tinham certeza de, por sua vez, ressuscitar.

            Recordemos alguns dos mais significativos episódios dessa incomparável epopeia.


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

1c. AntiCristo Senhor do Mundo




AntiCristo Senhor do Mundo
por Leopoldo Cirne
Edição  – 1935


1c


            Esse contraste entre a pobreza de seus elementos iniciais e a magnitude da obra que o Cristianismo, sobrepujando os obstinados assaltos externos e as subversoras deturpações internas, que não tem cessado de sofrer, vinha realizar, e de fato realizou nos primeiros gloriosos séculos de perseguição e de martírio, isto é, de copiosa frutificação espiritual, mutilada nos seguintes pela obnubilação de suas mais formosas promessas, é um dos espetáculos que mais têm impressionado os observadores imparciais, o mais seguramente demonstrativo da imanência de um poder divino que o tem sustentado e que, sem a menor dúvida, reside no seu próprio Instituidor.

            Vede-o naquele dos primeiros episódios de sua vida relatados no Evangelho. Contava apenas doze anos, e tendo ido, em companhia de José e de Maria, à festa anual da Páscoa na cidade santa, já estavam estes de regresso a Nazaré, entre uma extensa caravana, quando perceberam a ausência do menino. Voltam, pressurosos e inquietos, a Jerusalém e aí o vão encontrar no templo, entre os doutores, "ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas". Acrescenta o evangelista: "E todos os que o ouviam estavam pasmados da sua inteligência e das suas respostas".

            E porque lhe dirigisse Maria a advertência: "Filho, porque usaste assim conosco? Sabe que teu pai e eu te andamos buscando cheios de aflição", respondeu com esta frase de dupla e profunda significação: - "Para que me buscáveis? Não sabeis que importa ocupar-me das coisas que são do serviço de meu Pai?"

            Manifestava desse modo a lúcida consciência, que já então possuía, da missão divina que o trouxera ao mundo, e reportava-se, mesmo em presença daquele a quem era atribuída, a seu respeito, a função humana de progenitor, a única paternidade que reconhecia, isto é, a paternidade espiritual que o vinculava a Deus.

            Em todo o curso de seu sacrossanto ministério, iniciado dezoito anos mais tarde, quando "o mesmo Jesus começava a ser quase de trinta anos" (Lucas, III, 23), logo após o batismo simbólico às margens do Jordão, a que sucedeu imediatamente a "tentação" no deserto, da qual oportunamente nos ocuparemos, é sempre a impulsos dessa mesma iluminadora certeza de ser o órgão direto de Deus que o veremos agir, assim quando se inclinava compassivo sobre os enfermos do corpo e os quebrantados do espírito, para lhes restituir a saúde ou lhes outorgar "a salvação", assegurando, segundo o testemunho do evangelista João, "eu de mim mesmo nada posso; o Pai, que está em mim, é quem faz as obras", como ao disseminar, em presença das multidões que, alvoroçadas, se lhe comprimiam em torno, a alvissareira doutrina, "que não era sua, mas d'Aquele que o enviara", e que, em sua encantadora linguagem, rica de simplicidade e profundeza, denominava a "Boa Nova", ou o "Evangelho do Reino dos Céus". Doutrina de misericórdia e de consolação para os humildes, de resignação e de esperança para todos os sofredores, de suma perfeição para os mais evoluídos.

            Começa, verdadeiramente, na comovedora prédica ao sopé da montanha, que se tornaria "das bem aventuranças", na qual tudo o que faz o temor ou a repulsa dos tímidos e o desprezo do mundo, seria exaltado como afortunada condição terrestre, para inefável compensação no Além.

            Bem aventurados os que choram, porque serão consolados...
            Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça...
            Bem aventurados os mansos...  
            Bem aventurados os pacíficos...             
            Bem aventurados os que sofrem perseguição por amor da Justiça...
            Bem aventurados os pobres de espírito...
            Bem aventurados os que têm o coração puro...

            E em seu jornadear através os campos e as cidades, de Nazaré a Jerusalém e de Jerusalém a Betseida e a Cafarnaum, ou às margens dos lagos de Genesaré e Tiberíades, é ainda o mesmo amor que aflui de seu coração, e de seus lábios misericordiosos se espraia, como caudal divina, sobre as almas inquietas e ulceradas.

            "Vinde a mim todos vós que andais aflitos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis o descanso para vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve".

