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Chegado
ao ápice da escala evolutiva nas séries naturais, isto é, transposto o último
elo da animalidade e restituído ao universo espiritual em que tivera origem, o
ser inteligente, ao mesmo tempo que, pela assimilação de apropriados fluidos,
se reveste de um perispírito adequado a sua nova condição, é mergulhado numa
espécie de letargia - fenômeno peculiar a todo ato de nascimento, como de
renascimento - durante a qual sofre uma transformação em suas percepções e
faculdades e se torna propriamente espírito.
Tendo
deixado nos últimos invólucros animais os apetites e paixões que devia às
necessidades próprias da animalidade, surge, daquela fase estagnatária, para a
vida consciente e livre no estado de simplicidade e ignorância, conservando
apenas do seu longo contado com a matéria, como substrato das experiências
milenarmente adquiridas, a sensibilidade, a capacidade intelectual autônoma, o
sentimento de sua individualidade, de sua consciência embrionária, a aptidão,
em suma, ativa e deliberadamente volitiva, que irá utilizar em os novos ciclos
de sua evolução.
Colocado
sob a direção e vigilância das entidades espirituais que, em anteriores criações,
o precederam na infinita escala do progresso espiritual (1), começa o espírito o seu aprendizado, nesse imenso livro do universo
fluídico, pelo estudo das criações dessa natureza e o das forças cósmicas, em
cuja aplicação é, numa certa medida, chamado a tomar parte.
(1) Não
será ocioso, senão oportuno, recordar que, sendo eterna a criação em ciclos
sucessivos, ao primeiro dos quais (?) seria inútil tentarmos remontar, haverá
sempre espíritos em todos os graus de evolução, prontos a se auxiliarem, os
mais elevados guiando os imperfeitos, os experientes aos mais novos, e assim
solidária e indefinidamente.
No
que se refere à educação moral, recebe dos seus benévolos preceptores as
instruções tendentes a lhe incutir o sentimento de gratidão devida ao Criador,
que ele não vê, mas no conhecimento de cujas obras vai sendo gradualmente
iniciado (1).
(1) O
desenvolvimento desse tema, de que apenas damos um resumidíssimo esboço, encontra-se
em .J. B. Roustaing, OS QUATRO EVANGELHOS, vol , 1, págs . 273 e seguintes.
À
medida que, percorrendo as esferas fluídicas e observando o mecanismo dos fenômenos
da natureza, se esclarece, aprende e age, o espírito adquire com uma noção cada vez mais acentuada de suas capacidades e
aptidões e de seu papel no concerto da criação, o sentimento de sua própria
grandeza e dignidade.
"Tudo
é tão belo nas regiões superiores, - diz a palavra da Revelação (2) - o espírito pode admirar tão
grandes coisas, que fica deslumbrado, maravilhado!"
(2) Ob. cit., págs.
297.
Se
de contemplação em contemplação, de pasmo em pasmo, segue sempre, dócil às
inspirações e conselhos de seus guias, a rota que lhe é indicada para progredir,
aprendendo e ir trabalhando de um lado, ensinando do outro, quando tal
capacidade chega a adquirir - pode o espírito realizar indefinida e
exclusivamente a sua evolução no plano espiritual, até atingir as culminâncias
de uma perfectibilidade, senão de uma perfeição moral que, de infalido, o
converterá em infalível. Assim chegará sem interrupção, e através do que na linguagem
da Revelação, e embora num sentido relativo, próprio contudo a nos dar uma ideia
das extensões de tempo decorrido, é designado como "eternidades," à
categoria dos Cristos, ou Logos planetários, tendo daí em diante que progredir
apenas, mas eternamente, em ciência sideral."
Raros
são, porém, os que logram essa uniformidade retilínea de progresso. O que
geralmente sucede é que, num grau mais ou menos avantajado de evolução, num
estágio mais ou menos próximo do seu ponto de partida,
exaltando-se no sentimento do poder que já desfrutam sobre a natureza e a criação,
isto é, cedendo aos estímulos do orgulho, que a si próprio atribui o que
pertence àquele Autor supremo, de cuja existência entram a duvidar, porque não o
veem - tais como, na Terra, os cientistas que, em presença das maravilhas que
sondam e lhes testemunham a evidência de uma Causa originária, longe de a
reconhecerem, tudo pretendem explicar por forças cegas, que a sua fatuidade se
sente lisonjeada em submeter ao seu império - muitos, muitíssimos espíritos
sucumbem, precipitando-se das regiões de luz, em que ascendiam, aos tenebrosos
círculos da encarnação material. É a falência.
Tal
seja a menor ou, maior gravidade da falta, caracterizada sempre pela desobediência
às sábias exortações de seu preceptor, assim serão menos ou mais penosas para o
espírito as condições da encarnação inicial, nesse caso, e unicamente nesse caso,
imposta, não como uma necessidade geral e uniforme de progresso para todos, mas
como um meio repressor e educativo do falido. Desse modo se explicaria o caso
dos espíritos novos a que fizemos alusão, verdadeiros hóspedes inexpertos e recentes da
nossa esfera expiatória, em que, tanto poderão multiplicar as suas
peregrinações por novas recidivas na mesma ordem de sentimentos, ou por deslize
em paixões inferiores como abreviar, num diligente aproveitamento, o ciclo de
sua proscrição, reatando, ao fim de poucas, meritórias existências, a sua ascensão
espiritual no ponto interrompido.
Assim
também se explicariam, como resultado de progressos efetuados no estado de espírito,
consciente e livre, as consideráveis transformações em nosso mundo Introduzidas
pelo homem, no que se refere ao desenvolvimento das artes e das indústrias,
como sinais de uma civilização incipiente, mas rapidamente acentuada, desde o
aparecimento da nossa espécie no cenário do planeta. É que os espíritos,
condenados a encarnar aqui, consigo mesmos traziam os frutos de um
desenvolvimento e aptidões adquiridas no plano espiritual, fora das deprimentes
e obscurecedoras condições da encarnação material.
Não
é essa, contudo - assinalemos de passagem - a única explicação que se pode
formular dos melhoramentos, desde as primitivas raças, verificados no habitat terrestre. Bem podia realmente
ser que a numerosa colônia de espíritos que primeiro povoou o nosso globo não,
tivesse vindo pela primeira vez padecer a encarnação, mas que tivesse antes sido exilada de um outro mundo,
em cuja ascensão na hierarquia planetária houvesse, por sua obstinação em malfazejos sentimentos, perdido o direito
de o acompanhar. Desse banimento de um mundo adiantado em civilização - no
verdadeiro e completo sentido da palavra - se teria originado a ideia de um
"paraíso perdido," que figura nas mais remotas tradições religiosas
da humanidade e que, de fato, pode ser interpretada como a reminiscência da
exclusão, para aqueles proscritos, de um meio social de que haviam terminado
por se tornar indignos. Tal se dará, em um novo avantajado ciclo de
aperfeiçoamento que para a nossa Terra se prepara, com os espíritos que por sua
rebeldia se lhe conservarem refratários: serão desterrados para um planeta em formação,
em cuja atmosfera carregada de vapores o seu cativeiro inicial nessas
verdadeiras "trevas exteriores" se caracterizará pelo "choro e o
ranger de dentes" de que fala a Escritura, mas a cujo progresso e
organização social levarão os frutos de inteligência adquiridos entre nós e que
constituem o seu inalienável patrimônio.
Detenhamo-nos
todavia aqui, pois que esta explanação já entende com a pluralidade e solidariedade
dos mundos habitados, que faz, entre outros assuntos, objeto do capítulo a
seguir, e, encerrando a digressão, reatemos as considerações, relativas à falência
dos espíritos.
Os
impugnadores da teoria que sustenta ser a encarnação do espírito a consequência
de uma, "queda" e não uma necessidade para o seu progresso, acreditam
formular uma objeção irrefragável, quando alegam, revidando o argumento, que na
hipótese de só serem os espíritos submetidos à encarnação depois da queda e como
um meio expiatório e educativo, se jamais ocorresse tal falência, isto é, se
não falissem tais espíritos, o nosso mundo, por exemplo, teria ficado
perpetuamente privado da presença da humanidade, ficando assim burlado o
principal objetivo de sua criação e excluídas as vantagens que ao seu
aformoseamento e progresso trouxe a nossa espécie.
Ao
que se pode, nesta ordem de metafísicas proposições, replicar que de sobra
conhecera a divina Presciência a insubmissão de tais espíritos, para não deixar
incompleta a própria obra. Sabia assim que, num dado e oportuno tempo, não
faltariam povoadores para o habitat
terrestre, como os não hão de faltar, na eterna sucessão das criações, para as
terras que hão de surgir do seio dos espaços. Por uma fatalidade inevitável, de
que não seriam responsáveis, em tal caso, as criaturas? – Não:
por livre escolha, simplesmente, definida entre opostas sugestões.
