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sábado, 19 de março de 2011

Questões 481/482/483 de 'O Livro dos Espíritos': Os Convulsionários




                                           
   Os Convulsionários 

e sua História


Edemilton Cabral de Souza
Reformador (FEB)  pág. 21 - Outubro 1959

               
            No Capítulo IX da Parte Segunda de ‘O Livro dos Espíritos’, edição da FEB, que trata da intervenção dos Espíritos no Mundo Corporal, Kardec colocou um estudo que intitulou convulsionários. Na Questão 481 indaga sobre os fenômenos que se dão com os indivíduos chamados convulsionários. Na Questão 482 refere-se ao estado anormal dos convulsionários, e, finalmente, na Questão 483 pergunta sobre a causa da insensibilidade física que se observa nos convulsionários.

            Quem estuda essas três questões do livro básico da Doutrina Espírita e não conhece a história dos convulsionários, decerto interrogar-se-á: Quem são ou foram os indivíduos chamados convulsionários? Que fenômenos ocorreram com eles? Como se manifestava a insensibilidade física deles? Fala-se ali em jansenismo, jansenistas. Que é jansenismo?

            É o que tentaremos responder, relatando, sucintamente, a história dos convulsionários de Saint-Médard (San Médar), história que há de contribuir para satisfazer o interesse e a natural curiosidade do espírita estudioso.

O Jansenismo

            Entre os séculos XVII e XVIII foi muito difundida na França, no seio do catolicismo, uma doutrina religiosa sobre a Graça, o livre-arbítrio e a Predestinação. Era o jansenismo, assim designado porque seu autor se chamava Cornélio Jansênio, bispo e teólogo católico, holandês, falecido em 1638.

            O jansenismo apareceu como doutrina em 1640, na França, com o livro de Jansênio intitulado ‘Augustinus’ no qual o autor diz que reproduz o verdadeiro sentimento de Santo Agostinho sobre a Graça. Dita doutrina é uma tentativa de reforma católica mediante o retorno às teses de Santo Agostinho relativamente à Graça. Segundo Jansênio, a doutrina agostiniana entende que o pecado original tirou ao homem a liberdade de querer e o tornou incapaz do bem e inclinado necessariamente ao mal. Deus, diz ele, somente concede aos eleitos, pelo merecimento de Jesus, a graça da salvação, posto que Jesus só morreu pelos eleitos.

            A doutrina de Jansênio pretendia limitar a liberdade humana, partindo do princípio que a graça é concedida por Deus a certas pessoas desde seu nascimento e recusada a outras. Sustenta Jansênio que a vontade do homem, depois do pecado original, nunca foi livre interiormente porque o homem está submetido, ora à concupiscência - desejo íntimo pelos gozos materiais - ora à graça, dom divino.

            Como tal doutrina era contrária à que professava na época a Igreja Católica, no dia 31 de maio de 1653 uma bula do papa Inocêncio X condenou a obra ‘Augustinus’, de Jansênio. Houve apelos em favor de Jansênio, formando-se dois partidos opositores: o dos Apelantes, que não aceitavam a condenação, e dos Aceitantes, que a aceitavam. Entre os Apelantes, e por duas vezes, figura o apelo do Diácono François de Pâris, de quem falaremos mais adiante. Ainda a favor do jansenismo, além de muitos bispos da Igreja Católica, Pascal, o grande sábio francês, publicava em 1656 as suas famosas ‘Cartas Provinciais’. De nada valeram os apelos. Prevaleceu a decisão do papa.

            O jansenismo continuou circulado, não obstante a condenação, em ambientes católicos italianos e franceses, mas acabou desaparecendo na prática.

A Graça

            Convém esclarecer o que é a Graça, segundo a teologia católica, pelo menos na época do jansenismo. ‘Graça’ é um dom sobrenatural que Deus concede graciosamente, em vista do merecimento de Jesus, a todos os seres humanos, para os conduzir à vida eterna. Aqui a graça de Deus não tem limites. Para o jansenismo, porém, ela é concedida somente aos eleitos de Deus. Daí, quem sabe, o motivo da condenação da doutrina de Jansênio pelo Papa Inocêncio X.

            A Graça, segundo ainda os teólogos católicos, se distingue em graça habitual ou santificante, que reside na alma de uma forma permanente; e a graça atual, que é uma força secreta que se insinua na vontade, isto é, o auxílio divino prestado na ocasião de agirmos com merecimento.
           
O Piedoso Diácono

            O jansenismo teve como adepto o grande sábio francês Pascal (Blaise Pascal), filósofo, matemático e cientista, considerado um gênio da Humanidade. É dele a famosa frase ‘O coração tem razões que a própria razão desconhece’ que o cancioneiro popular brasileiro introduziu em uma de suas músicas do passado. Pascal converteu-se ao catolicismo, seguindo, porém, a orientação jansenista. O jansenismo traz em sua trajetória o protagonista da história dos convulsionários. Trata-se do famoso diácono François de Pâris, fervoroso jansenista que viveu em Paris. (Diácono era um eclesiástico de ordem inferior à dos sacerdotes e tinha por função ajudar o celebrante no altar).