            Enternecedor convite, que atravessaria os séculos e seria, como ainda hoje e no futuro, o penhor de sua proteção aos que padecem, o amparo, a segurança, o conforto para o homem nas horas de desfalecimento, o escudo contra todas as tentações.

            Mas não se limitaria a oferecer-se como sustentáculo aos vacilantes e a inclinar sobre todas as dores o seu espirito amantíssimo, como um broquel perpetuamente estendido sobre o mundo. Aos resolutos, legitimamente ambiciosos de incorporar-se, desde a terra, às imortais falanges de seus auxiliares na obra redentora, o líder de homens e de humanidades, que Ele é, intimaria a condição primordial: - "Aquele que quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo e tome a sua cruz e siga-me".

            Porque vinha formar, para os novos homens que se dispusessem a ser os colaboradores na fundação do seu reino espiritual, uma consciência mais alta, sobranceira às solicitações da natureza inferior, iniciando-os no espírito de abnegação e sacrifício.

            Indulgente com todas as fraquezas nascidas da ignorância humana, toleraria, sem as recomendar nem proibir, práticas tradicionais como o jejum e as oferendas levadas ao altar, advertindo, todavia, que "não é o que entra pela boca que macula o homem", e antepondo-lhes, como mais agradáveis a Deus, os sentimentos puros e a prévia reconciliação entre ofendidos e ofensores.

            Posto que abertamente declarasse: "Eu não vim destruir a lei", referindo-se indubitavelmente aos princípios basilares - princípios de moral eterna -- estatuídos no Decálogo, e não a preceitos humanos transitórios, que, entretanto, haviam ganho prestígio no ânimo do povo, ao ponto de quase substituir os primeiros, não hesitaria em reformar esses últimos, opondo-lhes resolutamente o novo Código, em que ao homem da terra, decaído, eram sugeridas as possibilidades de transformar-se em cidadão do céu, tomando por modelo o próprio Pai que está nos céus.

            "Tendes ouvido o que foi dito: Amarás ao teu próximo e aborrecerás a teu inimigo. Mas eu vos digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e orai pelos que vos perseguem e caluniam; para serdes filhos de vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o seu sol sobre bons e maus e vir chuva sobre justos e injustos." E rematava: "Sede logo perfeitos, como também vosso Pai celestial é perfeito."

            Ora, semelhante doutrina, que vinha suprimir os motivos de separatividade entre os homens, elevando o nível de seus sentimentos a tais vertiginosas alturas e indicando as relações de obediência e filial imitação que deviam existir e ser cultivadas entre a fragilidade humana e a Perfeição Divina, ao mesmo tempo que libertava o povo do jugo sacerdotal obscurecedor, não podia deixar, por isso mesmo, de sublevar contra o seu Autor as iras do clero judaico - doutores da lei mosaica, fariseus e escribas - desse modo implicitamente ferido em seus interesses materiais.

            Jesus, porém, não se limitaria a combater indiretamente a influencia desses "cegos condutores" que tanto contribuíam, por seu ascendente sobre as massas, para alimentar no espirito do povo, reforçando-o com o próprio exemplo, assim o sectarismo religioso, em seu intransigente exclusivismo, como o rancor de que eram objeto os samaritanos, considerados heréticos, em cujo território se abstinham cuidadosamente de pisar - rancor em que eram abrangidos os publicanos, detestados por todos, em consequência da função, para o amor próprio nacional, odiosa, que desempenhavam, de coletores dos tributos sobre a raça decaída lançados pelos dominadores romanos. Iria mais longe o Divino Mestre. Não somente desautorizaria essa generalizada repulsa, escolhendo algumas vezes, nos representantes dessas odiadas classes, exemplos típicos de humildade e amor ao próximo, como na parábola do bom samaritano e na do fariseu e o publicano que subiram ao templo, a orar (LUCAS, X, 25 a 37 e XVIII, 10 a 14), mas sua palavra, ungida de persuasiva doçura, quando se dirigia aos sofredores e pequenos, se inflamaria em veementes apóstrofes, ao verberar diretamente os desregramentos dos "escribas e fariseus hipócritas, que devoravam as casas das viúvas, a pretexto de longas orações, que gostavam de ter nas sinagogas as primeiras cadeiras e nos banquetes os primeiros lugares e de serem saudados nas praças e que os homens os chamassem "mestres".

