Pedro
Richard – Peregrino
do Evangelho
1
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Maio 1977
É necessário haja equilíbrio entre a
inteligência e a humildade,
porquanto o que desvaira o Espírito
é o julgar-se possuidor de alguma coisa."
- Bezerra de Menezes.
"O Iniciado na Doutrina
Espírita precisa conhecê-la e interpretar lhe os preceitos,
aplicando-os a si mesmo para se
constituir depois um evangelizador da palavra
e recolher do seu esforço cem por
um, segundo a promessa do Cristo de Deus."
- Bittencourt Sampaio.
"O Evangelho é um compêndio de
Leis Divinas,
interpretadas pelos homens segundo a
evolução intelectual e moral das gerações."
- Pedro Richard.
Predispusemo-nos a enfocar, nas
linhas que se seguem, sem preocupação cronológica, uma das mais fortes e
atraentes personalidades do Espiritismo Cristão, cuja vida foi permanente
testemunho de respeito e obediência aos preceitos evangélicos deixados por
Jesus para o bem da Humanidade: Pedro Richard. Descrever lhe a vida, quase sempre referta de preocupações
e dificuldades, não constitui fácil tarefa. Foi um justo. Com esta frase
poderíamos resumir toda uma longa história de devotamento exemplar ao Cristo de
Deus, através do Espiritismo, que ele amou profundamente, sem, contudo,
abeirar-se do fanatismo, ou do dogmatismo que denigre, via de regra, as
melhores intenções.
O espírita realmente identificado
com a Doutrina e o Evangelho procura desligar-se, tanto quanto sua condição
humana o permita, das gloríolas terrenas. Convicto, pela fé, pelo conhecimento
prático e pelo estudo da palavra do Nazareno, da realidade indestrutível da
Terceira Revelação, concentra sua atividade nos princípios éticos da Doutrina que
espontaneamente aceitou, e intenta percorrer o caminho que o levará à Luz, com
o coração
a pulsar de amor puro pelo objetivo colimado, ainda que sinta a alma dolorida e
os pés ensanguinhados
pelas provações depuradoras, sem dúvida destinadas à redenção. Pedro Richard foi um homem
seguro de si em suas convicções, sublimadas pelo sentimento cristão;
externamente, a própria imagem da simplicidade, da brandura e do comprazimento.
Jamais admitiu atitudes estudadas, nem deixou nunca de chamar a verdade ao
testemunho, em situações que considerasse equívocas ou incompatíveis com a
retidão determinada pela Doutrina, fosse qual fosse a eventualidade. Evitou
sempre valorizar-se aos olhos de alguém, e jamais procurou ser outra coisa além
do que realmente era:
discípulo humilde, intransigentemente fiel ao Mestre de Nazaré.
Ocorrem-nos, neste passo, as palavras
do valoroso Espírito Bittencourt Sampaio, à mera
evocação da personalidade austera de Pedro Richard:
"As almas, pelo seu procedimento moral,
devem ser como espelho, em que todos os
seus atos se reflitam. O homem honesto, ainda que não professe crença alguma,
deve sempre estar pronto à devassa da sua alma, devassa que a sua própria
consciência, melhor do que ninguém, pode fazer."
Pedro Richard nasceu no dia 9 de setembro de 1853, na
cidade de Macaé, Estado do Rio de Janeiro, filho de Pedro Richard e D.
Felismina Richard, de família modesta, mas de grandes virtudes e, por isso
mesmo, honorabilíssima.
Órfão de pai aos nove anos de idade,
teve de iniciar-se muito cedo no trabalho diário, tornando-se o amparo de sua
mãe e de irmãos menores. Tinha enorme veneração por sua genitora, mulher de
costumes austeros e de sentimentos elevados, dotada de tolerância e piedade.
No
torvelinho
Quando, ainda cedo, foi compelido ao
trabalho, achava-se no curso primário de uma escola local. Teve, assim, de
interromper os estudos, engajando-se numa casa comercial, a fim de ajudar a
família, que era acossada por enormes e compreensíveis dificuldades, com a
desencarnação do chefe. Mais tarde, o jovem Pedro Richard tornou-se funcionário da Alfândega,
melhorando, embora muito pouco, a sua situação econômica. Estava já no
torvelinho da vida terrena, encarando muito a sério suas responsabilidades e
habituando-se a
praticar, no dia-a-dia das lutas, as virtudes que os pais lhe haviam
transmitido, como parte fundamental de sua educação. Adquirira o hábito salutar
de nada fazer sem refletir, assim como a não se beneficiar em suas justas
pretensões de progredir, se isso pudesse importar em sacrifício, direto ou
indireto, de alguém. A probidade foi a herança que o pai amado lhe deixou ao
desencarnar, e ele porfiava, como, de resto, toda a família, em não esquecer os
exemplos daquele que fora exemplar chefe do grupo familial, exemplos que, por
sua vez, transmitiu a seus descendentes.
Casou-se com D. Mariana Campos Richard,
nascida em Angra dos Reis, Estado do Rio, dela tendo seis filhos: Mário,
Felismina, Pedro, Mário, Isaura e Marta, todos também já desencarnados, os dois
Mários e Marta quando ainda crianças.
