74
Retrocedamos,
todavia, um pouco. A pluralidade e hierarquia dos mundos implica
necessariamente a sua solidariedade, expressa não somente na lei mecânica de
gravitação, que os mantém reunidos em torno de um centro comum - para o nosso sistema
planetário, o sol - mas na permuta que de seus respectivos habitantes, como
aludíamos há pouco, não cessam eles de entre si efetuar.
Para
compreendermos, de alguma sorte, objetivamente aquela hierarquia, nada haverá
melhor que uma rápida excursão pelos domínios da astronomia, no que se refere
particularmente às diferenças de massa, densidade atmosférica, velocidade de
percurso, etc., que nos revela apresentarem os planetas do nosso sistema - e
não carecemos sair dele - o que suficientemente indica a variedade de condições
que deve revestir a vida em sua superfície.
Tornando
como ponto de referência a progressão da distancia a que se acham do Sol, é
esta a ordem em que se nos apresentam: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter,
Saturno, Urano e Netuno.
O
mais próximo do Sol é, portanto, Mercúrio, o menor de todos também, que se move
a uma distancia média de 14 milhões de léguas. O seu diâmetro não excede de
1.200 léguas, sendo menor que o da Terra duas vezes e meia o seu volume. A
atmosfera é muito densa e as montanhas que eriçam a superfície do planeta,
algumas atingindo 19 mil metros, são assim muito mais altas que as nossas. A
revolução anual, ou o giro completo que efetua em torno do sol, é de 88 dias, e
estes são, como em nosso globo, de 24 horas, o que quer dizer que o seu calendário
não alcança nem a quarta parte do nosso.
Como
a sua inclinação sobre o plano da eclíptica é muito pronunciada, as duas
estações, inverno e verão, cada uma das quais dura apenas 22 dias, formam entre
si um contraste violento. No afélio, isto é, quando está a maior distancia do
Sol, este apresenta um disco quatro e meia vezes maior que o que nos apresenta
a nós, e na fase oposta ou de menor distância, denominada perihélio (?), aquele
disco aumenta dez e meia vezes.
Assim,
no pino do verão, o sol, mostrando-se nessa proporção decuplicada aos
habitantes de Mercúrio, derrama na atmosfera do planeta dez e meia vezes mais
luz e calor que os que nos prodigaliza. É como se fossem, para nós, dez sóis a dardejarem
simultaneamente sobre as mossas cabeças os seus abrasadores raios. Dada a nossa atual constituição, seriamos indubitavelmente
fulminados. Mas a vista e a constituição orgânica dos habitantes de Mercúrio
devem necessariamente estar dispostas em harmonia com essas condições. Não é
assim que por toda parte procede a natureza, adaptando os seres ao meio em que
são chamados a viver?
Vênus,
a encantadora "estrela d'alva," que é o vizinho imediato, gira à
distancia de 26 milhões de léguas do Sol e em sua revolução anual gasta 225
dias, ou 7 meses e meio dos nossos. Mas o seu ano é de 231 dias e estes se
compõem de 23 horas e pouco mais de 21 minutos.
Quase
igual, senão idêntico à Terra por sua extensão, massa e densidade (o seu diâmetro,
que é de 3.175 léguas, está para o do nosso globo como 999 para 1.000 e o seu
volume como 975 .para o mesmo algarismo), ,possui uma atmosfera que parece
constituída dos mesmos elementos que a nossa, posto que quase duas vezes mais
densa, mas está de tal modo inclinado sobre a eclíptica que as mudanças de estação devem ser lá muito
bruscas, ocasionando assim bem
desagradáveis sensações aos seus habitantes.
A
sua superfície é tão acidentada como a nossa, havendo montanhas de 44.000
metros de altura, desproporção considerável relativamente às do nosso mundo, a
mais alta das quais, na cordilheira do Himalaia, não tem mais que 8.840 metros.
O
estudo, que já se conseguiu fazer, da geografia de Vênus atesta além disso que
esse planeta, não somente se envolve numa atmosfera, como o dissemos, constituída
de elementos idênticos aos da nossa, mas possui também abundancia d'água, com a
circunstância, ligada à rápida mudança; e intensidade das estações, de revestirem os
ventos, as chuvas ,e as tempestades uma extrema violência, que nos é
desconhecida. Deve, pois, a vida ser lá, nesse como, talvez noutros sentidos,
muito mais tormentosa que na Tenra.
Do
nosso modesto habitat, que presumimos
conhecer, mas que tão pouco de fato conhecemos, não diremos, todavia, no que se
relaciona com esta rápida noticia cosmográfica, senão que se move a uma
distancia de 37 milhões de léguas do Sol, em torno do qual - haverá porventura
quem, medianamente instruído, o ignore? - efetua a sua revolução em 365 dias e
6 horas, girando sobre si mesmo em 24 horas, com uma velocidade de 2 milhões e
544 mil quilômetros por dia, ou sejam 106 mil km por
hora, ou ainda 209 quilômetros por segundo.
O
diâmetro do nosso planeta mede 3.185 léguas e a sua superfície 511 mil quilômetros
quadrados, da qual apenas a quarta parte formada por continentes, sendo três
quartas partes cobertas pelas águas. É um milhão e cerca de 300 mil vezes menor
que o Sol.
