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“O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...”
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris
Durante
os quarenta anos de êxodo pelo deserto que separava o Egito da Palestina, todas
as coisas, naturalmente, eram comuns, a todos. Era o socialismo puro,
infinitamente mais fácil, em verdade, pois que não tinha fundo social. Era o
socialismo voluntário, sem espoliação prévia, não poluído por nenhuma
revolução, por nenhuma violência.
Quando
Josué, vencedor das hordas de salteadores que infestavam a região, entrou na
Palestina com o seu povo de emigrados, fez-se, de acordo com as instruções de
Moisés, a partilha de todas as terras que haviam ficado devolutas, mas fez-se
em nome de Deus, senhor de todo o Universo. Fez-se segundo uma teocracia
tão pouco clerical, que somente os sacerdotes foram privados do direito de
propriedade territorial. Designaram-se-lhes, para habitação, pequenos burgos
disseminados por todo o território, a fim de que pudessem cumprir por toda
parte o dever de educar e consolar. Deram-se-lhes rebanhos, mas, para
pastagens, apenas terrenos vagos, os "comuns", deixados aos
estrangeiros e aos pobres.
Todos
os demais Israelitas, ao contrário, receberam, cada um, a sua parte de
propriedade territorial, todas, indistintamente, sem nenhum privilégio e a título
de patrimônio de família, não, individual. A balbúrdia da emigração substituíra
a organização que fora sendo estabelecida pouco a pouco, no curso dos
quarenta anos do êxodo: os sem-pátria foram sendo separados e grupados em doze
tribos, conforme ao número, lendário ou real, dos filhos do antepassado
Jacob-Israel. Josué dividiu o país conquistado em outros tantos departamentos,
para que cada tribo ocupasse o seu e também para que o parentesco estreitasse
os laços de vizinhança, porquanto, naquele cérebro equilibrado, a ideia de
igualdade não abolia o principio hierárquico, sobretudo de hierarquia familiar,
como Moisés, Josué sabia que a base necessária a toda sociedade é a família.
Ambos queriam que "o Povo de Deus" fosse como uma família aumentada
indefinidamente, no seio da qual a autoridade contrabalançasse a liberdade. O
privilégio, porém, foi tão cuidadosamente afastado, que só de si mesmos os
distribuidores se esqueceram na distribuição: Josué e seu lugar-tenente Caleb,
só depois de aquinhoados todos, determinaram as partes que lhes tocariam e em
regiões ainda não conquistadas.
Tal
o presente. Com relação ao futuro, forte barreira se levantara contra todo
açambarcamento, contra toda possibilidade de feudalismo, tendo sido tomada uma
garantia, em prol da constituição familiar, contra a incapacidade, a
indolência, ou os vícios individuais. Toda hipoteca sobre uma propriedade, qualquer que
fosse esta, era levantada pela lei e extintas todas as dividas, de sete em sete
anos, e toda propriedade que se alienasse de qualquer maneira, fosse em
proveito de quem fosse, voltava, por força da lei, ao cabo de cinquenta anos, na época do grande Jubileu
Nacional, à família a quem originariamente pertencera.
Tais
restrições podem parecer inaceitáveis às nossas sociedades modernas,
construídas sobre ideias de instabilidade, de desigualdade, de açambarcamento,
de exploração desregrada. Inegável, entretanto, é que, graças a essa
constituição moisaica, o povo Judeu ainda se conserva um verdadeiro povo, não
um povo escravizado, como a raça hindu, mas um povo unido, sólido, indestrutível,
quase onipotente, após as catástrofes, dispersões, opressões sem conta que vem
suportando há três mil anos. E as nossas sociedades modernas, que substituem a
única e eterna Lei Social por inumeráveis constituições políticas, todas mais
ou menos tísicas, já sentem, conquanto nascidas de ontem, os vermes a devorá-las,
antes mesmo que se hajam tornado cadáveres.
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