Defrontando sérios embaraços
econômicos, não pode ele evitar a ajuda dedicada da esposa, que costurava para
fora. Dias terríveis foram aqueles, mas Pedro Richard e D. Mariana não perderam o ânimo e
mantiveram a fé em que melhores dias viriam, por certo.
A luz
da revelação
A morte do primogênito Mário, aos dois
anos, após longo sofrimento, foi a bem dizer a porta que se abriu a Pedro Richard para o encontro
com o Espiritismo. Não compreendia como, diante da bondade incomensurável de
Deus, era permitido o sacrifício doloroso de uma criança, toda inocência, durante
dias e noites de dores lancinantes, para o desfecho fatal, que tanto
acabrunhara a todos.
Buscava explicação para o que
supunha tratar-se de uma incoerência. E essa explicação estava a caminho.
Havendo conhecido um homem de nome Nascimento, pessoa caridosa e simples, veio Pedro Richard a saber tratar-se
de um médium, isto é, de uma pessoa que tinha o dom de comunicar-se com
Espíritos e de servir de instrumento às almas desencarnadas
para praticar o bem. Depois de conversar com Nascimento, ele se sentiu bastante
aliviado. Recebera a consolação de que precisava e, mais do que isso, uma
explanação clara e objetiva do que é a Justiça Divina, que tem como elemento de
purgação e progresso a reencarnação.
Saíra da casa do médium com a face
iluminada.
Banhara-o a luz da revelação
espírita! Começara a aprender o "porquê" da vida e da morte, da dor
moral e do sofrimento físico. E ao desespero que amargurava o casal sucedeu a
tranquilidade dos que compreendem e, por compreenderem, creem.
Por essa época, vivia dominado por
preocupações crescentes com a manutenção da família. Dedicava-se a trabalhos
incertos e pouco rendosos, mas trabalhava. Fosse o que fosse que surgisse, ele,
resoluto e esperançoso, aceitava, não medindo esforços para atenuar a precária
situação de sua vida. Sempre acreditara em Deus, sempre reconhecera em Jesus a
fonte de água pura, que mata a sede e reanima os desanimados e tinha Maria Santíssima
como lenitivo para todas as ocasiões amargurantes. Se a sua vida dependesse de
fé, pensava consigo mesmo, haveria de transpor todas as barreiras que surgiam à
sua frente.
A pobreza não impediu que ele e a esposa adotassem uma criança necessitada, de
nome Francisco Antônio de Carvalho, que tinha distante parentesco com D.
Mariana. Era o Chico.
O
Chico
É bem certo o ditado: "Quem
semeia flores, não colhe pedras." Esse menino desamparado, acolhido como
filho igual aos outros no lar de Pedro e Mariana, provaria, anos e anos mais
tarde, que era também bom fruto de boa árvore. Jamais esqueceu o que fora feito
por ele amorosamente e desencarnou quando desfrutava do posto de coronel do
nosso Exército, com excelente folha de serviços. Mas, não nos precipitemos. Com
grande dificuldade, pois o dinheiro que conseguiam mal dava para o sustento da
família, Pedro e Mariana tratavam Francisco em pé de igualdade com os demais
cinco (Mário havia desencarnado, lembremo-nos). Dessa forma, encaminharam-no,
um dia, para a Escola Militar, de onde ele saiu como Engenheiro Militar,
honrando, dessa forma, a dedicação e o amor de seus pais adotivos.
O Chico, como era tratado na
intimidade Francisco Antônio de Carvalho, permaneceu solteiro. Estava sempre
atento às necessidades dos pais adotivos. Pedro Richard e Mariana dedicavam-lhe grande amor.
Seguindo os passos do velho Richard, foi ele, durante anos, Diretor da
Federação Espírita Brasileira, pois comungava na mesma crença que se tornara
comum naquela família exemplar. Depois da desencarnação de Pedro Richard, Francisco
tornou-se o verdadeiro "patriarca" da família, seu conselheiro e
amigo incondicional, até desencarnar.
Temos diante de nós, no instante em
que escrevemos o que aqui fica, uma fotografia de Pedro Richard, o olhar firme e
sereno, que nos foi cedida por seu neto, Pedro Richard, coronel do Exército e espírita
militante, sobre a qual, em letra clara, se lê esta dedicatória simples e
admiravelmente expressiva: "Ao meu bom filho e amigo Chico 9-9-914."
Caridade instintiva
A caridade era virtude inata em Pedro Richard e D. Mariana.
