O Espiritismo no Sertão
Ismael
Gomes Braga
Reformador (FEB) Dezembro 1946
Tive
a fortuna de vir passar uma temporada de repouso numa pequena fazenda que ainda
não conhece luz elétrica, jornais, telefone, rádio, automóvel, intrigas
políticas, lutas econômicas, campanhas de classe. Gente simples e boa que vive
fraternalmente, presta serviços recíprocos e desconhece 90% da maldade
hipócrita da cidade. O lugar chama-se Tomba-Morros, nome que se origina das
numerosas montanhas que cercam o vale
pacífico, onde se acham construídas umas dez casas de proprietários e empregados,
distanciadas uns cem metros umas das outras.
As
quatro famílias de proprietários são de irmãos, todos agricultores, que formam
uma população total de umas sessenta pessoas, na maioria crianças ou jovens de
menos de vinte anos.
Com
surpresa, vim encontrar aqui obras de Kardec em pleno estudo, em sessões diárias,
às quais assistem umas quinze ou vinte pessoas. Há vários médiuns em
desenvolvimento e o mais desenvolvido é uma senhorita de 18 anos de idade, por
intermédio da qual o Guia dirige as sessões de estudo. A sessão consiste em
preâmbulo, prece inicial, leitura do ponto, comentários, prece final. Só a
leitura não é feita pelo Guia.
Excepcionalmente
são trazidos Espíritos para serem doutrinados e, neste caso, o doutrinador é o
Guia e o doutrinado incorpora-se em outra médium um pouco mais jovem ainda do
que a senhorita já mencionada. Essa ordem de serviços foi um tanto alterada
pelo Guia desde a minha chegada, porque ele me confiou interinamente parte do
trabalho de comentar e doutrinar.
Essas
sessões, a que assistem todos os habitantes adultos do Tomba-Morros, tiveram
seu início há seis meses e têm longa e dolorosa história de doze anos
terríveis, como preparação inconsciente pelo caminho horrível das obsessões que
se manifestavam pela desarmonia, disputas, inimizades, injúrias, ameaças,
tentativas de homicídio, ódios, sem causa alguma que o justificasse.
Em
Abril deste ano, duas senhoras foram tomadas por Espíritos violentos e inimigos
um do outro, que durante dias consecutivos trocaram insultos
os mais soezes. Eram mãe e filha, ambas delicadas, amorosas e boas amigas em seu
estado normal. Aqui foram chamados membros do Centro Espírita da cidade mais
próxima e, após muitas horas de doutrinação improfícua, como última solução
para evitar perigosas consequências físicas, decidiram conduzir uma das
"possessas" para a cidade. Assim evitaram a continuação das ofensas
morais que ameaçavam degenerar em agressão material.
O
trabalho perseverante desses dedicados e pacientes trabalhadores da Seara deu
os resultados desejados: foram afastados os obsessores, violentos e grosseiros
colonos italianos, que se insultavam em seus dialetos totalmente desconhecidos
das duas senhoras, ambas brasileiras, e que só conhecem o português. Começaram
a estudar a Doutrina e a compreender agora que os martírios, sobressaltos,
temores, perigos, de doze anos de desarmonias, não tinham causa na presente
encarnação, mas possuíam raízes em encarnação passada, pondo-os à disposição de
outros Espíritos, hoje desencarnados, que, tomaram parte em atos e faltas de
outros tempos. As portas de muitas almas se achavam abertas a tais influências
por erros e faltas reciprocas de anterior encarnação.
Revelado
o passado e compreendido que todas as desinteligências de hoje eram promovidas
por influências espirituais, restabeleceu-se a paz e a perfeita harmonia entre
esta boa gente. Reina hoje inteira confiança recíproca e a Doutrina salvadora
passou a ser pão cotidiano. O Guia recomenda que se não comente o passado nem
mesmo na maior intimidade, para que ele a pouco e pouco fique esquecido.
E,
diante de fatos como estes, ainda há quem suponha que o Espiritismo possa ser
evitado, que o homem possa opor embargos à sua marcha providencial! Quão pequeno e fraco é o homem diante dos desígnios
de Deus! Felizmente, somos incapazes de triunfar sempre contra a lei, porque a
dor se encarrega de reconduzir-nos ao caminho reto que nos leva à
perfeição.
Em
toda essa longa história que aqui reduzimos a poucas palavras, ressalta uma
figura heroica que é a do paciente Guia que não abandona
por um instante os seus protegidos; repreende com autoridade; aconselha com
sabedoria; resolve os mínimos casos; ora com fervor e se manifesta a todos os
momentos em que sua presença se faça necessária. Foi, em vida virtuoso
sacerdote católico-romano, conhecido pessoalmente de alguns membros dessa
família e do autor destas linhas. Desencarnou há perto de vinte anos e comunica
que uma das jovens médiuns veio ao mundo para a missão especial que iniciou em
Abril deste ano, havendo eles ambos - a médium e o Guia - assumido o
compromisso de re harmonizar as referidas famílias. Até agora podemos felicitá-los
pelos resultados já obtidos. Que Deus lhes dê forças para prosseguirem com o mesmo
êxito até ao fim!
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