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“O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...”
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris
Neste ponto
interromperemos a postagem do livro, face suas dimensões, e buscaremos os
capítulos ‘O Catolicismo Romano’ e ‘A
Questão Decisiva’ que se estendem das páginas 343 até a 389, quando do final
do livro.
XIX
o
Catolicismo Romano
Como
sabeis, minhas Senhoras e meus Senhores, a Igreja Romana comemorou, em 1913, o
décimo sexto centenário do edito de Milão, pelo qual Constantino, em 313, com o
seu colega Licínio, fez cessassem as perseguições aos cristãos (Do Blog: Essas comemorações se renovam neste ano de 2013) . Não creio que
no decreto pontifício, nem nos discursos eclesiásticos que à porfia
glorificaram "esse glorioso aniversário", uma só frase tenha ousado
lembrar que o edito, tão ardentemente celebrado pela Corte Romana, fundamenta
essa inovação contrária às tradições imperiais, não pela vontade dos dois
Augustos, senhores do Império, mas pela doutrina de liberdade religiosa que
pregavam, havia dois séculos, os Pais da Igreja: "pois, formula o documento imperial, pareceu-nos sistema muito bom e racional
não recusar a qualquer de nossos súditos, seja ele cristão ou pertença a outro
culto, o direito de seguir a religião que mais lhe convenha. Desta maneira, a
Divindade Suprema, que cada um de nós daqui em diante cultuará livremente,
poderá conceder-nos seu favores e sua benevolência" (1) .
(1)
Gaston Boissier - "O Fim do Paganismo", 2.' ed., tomo I, pág . 42
É
que, ah! depois desse Iongínquo edito do primeiro imperador cristão, o espírito
religioso e o espírito político se modificaram um pouco na Igreja. Segundo a
doutrina dos Césares romanos, a religião é coisa política, não filosófica,
domínio de autoridade não de liberdade, e em nome dessa doutrina é que eles
haviam proibido o Cristianismo, "lei de liberdade", como lhe chamavam
S. Paulo e S. Tiago, e que perseguiriam tão duramente os cristãos. Enquanto a
autoridade lhes foi contrária, os seguidores de Jesus Cristo se conservaram
fiéis às instruções do Mestre, segundo quem somente o Espírito faz os cristãos
e somente a prédica pode dar a fé, não a imposição de um lado e a obediência de
outro: Fides ex auditu... Ite,
praedicate. " Qui potest capere capiat! (2). E foi em nome da liberdade que eles protestaram contra a interdição,
contra a excomunhão que lhes decretavam a autoridade política e a autoridade
religiosa. Mas, depois da conversão de Constantino, bem depressa começou a
perversão, no espírito dos administradores eclesiásticos.
(2) Epístola aos
Romanos X, 17; Evangelho segundo S. Mateus, X, 7; XIX, 12 etc.
"O
direito comum, a lei natural, escrevia Tertuliano, querem que cada um adore o deus em que crê.
Não cabe a uma religião violentar outra. Uma religião tem que ser abraçada por
convicção e não pela força, porquanto as oferendas à Divindade exigem o consentimento
do coração ." Lactâncio,
um século mais tarde, diz mais ou menos a mesma coisa: "Não é
matando os inimigos da sua religião que alguém a defende: é morrendo por ela.
Se julgais servir à causa da vossa religião derramando sangue em seu nome, multiplicando
as torturas, muito vos enganais. Nada deve ser mais livre do que a religião"
(3).
(3) Gaston Boisssier
- I, pág. 49.
Rápida
foi a mudança e a "lei de liberdade" do Novo Testamento (4) teve de pronto a substituí-la a lei levitica do Antigo Testamento,
quando os humildes presbíteros nomeados outrora pelos fiéis, para o serviço da
comunidade cristã, foram mudados em tribo sacerdotal, depois pontifical, com
privilégios, honras, rendas, poder e autoridade religiosa maiores do que as
que, em qualquer tempo, tivera o Sacerdócio Judeu, graças à proteção dos
imperadores e à ambição dos pontífices.
(4) Epístola
de S. Tiago, n, 12; I Epistola aos Coríntios, X, 29, etc.
Por
isso mesmo, curiosa é a comparação dos textos de Tertuliano e de Lactâncio, por
mim há pouco citados, com o tratado ‘Do erro das religiões profanas’, que
Firmicus Maternus endereça aos dois filhos de Constantino, feitos imperadores.