Daremos mais um exemplo. Sabendo de uma criança parda, de um ano de idade, que
se achava em péssimas condições orgânicas, acolheram-na com o maior carinho,
dispensando-lhe os cuidados indispensáveis. O pai dessa menina, ébrio contumaz,
esmolava, carregando-a dentro
de um saco. O infeliz, por certo, no lamentável estado em que ficava, nenhuma
noção tinha do que fazia. Uma pretinha de tenra idade, encontrada doente, em
deploráveis condições de higiene e em completo abandono, foi por eles recolhida
e tratada com desvelo. Os anos passaram-se e aquela criancinha, filha do
desditoso ébrio, cresceu e acompanhou a primeira filha do casal quando esta se
casou, e, também, mais tarde, consorciou-se sob os auspícios da jovem patroa. A
pretinha ficou boa, cresceu, revelando sempre muita dedicação a seus
benfeitores e descendentes, até desencarnar, quando ainda vivia em casa de uma
das filhas de Richard.
Vê-se que, desprovido de fortuna
material, possuía o velho Richard aquela riqueza de que nos falam os
Evangelhos, que a traça não corrói, nem excita a cobiça dos ladrões: a riqueza
de sentimentos, distribuída generosamente com os desventurados.
Quem semeia o bem, colhe bênçãos.
“Pai
Nosso”
Duma feita, possivelmente inspirado,
traçou este "Pai Nosso", belo e simples:
"Pai
Nosso, que estais no Infinito, santificado seja o Vosso Nome.
Venha
a nós o Vosso Reino de Amor e Caridade,
Seja
feita a Vossa Vontade, na Terra, no Espaço e em todos os mundos habitados.
Dai-nos
o pão da alma e do corpo, Senhor.
Perdoai
as nossas ofensas e dai-nos a graça de perdoar àqueles que nos ofenderem.
Livrai-nos
das tentações dos maus Espíritos e
enviai-nos
os bons para nos esclarecerem.
Amo-vos,
meu Deus, de toda a minha alma e
quero
amar os meus semelhantes que,
por
Vosso Amor, são todos meus irmãos."
Vereda
de espinhos
Atravessava Pedro Richard uma fase de
dolorosas provações, com a coragem e resignação que lhe eram comuns. Não se
queixava. Notava-se lhe a fisionomia serena, mas sombreada de preocupações. O
fato não constituía ensejo a que diminuíssem o seu carinho, a sua atenção e a
sua solicitude àqueles que, também experimentando dores físicas
e morais, buscavam na sua palavra algum lenitivo. Sufocava suas amarguras e
transformava-as em bálsamo para as amarguras alheias.
O fato deve ter, muito sutilmente,
chegado ao conhecimento do companheiro José Luiz de Magalhães, dedicado
servidor do Cristo e samaritano de alma sempre aberta à cooperação. Tanto assim
é que ele, José Luiz, poeta nato, compôs este poema, partilhando dos
sentimentos do amigo:
A
Dor
No
Calvário da dor, da regeneração
Tudo
sofre na Terra em sua evolução.
Tudo
renasce após, liberto da matéria,
De
grau em grau subindo à perfeição sidérea.
A
pedra, a água da fonte, o musgo inerte, a flor,
A
fera e o homem - tudo, a tudo atinge a dor;
Da
mutilada rocha os hialinos blocos
Que
s'espargem no chão; névoa de brandos flocos
Por
sobre o lago, o rio e o mar - toda a extensão
Das
águas ao calor dos dias de verão:
Da
árvore a seca flor; das feras o lamento;
E
do homem que medita o augusto pensamento.
Lei
do céu, lei da vida, inalterável lei!
Do
átomo à estrela e do anjo à revoltada grei.
Lei
sagrada! movendo os mundos no infinito,
Da
nebulosa ao Sol e do éter ao granito;
Velando
sem cessar por toda a criação:
Diamante,
flor, criança, anjo na perfeição;
E
do perdido céu a nós que aqui tombamos,
E
que hoje o turvo olhar saudosos elevamos,
Na
vida ignara e má (caídos pelo mal,
Caídos
pelo orgulho) aponta maternal,
Na
verdade, na luz e na ascensão sublime
Ao
término da estrada a cruz que nos redime."
Richard
e os descendentes
É preciso ainda enfatizar a noção de
igualdade e amor com que Richard tratou os filhos todos. Dissemos, linhas
atrás, algo sobre Chico, acolhido pela família de forma fidalga. Seria injusto
se esquecêssemos de fazer uma referência, mesmo superficial, a Pedro Richard
Filho, homônimo do venerando ancião de que nos estamos ocupando. Foi um digno
seguidor do "velho", dando exemplos de devotamento e amor à Casa de
Ismael. Cirurgião-dentista competente, prestou grandes serviços aos irmãos
destituídos de recursos que se socorriam da Assistência aos Necessitados.
Não lhe mencionamos o nome, agora,
somente por haver sido filho de Pedro Richard, mas por um dever de justiça, por isso que,
seguindo os exemplos do pai, deu à Casa de Ismael seus melhores esforços, sem
outro interesse além daqueles da solidariedade humana e da caridade pura e
simples. Aliás, pormenor digno de nota, os descendentes de Pedro Richard ainda
hoje lhe honram a tradição moral e procuram viver seus exemplos, como espíritas
militantes, no "Lar Pedro
Richard
": Pedro Richard Neto e Mário Richard. Há
poucos meses desencarnou um outro de seus netos, também dedicado ao labor
kardequiano: Jorge Richard, vítima de um atropelamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário