quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

74. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




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            Retrocedamos, todavia, um pouco. A pluralidade e hierarquia dos mundos implica necessariamente a sua solidariedade, expressa não somente na lei mecânica de gravitação, que os mantém reunidos em torno de um centro comum - para o nosso sistema planetário, o sol - mas na permuta que de seus respectivos habitantes, como aludíamos há pouco, não cessam eles de entre si efetuar.

            Para compreendermos, de alguma sorte, objetivamente aquela hierarquia, nada haverá melhor que uma rápida excursão pelos domínios da astronomia, no que se refere particularmente às diferenças de massa, densidade atmosférica, velocidade de percurso, etc., que nos revela apresentarem os planetas do nosso sistema - e não carecemos sair dele - o que suficientemente indica a variedade de condições que deve revestir a vida em sua superfície.

            Tornando como ponto de referência a progressão da distancia a que se acham do Sol, é esta a ordem em que se nos apresentam: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.

            O mais próximo do Sol é, portanto, Mercúrio, o menor de todos também, que se move a uma distancia média de 14 milhões de léguas. O seu diâmetro não excede de 1.200 léguas, sendo menor que o da Terra duas vezes e meia o seu volume. A atmosfera é muito densa e as montanhas que eriçam a superfície do planeta, algumas atingindo 19 mil metros, são assim muito mais altas que as nossas. A revolução anual, ou o giro completo que efetua em torno do sol, é de 88 dias, e estes são, como em nosso globo, de 24 horas, o que quer dizer que o seu calendário não alcança nem a quarta parte do nosso.

            Como a sua inclinação sobre o plano da eclíptica é muito pronunciada, as duas estações, inverno e verão, cada uma das quais dura apenas 22 dias, formam entre si um contraste violento. No afélio, isto é, quando está a maior distancia do Sol, este apresenta um disco quatro e meia vezes maior que o que nos apresenta a nós, e na fase oposta ou de menor distância, denominada perihélio (?), aquele disco aumenta dez e meia vezes.

            Assim, no pino do verão, o sol, mostrando-se nessa proporção decuplicada aos habitantes de Mercúrio, derrama na atmosfera do planeta dez e meia vezes mais luz e calor que os que nos prodigaliza. É como se fossem, para nós, dez sóis a dardejarem simultaneamente sobre as mossas cabeças os seus abrasadores raios. Dada a nossa atual constituição, seriamos indubitavelmente fulminados. Mas a vista e a constituição orgânica dos habitantes de Mercúrio devem necessariamente estar dispostas em harmonia com essas condições. Não é assim que por toda parte procede a natureza, adaptando os seres ao meio em que são chamados a viver?

            Vênus, a encantadora "estrela d'alva," que é o vizinho imediato, gira à distancia de 26 milhões de léguas do Sol e em sua revolução anual gasta 225 dias, ou 7 meses e meio dos nossos. Mas o seu ano é de 231 dias e estes se compõem de 23 horas e pouco mais de 21 minutos.

            Quase igual, senão idêntico à Terra por sua extensão, massa e densidade (o seu diâmetro, que é de 3.175 léguas, está para o do nosso globo como 999 para 1.000 e o seu volume como 975 .para o mesmo algarismo), ,possui uma atmosfera que parece constituída dos mesmos elementos que a nossa, posto que quase duas vezes mais densa, mas está de tal modo inclinado sobre a eclíptica  que as mudanças de estação devem ser lá muito bruscas, ocasionando  assim bem desagradáveis sensações aos seus habitantes.

            A sua superfície é tão acidentada como a nossa, havendo montanhas de 44.000 metros de altura, desproporção considerável relativamente às do nosso mundo, a mais alta das quais, na cordilheira do Himalaia, não tem mais que 8.840 metros.

            O estudo, que já se conseguiu fazer, da geografia de Vênus atesta além disso que esse planeta, não somente se envolve numa atmosfera, como o dissemos, constituída de elementos idênticos aos da nossa, mas possui também abundancia d'água, com a circunstância, ligada à rápida mudança; e  intensidade das estações, de revestirem os ventos, as chuvas ,e as tempestades uma extrema violência, que nos é desconhecida. Deve, pois, a vida ser lá, nesse como, talvez noutros sentidos, muito mais tormentosa que na Tenra.

            Do nosso modesto habitat, que presumimos conhecer, mas que tão pouco de fato conhecemos, não diremos, todavia, no que se relaciona com esta rápida noticia cosmográfica, senão que se move a uma distancia de 37 milhões de léguas do Sol, em torno do qual - haverá porventura quem, medianamente instruído, o ignore? - efetua a sua revolução em 365 dias e 6 horas, girando sobre si mesmo em 24 horas, com uma velocidade de 2 milhões e 544 mil quilômetros por dia, ou sejam 106 mil km por hora, ou ainda 209 quilômetros por segundo.

            O diâmetro do nosso planeta mede 3.185 léguas e a sua superfície 511 mil quilômetros quadrados, da qual apenas a quarta parte formada por continentes, sendo três quartas partes cobertas pelas águas. É um milhão e cerca de 300 mil vezes menor que o Sol.