Pretender,
ao demais, a encarnação como uma indeclinável necessidade para o espírito,
desde o inicio de sua evolução nessa categoria, não será, de um lado,
desconhecer as infinitas possibilidades de progresso que deve necessariamente
oferecer aos seus habitantes o plano espiritual, que é o meio normal, preexistente
e superior ao terrestre, e do outro atribuir à carne um valor que de si mesma
não possui, como auxiliar no desenvolvimento das faculdades do espirito, quando sabemos que, ao
contrário, constitui um embaraço às suas mais nobres e elevadas expansões?
Que
o princípio espiritual, para passar do estado difuso ou de não ser ao de existência
pessoal, independente e consciente, começasse por ser incorporado à substância,
em seu primitivo estado de condensação e daí ao das criações materiais, segundo
já ficou exposto, afim de a esse contato e sob a ação das forças cósmicas e das
leis biológicas serem despertadas, com a sensibilidade, as suas faculdades
latentes, até atingirem o grau indispensável à sua transformação em espírito,
livre, consciente, responsável, compreende-se. Mas que, uma vez integrado nessa investidura, não
lhe fosse permitido exercitar as suas faculdades no meio peculiar a sua própria
natureza e logo tivesse que padecer a morte na escuridão da carne, como se esta
lhe pudesse proporcionar melhores condições de evolução que os planos invisíveis,
ricos das mais poderosas energias, é o que não pode ser admitido senão como uma
arbitrária degradação, incompatível com a justiça que em todas as coisas
sentimos imanente e que, assim, não poderia infligir uma verdadeira punição a
seres que a não teriam, por ausência de toda culpa, merecido. E a expiação não
pode preceder à culpa.
Insistamos,
pois, enquanto uns espíritos se conservam dóceis e obedientes aos conselhos de
seus guias, outros, ansiosos de prematuramente emancipar-se da benévola tutela,
se desviam, cedem a inconsiderados assomos de insurgência ao supremo Poder e se
tornam em tal caso, passíveis de experimentar e reconhecer a própria
fragilidade, condenando-se a padecer as contrições da carne, que é fraqueza.
Há
ainda uma outra teoria, a que, todavia, só incidentemente aludiremos,
explicativa da encarnação como consequência da queda do espírito. É a que
pretende, interpretando o simbolismo da tentação e da ingestão do fruto da
árvore da ciência do bem e do mal, que “abriria os olhos e tornaria como deuses
aqueles que o provassem”, - tal como se encontra na Gênese mosaica – que os
espíritos em seu primitivo estado de inocência e ignorância, dos quais Adão é a
alegoria personificada, só decaíram daquele estado por terem sido tentados a
participar da criação, como aos seus olhos e sob sua vigilância espiritual se
reproduziria toda a natureza. Sucumbindo a essa funesta solicitação, teriam
sido atraídos para a carne e aí tomado um corpo, que os fizera perder o dom da
primitiva imortalidade. É assim, segundo essa teoria, que se pode entender esta
passagem da Escritura (Gênese VI,4): “Ora, naquele tempo havia gigantes sobre a
Terra. Porque, depois que os filhos de Deus tiveram comércio com as filhas dos
homens, geraram estes filhos, que foram uns homens possantes e afamados no
século.”
Como
quer que seja – e não apresentamos essa teoria senão a título de curiosidade –
a figura da queda do espírito, tendo como resultado a sua “humanização”, não
aparece pela primeira vez, embora o seja sob uma nova forma didática, nos
ensinos da Revelação moderna (1), senão que se
encontra na base das mais antigas religiões que a precederam.
(1) Referimo-nos à já citada obra de Roustaing e não à de Allan
Kardec, em que é diferentemente exposto esse controverso ponto (Livro dos
Espíritos, parte 2ª, cap. II, ns. 132 e 133)
Não
é tudo ainda. Em apoio dessa dualidade na linha evolutiva percorrida pelos
espíritos, uns permanecendo desde o começo fieis às injunções divinas e, assim,
jamais se afastando da “casa paterna” que é o infinito espaço, outros dela se
ausentando, para decair nas mais abjetas condições da encarnação terrestre, há
no Evangelho uma parábola, cuja meridiana significação se impõe a todo aquele
que busca penetrar o sentido profundo de todos os seus ensinamentos.
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