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Caro padre Dubois:
Vejamos hoje o seguinte ponto da sua carta: “Mas, diz o senhor, quando a Igreja passou a sua sede para Roma e começou a ser regida pelos sucessores dos Apóstolos, deixou pelo reino material o ministério moral de curar as almas e os corpos, isto é, principiou a ensinar não a doutrina do Cristo, mas a doutrina dos homens ou do inferno (eu não disse tanto) perdeu a infalibilidade do tempo dos Apóstolos; tornou-se falível na doutrina: desvirtuou a missão que Jesus Cristo lhe havia confiado. Meu amigo, é verdade tudo isso? E o Espírito Santo que Jesus mandou aos Apóstolos e a sua própria assistência que Jesus prometeu à sua Igreja até a consumação dos séculos, não valeu nada? (o grifo é meu)
Em parte já respondi às suas perguntas acima formuladas. O que, porém, precisa ser, em primeiro lugar, esclarecido, é a insinuação, que propositadamente grifei, da infalibilidade dos apóstolos, que, aliás, é uma insinuação gratuita, pois que o Cristo teve mais de uma vez que repreendê-los, por causa da sua falibilidade e não se cansou de recomendar-lhe que orassem e vigiassem para não cair em tentação. Se fossem infalíveis, de certo não teria havido necessidade de tão repetida advertência. Absolutamente, nada consta nos Evangelhos que indicasse que Jesus os tornou infalíveis ou que alguns deles o supusesse ser.
O segundo ponto, aquele que se refere à assistência do Espírito Santo e a do próprio Jesus, ambas, aliás, prometidas aos apóstolos e não à Igreja, os fatos constantes dos “Atos dos Apóstolos” o constatam. A assistência foi ininterrupta. Mas a da Igreja, naquele tempo mesmo, o foi na medida dos merecimentos dos seus constituintes, Que diversas igrejas não mereceram a assistência, verifica-se das contínuas repreensões contidas nas “Epístolas” dos apóstolos e a elas dirigidas. “A cada um segundo as suas obras”, disse Jesus, e isso, tanto individual como coletivamente. Cada um tem o seu livre arbítrio e de acordo com o uso que dele faz atrai ou repele o seu guia, e se o mal é coletivo, coletivamente são repelidos os Espíritos protetores e livre acesso é dado aos Espíritos atrasados que se comprazem em desviar cada vez mais a Humanidade do cumprimento dos seus deveres,
levando-a aos maiores desvarios.
É a lei da atração que rege todas as coisas.
Não se deve daí concluir que a criatura não tem culpa por ceder aos maus arrastamentos. Tem, porque a consciência, pela qual o guia (que todos têm) fala ao seu guiado, sempre adverte o homem que está enveredando por mau caminho.
Se ele a ouvisse, evitaria as dolorosas conseqüências dos seus atos.
O mal da Igreja foi, segundo própria História o demonstra, a cobiça do poder temporal e o domínio, mesmo à força, das consciências. Ao invés de pregar o Evangelho de Jesus, começou por pactuar com o paganismo, e, inventando o seu catecismo, escondeu do Evangelho o que não lhe convinha fosse conhecido das massas, para,
conservando-as na ignorância, poder melhor dominá-las.
Os fatos aí estão para demonstrá-lo. O povo mais blasfemador do mundo é aquele em cujo seio o papa tem a sua sede. Que irrisão! O exemplo vem do alto. É sempre assim.
Não creia, porém, que alguém tenha a pretensão de dizer que no seio da Igreja de Roma deixou de haver em todos os verdadeiros sacerdotes do Cristo; sempre os houve como os há hoje, ainda que em pequeno número. Não os deixam aparecer, para não servirem de pedra de toque da maioria. Esses são enviados para lugares longínquos.
Nem Jesus, nem o Espírito Santo forçam o livre arbítrio de ninguém, e daí provém o mérito daqueles que se esforçam em seguir a doutrina exarada no Evangelho, a qual se resume no vers. 40 do cap. 25 de S. Mateus: “Em verdade vos digo que, quando fizestes o bem a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” Todos, entretanto, velam pelo progresso da Humanidade e o farão até a consumação dos séculos.
“Não se pode servir a Deus sem servir aos seus filhos”, é a base da doutrina de Jesus. O aforismo – antes servir a Deus do que aos homens – é um meio fácil de esquivar-se ao cumprimento do dever; o louvor não passa de uma blasfêmia; os donativos feitos com o fito de futuras recompensas são um sacrilégio e o jejum é uma hipocrisia. E são estas as coisas que a Igreja ensina os crentes a praticar, No confessionário impõem-se tantas ave-marias, tantos padre-nossos, tantas salve-rainhas! Que valor pode ter uma pena desta? O amigo já meditou sobre este modo de impor castigo?
Não será também um modo de blasfemar contra Deus?
Convença-se meu caro amigo, de que tudo isso está errado.
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