            Essa atitude resoluta em face dos exploradores da crença religiosa do povo e que eram, não obstante, a classe mais influente no seio dos israelitas, não podia deixar de suscitar as iras desses poderosos adversários. Jesus não o ignorava. Mas, sabendo muito bem que, "se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica ele só, mas, se morrer, produz muito fruto", caminhou intrepidamente para o trágico desenlace, por Ele mesmo previsto e anunciado, de sua missão, já a esse tempo consumada.

            Porque, de fato, haviam bastado os três brevíssimos anos, durante os quais, sem trégua nem repouso, pregara a Boa Nova e semeara em torno de si a saúde, a esperança e a Verdade, que de seu mesmo Espirito jorrava, e perpetuamente jorrará, como de fonte eterna, para que no mundo ficassem os indestrutíveis fundamentos da nova civilização, da civilização definitiva, que ele viera implantar e que, fazendo a sua glória, fará também um dia a felicidade de todo o gênero humano, quando integralmente realizada.

            A esse remoto objetivo, que em sua cegueira nem sequer previam, mas a cujos imediatos efeitos, nocivos aos seus sórdidos interesses, se opunham os padres de Israel, com muito mais fortes motivos se oporiam os Espíritos do mal, sob a implacável direção do AntiCristo, que, tendo aqui o seu reino, de nenhum modo se resignaria a vê-lo reduzido pela libertação dos homens convertidos a Jesus e, assim, por ele redimidos, e muito menos a vê-lo aniquilado, como por último sucederá, quando a doutrina do Ressuscitado se houver tornado a partilha de toda a humanidade.

            De resto, o sacerdócio israelita não era mais que o instrumento dessas forças tenebrosas, que do invisível não têm cessado de rondar a obra cristã desde o seu inicio, opondo-lhe toda a sorte de resistências e obstáculos, manejando as fraquezas e as paixões humanas.

            É o que explica a traição de Judas, a súbita mudança de atitude da populaça de Jerusalém, que, poucos dias depois de haver recebido o Cristo com "hosanas ao Filho de David", se aglomerava em frente ao Pretório, bramindo: "crucifica-o!" como não tem outra explicação a pusilanimidade de Pedro, que o nega no pátio do Pontífice, e a própria deserção dos apóstolos na hora culminante do tumultuário julgamento e imolação do seu Divino Mestre.

            Não o havia, ao demais, Ele mesmo definido, quando, ao terminar o seu testamento de amor por ocasião da Ceia pascoal, se referia ao "Príncipe deste mundo" e sobretudo, ao ser abordado no horto de Gethsemane pelos esbirros que o iam prender, declarava: "Esta é a vossa hora e o poder das trevas".

            Efêmero triunfo aparente esse, todavia, do AntiCristo, que, não menos espiritualmente cego que os instrumentos humanos de que se utilizava, supunha talvez que, destruindo o corpo do Filho do Homem e semeando o terror no ânimo dos discípulos, que só mais tarde receberiam o Espirito Santo, se não aniquilava a Obra, de que seriam eles desde então os intrépidos realizadores - e disso teria dúvida o insensato? - pelo menos inclinaria a seu favor as vantagens desse golpe de força alucinado. Porque à imolação no Gólgota - previsto desfecho fecundante - sucederia, três dias depois, a gloriosa Ressurreição, esse, sim, triunfo irrefragável e testemunho vivo da imortalidade, que seria simultaneamente o propulsor e o inabalável fundamento da Fé em que se abrasariam assim os apóstolos e discípulos, reabilitados de seu momentâneo delíquio espiritual, como as sucessivas gerações cristãs, que haviam de glorificar diante das feras ululantes e dos gladiadores sanguinários, nos circos romanos ou ao crepitar das fogueiras purificadoras, o nome do Senhor Jesus.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

1b. AntiCristo Senhor do Mundo


*
 AntiCristo Senhor do Mundo
por Leopoldo Cirne
Edição  – 1935


1b

            Há quase dois milênios, recebeu a Terra a visita do Plenipotenciário celeste, portador dessas virtudes redentoras. Como agora - pois que os ciclos históricos se renovam, quase idênticos, a intervalos regulares - a iminência de uma grande crise se desenhava para a humanidade. Em vésperas de ruir o gigantesco Império Romano, alicerçado na pilhagem, em que vinham por fim a culminar suas incursões e aventuras guerreiras contra os outros povos, a civilização latina, desse modo transviada de sua missão, depois de haver recolhido a herança de hegemonia helênica, intelectual e artística, estaria condenada, com ele, a sucumbir poucos séculos mais tarde, menos certamente ao ímpeto vingador das hostes bárbaras, que diluída no aviltamento dos costumes e das instituições, se aquele crepúsculo do mundo antigo não devesse, com o Cristianismo nascituro, suceder a aurora de uma salvadora renovação.

