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“O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...”
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris
Tendo
dito da obra o que se nos afigurou necessário e conveniente e o que nos foi
possível para, de antemão, lhe realçarmos a importância e o valor, aos olhos
dos que dela venham a inteirar-se pela sua tradução no nosso idioma, não
houvéramos, contudo, realizado o nosso empenho, se não ensejássemos aos
leitores saber algo do Autor, a cuja destacada personalidade fizemos, em
começo, as referências que nos pareceram justas e merecidas.
Tomando
a única direção que se nos deparava como capaz de levar-nos à obtenção de
alguns dados exatos acerca do Padre Alta, mais uma vez recorremos à bondade
sempre solicita com que o nosso ilustre confrade Gabriel Gobron costuma atender
ao que lhe é pedido em nome da Federação, que se desvanece da estima
e do apreço em que ele a tem.
Respondendo-nos,
declarou esse eminente amigo ser muito difícil conseguirem-se informações
copiosas e precisas a respeito de Alta, porquanto, desde que passara a residir
em Paris, teve uma vida de beneditino completamente apagada, parecendo que o título,
que possuía, de "doutor da Sorbonne", não lhe fora conferido a termo
de curso ali feito, mas em virtude da apresentação ou publicação de algum dos
seus mais notáveis trabalhos.
Adiantou-nos,
porém, que nos seus últimos anos de existência, que se findou há quatro ou
cinco, o ilustrado sacerdote estava quase inteiramente cego, como o verificou
Luís Traffeli, professor em Roma, quando, visitando-o em Paris, teria, por essa
razão, deixado de lhe oferecer as obras de sua autoria, entre outras a que tem
por título: "Nous, Citoyens du Royaume de Satan", ("Nós, Cidadãos
do Reino de Satanás").
Informou-nos
mais Gobron, com relação às obras do Padre Alta, que elas constam, na sua
maioria, de "novas traduções" feitas sobre os textos originais e com
aproveitamento das descobertas da exegese e da linguística moderna, adiantando:
Na sua tradução de S. Paulo, este esposa a doutrina da reencarnação, o que, aliás,
os ingleses mostram por outra maneira, estabelecendo que as palavras eterno e eternidade
não existem na Bíblia.
Ainda
segundo o mesmo ilustre informante nosso, "Plotino" foi a última obra
que Alta traduziu, consumindo muitos anos nesse considerável trabalho.
Disse-nos
assim o nosso eminente amigo o que sabia do autor de "O Cristianismo do Cristo
e o dos Seus Vigários", mas, interessado, como sempre se revela, em
satisfazer, de modo tão completo quanto possível, ao que lhe solicita a
Federação, pelo que já se há constituído credor de todo o nosso reconhecimento,
lembrou-se de recorrer a uma pessoa que conhecera de perto o Padre Alta, Mlle.
Brasseaud, residente em Rochefort, onde dirige a publicação de uma revista
intitulada "Anais do Espiritismo", o que denuncia a natureza de suas
crenças atuais.
Em
resposta a Gobron, escreveu ela longa carta, com boa cópia das informações que
desejávamos e cujos tópicos principais passamos a transcrever:
"De acordo com seus desejos e,
sobretudo, com as minhas possibilidades, porquanto, tendo muito defeituosa a
vista, me acho impossibilitada de fazer bem qualquer trabalho de escrita, vou,
para lhe ser agradável e mau grado à minha incapacidade, tentar reviver a lembrança que me prende ao Padre Alta, cujo verdadeiro nome é Mélinge
e que nasceu em Saintonge.
"Nomeado pelo
seu bispo, foi, durante algum tempo, capelão de um pensionato de moças, em
Rochefort. Pouco mais tarde, deram-lhe também o serviço religioso de outra
capela denominada "Bon Secours", onde alcançou os mais brilhantes êxitos
oratórios.
"Nessa época, isto é, por volta de
1884, a nossa cidade de Rochefort era um porto de mar muito atraente.
Frequentavam-no, em grande número, oficiais de Marinha, doutores e outras
muitas pessoas de destaque. Tínhamos, pois, ali, constantemente, um escol de intelectuais espiritualistas, constituído de homens de valor, que
acorriam a ouvir, com grande satisfação, o Padre Alta. As fisionomias se
tornavam radiantes, nos que o escutavam a discorrer sobre as mais sérias questões,
sobre as mais graves mesmo, poderia eu dizer, porquanto muitas vezes lhe
acontecia demolir de um só golpe os velhos prejuízos católicos, mostrando a
inanidade dos dogmas e profligando, em linguagem sóbria, mas severa, o proceder
dos exploradores da credulidade humana.
"Eu assistia a essas conferencias e
procurava sempre, à saída do templo, colher as reflexões que muitos externavam
e que eram, acredite, invariavelmente favoráveis ao orador.
"O mesmo, porém,
não se dava nas outras paróquias da cidade, onde os devotos e os curas
bradavam: escândalo! anátema!
"Entrementes, um
desses curas, mais atilado do que os colegas e cuidando; especialmente, dos
seus interesses, pediu a Alta que fosse pregar na sua igreja paroquial. Isto
deve ter ocorrido em 1887 ou 1888. Ele aceitou e ninguém pode imaginar que
multidão o foi ouvir. Havia gente a se comprimir por toda parte,
até nos recintos batismais e nos parapeitos das grandes janelas. Nunca em minha
vida observei tão grande afluência de povo.
"Mas, alguns adversários seus, provavelmente
padres também, escreveram ao bispo, pedindo pusesse termo às prédicas de Alta,
que resistiu e continuou, pouco tendo faltado para que os aplausos que lhe
dispensavam se transformassem em aclamações. Sentia ele, no entanto, e me disse
que em breve estaria proscrito.