Marte,
verdadeira miniatura do nosso mundo, gira a uma distância média do Sol, de 56 milhões de léguas, possue um volume 6 e meia vezes menor que o da Terra, mas
é três vezes maior que Mercúrio . O seu
peso é 9 e meia vezes inferior ao do nosso globo e três milhões de vezes menor
que o do Sol. Efetua a rotação diurna em 24 horas e pouco mais de meia e
percorre a sua órbita em 687 dias dos nossos, sendo, porém, de 668 dias o seu
calendário. O ano lá corresponde assim a quase dois do nosso.
A
diferença entre Marte e a Terra é pequena quanto ao movimento de rotação, do
que resulta que a sucessão dos dias e noites, o nascimento e ocaso do Sol e das
estrelas, o decorrer das horas, o curso habitual da vida, em suma, apresentam
perfeita similitude com o que entre nós se verifica. As diferenças principais
consistem na pequenez .do seu volume, em ter dois satélites, ao passo que nós
só temos uma Lua, e em que o nosso minúsculo vizinho apresenta maior proporção de terras que de mares.
Como
o nosso planeta, Marte apresenta três zonas bem distintas: a tórrida, a
temperada e a glacial. As estações duram, todavia, muito mais, mesmo porque,
sendo extremamente alongada a sua órbita, os dias são muito mais numerosos,
como vimos: quase o dobro dos nossos.
Dada
a proximidade a que fica da Terra e a combinação do seu movimento com o desta, permitindo
assim mais completas e demoradas observações, considera-se perfeitamente
demonstrado que há em Marte uma atmosfera “que não deve diferir quimicamente da
nossa e que é particularmente rica em vapor d'água”. Mais ainda: não somente as
neves, as nuvens como os mares apresentam quase o mesmo aspecto que os do nosso
globo, apenas com a curiosa particularidade, em relação aos
continentes, de revestirem estes uma tonalidade amarela, como os campos de
cereais entre nós, mas as observações que se tem assiduamente feito, ha mais de
um século, asseguram um conhecimento por assim dizer, minucioso dos fatos
principais da meteorologia de Marte.
"Assistimos
de cá - diz C. Flammarion, de quem tomamos as indicações e dados que aqui vamos resumidamente expondo - a formação dos
gelos polares, ao derretimento das neves, as intempéries; vemos as nuvens, as
chuvas e as tempestades. 0 bom tempo quando volta, numa palavra, acompanhamos com
a vista todas as vicissitudes das estações. A sucessão desses fatos é tão
conhecida ,atualmente que os astrônomos podem anunciar antecipadamente qual
será a forma, o tamanho e a posição das neves polares, e bem assim o estado
provável, nebuloso ou claro, da sua atmosfera."
E,
depois de alongar-se em considerações relativas às analogias meteorológicas
entre Marte e a Terra, acrescenta o eminente astrônomo, encaminhando as suas
deduções precisamente ao objetivo que nos preocupa :
"Temos,
pois, no espaço, a alguns milhões de léguas daqui, uma terra semelhante à
nossa, na qual todos os elementos de vida se acham tão bem reunidos como em
torno de nós: atmosfera, águas, neves, calor, luz, ventos, nuvens, chuvas,
regatos, fontes, vales, montanhas. Para completar a semelhança, lembremo-nos de que as estações têm lá a mesma intensidade
que na Terra, sendo apenas um pouco maior que entre nós a duração do dia.
"A
analogia de Marte com a Terra continua a ser a mesma quando examinamos esse
planeta no que se refere aos seres animados que o devem povoar. Podemos
considerar os seus habitantes como tendo a conformação que mais se aproxima da
nossa. O filósofo Kant até supunha, já no século passado, que se poderiam
classificar, quanto ao moral, na categoria dos homens da Terra; julgava que os
habitantes dos planetas inferiores, Mercúrio e Vênus são demasiado materiais
para poderem raciocinar e, provavelmente, não, tem sequer a responsabilidade dos
seus atos, e classificava as humanidades da Terra e de Marte num justo meio termo
moral: nem completamente rudes, nem completamente espirituais.
"Estes
dois planetas - disse Kant - estão colocados no meio do nosso sistema planetário,
de modo que podemos supor, sem inverosimilhança, que os seus habitantes estão
numa condição media, tanto no moral como no físico, entre os dois
extremos." Para pintar a perfeição e a felicidade dos planetas superiores,
desde Júpiter até os confins do sistema, Kant cita dois versos de Haller cuja tradução
é: "Os astros são talvez a morada de espíritos glorificados ; assim como aqui
reina o vicio, do mesmo modo a virtude Iá é soberana. " .
"Mas
esses argumentos são puramente especulativos. Não temos base alguma para formar
ideia exata do estado intelectual das humanidades planetárias. Podemos dizer,
no entanto, que, como o moral está naturalmente em relação com o físico, quanto
mais rude for o planeta, menor deve ser a sensibilidade, de maneira que - não há
duvida - os habitantes de Mercúrio e Vênus podem ser efetivamente menos
"intelectuais” que nós. Além disso as humanidades progridem com o tempo, e
como Marte foi formado antes da Terra e esfriou primeiro, deve estar mais
adiantado sob todos os pontos de vista. Chegou sem dúvida ao seu apogeu, em
quanto nós - conclui espirituosamente C. Flammarion – não passamos de crianças,
que brincamos seriamente com arcos políticos, com coisas frívolas e com
espingardas e peças de artilharia”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário