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segunda-feira, 3 de maio de 2021

Origem dos Espíritos

 


Origem dos espíritos

por Arthur da Silva Araújo  ‘Brasil-Espírita’ Outubro 1971

             - Dissestes que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao estado da infância corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento?

                - Numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade. (Questão n. 607 de “O Livro dos Espíritos”)

                Os Espíritos Reveladores haviam dito a Kardec, na questão nº 190, que o estado da alma, na primeira encarnação, era semelhante ao da infância na vida corporal, o que levou o Codificador, então, a formular a pergunta que está merecendo o nosso estudo.

                Antes, contudo, de considerarmos essa manifestação do Mundo Espiritual, convém nos detenhamos no exame dos termos utilizados para a indagação, sobretudo neste precioso conceito: “Onde passa o Espírito a primeira fase do seu desenvolvimento?”

                É que Kardec desejava saber em que condições ou estado o Espírito se encontrava antes de receber, pela primeira vez, a vestimenta física humana.

            Que era ele? Simples fluido?

                Os Reveladores, sempre atentos, responderam de maneira a não deixar dúvidas: “Numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade.”

                O ensino é claro, mas o Mundo Espiritual procura torná-lo mais compreensível, assegurando que tudo na natureza se encadeia e caminha para a unidade e ainda que os seres inferiores da criação, cuja titularidade estamos longe de conhecer, significam o princípio inteligente que se elabora e individualiza, a pouco e pouco, ensaiando-se para a vida consciente. Anunciam os Reveladores que, depois de longo trabalho preparatório, em outros estágios, o Espírito entra em período de humanização, começando a ter consciência do seu futuro, a possuir capacidade para distinguir o bem do mal e a conquistar responsabilidade para os seus atos ou melhor dizendo, as condições indispensáveis para manipular o livre arbítrio.

            Assim, - voltamos a indagar -, que existências são essas, anteriores à fase hominal?

                Serão, certamente, aquelas mencionadas pelos Evangelistas e ditadas, entre os anos de 1861 a 1865, ao advogado J. B. Roustaing, por intermédio da médium mecânica Mme. Collignon.

            Examinemos mais detidamente o assunto.

                Deus cria espíritos incessantemente, segundo afirmação do Mundo Espiritual na questão nº 81; mas ninguém sabe por que os cria e em que momento o faz, como acrescenta na questão nº 78.

            Ora, sabendo-se que Deus cria permanentemente, será que Ele plasma o Espírito já como homem, na condição de “simples e ignorante”, como está consignado na questão nº 115? Não, evidentemente que não, uma vez que os próprios Reveladores, na questão nº 607, afirmam que ele passou por uma série de existências anteriores.

                É nessa hora que somos levados a consultar “Os Quatro Evangelhos”, para neles recolher as explicações complementares, todas simples, lógicas e convincentes, que os Evangelistas ofereceram a Roustaing.

                Vejamos, em síntese, como eles se expressaram:

                O Espírito inicia sua trajetória no reino mineral, como simples essência espiritual, sem individualidade. Depois através de fase realmente curta, mas sempre progressiva, atinge o reino vegetal, conhecendo as sensações, participando de atos exteriores, com ideia de sofrimento mas sem ter a consciência de suas causas.

                Posteriormente, ingressa no reino animal, ocasião em que inicia as relações ostensivas com o exterior. Permanece no campo dos instintos e da conservação. Tudo muito limitado, evidentemente e obedecendo à marcha evolutiva anunciada na letra “a” da questão nº 597 de “O Livro dos Espíritos”: “É também uma alma, (dos animais), se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

            Finalmente, após estágio em mundo “ad-hoc(para esta finalidade), no qual recebe a responsabilidade integral do livre arbítrio e é alertado sobre os deveres e os riscos da caminhada evolutiva, o Espírito inicia sua marcha em demanda da Eternidade e da Luz Imortal, agora com a sublime missão de abandonar os instintos que conserva do reino animal, para incorporar os sentimentos e as virtudes que o conduzam ao Reino de Deus.

                O certo é que todos nascemos iguais, atravessando os mesmos reinos até chegarmos ao período de humanização, onde damos os primeiros passos na condição de “simples e ignorantes”, como falaram os Reveladores a Kardec.

            Aí começa o grande trabalho, a grande opção. Escolhemos os caminhos que mais nos agradam e selecionamos os grupos com os quais nos afinamos, sempre com a assistência e as bênçãos divinas.

                Muitos caem e alguns vencem.

                Para ritmar nossos passos nas sendas do mundo, sempre contamos com a ajuda generosa de Jesus, que não esconde sua condição de Salvador do Mundo. É claro que Ele não se propõe a nos carregar ao colo, enquanto permaneçamos deslumbrados com as fascinações do caminho, mas nos oferece o seu Evangelho de Luz, transbordante de moral e de bondade, para servir como roteiro de redenção para o nosso Espírito.


domingo, 13 de setembro de 2015

Práticas Exorcistas


 - As fórmulas de exorcismo tem 
qualquer eficácia sobre os maus Espíritos?
- Não. Estes últimos riem e se obstinam, 
quando veem alguém tomar isso a sério.