            Quando, pois, ainda atroava os ares o passo das legiões romanas, levando por toda parte o signo de suas águias vitoriosas, sobreveio o inesperado raiar desse novo dia. Dia definitivo para a humanidade, posto que, ao começo, não somente ensombrado de nuvens que por muito tempo, como ainda hoje, lhe haviam de toldar a limpidez e retardar a plenitude, mas em condições, aparentemente, as menos expressivas de sua magnitude e significação.

            Que importância, com efeito, aos olhos dos Césares, embriagados de triunfo, e aos do próprio povo, embrutecido na ignorância e nas paixões, e que era, não obstante, o braço
executor das violências planejadas pelas maiores forças políticas representativas do mundo antigo, poderia revestir o nascimento do filho de um obscuro carpinteiro, na mais humilde cidade da Judeia, nessa Palestina distante e escravizada.

            E no entanto foi esse, que assinalou o advento do Cristianismo, o fato culminante de toda a história humana, com razão considerado o marco, inapagável e insubstituível, que a divide em duas épocas perfeitamente definidas. Para traz ficavam a consagração da força, a exploração do homem pelo homem, os privilégios de castas e de classes, conferidos por toda parte a minorias insignificantes, em detrimento dos direitos naturais de todos, o desprezo dos grandes e, conseguintemente, o ódio dos pequenos, a ignorância geral, favorecendo o império das paixões inferiores, como estimulante único das ações humanas, em uma palavra, treva nos corações e treva nas inteligências, tendo como expressão inevitável desconhecimento e indiferença pelo "amanhã", que há de fatalmente suceder ao breve dia que representa uma existência aqui na Terra.

            Com Jesus, e graças a Jesus, que vinha fazer da sobrevivência e imortalidade da alma, isto é, da certeza de uma vida futura a pedra angular de seus ensinamentos, o objetivo a que se deve encaminhar a vida efêmera do homem, ia começar, no ponto de vista social, a era da liberdade e da igualdade jurídica de todos, o primado do direito sobre a força e, portanto, o império da Justiça, o estabelecimento da paz pelo reconhecimento da fraternidade, baseada na paternidade universal de Deus, e, no ponto de vista dos destinos eternos que vinha revelar aos homens, era o reino do espírito que para estes devia começar, pelo triunfo sobre a matéria e todas as suas seduções.

            Para a realização inicial desse admirável programa de reabilitação da nossa espécie, a que se descerravam tão dilatados horizontes, contra o qual, todavia, por isso mesmo se haviam de levantar, como o veremos no curso desta obra, todas as forças tenebrosas do invisível, empenhadas em manter a humanidade escravizada ao seu domínio, não se apresentou Jesus como um mero pregoeiro teórico, senão que, imprimindo as verdades e aos preceitos, que o Pai o incumbira de lecionar aos homens, a autoridade e a sanção do exemplo, viveu um a um todos os seus ensinamentos nos atos de sua vida incomparável.

            Neste, como, de resto, em todos os sentidos, a sua figura, sobranceira às vicissitudes dos séculos, é única entre as de todos os grandes Iniciados e Reformadores que, antes e depois d’Ele, têm atuado no cenário terrestre.

            Enquanto, por exemplo, o Buda (Sidarta Gautama ou Çakya Muni) - sem dúvida excelso missionário, propulsor do mais importante movimento de renovação religiosa, depois dos Vedas, empreendido entre as populações da Índia, como da China e do Japão - só aos 29 anos abandona o seu palácio real e as regalias de príncipe, que desfrutava, para engolfar-se no isolamento e na meditação, que precederam a sua jornada de proselitismo, e esse outro eminente doutrinador, que foi Krishna, teria que, pela fatalidade de suas circunstâncias pessoais, opor aos místicos arrazoados filosóficos, de que se fez arauto, o contraste de sua condição de guerreiro e a fragilidade da poligamia, sancionada embora pela tolerância, em tal sentido, generalizada entre os orientais, o Cristo não somente oferece ao mundo o testemunho de uma vida, de começo ao fim, absolutamente imaculada, mas desde logo marca a originalidade e a coerência dessa vida com a doutrina de que era Ele portador, elegendo para lugar de seu nascimento um estábulo de animais. Escolha inconcebível, mas intencional da parte d'Aquele que, sempre Espírito, presidiu a uma parte e prestou a outra parte dos sucessos, relacionados com a sua investidura messiânica, o seu voluntário assentimento.