            François de Pâris era o filho mais velho de um conselheiro do Parlamento francês e, naturalmente, deveria sucedê-lo no cargo. Preferiu, no entretanto, abraçar a carreira eclesiástica. Quando da morte do pai, deixou todos os bens dele para o irmão. Durante algum tempo ensinou catecismo na paróquia de São Cosme. Quando o cardeal quis nomeá-lo cura da paróquia de Noailles, François de Pâris já se consagrava intimamente ao retiro. Depois de ter estado em vários ermitérios, recolheu-se a uma casa no bairro de São Marcelo. Lá entregou-se à prece, às práticas mais rigorosas da penitência e ao trabalho manual. Fazia meias para os pobres, que considerava como seus irmãos.

            O Diácono Pâris se distinguiu pelo fervor de seu jansenismo e pela caridade que praticou. Em seu asilo naquela casa do bairro de São Marcelo, em Paris, morreu François de Pâris, em 1727, aos 37 anos de idade.

            Foi sepultado no pequeno cemitério de Saint-Médard, em Paris, onde seu irmão mandou erguer-lhe um túmulo.  

Os Convulsionários

            Naquele túmulo iam fazer preces os pobres que o piedoso diácono havia socorrido, alguns ricos que ele tinha feito, algumas mulheres que tinha instruído. Pessoas havia que ao chegarem ao túmulo eram tomadas de convulsões (Daí o nome convulsionários).  Outros diziam que ficaram curados de suas doenças. A cura dos doentes se operava pelo simples toque na pedra tumular ou pela poeira que encontravam em redor e que tomavam com qualquer bebida ou aplicavam sobre as úlceras. Essas curas, que foram numerosas, são atestadas por milhares de testemunhas, muitas das quais são homens de ciência, no fundo incrédulas, que registram os fatos sem saber a que atribuí-los. (Quem nos informa isto é Kardec na ‘Revista Espírita’.)

            Certa vez foi organizada uma peregrinação ao túmulo do diácono, aprovada por bispos e padres jansenistas. Ao redor do túmulo ocorriam cenas consideradas perigosas e ridículas, praticadas pelos convulsionários. O fanatismo excedia os limites da razão. Os fanáticos suportavam espontaneamente pancadas tão terríveis que seus corpos ficavam esmagados. A loucura chegou ao ponto de crucificarem vítimas infelizes, de lhes fazer sofrer todos os martírios da Paixão de Cristo. E estas vítimas, que diziam nada sentir em seus corpos, pediam as terríveis torturas, designadas entre os convulsionários pelo nome de Grande Socorro.

            Como naquelas cenas de convulsões a histeria desempenhava grande papel e a indecência e a crueldade se misturavam com o fanatismo, o arcebispo de Paris proclamou que aqueles chamados milagres eram falsos. Por isso, em 27 de janeiro de 1732, as autoridades proibiram a entrada no cemitério de Saint-Médard, o que levou um sarcástico a escrever no portão do cemitério: “Proíbe-se, em nome do Rei, que Deus faça milagres neste local”. Os mesmos fanáticos passaram então a realizar suas convulsões em casas particulares, o que ainda durou até a Revolução Francesa.

            Na opinião de muita gente na época, o túmulo do Diácono Pâris foi o túmulo do jansenismo, tal a repercussão negativa daquelas cenas provocadas pelos convulsionários.

O Espiritismo

            No século seguinte, século XIX, surge na França o espiritismo codificado. E Allan Kardec, atento aos fenômenos espíritas, tomando conhecimento dos fatos a respeito das convulsões, evocou o Espírito do Diácono François de Pâris e com ele manteve o diálogo que fez publicar na ‘Revista Espírita’ de 1859 (página 346). Nessa conversa o Espírito do diácono disse que nem de leve participou, como Espírito, dos acontecimentos do cemitério de Saint-Médard. Disse que muito Espíritos, de categoria pouco elevada, deles participaram. Disse ainda que os fanáticos exploraram suas opiniões religiosas e o pouco bem que procurava fazer, mas de nada sabia antes. Kardec, não satisfeito, ouviu, através de um médium, o Espírito de São Vicente de Paulo (‘Revista Espírita’, 1859, pág. 407) que confirmou ser François de Pâris completamente estranho àqueles fatos que se passaram ao redor de seu túmulo, nos quais um grande papel foi representado pelo charlatanismo.

            Vê-se, portanto, que o Espiritismo, por meio da comunicação mediúnica, confirma terem existido os acontecimentos de Saint-Médard, o que levou Allan Kardec a estudar com mais profundidade o assunto, formulando as perguntas e obtendo as respostas dos Espíritos Superiores que transformou em tema de estudo em ‘O Livro dos Espíritos’.