(Questão nº 477 de “O Livro dos Espíritos" )

            A história é antiga e o Evangelho a registra. Nos Atos dos Apóstolos (capítulo XIX), vamos encontrar aqueles judeus que pretendiam imitar Paulo de Tarso, repetindo os feitos extraordinários que decorriam do notável magnetismo e da excepcional estatura moral do apóstolo dos gentios. Conta-se que Sceva, reunido com seus sete filhos, realizou uma prática espírita. Certo Espírito imperfeito, entretanto, manifestando-se através de um dos jovens, tornou-se furioso, agredindo a todos e deixando-os nus e feridos. Em determinado momento, como que para caracterizar que o judeu não dispunha de condição evolutiva para lhe dirigir palavras de correção, o Espírito falou com clareza:

            - Eu conheço Jesus e sei quem é Paulo de Tarso. E vós, quem sois?

            Para facilitar o raciocínio, procuremos em Cândido de Figueiredo definição para a palavra “exorcismo”: “Oração ou cerimônia religiosa para livrar alguém dos Espíritos maus”.

            Ora, a Doutrina Espírita nos ensina que as obsessões, não raro, derivam de mediunidade contrariada ou viciosa, e que, quando essa mediunidade se disciplina e se torna proveitosa no sentido do bem, baseando-se no estudo e amparando-se na renovação moral, passa a ser útil, favorecendo o contato com os Espíritos do Senhor e distanciando os brincalhões e irresponsáveis do Mundo Espiritual.

            Quando apelamos para o exorcismo, com invocações impróprias, sempre ocorrem fatos desagradáveis, conduzindo-nos tais práticas a indesejáveis amizades espirituais, que, no futuro, virão a nos proporcionar “dores de cabeça”...

            O Espiritismo dispensa a superstição e movimenta-se da boca para dentro, vivendo pela força do coração. É doutrina sem dogmas, sem liturgia, sem símbolos e sem sacerdócio organizado. Não adota vestes especiais, não usa incensos, não emprega altares ou imagens, não atende a interesses mundanos, não admite qualquer tipo de pagamento, não prescreve talismãs ou amuletos, não concede indulgências, não confecciona horóscopos, não admite quaisquer atos materiais oriundos das velhas e primitivas concepções religiosas. Andaram certos os Reveladores dizendo a Kardec que os Espíritos imperfeitos acham graça da nossa infantilidade, quando apelamos para as fórmulas exorcistas, pretendendo libertar-nos de problemas decorrentes das nossas próprias afinidades espirituais.

            A fórmula exata, aquela que o Codificador recomenda, é a da renovação moral, do aperfeiçoar dos sentimentos e do acréscimo de conhecimentos espirituais. A assistência do Alto, então, se firmará conosco; as práticas exorcistas se tornarão inúteis; desaparecerão as angústias e as dores, enquanto as alegrias do Amor e as esperanças na vitória do Bem passarão a constituir a tônica de nossa vida.

            Na antiguidade, com efeito, empregavam-se estranhas cerimônias para enfrentar os maus Espíritos, mas, nos dias atuais, em razão dos ensinos espíritas, tal combate necessita se processar em outras bases, recorrendo-se à renovação moral e ao exercício do bem.

            Práticas exorcistas
Arthur da Silva Araújo

Brasil Espírita / Reformador (FEB) Agosto 1971

sábado, 2 de maio de 2015

A Velha História da Traição de Judas

A Velha História
da Traição de Judas

Arthur da Silva Araújo
Reformador (FEB) Abril 1971

            É velho costume chamar-se “Judas” às pessoas que agem com falsidade,
traiçoeiramente, praticando atitudes incorretas. A histórica personagem tornou-se símbolo da ignomínia humana; e nós, como que agravando a situação, continuamos ofertando-lhe, pela força do hábito, pensamentos negativos e destruidores.

            A questão, por ser delicada, requeria comentários esclarecedores, os quais, por seu turno, reclamavam prévio estudo da personalidade de Judas. Fomos conduzido, assim, a consultar “Os Quatro Evangelhos”, de J. B. Roustaing, encontrando, no segundo volume, este valioso pronunciamento:

            “Entre os doze estava Judas, que traiu a Jesus. Era um Espírito elevado em inteligência, mas, pedindo permissão para auxiliar a Jesus, se encarregara de uma missão acima de suas forças, tomara um peso superior ao que lhe era possível suportar, e faliu”.

            E no terceiro volume há esta preciosa elucidação:

            “Judas, que era um Espírito desejoso de adiantar-se, mas orgulhoso, e por demais confiante nas suas forças, pedira, antes de encarnar, que lhe fosse concedido participar da obra do Cristo, esperando tirar dessa participação abundantes e preciosos frutos. Em vão seus Guias lhe fizeram ver os escolhos contra os quais iria chocar-se. Em vão lhe disseram ser ainda muito fraco para suportar tão grande peso, e lhe mostraram que, obumbradas suas resoluções e esperanças na carne, os sentimentos de inveja e de cobiça despertariam e o arrastariam inevitavelmente a uma queda, que tanto mais perigosa seria quanto mais obstinado ele perseverasse no seu propósito”.