            Desse modo começada no berço, a apologia da pobreza - pois que o presépio de Belém é uma alegoria e um ensinamento como expressão sintética de renúncia a todos os bens e opulências da terra, o desapego, que semelhante escolha traduz, às coisas exteriores, consideradas obstáculo à aquisição da riqueza moral interior, foi a primeira lição com que Jesus entendeu conveniente edificar os homens. Lição igualmente de humildade, que havia de ser, em todos os tempos, o inseparável característico do verdadeiro cristão. Assim também o amor.

            Por que motivo o Espírito perfeito, que é o Cristo, no consenso unânime de quantos, através os séculos, têm procurado contemplar de perto e entender a sua angélica figura - exceção apenas feita de alguns de entes mentais que d'Ele têm, irreverentemente, pretendido fazer um caso de psicologia mórbida - por que motivo, perguntamos, teria o excelso Filho de Deus renunciado, temporariamente embora, às esferas da luz eterna em que reside, para mergulhar nas trevas deste mundo e entrar em contato direto com as misérias, enfermidades e paixões dos que o habitam? - Se bem atentarmos em seu caráter, nas linhas estruturais de sua missão divina, reconheceremos que o fez, não por necessidade ou interesse próprio. Ele que jamais antepôs a um só de seus atos a menor sombra de preocupação pessoal, mas unicamente por amor a esta pobre raça humana, falida e estraviada, que, quanto mais sucumbe às tentações do espírito do mal, que aqui impera, mais se recomenda à enternecida e misericordiosa piedade com que se tem Ele proposto a redimir-nos. Redenção completa e universal, todavia, somente quando um a um, na sucessão dos séculos, libertos da cegueira que nos obscurece agora o entendimento e nos coloca à mercê daquelas tentações, nos houvermos todos convertido, por uma adesão interior, sincera, inviolável e constante, à lei de amor e de humildade, que é o angulo fundamental de todos os ensinamentos evangélicos, do mesmo modo que foi o eixo em torno do qual girou toda a existência de Jesus.

            Humilde foi, portanto, o seu berço, em intencional contraste com a sua inconfundível grandeza espiritual; acanhado e pobre, humilde, portanto, o cenário em que desenvolveu
mais tarde a sua ação evangelizadora; humildes as figuras de que se rodeou então, recrutadas, em sua totalidade, nas classes mais obscuras da sociedade judaica, para serem, durante o seu messianato, as urnas vivas encarregadas de recolher os exemplos e as palavras de vida eterna que trazia aos homens, e depois de seu regresso ao seio do Pai, que o enviara, os propagadores da Boa Nova que, varando as fronteiras em todas as direções, abriria para o mundo a era da verdadeira civilização, isto é, da civilização cristã, devesse embora prolongar-se por dezenove séculos, a sua acidentada fase inicial.

            Dentre os apóstolos, com efeito, aos quais dirigiria mais tarde a significativa palavra de exaltação, advertindo-os: “não fostes vós que me escolhestes a mim, fui Eu que vos escolhi a vós", quatro - Pedro, André, Tiago e João - eram rudes pescadores; um, Mateus, pertencia à odiada classe dos publicanos, que o Mestre, em mais de uma ocasião, para confundir a arrogância dos que os desprezavam, apresentaria, de par com os samaritanos, não menos odiados, como paradigmas de fidelidade à lei divina, herdeiros legítimos do Reino; os restantes eram, do mesmo modo, figuras plebeias, destituídas de toda significação social.

            E foi com esses elementos, na aparência e segundo a cegueira do conceito humano, absolutamente negativos, que Jesus empreendeu a obra gigantesca de transformar a face moral do nosso mundo, começando por uma intrépida subversão dos consagrados valores sociais e humanos, de que era expressão aquela mesma escolha dos apóstolos.



terça-feira, 21 de outubro de 2014

1. AntiCristo Senhor do Mundo


           Iniciaremos hoje a postagem de parte de um livro raro, polêmico, porém de autor dos mais importantes no movimento espírita na primeira metade do século XX. Seu nome: Leopoldo Cirne, sucessor do Dr. Bezerra de Menezes na Presidência da FEB, onde permaneceu por muitos anos.  