As Questões 481, 482 e 483

            Conhecida, assim, a história dos convulsionários, passamos a entender melhor o sentido das perguntas e respostas contidas nas Questões 481, 482 e 483 de ‘O Livro dos Espíritos’. Ficamos sabendo, por exemplo, que Espíritos inferiores desempenharam importante papel nos fenômenos ocorridos com os convulsionários. Mas a causa originária desses fenômenos não está na ação dos Espíritos mas sim no Magnetismo. Ajunte-se a isto o charlatanismo, que explorava e exagerava o fanatismo dos convulsionários e compreenderemos porquê daquelas cenas e abusos.

            Os convulsionários eram possuidores, sem o saberem, de faculdades especiais (como o sonambulismo) que provocavam  a insensibilidade física. Daí eles dizerem que não sentiam as torturas corporais a que espontaneamente se submetiam. Para que haja atração magnética é a participação do magnetizador e do magnetizado. Pois bem: eles eram, inconscientemente, magnetizadores e magnetizados, por efeito da simpatia decorrente da causa religiosa que os unia, e de uma espécie de sonambulismo desperto provocado pela influência que exerciam uns sobre os outros.

            Os convulsionários são assim definidos pelas enciclopédias: “Fanáticos franceses do século XVIII que tinham convulsões e se infligiam torturas físicas às quais se declaravam insensíveis” (Dicionário da Academia Brasileira de Letras). “Fanáticos franceses jansenistas do começo do século XVIII, aos quais a exaltação religiosa causava convulsões” (Koogan Larousse) “Fanáticos jansenistas do século XVIII em quem a exaltação religiosa produzia convulsões e que se infligiam diversas torturas” (Lello Universal).

            Em seu comentário à Questão 483 de ‘O Livro dos Espíritos’, Kardec faz referência à autoridade pública que fez cessar em alguns casos aqueles fenômenos dos convulsionários. Fica-se sabendo, pela história aqui relatada, que a autoridade pública de que fala Kardec é a Administração do cemitério de Saint-Médard , em Paris, que proibiu a entrada dos fanáticos no cemitério em 27 de janeiro de 1732. A autoridade, diz Kardec, teve razão em assim proceder, porque do fato resultava abuso e escândalo.

            Os convulsionários eram seguidores do jansenismo, segundo o registro histórico, e escolheram o túmulo de um piedoso diácono, por ser ele um jansenista muito caridoso.

            Justifica-se, assim, a inclusão dos fenômenos dos convulsionários no Capítulo IX de ‘O Livro dos Espíritos’, que trata da intervenção dos Espíritos no mundo corporal, pois aqueles Espíritos desempenharam papel importante, ainda que secundário, intervindo em fenômenos produzidos em pessoas que viviam no mundo corporal, isto é, na Terra. Tais fenômenos só o Espiritismo soube e sabe explicar.

Bibliografia

1. ‘Revista Espírita’, 1859, pp. 346 e 407.
2. ‘O Livro dos Espíritos’, Questões 481, 482 e 483.
3. ‘Enciclopédia Barsa’.
4. ‘Dicionário de Filosofia’ de Nicola Abagnano,
tradução de Alfredo Bosi, Editora Mestre Jou.
5. ‘Lello Universal’.
6. ‘Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse’.           
7. ‘Dicionário da Academia Brasileira de Letras’.                    

            

3 comentários:

  1. BOM DIA MEU NOME É ANDRÉ LUIZ SARAIVA CARDOSO ESTAVA LENDO AS EXPLICAÇÕES DADAS PELOS SENHORES E ACHEI MUITO INTERESSANTE.
    EU QUERO FAZER UMA PERGUNTA AOS SENHORES.
    POR GENTILEZA OS SENHORES SABEM ME DIZER O QUE ACONTECEU COM JOÃO EVANGELISTA NA ILHA DE PATMOS, QUANDO COLOCARAM O MESMO DENTRO DE UM TAXO COM OLEO FERVENDO E NO DIA SEGUINTE FORAM RETIRAR OS RESTOS DELE E ELE SAIU ANDANDO E ABENÇOANDO OS SOLDADOS E TAMBÉM ME INFORMAR COMO ELE FEZ A AGUA SALOBRA VIRAR AGUA CRISTALINO.
    INFORMAÇÕES DADAS PELO ESPIRITO DE MIRAMEZ ATRAVES DO MEDIUM JOÃO NUNES MAIA ESTA NO LIVRO FRANCISCO DE ASSIS.

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  2. Prezado André Luiz,
    Ao adotarmos a Doutrina Espírita como guia e norma de conduta, incorporamos, entre muitos conceitos racionais, o de que 'milagres não existem'. Como João Evangelista era um ser encarnado à época do Cristo (e não um agênere) ele não poderia sobreviver à imersão num tacho de óleo fervente logo isso não deve ter acontecido. Quanto à transformação de água salobra em água pura é um fenômeno possível para a estatura de um Espírito como João. Ressalte-se que desconheço qualquer outra fonte que mencione esse fato.
    Finalmente, prefiro não me manifestar sobre Miramez que, aliás, ainda não contribuiu em nenhum dos mais de 2000 textos coletados até agora pela equipe deste Blog. Fraternalmente,

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  3. Informação muito útil para eu preparar uma aula sobre este capítulo do Livro dos Espíritos.
    Obrigado e Parabéns.
    Paulo

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