            O tema é apaixonante e pode ser apreciado por variados ângulos, levantando-se hipóteses que permitam o nosso entendimento acerca do triste episódio.

*

            Primeira hipótese:

            Ter-se-ia Judas realmente conduzido de maneira venal? Ter-se-ia movimentado, no lamentável acontecimento, impulsionado apenas pelos imperativos do dinheiro? Teria beijado o Mestre em troca de vantagens financeiras?

            Não nos parece tenha sido essa a sua meta, porque era ele, na verdade, pessoa digna e proba (embora disso discordasse o apóstolo João), a ponto de ter sido o escolhido pelo Mestre para exercer as funções de tesoureiro do colégio apostólico. Cabia-lhe angariar fundos, fazer coletas e providenciar donativos, de modo a que o agrupamento dispusesse do numerário suficiente para atender a aflitos e necessitados que buscavam, além dos benefícios espirituais, alimentos e agasalhos.

            Tudo indicava que Jesus devesse ter escolhido Mateus para essa função, face à sua maior experiência no trato do dinheiro, como antigo cobrador de impostos. Surpreendentemente, porém, Judas foi o indicado para esse mister, para o que deve ter contribuído a retidão do seu caráter.

            Admitamos, entretanto - só para raciocinar -, que Judas se tivesse deixado envolver pelo polvo da corrupção. Teria ele, em consequência, sido comprado pelo valor, verdadeiramente ridículo, de trinta moedas de prata? Não teria sido mais lógico que fugisse com a bolsa das esmolas? Por que, então,satisfeito nos seus intentos, apelou para o suicídio?

            Segunda hipótese:

            Assegura-se que Judas, praticando a traição, estaria servindo de instrumento para que se confirmassem as escrituras. Ora, a aceitar-se tal versão, Judas teria sido escolhido por Satanás (?!?), especificamente, para a prática do grave delito. A Doutrina que nos consola e felicita, consagrando o livre arbítrio recusa a fatalidade. Como, pois, aceitar a. interferência de Satanás? A ser isso verdade, Judas não seria uma figura odiada por muitos, como acontece, merecendo ser trata do, ao inverso, como verdadeiro mártir do Cristianismo, fazendo jus ao nosso respeito e à nossa admiração.

            A admitir-se que Judas tivesse sido utilizado por Satanás, para confirmação das escrituras, estaríamos lançando por terra o próprio edifício doutrinário.

*

            Terceira hipótese:

            Judas era judeu e, como tal, mui justamente sonhava com as alegrias do seu povo. Admite-se tenha sido um autêntico patriota. Movido, portanto, por motivos libertadores, se teria ligado ao Nazareno na convicção de que Ele, sendo o Messias prometido, chegara exatamente para oferecer carta de alforria à sua raça oprimida.

            Com a continuação do convívio com Jesus, porém, fora se convencendo de que o Mestre não viera para solucionar o problema de Israel, mas, na verdade, para oferecer um programa de salvação para todos os povos, entrelaçando pretos e brancos, ricos e pobres, felizes e desgraçados. Não viera para aquinhoar este ou aquele povo ou raça, mas para entrar em ligação com todos, objetivando conduzi-los, através dos caminhos da compreensão e do amor, aos estágios mais altos da felicidade.

            Caberia a Judas, se quisesse, dar as costas ao Mestre, desligando-se do agrupamento apostólico. Por que traí-lo? Por que as trinta moedas? Por que o suicídio?

*

            Quarta hipótese:

            Outra razão a ser considerada é a que se relaciona com a perda da confiança em Jesus, face às suas frequentes afirmações de humildade.

            A declaração de que seria subjugado pelas forças dominantes e condenado à morte, poderia ter enchido Judas de apreensões, temeroso das fraquezas do Mestre e talvez preocupado quanto aos riscos que também viesse a correr.

            Admitamos - só para argumentar - que Judas tivesse pensado na conveniência de se afastar de Jesus, colocando-se, desse modo, em posição de maior segurança pessoal. Caso acontecesse a perda da fé, cabia-lhe transferir-se para as hostes adversárias, reunindo-se às altas figuras de Roma e da Palestina.

            Trair Jesus é hipótese absurda, notadamente quando esse ato teve como epílogo os gestos de arrependimento e de vergonha, refletidos no suicídio.

*

            Quinta hipótese:

            Recorda-se que Jesus, certa vez, em Betânia, na casa de Maria, irmã de Lázaro,
teve seus pés banhados por unguento de alto valor, e que Judas, também presente, recriminou o fato, com veemência - como bom tesoureiro -,' sugerindo se vendesse o perfume de modo a que, com o dinheiro arrecadado, melhor pudessem ser atendidos os pobres.