AntiCristo Senhor do Mundo
por Leopoldo Cirne
Edição  – 1935



Primeira Parte

1. Enfermidade das sociedades contemporâneas.
- O remédio trazido outrora pelo Cristo.
- Primeiro triunfo aparente do AntiCristo.

            Só o amor pode salvar o mundo, que se perde. O amor e a humildade.

            Porque o mundo, evidentemente, perde-se, no sentido espiritual, transcendente, portanto, do vocábulo, por excesso de indiferença e de orgulho. De egoísmo, sobretudo.

            Pretendereis que faço literatura, e da pior, isto é, passadista, segundo a desdenhosa classificação adoptada por esta geração de fatigados precoces, geração infeliz, porque abandonou a fecunda nutriz do sentimento inspirador e oscila, desorientada e atordoada, em busca do inédito, do "novinho em folha", como se alguma coisa pudesse haver de novo sobre a Terra?

            Que entendeis por estas expressões - salvação - perdição - cujo sentido profundo escapa ao filho do século, mas os filhos da luz sabem penetrar?

            Supondes que o homem é apenas uma condensação de gases - oxigênio, hidrogênio, carbono, azoto - equivalente a músculos, sangue, nervos, ossos! Ignorais então que o corpo físico é uma projeção do espírito na esfera sombria e ilusória das formas, que são o seu instrumento provisório, do mesmo modo que o universo visível é uma projeção de Deus, que é o seu Autor, na elasticidade inconcebível do Éter, que é também obra sua e seu veículo?

            Sim, o homem é principalmente, antes de tudo e acima de tudo, um espírito. Espírito imortal, que vem de muito longe, formando de quedas e reabilitações o substrato de suas experiências seculares, o seu aprendizado, agora rude, mais tarde glorioso. Vem de muito longe e vai para mais longe ainda, crescendo interiormente para Deus, na sabedoria e nas virtudes. Principalmente nas virtudes, que jamais foram motivo de queda para o espírito.

            Não é seu destino obedecer ao corpo, aos instintos subalternos, "civilizando-os", isto é, requintando-os, para os tornar mais exigentes. Que outra coisa fazeis, entretanto, os que vos reputais como sábios e do homem não vedes mais que a sombra inquieta que se move neste subterrâneo da criação, que é o nosso habitat atual, senão escravizar-vos à ilusão da matéria e dos sentidos? Desse modo pondes o imortal, sinônimo de eterno, ao serviço do transitório e perecível. E tateais nas trevas, ignorando o rumo verdadeiro, e sucumbis à cegueira. Perdeis de vista as esplêndidas realidades luminosas da vida imortal, única digna de ser desde agora porfiadamente conquistada.

           
            Por isso, guiado por cegos, algumas vezes por fanáticos - na direção política dos povos, nas cátedras do ensino religioso, em todas as manifestações do pensamento, assim nas ciências e nas letras, como até nas próprias artes e no jornalismo sobretudo - vergando à pressão do orgulho, da indiferença e do egoísmo, o mundo se extravia. Domina-o o AntiCristo, e é preciso restitui-lo ao Cristo.

            Tendes o direito de encolher os ombros, desdenhosos, indicando, por desmentido, como índice irrefragável de progresso, os brilhantes produtos da civilização material de nossos dias: as metrópoles ruidosas, com suas avenidas e palácios gigantescos, os mares sulcados em todas as direções por suntuosas naves, que aproximam os continentes, e a navegação aérea, e o radio telégrafo e telefonia, todos os prodígios, em suma, da ciência e da mecânica aplicadas. 

            E eu vos direi que, se com tudo isso não tendes satisfeito as aspirações dos que, através os séculos, vem clamando por uma equitativa repartição dos bens terrestres entre os que penam laboriosamente em os criar e transformar, de modo a suprimir o pauperismo e estabelecer, pela eliminação dos fatores adversos, o equilíbrio, a harmonia e a felicidade social, e se acima disso não tendes resolvido o angustioso problema do destino humano e, paralelamente, procurado aliviar o sofrimento da grande massa anônima, digo-vos em verdade que tendes feito rumo contrario à diretriz traçada por Aquele que, amigo dos pobres e pequenos, foi o excelso fundador da civilização cristã, pondo lhe por alicerce a sua própria vida, civilização da qual essa de que tanto vos ufanais é simplesmente o arremedo, quando não, em muitas coisas substanciais, a antítese completa.