Tira ele da Bíblia o seu principal argumento: "Aquele que sacrifica aos deuses
deve ser arrancado da terra que vos pertence", diz, com efeito, o
Deuteronômio, no capitulo XlII. "É-vos defeso ter qualquer piedade para com
ele. Teu dever é dar-lhe morte, ainda que seja teu irmão, teu filho, ou tua
mulher, que dormem no teu regaço. Tal a sentença de Deus", ensina,
segundo a Bíblia, o feroz teólogo romano, esquecido de que o Novo Testamento
revogou o Antigo e que, pela graça do Cristo, "a lei de amor" substituiu "a lei do temor". Em vão pregaram os apóstolos: "As
coisas antigas estão peremptas, tudo daqui por diante' é novo; quem quer que
seja da religião de Jesus Cristo é uma nova criatura ... Fazendo conosco
aliança nova, Deus perimiu a antiga; o antigo tem que desaparecer"
(5).
(5) II
Epístola aos Coríntios, V, 17; Epístola aos Hebreus, VIII, 13, etc.
Já
não é "pela graça de Jesus-Cristo", é "pela graça do imperador"
que o Cristianismo de então por diante existirá. Estão mortos os apóstolos;
ressuscitaram pontífices e teólogos. Pouco importa a doutrina de S. Pedro e S.
Paulo, ou mesmo a de Jesus Cristo sobre "o único necessário", sobre
as "vãs disputas teológicas" (6). Depois de
haverem obtido dos imperadores a destruição dos templos pagãos e enquanto
esperavam o massacre do admirável neo-platônico Hipatia (7) por monges sórdidos e ineptos, os neo-cristãos, suprimindo o
Evangelho e instituindo a Igreja Cesariana, sob o nome de Igreja Católica, não
se contentaram com excomungar seus irmãos em Jesus-Cristo, por motivo de
opiniões teológicas imperialmente declaradas heréticas, pois que logo obtiveram
do imperador Honório, em 414, uma lei que ordenava fossem tomadas à mão armada
as igrejas dos donatistas, culpados, primeiro (311), de não terem aceitado como
bispo de Cartago um traidor e covarde; depois, por terem atraído para a sua
resistência quase toda a África cristã (8). A mando da
autoridade imperial, seus bispos foram banidos - em 330, eles tinham reunido um
concílio de 270 bispos - seus bens eclesiásticos foram confiscados.
"Quanto aos simples fiéis, se colonos ou servos, eram azorragados,
tiravam-lhes a terça parte de seus pecúlios; aos homens livres era imposta uma
pena pecuniária, que variava, conforme a condição ou os haveres de cada um, e
os punham, por assim dizer, fora do direito civil, proibindo-lhes que fizessem
testamento ou recebessem heranças".
(6)
Lucas, X, 42; II Epístola de S. Pedro, III,16; I Epístola aos Coríntios, XI,
16, etc.
(7)
Duchesne - "História Antiga da Igreja", tomo II, pág, 301.
(8)
Funk Hemmer - "História da Igreja", 3ª edição, tomo I, págs. 221 a
224.
Tal
era o contágio dessa tirania apresentada oficialmente, dali em diante, como
sendo o Cristianismo único, (que até o ex-donatista Agostinho de Hipona se deixou por ela seduzir. Como diz Gaston
Boissier, "uma razão havia para que
ele fosse brando com os transviados. Não participara também ele desse
transviamento? Poderia esquecer que, durante toda a sua mocidade, se conservara obstinadamente fora da ortodoxia?" Dizia aos heréticos: "Maltratem-vos
os que não sabem quão penoso é encontrar-se a verdade (9) e quanto se tem de suspirar e
gemer para conceber ainda que de modo imperfeito o que é Deus; persigam-vos os
que nunca se hajam enganado! Eu, que partilhei dos vossos transviamentos, posso
lamentar-vos, mas não me posso irritar contra vós. Ao contrário, sinto-me obrigado
a vos suportar hoje, como a mim me suportaram; devo ter para convosco a mesma
paciência que tiveram para comigo, quando eu, como cego e em fúria, adotava os
vossos perniciosos erros" (10). Mudou,
entretanto, de sentimentos e de linguagem e acabou apoiando os que queriam se
empregasse a força para converter os heréticos. Ele, que começara pela heresia
e que teria de acabar pelas "Retratações",
que a morte infelizmente interrompeu, se tornou o grande dogmatizador teológico
que todos os teólogos romanos hão cegamente acompanhado e imposto, que ainda
impõem, se bem suas doutrinas, forçoso é confessá-lo, sejam, notadamente sobre
a liberdade e a graça, as mesmas que a Igreja Romana foi obrigada a condenar,
no século XVII, em o Neo-Augustinismo de Jansenius" (11).