            Jesus, que sabia estar sendo tramada sua “morte” e, ainda, que seu corpo, de acordo com a tradição judaica, deveria ser aromatizado para descer ao sepulcro, replicou a Judas:

            - “Maria guardou esse perfume para a minha sepultura”.

            Traumatizado com a censura pública, Judas teria jurado vingança, planejando a
entrega do Mestre aos seus algozes. A tese é fraca, mas, ainda que a aceitássemos, como justificar o recebimento das moedas de prata e o gesto extremo do suicídio?

                                                                       *

            Verificamos, desse modo - sempre admitindo hipóteses -, que as da venalidade, da ligação com Satanás, do patriotismo, da perda da fé e da mágoa não se ajustam à realidade dos fatos.

            Uma outra, entretanto, pode ser considerada, evidentemente mais sensata, e que, no nosso humilde entender, melhor esclareceria o episódio. Prende-se à possível precipitação de Judas, dentro do apressado julgamento da conduta de Jesus.

            Como bem retratou Roustaing, Judas era “um Espírito elevado em inteligência”, que confiava demais nas suas forças” e, ainda, que esperava obter “abundantes e preciosos frutos” na participação da obra de Jesus. Pensava que o Mestre era muito doce, que suas palavras eram realmente formosas, que seus conceitos eram por demais comoventes, mas que sua obra vinha se processando de maneira muito lenta, quando eram exigidas medidas e providências enérgicas e capazes de assegurar rápida vitória.

            Judas, que “se encarregara de uma missão acima de suas forças, que tomara um peso superior ao que lhe era possível suportar”, como está em “Os Quatro Evangelhos”, ficara verdadeiramente estarrecido ao ouvir, dos lábios de Jesus, a anunciação de que “menor seria o maior” e de que o “que se humilhasse seria exaltado”.

            Tendo testemunhado muitos dos chamados “milagres”, e sabendo ser Jesus um enviado de Deus, passara a se convencer de que o Mestre possuía condições para fulminar qualquer de seus adversários, desde que recorresse à sua imensa força. Tomando esse ponto de partida e escudado no seu enorme orgulho, foi permitindo que em seu cérebro se alojasse a ideia de que Jesus, pelo simples exercício da vontade, destruiria as barreiras levantadas pelo sacerdócio judeu e pelos delegados de Herodes.

            Judas amava profundamente a Jesus e aceitava, em sua inteireza, a comovente mensagem de salvação que Ele nos veio trazer, mas, a par disso, sempre afoito, considerava que o Mestre vinha prejudicando a marcha, dos acontecimentos e retardando a vitória final ao insistir nas teclas da humildade e do perdão ilimitado.

            Não tinha dúvidas quanto à pureza dos sentimentos de Jesus, os quais sobrepairavam às maldades humanas, mas também sabia que essa conduta não era a mais indicada, uma vez que as circunstâncias estavam exigindo pulso forte, reclamando ação vigorosa, de modo a facilitar a disseminação dos ensinos pregados. Eram os sentimentos de “inveja e cobiça” que “o arrastariam inevitavelmente a uma queda”.

            Compreendia que o movimento cristão era muito lindo, mas que jamais chegaria a triunfar com a simples participação de pescadores humildes e de pessoas de poucas letras ou de reduzidas condições financeiras.

            Sua cabeça estalava e ia admitindo a possibilidade de uma junção estratégica com as forças dominantes, que detinham o prestígio social e o poder econômico, visando ao inimigo comum, representado pelos obstáculos do caminho.

            É bem provável que Judas tenha conversado com Jesus acerca das ideias que povoavam o seu cérebro, na busca aflitiva de uma fórmula capaz de harmonizar os interesses da comunidade cristã com os do grupo oposto, mediante aliança tática que se completaria com o consequente expurgo dos elementos que revelassem, mais tarde, oposição aos princípios esposados por Jesus. Sempre recorrendo à evasiva, certamente o Mestre ia deixando sem resposta as inaceitáveis sugestões de Judas, o que o levava a maior inquietação e desespero.

            Judas passou a armar, então, o tenebroso plano: sugeriria aos adversários a prisão de Jesus e Ele, então, dispondo de poderes divinos, liquidaria formal e categóricamente com seus algozes.

            O fruto, no entender de Judas, estava pronto para ser colhido, não se justificando as protelações.

*

            Judas acabou por tomar a terrível resolução, avistando-se com os altos dignitários do Sinédrio, a pretexto de lhes pedir um auxílio para a bolsa das esmolas, ocasião em que obteve a nefanda ajuda das trinta moedas. Ao curso dessa entrevista, com muita astúcia, ter-se-ia queixado de Jesus, insinuando a possibilidade de sua prisão, para tranquilidade de todos. Os sacerdotes e os escribas vibraram de alegria, acertando-se as minúcias do acontecimento que finalizaria com o insulto do Calvário.

            O Mestre conhecia tudo que se passava e não estava alheio aos pensamentos de Judas, permitindo, contudo, que eles se desenvolvessem, em evidente sinal de respeito ao livre arbítrio do discípulo irrequieto. Apesar disso, Ele amava a Judas, tanto que, naquele dia trevoso, quando os soldados foram detê-lo, Jesus o saudou com estas palavras repassadas de carinho:

            - “A que vieste, amigo?”