            Marte, verdadeira miniatura do nosso mundo, gira a uma distância média do Sol, de 56 milhões de léguas, possue um volume 6 e meia vezes menor que o da Terra, mas é  três vezes maior que Mercúrio . O seu peso é 9 e meia vezes inferior ao do nosso globo e três milhões de vezes menor que o do Sol. Efetua a rotação diurna em 24 horas e pouco mais de meia e percorre a sua órbita em 687 dias dos nossos, sendo, porém, de 668 dias o seu calendário. O ano lá corresponde assim a quase dois do nosso.

            A diferença entre Marte e a Terra é pequena quanto ao movimento de rotação, do que resulta que a sucessão dos dias e noites, o nascimento e ocaso do Sol e das estrelas, o decorrer das horas, o curso habitual da vida, em suma, apresentam perfeita similitude com o que entre nós se verifica. As diferenças principais consistem na pequenez .do seu volume, em ter dois satélites, ao passo que nós só temos uma Lua, e em que o nosso minúsculo vizinho apresenta maior proporção de terras que de mares.

            Como o nosso planeta, Marte apresenta três zonas bem distintas: a tórrida, a temperada e a glacial. As estações duram, todavia, muito mais, mesmo porque, sendo extremamente alongada a sua órbita, os dias são muito mais numerosos, como vimos: quase o dobro dos nossos.

            Dada a proximidade a que fica da Terra e a combinação do seu movimento com o desta, permitindo assim mais completas e demoradas observações, considera-se perfeitamente demonstrado que há em Marte uma atmosfera “que não deve diferir quimicamente da nossa e que é particularmente rica em vapor d'água”. Mais ainda: não somente as neves, as nuvens como os mares apresentam quase o mesmo aspecto que os do nosso globo, apenas com a curiosa particularidade, em relação aos continentes, de revestirem estes uma tonalidade amarela, como os campos de cereais entre nós, mas as observações que se tem assiduamente feito, ha mais de um século, asseguram um conhecimento por assim dizer, minucioso dos fatos principais da meteorologia de Marte.

            "Assistimos de cá - diz C. Flammarion, de quem tomamos as indicações e dados que aqui  vamos resumidamente expondo - a formação dos gelos polares, ao derretimento das neves, as intempéries; vemos as nuvens, as chuvas e as tempestades. 0 bom tempo quando volta, numa palavra, acompanhamos com a vista todas as vicissitudes das estações. A sucessão desses fatos é tão conhecida ,atualmente que os astrônomos podem anunciar antecipadamente qual será a forma, o tamanho e a posição das neves polares, e bem assim o estado provável, nebuloso ou claro, da sua atmosfera."

            E, depois de alongar-se em considerações relativas às analogias meteorológicas entre Marte e a Terra, acrescenta o eminente astrônomo, encaminhando as suas deduções precisamente ao objetivo que nos preocupa :

            "Temos, pois, no espaço, a alguns milhões de léguas daqui, uma terra semelhante à nossa, na qual todos os elementos de vida se acham tão bem reunidos como em torno de nós: atmosfera, águas, neves, calor, luz, ventos, nuvens, chuvas, regatos, fontes, vales, montanhas. Para completar a semelhança, lembremo-nos  de que as estações têm lá a mesma intensidade que na Terra, sendo apenas um pouco maior que entre nós a duração do dia.

            "A analogia de Marte com a Terra continua a ser a mesma quando examinamos esse planeta no que se refere aos seres animados que o devem povoar. Podemos considerar os seus habitantes como tendo a conformação que mais se aproxima da nossa. O filósofo Kant até supunha, já no século passado, que se poderiam classificar, quanto ao moral, na categoria dos homens da Terra; julgava que os habitantes dos planetas inferiores, Mercúrio e Vênus são demasiado materiais para poderem raciocinar e, provavelmente, não, tem sequer a responsabilidade dos seus atos, e classificava as humanidades da Terra e de Marte num justo meio termo moral: nem completamente rudes, nem completamente espirituais.

            "Estes dois planetas - disse Kant - estão colocados no meio do nosso sistema planetário, de modo que podemos supor, sem inverosimilhança, que os seus habitantes estão numa condição media, tanto no moral como no físico, entre os dois extremos." Para pintar a perfeição e a felicidade dos planetas superiores, desde Júpiter até os confins do sistema, Kant cita dois versos de Haller cuja tradução é: "Os astros são talvez a morada de espíritos glorificados ; assim como aqui reina o vicio, do mesmo modo a virtude Iá é soberana. " .

            "Mas esses argumentos são puramente especulativos. Não temos base alguma para formar ideia exata do estado intelectual das humanidades planetárias. Podemos dizer, no entanto, que, como o moral está naturalmente em relação com o físico, quanto mais rude for o planeta, menor deve ser a sensibilidade, de maneira que - não há duvida - os habitantes de Mercúrio e Vênus podem ser efetivamente menos "intelectuais” que nós. Além disso as humanidades progridem com o tempo, e como Marte foi formado antes da Terra e esfriou primeiro, deve estar mais adiantado sob todos os pontos de vista. Chegou sem dúvida ao seu apogeu, em quanto nós - conclui espirituosamente C. Flammarion – não passamos de crianças, que brincamos seriamente com arcos políticos, com coisas frívolas e com espingardas e peças de artilharia”.




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