(9) Uma
verdade tão difícil de encontrar-se não pode ser a religião universal, a
religião necessária a todos.
(10) Contra epistolam
Fundari, III, 3; Gaston Boissier, tomo I, págs , 74, 75.
(11 ) Duchesne -
"História Antiga da Igreja", tomo II, pág. 656.
Com
efeito, Santo Agostinho - 354 a 430 - se acha colocado na curva do caminho,
nessa mudança de rumo que fez passasse a Igreja do sistema cristão ao sistema
cesariano. Tinham-no suportado, confessa ele, quando era donatista, porque a
tradição evangélica ainda resistia vitoriosamente à tendência jurídica e porque
os próprios bispos se lembravam da parábola em que Jesus mandou que deixassem crescer juntos
o joio e o bom grão, até ao Juízo derradeiro, porque os servidores do Pai
Celestial poderiam muito bem enganar-se e arrancar o trigo, crentes de que
arrancavam o joio (12). - Eles
tinham, assim na África como em Roma, bastante bom senso para se não
acreditarem infalíveis e para sentirem que a inteligência é negócio de inteligência, a ciência negócio de
ciência, e que nem a autoridade, nem a obediência tem que fazer no domínio do
conhecimento. Mas, os bispos, tornados cesarianos logo que César se tornou
cristão, persuadiram o imperador convertido de que também devia converter o
Império e "não só convertê-lo, como fazer da nova religião o que fora feito da
antiga, uma instituição universal e oficial, uma religião de Estado"
(13). Infelizmente, os cristãos, desde muito tempo,
haviam introduzido na Igreja questões de partidos ou de pessoas e querelas teológicas
e pequenas igrejas se tinham separado das igrejas principais. Constantino,
informado das divisões interiores do Cristianismo, decidiu, desde o primeiro
momento, que seus favores só seriam dispensados à grande Igreja, cuja sede era
a capital mesma do Império e essa foi a que ele reconheceu como autêntica,
porque lhe agradava encontrar nela o poder religioso já constituído de forma
administrativa. "Mas, afora os
privilégios, os heréticos isto é, os cristãos não submissos à autoridade
administrativa - tinham tido, a
principio, como todos os cristãos, o
direito de restabelecer suas igrejas e de efetuar de novo suas reuniões"
(14).
(13) Veja-se:
‘Christus’, edição de 1913, páginas 920 e 921.
(14) Duchesne – ‘História Antiga da Igreja’,
págs. 650, 148, 157
Depois
do concílio de Niceia, Constantino, que oficialmente o presidira, deu ciência a
todo o Império das decisões conciliares e tomou a peito reconduzir à uni-
dade as igrejas dissidentes (15). "Estava absolutamente
decidido a não transigir, no tocante ao concílio: era o seu concílio, ao qual
ele assistira e, até, dirigira um pouco", confessa de modo discreto o
historiador romano; "manteve, pois, resolutamente a sua decisão" (16). Ário e os bispos que se lhe conservaram fiéis foram exilados, inclusive
o próprio bispo de Niceia, sendo condenados ao fogo seus escritos. Mais alguns
séculos de progresso eclesiástico tiveram de passar, para que se chegasse a
queimar, não apenas os escritos, mas também os homens declarados heréticos.
(15)
Idem, idem (14)
(16) Idem, idem (15)
Algum
tempo depois, o episcopado ortodoxo sofreu e protestou, quando sobrevieram
imperadores heréticos, que entenderam de impor o gênero de ortodoxia que
adotavam. Clamaram então os Donatas: "Que vem fazer o imperador nas coisas
da Igreja?" "Quando, todavia, as coisas iam bem, observa Monsenhor
Duchesne, ninguém se escandalizava por intervir o imperador. Que interviesse no
bom sentido, era tudo o que lhe pediam" (17).
(17)
Duchesne – ‘História Antiga da Igreja’, tomo II, pág. 657.
Entretanto,
também aÍ um progresso se tinha de realizar, para chegar-se ao estabelecimento
do Cesarismo espiritual e o simplório lrineu
de Lião, numa discussão puramente eclesiástica, o indicara de antemão,
declarando que, para cessarem as divisões, era necessário que todas as igrejas
se unissem em torno da Igreja de Roma, que, pela sua posição no centro politico
do Império, estava designada naturalmente para centro eclesiástico (18). Esse texto de lrineu é o primeiro testemunho que os teólogos romanos
invocam a favor da ancianidade do primado universal da Igreja de Roma. Peço
perdão a esses Senhores, mas, ou eles ignoram o latim, ou fingem não
compreender.
(18) O texto é citado
por Kraus, “História da Igreja”, I, pág. 180, nota 2.
O
texto não diz que toda a Igreja, totam Ecclesiam, como se falasse de
um corpo já unificado, mas "toda igreja, todas as igrejas", omnem
ecclesiam". Não diz: "toda a Igreja depende da Igreja de
Roma", porém que: "todas as igrejas façam unidade em torno da igreja
romana, se quiserem que cessem as discussões", Ainda nesse ponto, ele
profetizava mal, porquanto a supremacia que Roma reivindicava produziu, em vez
da união de todas as igrejas, a separação das Orientais, primeiro, depois,
entre os cristãos do Ocidente, divisões igualmente consideráveis e obstinadas.
"Fazer remontar a primazia cristã aos
primeiros séculos do Cristianismo é, pelo menos, desconhecer as leis e as
condições do desenvolvimento cristão" (19), confessam hoje, discretamente, os historiadores ortodoxos e confessam
"forçados pela ciência crítica, que, notadamente, em S. Cipriano, testemunha
incontestável da doutrina contrária, os partidários do primado romano
interpolaram textos a favor da tese que sustentavam (20). Digamos, por desencargo deles, que não citam a carta em que S.
Firmiliano, metropolitano da Capadócia, escrevendo, no ano 256, a S. Cipriano,
qualifica de "tolo", stultus,
o papa romano Estêvão, o primeiro a intitular-se "sucessor de S.
Pedro", atribuindo sentido exclusivo a essa qualificação (21). São Gaudêncio, pelo ano de 396, ainda honra com esse título o bispo
de Milão, Santo Ambrósio, porque, na opinião daqueles tempos, a cadeira de São
Pedro estava
por toda parte, na Igreja, e todo bispo era tido
como sucessor de S. Pedro, do mesmo modo que todo bispo era chamado
"papa", isto é, "pai", datando apenas do século VIII o
sentido exclusivo atribuído hoje a esse título.
(19) Kraus, I, 180.
Devera dizer: do desenvolvimento eclesiástico,
para ser absolutamente exato.
(20) Idem, I, 181,
linha 3 e nota 2.
(21) Migné -
"Patrologia Latina", tomo III, colunas 1201 a 1226.
Até
então, o bispo de Roma, eleito como os outros, pelos cristãos da sua cidade
episcopal, pagava uma soma bastante elevada ao imperador de Constantinopla, do
qual se reconhecia, tributário, como claramente o atestam o requerimento do
papa Agaton, pedindo, em 680, por intermédio dos seus legados ao VI
Concílio Ecumênico, convocado para aquela capital, pelo imperador Constantino
Pogonato, uma diminuição do foro anual, e a resposta imperial, especificando
que o eleito do povo romano para o episcopado não seria ordenado, antes que o imperador aprovasse a eleição, "de acordo com o costume antigo".
Quando a invasão dos bárbaros subtraiu o Ocidente ao imperador de Constantinopla,
o privilégio daquela confirmação foi transferida para os imperadores do
Ocidente, pelos próprios papas. Somente Gregório VII - 1073 a 1085 - conseguiu
libertar-se desse privilégio, como conseguiu, ou quase, que todos os bispos se
curvassem à sua dominação única.
A
partir desse sétimo Gregório romano, foi-se a doutrina proclamada por S.
Gregório I - 590 a 604 - contra o patriarca bizantino João, o Jejuador, de que
"o título de bispo universal é
contrário aos direitos de todos os bispos" (22). Já Teodoro I - 687 - pouco satisfeito com o titulo de "Servo dos
servos de Deus", que Gregório I humildemente tomara, adotou o de
"Soberano Pontífice", que os outros bispos até ali tinham usado com
os de "papa" e "vigário do Cristo", indistintamente, para
se destacarem dos padres de segunda ordem (23). Gregório VII
quis comandar não só os bispos, como os reis e o imperador. Os escândalos e os
crimes dos 32 papas que se haviam sucedido no trono pontifical, durante 107
anos, de 896 a 1003, e as revoluções, as incessantes guerras a que, ainda por
mais tempo, deu causa a nomeação do bispo de Roma pela aristocracia e pela
populaça romanas, justificam evidentemente a indomável energia de que usou
Gregório VII, para conquistar a independência e regularizar o funcionamento da autoridade espiritual, mau
grado mesmo aos reis e aos imperadores.
(22) Kraus, tomo I, pág. 347,
(23) Funk Hemmer, tomo I, pág. 269.
No
futuro, porém, não menos do que no passado, a santidade e o gênio não se
mostraram inseparáveis da soberania pontifícia. Era fatal o declive por onde os
papas, desde Inocêncio III - 1198 a 1216 - seriam arrastados à ambição e à
realização da autocracia absoluta.
Foi
persistente a resolução e habilmente conduzida a realização. O papa Bonifácio
VIII - 1294 a 1303 - juntou uma segunda coroa à de que os seus predecessores
haviam ornado a tiara que usavam, imitando os sumo-sacerdotes judeus. Benedito
XII - 1334 a 1342 - acrescentou uma terceira e, assim, desde o
século XIV, estava completa a declaração da tríplice autoridade que os pontífices
romanos se atribuíam, para igualarem, não à santidade, ah!' não, mas à
potestade divina. "Não à santidade", disse eu. É que as pretensões
não geram o mérito e o poder não é a virtude.
Mesmo
durante esse período triunfal a que se chama a "Idade Média", além de
que muitos papas não foram santos, os mais virtuosos, apesar da sua boa
vontade, não lograram impedir que a Corte Romana fosse exatamente o oposto de
um Colégio Apostólico e de um Sacro Colégio, como piedosamente ela se intitula.
E foi, sobretudo, Roma, que maculou aquela cristandade mesma dos séculos XII e
XIII, que as Histórias da Igreja glorificam, como de maravilhosa floração de
todas as virtudes e de todas as instituições cristãs.
Pelos
resultados é que se julgam as instituições: "é pelos frutos que se julga de
uma árvore", disse Jesus-Cristo. Porventura os frutos da árvore
pontifical, os resultados da organização cesariana em Roma dão testemunho de
que as mudanças introduzidas pelo papado na obra de Jesus-Cristo são obra do
Espírito-Santo? Querer atribuir A inspiração divina as ideias e os atos da
autoridade pontifícia é pretensão que não logra êxito em nossa época.
Verdadeiramente, bom é que, por honra de Deus, não se seja obrigado a dar-lhe a
paternidade da instituição da Inquisição, do Diretório dos Inquisidores que o
Papado não se descuidou de fazer fosse reeditado em Roma, nos anos de 1578,
1587 e 1597, e que, desde Alexandre IV - 1254 a 1261 – até ao XVIII século,
multiplicaram por toda a Europa torturas e fogueiras, fazendo tantos mártires
quantos anteriormente haviam feito os perseguidores pagãos dos séculos II e
III, Não! os chefes da Igreja, como os outros homens, conservam a sua
liberdade, debaixo das sugestões e inspirações divinas. Nas palavras e nas
obras dos papas, como nos dizeres e atos dos pregadores ou dos ministros do
Evangelho, a, razão tem o dever, que não apenas o direito, de discernir e de
julgar, como o recomendava S. Paulo no começo do Cristianismo: Omnia
probate; quod bonum est tenete! "Experimentai tudo, apreciai tudo,
para unicamente guardardes o que for bom" (24). "Separai-vos, apartai-vos
de tudo o que tenha aparência de mal", continua o apóstolo, falando
aos seus cristãos de ontem, apenas instruídos nos rudimentos do Cristianismo.
(24) I
Epístola aos Tessalonicenses, V, 21.
A
corte romana, depois, entendendo sem dúvida, e com razão, que os cristãos, após
séculos e séculos de Cristianismo, mais capazes já eram de julgar do bem e do
mal, tomou suas precauções e, por meio da Inquisição
e do Índex, proibiu, até mesmo ao
santo de Fogazzaro, se achasse que nem tudo é
absolutamente perfeito, nem no passado, nem no presente, quanto, sobretudo, “ao santíssimo e infalível papado latino".
Assim
pois, como, segundo o preconceito que os interessados habilmente criaram, só um
ímpio ou um orgulhoso pode deixar de admirar tudo em a "nossa Santa Madre
Igreja", não apelarei para o meu próprio juízo, nem, ainda menos, para as
asserções de algum inimigo da Igreja, mas para um grande doutor da Idade Média,
que Roma declarou santo, para o ilustre e virtuoso sábio S. Bernardo.