            Naquele momento difícil, Jesus não recorreu a palavras de acusação ou de queixa. Tratou Judas de “amigo”, porque reconhecia o amor que o discípulo lhe dedicava e o erro que estava cometendo. Sabia que Judas caminhava para um despenhadeiro, mas não lhe cabia impedir a experiência que havia livremente escolhido.

*-

            Quando os soldados romanos detiveram o Mestre, Judas, a distância, antegozando a vitória, teria pensado:

            “- Chegou a hora. Ele reagirá com sua força divina, fulminando os opressores.”

            Mas Jesus, ao contrário das previsões, deixou-se prender, pacificamente, como se fosse criatura comum. Traumatizado com o espetáculo, Judas pôs-se em pranto e, como que aturdido, olhava para aquelas cenas e não as assimilava, porque jamais concebera a derrota de Jesus perante os homens. Experimentava a dura e amarga realidade: Jesus fora preso e seria condenado à morte, cabendo-lhe toda culpa pelo acontecido. Era o único responsável.

            Com a alma estraçalhada, teria retornado ao Sinédrio, desesperado, para devolver as trinta moedas de prata que haviam sido o pretexto da entrevista, e, após, alucinado, entregou-se ao suicídio.

*
            O Espírito Humberto de Campos, em “Crônicas de Além-Túmulo” , oferecendo valioso depoimento de Judas, recorda a luta então existente: o Sinédrio desejando o reino do Céu e, Roma, o reino da Terra, com Jesus entre essas duas forças antagônicas, na sua pureza imaculada. Judas confessa ter planejado a revolta surda, mas acrescenta que tudo se desenrolara de maneira imprevista e com desfecho que não estava nas suas cogitações.

*

            Dois mil anos depois, continuam os homens recorrendo ao insulto, chamando-se de “Judas” ... Recordam a traição do apóstolo, examinando-a superficialmente, através da “letra que mata”, sem se mostrarem dispostos a procurar as causas determinantes da traição, que foram marcadas, é certo, com acentuado orgulho, mas, de igual sorte, com o sublimado afeto que o discípulo afoito dedicava ao meigo e doce Pastor de nossas almas.


quinta-feira, 21 de junho de 2012

Evolução em Linha Reta


Evolução
em Linha Reta

            O Comentário surgiu ao ensejo de reunião doutrinária, quando eram concluídos estudos em torno da necessidade da encarnação dos Espíritos, para realizarem sua marcha evolutiva.

            O assunto, aparentemente simples, merecia, entretanto, apreciação mais profunda, capaz de conduzí-Io a feliz arremate.

            Foi nessa ocasião que distinta consoror fez esta indagação:

            - Por que os Espíritos, desligando-se do plano espiritual, que deve ser mais propício para o seu adiantamento, são compelidos a descerem a mundos físicos, algemando-se à carne?

            A pergunta, formulada de maneira objetiva, não comportava evasivas, exigindo resposta clara e convincente, como deve ser sempre a dos espíritas.

            Recordamo-nos, então, do valioso ensino de Emmanuel, contido na questão nº 277 do esplêndido livro “O Consolador”. Referindo-se aos Eleitos, ou seja, aos que percorreram toda a escala evolutiva, o querido Benfeitor os aponta como sendo aqueles “que se elevaram para Deus em linha reta, sem as quedas que nos são comuns, sendo justo afirmar que o orbe terrestre só viu um Eleito, que é Jesus-Cristo”.

            Ora, com tais palavras, Emmanuel assegura ser realizável a marcha para Deus em linha reta, isto é, sem a necessidade das encarnações físicas, consequentes das “quedas que nos são comuns”.

            Esse ensinamento, por si só, bastaria como resposta à indagação da estimada companheira de doutrina. Não satisfeitos, entretanto, fomos procurar outro ponto de apoio na substancial obra “Os Quatro Evangelhos”, de J. B. Roustaing, onde o assunto é abordado com minúcias.

            Logo no primeiro volume recolhemos esta valiosa lição:

            “Chegados, quanto a desenvolvimento espiritual, ao ponto em que recebem o dom precioso e perigoso do livre-arbítrio (isto é, ao atingirem o estado hominal), os Espíritos, iguais sempre, todos no estado de inocência e de ignorância, se revestem do perispírito que recobre a inteligência independente. Essa operação de revestir o perispírito, que, do ponto de vista material, se deveria chamar “envoltório”, constitui, então, para todos, encarnação fluídica”.

            Os evangelistas que ditaram a obra, descendo a detalhes, acrescentaram:

            “Todos, puros nessa fase de inocência e de ignorância, igualmente submetidos a Espíritos encarregados de os guiar e desenvolver, têm a liberdade de seus atos e podem, no estado fluídico, progredir, indo desse período de infância e de instrução à perfeição, mediante contínuos e sucessivos progressos”.