            Não seria, certamente, justo desconhecer o valor das tentativas feitas por sucessivas gerações de espíritos altruístas - pensadores e cientistas, cultores da Moral e do Direito - no sentido de melhorar a situação geral da espécie humana, com seus estudos, aplicações e descobertas, nem ainda o valor, não menos apreciável, das realizações filantrópicas levadas a efeito, com o mais louvável espírito de solidariedade universal, por alguns plutocratas norte-americanos, que assim têm revelado superior compreensão do seu papel de meros depositários da riqueza material. No que se refere igualmente ao problema social, cumpre reconhecer a eficiência da formula econômica de participação, adoptada ainda na União norte-americana e cuja iniciativa pertence a esse clarividente espirito que se chama Henry Ford, como um derivativo, temporariamente ao menos, satisfatório, que a mentalidade europeia, infelizmente, sobrecarregada de preconceitos, rivalidades e tradições obsoletas, é lamentável não tenha tido ainda a capacidade, senão a coragem, de adoptar.

            Todas essas realizações, porém, sugeridas as primeiras por um espírito indubitavelmente progressista e humanitário, vasadas as últimas em moldes eminentemente práticos, obedecendo, por isso, antes a razões de ordem intelectual, no fundo não de todo alheias à ideia de interesse ou cálculo, do que a genuínas inspirações de sentimento fraterno, podem sem dúvida contribuir e têm realmente contribuído numa certa medida para o melhoramento social, mas estão longe de enfeixar, parciais que são, a solução do problema fundamental da humanidade. Esse problema não é apenas econômico, posto que não seja de mínima importância, na consideração dos assuntos sociais e humanos, semelhante fator, que se insere em quase todos eles: é sobretudo moral ou, para melhor definirmos a sua profundidade e amplitude, espiritual. E o erro de visão que se observa geralmente nos sociólogos e pensadores contemporâneos, saturados, como todo o mundo, de um materialismo reflexo, ou instintivo, que lhes obscurece, restringindo-a, a capacidade de apreciação, consiste em não encarar o magno problema humano, vagamente agitado entre as perturbações e os turbulentos anseios de nossos dias, senão através daquele prisma unilateral. Dão-lhe pelo menos uma preeminência a que não tem direito o seu valor meramente complementar e secundário.

            Porque, sendo o homem – repitamo-lo - antes de tudo um Espírito, suas necessidades espirituais, o imperativo de seu destino, de seus deveres, seu papel na criação e suas relações com os demais seres devem, nessa ordem seriada de cogitações, primar sobre tudo mais.

            Ora é precisamente esse aspecto superior da natureza humana em relação com tais finalidades transcendentes, que tem sido até agora - e agora mais que nunca - descurado. Seja por indiferença atávica, ou sob a pressão das necessidades materiais imediatas, que tolhem ao grande anonimato humano o tempo e os meios de cultivo espiritual e interior o certo é que todas as atenções se acham concentradas na miragem da vida presente. Cuida-se, em cada vez mais desenvolvida escala, da cultura física, promovendo-se paralelamente - é certo - e estimulando-se o espírito associativo, duplicado de uma educação social que, sobretudo na América do Norte, pela elevação considerável do seu nível, constitui ponderável fator de ordem e de solidariedade humana, tudo isso, porém, com acentuado cunho de imediatismo ou, de todo modo, encaminhado a elevar o padrão da vida neste mundo a tão apurado grau que torne dispensável a cogitação do futuro extraterrestre. O resultado é, como por toda parte se observa, mesmo em as nações superiormente organizadas, como a que acabamos de citar, essa intensificação de um individualismo paradoxal, em meio das correntes modernas de coletivismo, tendente a absorver e fundir no aglomerado, a que pertença, a personalidade humana. Individualismo do pior quilate, porque, em troca de pequenas concessões individuais para o bem-estar comum atual, não cessa de contribuir para aprofundar as raízes, mal dissimuladas, do orgulho, pela satisfação de si próprio, e do egoísmo, que se conserva intacto em sua voracidade interior, os quais, com a indiferença, que ainda é o grande mal dos corações, constituem a trilogia funesta que infelicita o mundo e só pode, para salvação deste, que se perde, ser vitoriosamente combatida pelo amor e a humildade.


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