"Efetivamente,
foi o que, afinal, sucedeu, após inúmeros vexames e injustiças. O bispo veio
aqui a Rochefort e, na paróquia principal, diante do arcipreste (título dos vigários de certas igrejas, que lhes confere preeminência
sobre os outros vigários) e de
outros eclesiásticos, o intimou a deixar imediatamente a sua capelania (assistência religiosa e social) e o mandou
para a campanha.
"Ele a princípio se negou a obedecer,
protestando que não estava a pregar o erro, pois que se apoiava sempre em
textos sagrados, tomados ao grego e ao hebreu, línguas que conhecia a fundo.
Não se importou com isso o bispo. Por fim, disse ele ao prelado: Irei, mas
depois de obter as satisfações que me prometeis.
"Um ano depois, abandonava a diocese,
indo para Paris, onde, passado algum tempo, foi nomeado capelão da Casa da
Legião de Honra de Ecouen (1). Também daí teve de
retirar-se, em consequência de excesso de preconceitos, da parte da respectiva
diretoria, que não o compreendera. Para reconfortá-lo, ficavam-lhe apenas seus livros
e o estudo.
(1) Instituição
fundada por Napoleão, para asilo dos órfãos de oficiais pobres. É um
estabelecimento de educação, a 20 ou 25 quilômetros de Paris.
"Eis
aí o que sei desse homem todo bondade e tolerância levadas ao extremo. Era
exclusivamente com bondade e tolerância que respondia à injustiça e à felonia e
Deus sabe quanto o fez sofrer a crítica mentirosa que o alvejava.
"Todavia,
não devemos querer mal aos que, com relação a ele, não tiveram o senso da
Verdade e da Realidade. Devemos, ao contrário, perdoar-lhes. Que bela natureza
a sua! Sempre pronto ao perdão e tão simples no viver!
"Desde o dia em que saiu de Ecouen,
cessaram as nossas relações, que não procurei manter, temendo aborrecê-lo,
Informei-me, porém, e vim a saber que ele vivia muito precariamente, quase que
só das generosidades de um amigo que lhe provia às necessidades mais prementes.
"Nunca foi ambicioso, do ponto de vista
terreno. Sua única ambição era o estudo. Aprender constantemente, dizia, porque
nada mais somos do que grandes ignorantes.
"É natural
perguntem, como se explica que uma inteligência medíocre, qual a minha, haja
podido aproximar-se daquele gênio. Nada mais vejo, nesse fato, do que um
desígnio da Providência, de quem bendigo por me haver conduzido até junto de
tão nobre inteligência.
"Este o breve apanhado que posso
apresentar acerca da personalidade do Padre Alta. Não sei se satisfará...
"Admiro os
espíritas brasileiros pela sua fé esclarecida e pela estima que votam a essa grande
alma que foi o Padre Alta.
"Queira perdoar
a incorreção desta carta, que escrevi mecanicamente, mal enxergando as letras
ao traçá-las e sem poder reler o que escrevo. Minha vista se enfraquece cada
vez mais. Queira também apresentar as minhas felicitações e saudações
fraternais aos nossos irmãos do Brasil.”
Embora
deficiente como retrato biográfico, a carta que se acaba de ler contém
informações bastantes para que, diante da excelente obra que é "O
Cristianismo do Cristo e o dos Seus Vigários" e depois de colhidos os
valiosos ensinamentos que ela encerra em profusão, não nos achamos sem poder
avaliar a elevação espiritual e intelectual do seu autor que, por dar
desassombrado e eloquente testemunho da Verdade, incorreu nas iras do
sectarismo sempre implacável e mereceu ser proscrito do seio dos que a
abominam, por amor do erro com que alimentam suas almas e pretendem que todas
as outras se alimentem. A essa proscrição, juntando mais uma prova da sua
firmeza de ânimo e da inquebrantabilidade da sua têmpera de lutador que não
cedia às arremetidas contra as suas convicções sinceras, alude ele próprio,
dizendo num dos derradeiros períodos do seu admirável trabalho de sustentação e
defesa do vero Cristianismo:
"Passou, felizmente! o tempo em que o
Santo Padre lnocêncio XI podia reduzir à fome o douto Baluze, para impedí-Io de
dar à publicidade os verdadeiros textos dos Concílios e dos Pais da Igreja,
alterados em Roma, a favor da autocracia pontifical. Já não podeis fazer mais
do que adornar com o cognome de "modernista" e privar amavelmente das
suas funções eclesiásticas o padre que teve a audácia de verificar por si mesmo
o ensino dos teólogos romanos e que se julga obrigado, em consciência, a expor
o resultado de suas verificações, resultado que conduziria, não, certamente, à
supressão, mas a uma modificação séria da Igreja ensinadora, para pô-la de
acordo com os reclamos da verdadeira ciência e do verdadeiro
Cristianismo."
Com
este tópico que, além de comprovar a proscrição a que nos referimos, revela
claramente o espírito com que foi concebida e executada a presente obra, bem
como dos altos fins que com ela colimou o Autor, fins, que, quase poderíamos
dizer, se identificam aos do Espiritismo, encerramos estas páginas
prefaciais, juntando-lhes apenas os mais vivos e sinceros agradecimentos aos
bondosos irmãos e confrades G. Gobron e J. Brasseaud, que tão eficientemente
nos ajudaram a escrevê-las, o que fizemos sem preocupações literárias, mas tão
só com a de também servirmos à Verdade, na medida dos nossos parcos recursos
intelectuais.
O TRADUTOR.
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