            Resulta dessas lições que os Espíritos, ao receberem o livre-arbítrio (classificado pelos evangelistas como precioso e perigoso), podem caminhar para Deus em linha reta, como esclarece Emmanuel, sem a necessidade de descerem à carne, para as experiências que lhes cabem.

            Resvalando pela imprevidência, entretanto, são banidos do mundo espiritual e encaminhados ao plano físico, a fim de nele executarem o trabalho progressista, agora entre enfermidades e inquietações.

            A evolução, contudo, poderia ocorrer em linha reta, como Espíritos, caso tivessem permanecido vigilantes, como acrescentaram os evangelistas:

            “Alguns, porém, dóceis aos incumbidos de os guiar e desenvolver (Espíritos-Instrutores), seguem simples e gradualmente pelo caminho que lhes é indicado para progredirem”. (É nosso o parêntese).

            E mais adiante:

            “Os Espíritos que, dóceis a seu guias, não se transviam, continuam a progredir no estado fluídico”.

            E os evangelistas, desejando que não permanecessem dúvidas sobre o assunto, afirmaram:

            ”Os que se conservam puros também desenvolvem atividade e inteligência a fim de progredirem no estado fluídico por meio de esforços espirituais que necessitam fazer para, da fase de inocência e de ignorância, de infância e de instrução, chegarem, sem falir, à Perfeição”.

            Encontramos, a seguir, esta outra lição:

            “Também desenvolvem, na medida da elevação alcançada, inteligência e atividade em prol da vida e harmonia universais, estudando e trabalhando, sempre como Espíritos, nos mundos que servem de habitação a seus irmãos encarnados por terem falido e nos mundos onde se encontram Espíritos no estado de erraticidade (isto é, sujeitos a novas encarnações)”.

            Ficamos pensando, então, como poderia se processar essa evolução, no mundo espiritual, sem saber quais as tarefas ou experiências a que seriam submetidos os Espíritos. E os evangelistas explicam que eles “chegando a um certo grau de desenvolvimento moral e intelectual, são atraídos para o estudo dos mundos, de seus princípios, de suas organizações, e se entregam a esses estudos dirigidos por Espíritos de pureza perfeita. Sob essa direção eles trabalham na constituição de planetas, os desenvolvem e impelem, de esferas em esferas, para as regiões que lhes são próprias”.

            Nessa altura, os evangelistas fazem questão de destacar os riscos a que se submetem os que isso efetivam, dizendo:

            “Esse o momento em que muitos se transviam, dominados pelo orgulho, que os leva a desconhecer a mão diretora do Senhor ou a duvidar do seu poder”.

            Em razões desses ensinos, poderíamos assim concluir:

a) - que os Espíritos, para alcançarem a Perfeição, tanto progridem no plano etéreo quanto nos mundos físicos;

b) - que, chegando à condição hominal e em estado de inocência e de ignorância, recebem o livre-arbítrio, que lhes faculta responsabilidade aos atos;

c) - que o revestimento perispiritual representa para eles uma encarnação fluídica;

d) - que, nessa fase, são submetidos a trabalhos continuados, sempre assistidos por mentores encarregados de os guiar e desenvolver;

e) - que, tornando-se dóceis a essa orientação e não falindo, podem continuar avançando, sempre em estado fluídico, pelos caminhos da evolução;

f) - que, sempre em estado fluídico, vão vencendo os estágios da inocência e da ignorância, mediante o apuro das atividades e da inteligência;

g) - que, à proporção que se adiantam no progresso, também ampliam os labores em favor da vida e da harmonia universais servindo junto a encarnados e desencarnados que permanecem na erraticidade;

h) - que, em tais contatos com os mundos físicos, estudam a organização dos mesmos, sempre orientados por Espíritos elevados;

i) - que, nessa hora, contagiados pelas paixões humanas, muitos se desgarram, permitindo que o orgulho e a vaidade se apossem de seus corações;

j) - que, em consequência, são compelidos a abandonarem o plano espiritual, aceitando dolorosas encarnações, repletas de amarguras e de inquietações.

            Verifica-se, assim, que os Espíritos não foram criados, especificamente, para os sofrimentos físicos, mas, em verdade, para chegarem a Deus, em linha reta, como elucida Emmanuel.

            Ao contato, porém, com os mundos físicos, deixam-se envolver pelas tentações ambientes, mergulhando nos sofrimentos originários da carne.

            É por isso que há Espíritos falidos, sujeitos a encarnações dolorosas, e também é por isso que a lágrima e a aflição são condições marcantes em nossas vidas.


por Arthur da Silva Araújo 

in ‘Reformador’ (FEB) Jan 1971





quarta-feira, 20 de junho de 2012

Perturbação Espiritual



Perturbação
 Espiritual
- A alma tem consciência de si mesma imediatamente após deixar o corpo?

- Imediatamente não é bem o termo.  A alma passa algum tempo em estado de perturbação:

(Questão n" 163 de "O Livro dos Espíritos")


             Só pelo estudo criterioso da Doutrina dos Espíritos, através do ângulo filosófico, é que podemos, na verdade, compreender alguns curiosos acontecimentos relacionados com o Mundo Espiritual. A pergunta formulada por Kardec aos Espíritos Reveladores, por isso, é de suma importância, uma vez que, sobre o assunto, são múltiplas as interpretações.

            A resposta dada, embora das mais simples, esclarece sobejamente, explicando o que acontece ao Espírito, ao ensejo da desencarnação, momento em que se defronta com o problema chamado “perturbação espiritual”.

            Meditando na solução dada à questão nº 163 e às que se seguem, somos levados a admitir a existência de três fases distintas no desdobramento do trabalho de elucidação do Espírito recém-desencarnado:

           1ª fase - Busca da Identidade - A primeira preocupação reside no ingente esforço de reavivar a memória, traumatizada com o acelerar víbratórío decorrente da ausência do corpo. Esse trabalho é de variável tempo de duração, tudo dependendo da maior ou menor condição de desmaterialização do Espírito. O tempo pode ser de horas ou de anos. Em se tratando de Espírito que tenha vivido como um homem de bem e que já tenha alcançado apreciável índice de progresso espiritual, o estado de perturbação é passageiro, permitindo a lembrança de sua identidade sem maiores delongas.

            Nas reuniões de intercâmbio frequentemente nos defrontamos com Espíritos aflitos, totalmente desprovidos de memória, que não se recordam, sequer, dos seus próprios nomes. São aqueles que conduzem as consciências repletas de inquietações e remorsos, não dispondo, consequentemente, da necessária serenidade para a reflexão.

           2ª fase - Reconhecimento do Local - Os que estão presos às tradicionais interpretações religiosas esperam, com a “morte”, o acesso às esferas das bem-aventuranças ou às torturas sem fim, onde há “fogo que não consome”.

            Aos seus olhos tudo se esboça de maneira diversa. Encontra vida movimentada, atuante, febril, com atividade intensa e continuada, e isso os surpreende. Com o tempo e o esforço de adaptação, entretanto, os Espíritos vão-se convencendo de que Céu e Inferno, efetivamente, não passam de estados de consciência, jamais existindo como regiões específicas. No Espaço, portanto, ou melhor dizendo, na erraticidade, é que vão efetivando o esforço de aperfeiçoamento intelectual e moral, preparatório para futuras encarnações, observadas as leis de Afinidade e de Causa e Efeito.

            3ª fase - Providências Necessárias- Quando seja possível aos Espíritos vencerem as duas primeiras fases, isto é, lograrem sua identidade e reconhecerem o local em que se encontram, é que poderão atacar a terceira etapa, ou seja, aquela relacionada com as medidas indispensáveis para o prosseguimento da caminhada evolutiva.

           É nessa hora que vão prevalecer todas as elucidações doutrinárias obtidas através do estudo metódico e criterioso das obras básicas de Kardec, nas quais a Doutrina dos Espíritos é profundamente analisada pelos ângulos moral, filosófico e científico.

            Cada Espírito reconhecerá, então, encontrar-se no Espaço ilimitado, onde prosseguirá no trabalho corajoso de emancipação do erro, através da assimilação dos ensinos superiores de ordem moral e intelectual. E saberá, decorrentemente, que o trabalho profícuo e o desinteresse integral pelas coisas materiais serão as poderosas armas a adotar para o combate às milenárias imperfeições que o classificam em baixo nível de progresso espiritual.

            Reconhecendo tais imperativos, cabe-nos proceder com as maiores cautelas, enquanto estamos na carne, colocando-nos sempre como candidatos potenciais para a vida no mundo etéreo, habilitando-nos para essa transição, de modo a que a fase normal de perturbação não seja cruel para conosco, mas que, isso sim, em razão de nossos conhecimentos doutrinários e de nossa conduta evangélica, possamos amenizar as inquietações e os sustos dessa hora difícil.

           

por Arthur da Silva Araújo 

in ‘Brasil Espírita’ (FEB) Jan 1971




domingo, 21 de agosto de 2011

'As más conversações corrompem os bons costumes'


‘As Más Conversações
Corrompem os Bons Costumes’
           
            Dirigindo-se aos Coríntios, Paulo de Tarso afirmou que as más conversações corrompem os bons costumes (1ª, XV, 33).
            O conceito do apóstolo dos gentios vem confirmar a anotação contida no Livro dos Salmos, de ser do nosso dever guardar a língua, de modo a que os lábios não venham a falar mentirosamente (XXXIV, 13). Nos Provérbios de Salomão, o mesmo tema é apresentado de forma objetiva, com a assertiva de que os lábios dos justos sabem o que mais agrada, enquanto a boca dos ímpios anda cheia de perversidades (X,32) e, mais adiante, de que a boca, quando aberta com sabedoria, nela sempre se encontra a caridade (XXXI,26).
            Como é fácil de se constatar, o cristão renovado, que é o espírita evangelizado, não mais pode servir como veículo de escândalo, através da palavra irreverente ou incorreta.
            Cuidemos de dar merecida importância ao flagelo social que é a maledicência, compreendendo que a língua tanto pode bendizer como amaldiçoar (Tiago, III, 9).
            O espírita cristão necessita, por isso, censurar rigorosamente a sua conversação, para que não lhe propicie desenganos e tristezas. Esclarecem os nossos Bondosos Benfeitores Espirituais que a má conversa pode acarretar-nos os mais deploráveis desastres:

a          Traçar a nossa inferioridade moral;
b          criar um clima de desconfiança e desassossego;
c          quebrar o sentido fraterno da vida;
d          corromper o nosso equilíbrio mental; e materializar os fantasmas da calúnia, da morte e da desolação.

            Paulo de Tarso tinha razão ao assegurar que o obreiro do bem não tem do que se envergonhar, porque maneja a palavra da verdade, fugindo do falatório profano, que corroi como o câncer. (2º Timóteo, II, 15 a 17)
            O cristão renovado necessita filtrar o que ouve, fechando os canais auditivos para a palavra que expresse malícia, incompreensão, intriga ou maldade. pensamos que isso seja de suma importância, porque os temas negativos envenenam o coração a largo prazo. Recordamos curioso episódio:
            Velho e dedicado confrade despertou, certa vez, irradiando felicidade. O dia era lindo, ensolarado, com o céu inteiramente azul, esbanjando saúde e alegria. Abriu a janela, a fim de sorver, em exercício respiratório, o medicamentoso ar daquela manhã de tantos júbilos, quando notou que o vizinho o saudava, do outro lado do muro. A saudação, entretanto, trazia dramático colorido, assim se resumindo:
            - Tudo vai mal. Não sei mais o que pensar. A politica entregue a demagogos e desonestos, os gêneros alimentícios alcançam preços proibitivo, a mocidade cada vez mais corrompida, a vida...
            ... e não pode prosseguir, porque o estimado confrade, fechando a janela, entrava em prece, visando a arejar o ambiente e não se contaminar com a mordacidade e o pessimismo do vizinho.
            Com o nosso querido Chico Xavier aconteceu coisa ainda mais expressiva. Contou-me ele que, certa vez, quando caminhava por uma estrada de Pedro Leopoldo, percebeu que a seu aldo ia um desconhecido. Como é de costume nas cidades do interior, trocaram saudações e foram conversando. O desconhecido, então, entre gostosas gargalhadas, contou para o Chico imoralíssima anedota. Como sincero servo de Jesus e escravo da moral evangélica, Chico foi ficando ruborizado e chegou ao fim do percurso conduzindo acentuada indignação interior.  Despediu-se do desconhecido e foi aí que o venerável Emmanuel lhe ofereceu a preciosa lição::

            - Porque você, quando o moço concluiu a sua deplorável narrativa, não lhe contou uma outra história, que contivesse formoso sentido moral?

            Acontecimentos como estes se repetem todos os dias, em nossas vidas, importando, por isso, que haja o maior cuidado, de nossa parte, no “ouvir” e também no “falar”, afim de que a nossa palavra reflita sempre o que de melhor possua o nosso coração.    
            O apóstolo Tiago lembra que carregamos um reservatório de água no coração, cabendo à boca fazer as vezes de torneira, através da qual possa correr a água desse reservatório. Se as nossas palavras e conceitos são de ordem inferior, é evidente ser má a qualidade dessa água, mas se elas expressam ideias e opiniões moralizadas, pode-se concluir ser doce o conteúdo do reservatório.
            Ora, encerrando a conversação ódio ou indignidade, é claro que o nosso coração vem sendo sustentado com energias de qualidade inferior ou, por outra palavras, com águas amargosas.
            Por isso, importa nos poupemos das murmurações negativas, que geram antipatias e discórdias; das lamentações descabidas, que atraem as mais atrozes enfermidades; e dos protestos injustificados, que semeiam  a desdirá e a ruína.
            Quando o espírita cristão consegue libertar-se do homem velho, ou melhor, de suas antigas imperfeições, pode anunciar, como fez Paulo de Tarso aos Colossenses, que já se encontra despojado da ira, da cólera, da malícia e da maledicência. (III, 8 e 9).
            O cristão renovado necessita resguardar a moral, a verdade, o equilibro emocional, a fé a e caridade. E nada mais indicado para isso do que domar a língua, como são domados os cavalos bravios, com diminuto freio, e as embarcações gigantescas, com reduzido leme (Tiago, III, 3 a 5).
            Cuidemos de respirar na zona lucida do bem, no clima do amor, invariavelmente louvando e ajudando.
            Cuidemos de distribuir a meiga palavra evangélica aos aflitos, levando-lhes a consolação e a esperança; e também a segura palavra de orientação aos desajustados e aos que experimentam tumultos íntimos, oferecendo-lhes a emancipação da dor e a libertação das trevas.
            Cuidemos de só abrir a boca para construir, louvar e perdoar, a fim de que as nossas gargantas jamais sejam sepulcros abertos, onde a língua fale mentirosamente e a injúria permaneça em seu interior (Romanos, III, 14).


por Arthur da Silva Araújo
in (Reformador Fev 1970)